quinta-feira, 18 de abril de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 11.04.2024

Processo n.º 376/23.1T8TMR.E1

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Sumário:

1 – O regime estabelecido no artigo 1406.º, n.º 1, do Código Civil, é aplicável, ex vi artigo 1404.º do mesmo código, à comunhão hereditária, pelo que, na falta de acordo sobre o uso das coisas que integram a herança, qualquer dos co-herdeiros pode usá-las, contanto que, ao fazê-lo, respeite o fim a que cada uma delas se destina e não prive os restantes co-herdeiros do uso a que igualmente têm direito.

2 – É ilícito o uso de uma fracção autónoma, por um co-herdeiro, de forma que impeça os restantes de também o fazerem.

3 – A violação culposa do direito ao uso da fracção de que é titular o co-herdeiro não utilizador é geradora de responsabilidade civil aquiliana, nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil.

4 – A questão do uso das coisas que integram a herança não se confunde com a da administração desta.

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Autor/recorrente:

AAA.

Réu/recorrido:

BBB.

Pedidos:

a) Ser o uso que o réu faz do imóvel considerado ilícito;

b) Ser o réu condenado no pagamento, ao autor, de uma indemnização, na quantia de € 10.200, correspondente a metade do valor mensal de € 400, que seria possível obter num arrendamento da fracção supra identificada, desde Dezembro de 2018;

c) Ser o réu condenado no pagamento das rendas vincendas até à realização da partilha do imóvel ou até à sua desocupação.

d) Ser o réu condenado no pagamento de juros de mora contados desde a citação na presente acção até efectivo e integral pagamento.

e) Ser o réu condenado a, alternativamente, no prazo de dois meses a contar do trânsito em julgado da sentença, celebrar, com o autor, um contrato de arrendamento nos termos dos artigos 1022.º e seguintes do Código Civil, do qual resulte a renda fixada por este tribunal e o prazo de pagamento da renda, que deverá corresponder ao primeiro dia útil do mês a que disser respeito, ou, no mesmo prazo, deixar o imóvel livre de pessoas e bens.

Sentença recorrida:

Julgou a acção improcedente.

Conclusões do recurso:

a) A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e muito precipitada, tendo partido de pressupostos errados.

b) Entende o recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida.

c) Quando a presente acção foi instaurada, o aqui recorrente não assumia a qualidade de cabeça-de-casal, porquanto o despacho que proferiu à sua designação apenas foi proferido, nos autos de inventário 183/23.1T8TMR, em 13 de Abril de 2023, pelo que não podia, logicamente, proceder a essa instauração imbuído de uma qualidade que não detinha.

d) Ao contrário do referido pelo tribunal a quo, o autor, aqui recorrente, apresentou, efectivamente, alegações, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cfr. “Alegações” com a Ref.ª 47042264, datadas de 07 de Novembro de 2023.

e) Por outro lado, concluiu o tribunal de primeira instância sufragar o entendimento “…que “o artigo 1406.º do CC é inaplicável à situação em apreço porque a natureza da comunhão em que se consubstancia a herança indivisa é incompatível com o disposto nesta norma.”, fazendo assim improceder a presente acção e absolvendo o réu dos pedidos.

f) Ora, com todo o respeito que lhe merece a sentença proferida, o autor, aqui recorrente, não pode deixar de manifestar a sua veemente discordância com tal conclusão.

g) Pelo que, de igual modo e uma vez mais, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo na sentença de que se recorre, a utilização por qualquer herdeiro dos bens da herança em proveito próprio, nas situações em que o cabeça-de-casal não exerça os seus poderes de administração sobre os bens da herança, deve considerar-se sujeita ao regime do artigo 1406.º do Código Civil, face à ausência de uma previsão específica no direito sucessório deste tipo de situações.

h) A utilização de um determinado bem da herança por um dos herdeiros só determina uma privação do uso pelos outros consortes, para os efeitos do artigo 1406.º do Código Civil, se ela contrariar a vontade manifestada de algum deles lhe dar outra utilização.

i) Provou-se nos presentes autos que, não só que não houve qualquer acordo entre o outro herdeiro, o aqui recorrente, e o réu sobre a utilização do bem da herança, como o réu decidiu por sua própria iniciativa ocupar o prédio, ignorando as solicitações que lhe foram dirigidas no sentido de proceder à entrega das chaves do imóvel ao recorrente, de forma a que este pudesse também ter acesso ao mesmo, tudo sem qualquer autorização do (agora) cabeça-de-casal e restante herdeiro, fazendo dele a sua habitação diária - conforme resulta expressamente da matéria de facto provada, supra transcrita em 18.

j) Logo, ocorrendo uma ocupação por um herdeiro de um imóvel pertencente a uma herança, impeditiva do seu uso por outro herdeiro, o prejuízo causado a este último corresponde à parte do valor locativo daquela unidade predial no mercado de arrendamento, durante todo o período em que se verificar tal ocupação, correspondendo essa parcela à quota desse herdeiro na herança.

k) Teria assim de proceder a acção.

l) Não pode, pois, colher a argumentação sustentada pelo tribunal a quo na decisão proferida, uma vez que a vingar o seu entendimento estaria, assim, legitimada a conduta de qualquer co-herdeiro na utilização exclusiva, não autorizada, ilícita e indevida de bens da herança, em manifesto favor deste e prejuízo dos restantes co-herdeiros.

m) Entende o recorrente que a decisão recorrida viola claramente os artigos 562.º, 564.º, 566.º, 1305.º e 1406.º do Código Civil.

Questões a decidir:

1 – Uso dos bens da herança até à partilha;

2 – Verificação dos pressupostos da responsabilidade civil;

3 – Montante da indemnização.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1 – Em 31 de Julho de 2014, no Hospital de (…), faleceu, intestada, CCC, cuja última residência habitual foi na Rua (…), n.º (…), 1.º esquerdo, freguesia de (…), concelho de (…).

2 – Faleceu no estado de viúva de DDD.

3 – Não tendo deixado testamento ou qualquer outra disposição de sua última vontade, sucederam-lhe, como seus herdeiros legitimários, o autor, seu filho, e o réu, seu neto.

4 – CCC deixou, como herança, a fracção designada pela letra D do prédio sito na Rua (…), lote (…), concelho de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º (…) da União das Freguesias de (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da mesma freguesia.

5 – A qual vem sendo habitada pelo réu, sem que tenha sido efectuado qualquer pagamento ou compensação pela ocupação.

6 – Acrescendo que não foi facultado o acesso à mesma ao autor, nem o mesmo autorizou tal ocupação.

7 – Esse não consentimento foi transmitido, através de um contacto telefónico, em Dezembro de 2018, pelo autor ao réu, sendo que foi também durante essa mesma conversa telefónica que o autor solicitou as chaves do imóvel ao réu, de forma a ter acesso ao mesmo.

8 – Não obstante, instado para esse efeito, o réu ignorou ambos os pedidos, que lhe foram feitos pelo autor.

9 – Esse mesmo não consentimento foi reiterado posteriormente pelo filho do aqui autor, junto do réu.

10 – O que mais, uma vez, foi ignorado pelo réu.

11 – Essa utilização do imóvel pelo réu mantém-se desde a data do óbito de CCC e ainda hoje se verifica.

12 – Com este comportamento do réu, designadamente, o uso indevido do imóvel e à revelia do outro herdeiro, o autor foi impedido de, também, utilizar esse imóvel.

13 – Por forma a proceder-se à partilha do imóvel, correm termos, neste Juízo Local Cível, os autos de inventário sob o processo n.º 183/23.1T8TMR, que se encontra pendente.

14 – Considerando que o imóvel se encontra junto a uma das principais avenidas da cidade de (…) e relevando a sua tipologia e área, seria possível obter num arrendamento do imóvel supra identificado, um rendimento mínimo mensal de € 400.

15 – O autor foi nomeado como cabeça-de-casal no processo referido em 13.

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1 – Uso dos bens da herança até à partilha:

Os traços essenciais do litígio são os seguintes:

- O recorrente e o recorrido são os únicos herdeiros;

- Integra a herança uma fracção autónoma;

- O recorrido reside na fracção, sem pagar qualquer contrapartida, desde a data da abertura da sucessão;

- O recorrente foi impedido de utilizar a fracção e opõe-se a que o recorrido nela resida.

O recorrente sustenta que a utilização da fracção pelo recorrido, feita de molde a privá-lo a si próprio de também a utilizar, é ilícita e lhe confere o direito de ser indemnizado. Em abono desta tese, invoca o disposto no artigo 1406.º, n.º 1, do Código Civil (diploma ao qual pertencem todas as normas doravante referenciadas), segundo o qual, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito. O recorrente considera que esta norma deve ser aplicada à comunhão hereditária ex vi artigo 1404.º.

É diverso o entendimento do tribunal a quo.

Este começa por salientar, acertadamente, que o recorrente propôs a acção na qualidade de herdeiro e não na de cabeça-de-casal.

Considera, em seguida, que, a existir uma utilização ilícita da fracção por parte do recorrido, seria a herança, e não o recorrente (simples herdeiro), o titular de um eventual direito a indemnização daí resultante, o que, logo à partida, determinaria a improcedência da acção.

Considera o tribunal a quo, por outro lado, que o disposto no artigo 1406.º é inaplicável à comunhão hereditária porquanto é incompatível com a natureza desta. Cita, a esse propósito, o voto de vencida exarado no acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 21.04.2022, proferido no processo n.º 2691/16.1T8CSC.L1.S1.

As objecções feitas, no referido voto de vencido, à aplicabilidade do artigo 1406.º à comunhão hereditária, são, resumidamente, as seguintes:

- A herança indivisa constitui uma comunhão de tipo germânico ou em mão comum, na qual a propriedade de cada um dos bens não se reparte por quotas ideais, antes tendo, cada um dos titulares, apenas direito a uma quota de liquidação aquando da partilha;

- Daí que, havendo dois herdeiros, não seja correcto afirmar-se que cada um deles tem direito a metade do prédio que faz parte da herança;

- Logo, é impossível repartir o uso do prédio pelos referidos herdeiros em função da quota de cada um e considerar que, na falta de acordo, o herdeiro utilizador tem a obrigação de compensar, nessa medida, o herdeiro não utilizador.

É, naturalmente, diverso o entendimento que fez vencimento no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ao qual o recorrente adere. No que concerne, especificamente, à questão da aplicabilidade do disposto no artigo 1406.º, n.º 1, à comunhão hereditária, a sua fundamentação é, resumidamente, a seguinte:

- A questão do uso de bens da herança, em proveito próprio, por um dos herdeiros, não se mostra especificamente prevista e regulada pelas regras do direito sucessório, pelo que deve considerar-se aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 1406.º, ex vi artigo 1404.º;

- A isso não obsta o entendimento de que, nas situações de comunhão em mão comum, designadamente na comunhão sucessória, os direitos dos contitulares não incidem sobre cada um dos elementos que constituem o património colectivo, mas sim sobre todo ele, como um todo unitário;

- A posse do autor da sucessão sobre os bens da herança continua nos seus sucessores, nos termos dos artigos 1225.º e 2050.º;

- Apesar de nos encontrarmos perante uma posse meramente jurídica, porque não se exige a prática de actos materiais, qualquer dos co-herdeiros, além da acção de petição da herança (artigos 2075.º e seguintes), pode utilizar os meios de defesa da posse relativamente a cada um dos bens da herança (artigos 1276.º e seguintes), inclusivamente contra o cabeça-de-casal que não se encontre no exercício dos poderes de administração (artigo 2088.º, n.º 2);

- Pelo que o artigo 1406.º é subsidiariamente aplicável a uma situação de composse, a qual se verifica sempre que há pluralidade de herdeiros.

À argumentação no sentido da verificação de uma situação de composse por parte dos herdeiros, responde-se, no voto de vencida, em termos que assim se resumem:

- Seria possível pensar na defesa judicial da posse e equacionar a hipótese de uma acção possessória (artigo 1277.º), mais precisamente de uma acção de restituição (artigo 1278.º), destinada a obter a recuperação da posse efectiva e pôr fim ao esbulho, o que permitiria, ainda, ao possuidor restituído, o direito a ser indemnizado dos prejuízos causados pelo esbulho, nos termos do artigo 1284.º;

- Porém, a acção em apreciação não era uma acção possessória; ainda que o fosse, sempre estaria sujeita ao regime das acções possessórias, designadamente à regra do artigo 1284.º, do qual resulta que o possuidor perturbado ou esbulhado não pode pedir a indemnização dos prejuízos sofridos se não pedir, simultaneamente, a manutenção ou a restituição da posse, e a procedência daquele pedido dependerá da procedência deste último;

- Por outro lado, a posse é exercida nos mesmos termos do direito real, pelo que a aplicação do artigo 1406.º depara com os mesmos obstáculos apontados à propriedade colectiva;

- A composse pode existir em relação a qualquer direito real susceptível de posse; se o direito real for divisível (propriedade, usufruto), também a composse o será; se o direito real for indivisível (servidão, enfiteuse), os compossuidores sê-lo-ão in solidum: haverá como que uma titularidade colectiva da posse e não uma posse de quotas ideais do direito possuído;

- O domínio e a posse sobre os bens em concreto da herança só se efectivam após a realização da partilha; a herança constitui um património autónomo, nada mais tendo os herdeiros que o direito a uma quota-parte do património hereditário;

- A posse da herança indivisa é causal, pois o co-herdeiro compossuidor é, simultaneamente, contitular do direito a que a posse corresponde;

- Logo, a invocação da composse pouco ou nada acrescenta para o efeito da protecção do interesse do co-herdeiro;

- Seja como for, o acórdão não fundamenta a conclusão de que a existência de uma situação de composse gera, na esfera jurídica do herdeiro não utilizador, o direito a uma indemnização.

No voto de vencida, considera-se que o meio jurisdicional apropriado para a tutela do interesse do co-herdeiro que não utilizou o bem da herança é uma acção de prestação de contas, a propor contra o co-herdeiro utilizador daquele bem; este deveria ser demandado na qualidade de cabeça-de-casal, com vista ao apuramento das contas da administração da herança.

Foi neste quadro que se desenvolveu a discussão da causa, como resulta da petição inicial e das alegações que o recorrente apresentou antes da prolação da sentença recorrida, bem como desta última.

Analisemos a questão.

Com a morte do autor da sucessão e a consequente abertura desta, coloca-se a questão da utilização das coisas que integram a herança até ao momento em que o direito de propriedade (ou outro direito real de gozo que não se extinga por efeito da morte do titular) sobre cada uma delas ingresse, por efeito da partilha, no património de cada um dos herdeiros. Esse período é, não raro, muito longo, seja devido à inércia dos herdeiros no que concerne à realização da partilha, seja devido ao arrastamento de negociações entre os interessados nesta, seja ainda devido à demora de processo de inventário que seja instaurado em face da ausência de acordo sobre a partilha. Facilmente decorrem vários anos entre a abertura da sucessão e a aquisição dos singulares bens da herança por cada um dos herdeiros.

Daí que a regulação da utilização das coisas que integram a herança constitua um tema da maior importância.

Há coisas que podem permanecer sem utilização durante longos períodos sem que sejam postos em causa interesses relevantes dos co-herdeiros, quer porque não visam satisfazer necessidades prementes destes, quer porque aquela não utilização não afecta a sua conservação. É o caso de objectos preciosos ou de uma colecção de quadros ou de moedas, por exemplo.

Outras coisas existem cuja utilização corresponde a necessidades prementes dos herdeiros, ou de alguns deles. A sua não utilização redundaria, objectivamente, numa perda económica, pois, de um lado, teríamos bens não aproveitados e, do outro, necessidades de herdeiros por satisfazer. O Direito deve visar o melhor aproveitamento possível das coisas para a satisfação de necessidades humanas e não tornar-se um obstáculo a esse aproveitamento e, por essa via, uma fonte de desperdício de recursos, por natureza escassos.

Mais, há coisas que se deterioram se não forem utilizadas regularmente, como é o caso da generalidade das máquinas, nomeadamente de veículos. E há coisas que, se não forem utilizadas de forma permanente, deixam, pura e simplesmente, de existir enquanto tais, como é o caso de uma exploração agrícola ou agro-pecuária, ou de um estabelecimento comercial ou industrial.

Note-se que a questão do uso das coisas que integram a herança não se confunde com a da administração desta.

O artigo 2088.º, n.º 1, estabelece que o cabeça-de-casal pode pedir, aos herdeiros ou a terceiro, a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar, contra eles, de acções possessórias, a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído. Desta norma não resulta, porém, que todos os bens que integram a herança tenham de ser entregues ao cabeça-de-casal. Muito menos que essa entrega tenha como finalidade a sua utilização exclusiva pelo cabeça-de-casal. Este é um simples administrador da herança (artigo 2079.º) e não, sendo herdeiro (como é regra – artigo 2080.º), um herdeiro com privilégios relativos ao uso das coisas que integram a herança[1]. Por isso, «Essencial é que, como aliás se depreende do próprio texto da norma, a entrega material dos bens seja realmente necessária ao exercício da gestão que os artigos 2079.º e 2087.º confiam ao cabeça-de-casal como administrador da herança.»[2]

Em suma, a regulação do uso das coisas que integram a herança constitui uma questão que não pode ser desprezada, impondo-se encontrar um regime legal que salvaguarde devidamente os interesses em jogo. Foi isso que se procurou fazer no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que vimos referenciando, na senda do acórdão do mesmo tribunal de 15.02.2022 (processo n.º 929/14.9TBAMT.P2.S1), ao convocar, com apoio no disposto no artigo 1404.º, o regime estabelecido no artigo 1406.º, n.º 1. É tarefa a que o aplicador do Direito não pode esquivar-se. Daí que, se se considerar inaplicável o regime estabelecido no artigo 1406.º, n.º 1, tenha de se encontrar outro regime jurídico para aquele uso. Isto, claro, partindo do princípio de que são inaceitáveis, quer a solução de vedar, pura e simplesmente, a utilização das coisas que integram a herança, pelos co-herdeiros, até à partilha, quer a de reconhecer, como utilizador exclusivo legítimo de cada uma daquelas coisas, o co-herdeiro que tome a iniciativa de o fazer, unilateralmente, antes dos restantes.

Nesta ordem de ideias, o primeiro reparo a fazer à sentença recorrida é a de, à semelhança do voto de vencida em que se inspirou, após afastar a aplicabilidade do regime estabelecido no artigo 1406.º, n.º 1, não especificar que regime jurídico considera aplicável ao uso das coisas que integram a comunhão hereditária.

Como acima referimos, no voto de vencida, considera-se que o meio jurisdicional apropriado para a tutela do interesse da aí autora é uma acção de prestação de contas, a propor contra o co-herdeiro utilizador da coisa, na qualidade de cabeça-de-casal, com vista ao apuramento das contas da administração da herança. Todavia, isso é questão diversa. Não se indica qual é o regime que se considera aplicável ao uso das coisas que integram a comunhão hereditária.

Na sentença recorrida, ainda se faz menos. Afasta-se a aplicabilidade do regime estabelecido no artigo 1406.º, n.º 1, mas não se indica, nem qual é o regime que se considera aplicável ao uso das coisas que integram a comunhão hereditária, nem qual seria o meio jurisdicional apropriado para a tutela do interesse do aqui autor e recorrente, sendo certo que a solução proposta no voto de vencida não é aproveitável neste processo, pois o réu e recorrido nunca foi cabeça-de-casal.

Em vez disso, conclui-se, na sentença recorrida, que, «não estando ainda a herança partilhada, não é possível atribuir metade do direito de uso do imóvel a cada um dos herdeiros e considerar que, na falta de acordo, o herdeiro utilizador tem a obrigação de compensar, nessa medida, o herdeiro não utilizador, termos em que, mais não resta do que julgar a presente ação improcedente». Considera-se, portanto, que, na falta de acordo, o herdeiro utilizador não tem a obrigação de compensar o herdeiro não utilizador. Nem na proporção indicada (metade do valor de uso), nem em qualquer outra, aparentemente.

Ou seja, cairíamos, ou na solução de vedar o uso das coisas que integram a herança pelos co-herdeiros, salvo, eventualmente, acordo de todos eles sobre os termos desse uso, ou na solução de reconhecer, como utilizador legítimo, o co-herdeiro que primeiro iniciasse a utilização de determinada coisa e privasse os restantes de fazerem outro tanto. Como anteriormente referimos, qualquer destas soluções é de afastar.

O reparo, que acabamos de fazer, à ausência de indicação de um regime legal de uso das coisas que integram a herança pelos co-herdeiros alternativo àquele que o artigo 1406.º, n.º 1, estabelece, não resolve a questão com que nos defrontamos. A aplicabilidade do regime do artigo 1406.º, n.º 1, à comunhão hereditária, tem de ser demonstrada.

O primeiro dado a ter em conta é a ausência de regulamentação específica sobre o uso, pelos co-herdeiros, das coisas que integram a herança. Em vez disso, temos o artigo 1404.º, que manda aplicar as regras da compropriedade, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles. Saliente-se: independentemente da natureza da comunhão. Não se restringe a aplicabilidade das regras da compropriedade às hipóteses de comunhão romana, com exclusão da comunhão em mão comum.

Sendo assim, o regime do artigo 1406.º, n.º 1, só não será aplicável à comunhão hereditária se se demonstrar a sua incompatibilidade com a natureza desta. A redacção desta norma é a seguinte: «Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito».

Não divisamos qualquer obstáculo à aplicabilidade desta norma ao uso das coisas que integram a comunhão hereditária pelos co-herdeiros. Se houver acordo entre estes, valerá esse acordo. Na falta dele, qualquer dos co-herdeiros terá o direito de usar as coisas que integram a comunhão hereditária, desde que respeite o fim a que cada uma delas se destina e não prive os restantes co-herdeiros da possibilidade de fazerem o mesmo.

A circunstância de os co-herdeiros não serem titulares de quotas sobre cada um dos bens que constituem a herança, mas apenas sobre a globalidade desta e para valerem no momento da partilha, é, para este efeito, irrelevante.

Mais, esta característica da comunhão hereditária até a torna mais harmoniosa com o regime do artigo 1406.º, n.º 1, que a própria compropriedade. Nesta, ao usar a totalidade da coisa, o comproprietário vai além das forças da sua quota. Daí a necessidade do n.º 2 do mesmo artigo, que esclarece que o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título.

Na comunhão hereditária, os co-herdeiros têm um direito unitário sobre cada uma das coisas que integram a herança, pelo que, quando um deles usa uma dessas coisas, não se verifica a desconformidade entre esse uso e o direito de que ele é titular sobre a mesma coisa. Daí que a aplicabilidade do n.º 2 à comunhão hereditária seja desnecessária. Dada a natureza unitária do direito dos co-herdeiros sobre cada uma das coisas que integram a herança, em caso algum o uso de uma dessas coisas por um deles poderia conduzir à usucapião, a menos que houvesse inversão do título da posse.

Concluímos, assim, que o regime do artigo 1406.º, n.º 1, é aplicável, ex vi artigo 1404.º, à comunhão hereditária, pelo que, na falta de acordo sobre o uso das coisas que integram a herança, qualquer dos co-herdeiros pode usá-las, contanto que, ao fazê-lo, respeite o fim a que cada uma delas se destina e não prive os restantes co-herdeiros do uso a que igualmente têm direito.

Daí que, quer o recorrente, quer o recorrido, sejam titulares de um direito a usar a fracção dos autos, direito esse decorrente da sua qualidade de herdeiros.

Não se trata aqui de cada um deles ter direito a metade da fracção, ou metade do direito de uso desta, como é referido na sentença recorrida. Por aplicação do regime do artigo 1406.º, n.º 1, quer o recorrente, quer o recorrido, por serem herdeiros, são titulares de um direito de uso da fracção, nos termos ali estabelecidos. Assim acontecerá até à partilha.

2 – Verificação dos pressupostos da responsabilidade civil:

A pretensão indemnizatória do recorrente funda-se em responsabilidade civil aquiliana. Cumpre verificar se se verificam os pressupostos desta, estabelecidos no artigo 483.º, n.º 1.

O recorrido reside na fracção, sem pagar qualquer contrapartida, desde a data da abertura da sucessão. O recorrente, por seu turno, tem sido impedido de utilizar a fracção e opõe-se a que o recorrido nela resida.

Vimos no ponto anterior que, quer o recorrente, quer o recorrido, por serem herdeiros, são titulares, cada um deles, de um direito de uso da fracção.

Este direito de uso não decorre da posse que eles tenham sobre a fracção, pelo que é inútil entrar na discussão sobre se os herdeiros são titulares dessa posse e em que termos.

O mesmo direito de uso também não integra o conteúdo de qualquer direito real de gozo de que recorrente e recorrido sejam titulares sobre a fracção. Nenhum deles é titular de um direito dessa natureza sobre qualquer das coisas que integram a herança.

A fonte de cada um dos direitos de uso da fracção é a qualidade de herdeiro que, quer o recorrente, quer o recorrido, têm, conjugada com o disposto nos artigos 1404.º e 1406.º, n.º 1. O recorrente é titular de um direito de uso da fracção e o recorrido é titular de outro direito de uso da fracção.

Os termos em que o recorrido vem exercendo o seu direito de uso da fracção desde a data da abertura da sucessão violam o disposto no artigo 1406.º, n.º 1, pois impedem o recorrente de, também ele, exercer o seu direito de uso da fracção. Daí que se verifique o primeiro pressuposto da responsabilidade civil aquiliana: a prática de um acto ilícito, por violação de um direito alheio.

O recorrente, não só nunca autorizou o recorrido a usar a fracção em exclusividade, como lhe comunicou, em Dezembro de 2018, que a isso se opunha. Nessa ocasião, o recorrente solicitou, ao recorrido, que este lhe entregasse as chaves da fracção, de forma a ter acesso à mesma, pedido esse que o segundo não satisfez. Em face disto, concluímos que o recorrido sabe que está a violar o direito do recorrente ao uso da fracção e, não obstante, persiste nessa conduta. Verifica-se, pois, o pressuposto da culpa, na modalidade de dolo.

Em consequência da actuação do recorrido, o recorrente encontra-se privado do uso da fracção desde 31.07.2014, data da abertura da sucessão. Contudo, não está provado que o recorrente tenha interpelado o recorrido para cessar o seu uso exclusivo e permitir que, ele próprio, também usasse a fracção, antes de Dezembro de 2018. Sendo assim, é lícito concluir que apenas desde esta última data o recorrente vem sofrendo danos em consequência da privação do uso da fracção.

Encontram-se, assim, reunidos os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana: acto ilícito e culposo, dano e nexo de causalidade entre aquele e este. O consequente direito a uma indemnização surgiu na esfera jurídica do recorrente, titular do direito violado.

3 – Montante da indemnização:

Os danos que, para o recorrente, resultam do facto de o recorrido estar a privá-lo de usar a fracção desde Dezembro de 2018, não são susceptíveis de uma avaliação em função do critério da diferença entre a sua efectiva situação patrimonial e aquela em que ele se encontraria se tal privação não ocorresse, estabelecido, como regra, no artigo 566.º, n.º 2. Em face disso, é aplicável o disposto no n.º 3 do mesmo artigo, de acordo com o qual o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

Está provado que, dando a fracção de arrendamento, seria possível obter um rendimento mínimo mensal de € 400. Mostra-se conforme com o critério de equidade estabelecido no artigo 566.º, n.º 3, calcular a perda que o recorrente sofreu em consequência de o recorrido o ter privado do uso da fracção desde Dezembro de 2018 em metade daquele valor mensal de € 400, ou seja, em € 200 por cada mês de duração dessa situação. Sendo dois os herdeiros, um uso equitativo da fracção – fosse em regime de coabitação, fosse para cada um deles a utilizar em períodos pré-determinados, fosse, simplesmente, para depósito de bens pessoais – traduzir-se-ia numa vantagem patrimonial avaliável em € 200 por mês para cada um deles. Tendo o recorrido privado ilícita e culposamente o recorrente desta vantagem, deverá ser no referido montante mensal de € 200 a indemnização que terá de lhe pagar. Tal indemnização apenas deixará de ser devida a partir do momento em que o recorrido desocupe a fracção ou, quando menos, permita que o recorrente a esta aceda e também posse a usá-la, entregando-lhe uma cópia das respectivas chaves.

Não se apurou em que dia do mês de Dezembro de 2018 o recorrente contactou o recorrido no sentido de lhe transmitir a sua oposição a que ele usasse em exclusivo a fracção e lhe solicitou as chaves desta para, também ele, ter acesso à mesma. Consequentemente, o primeiro mês relativamente ao qual existe o direito de indemnização do recorrente é o de Janeiro de 2019.

Sobre o montante indemnizatório acumulado até à data da citação, são devidos, pelo recorrido, juros de mora, à taxa supletiva legal, desde essa data até integral pagamento – artigos 805.º, n.º 3, e 806.º, n.ºs 1 e 2.

Sobre o montante indemnizatório que for devido pela ocupação ilícita da fracção a partir da data da citação, são devidos juros de mora, à taxa supletiva legal, desde o último dia do mês a que respeitar cada parcela de € 200 até integral pagamento – artigos 564.º, n.º 2, 805.º, n.º 2, al. b), e 806.º, n.ºs 1 e 2.

Em face da procedência dos pedidos de condenação do recorrido no pagamento de uma indemnização e dos respectivos juros de mora, fica prejudicada a apreciação do pedido de condenação do mesmo a celebrar um contrato de arrendamento com o recorrente.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e, julgando-se a acção totalmente procedente:

- Condena-se o recorrido a pagar, ao recorrente, uma indemnização, à razão de € 200 (duzentos euros) por mês, desde Janeiro de 2019, inclusive, até ao momento em que o recorrido desocupe a fracção ou, quando menos, permita que o recorrente a esta aceda e também passe a usá-la, entregando-lhe uma cópia das respectivas chaves;

- Condena-se o recorrido a pagar, ao recorrente, juros de mora, à taxa supletiva legal, sobre o montante indemnizatório acumulado até à data da citação, desde essa data até integral pagamento;

- Condena-se o recorrido a pagar, ao recorrente, pela ocupação ilícita da fracção a partir da data da citação, juros de mora, à taxa supletiva legal, desde o último dia do mês a que respeitar cada parcela de € 200 até integral pagamento.

Custas a cargo do recorrido.

Notifique.

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Évora, 11.04.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.ª adjunta)

(2.ª adjunta)



[1] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.04.2022, que vimos referindo, chama muito justamente a atenção para este aspecto, aí se afirmando que «a competência do cabeça de casal para administrar os bens da herança atribui-lhe os poderes necessários para a prática de atos e de negócios jurídicos de conservação e frutificação normal dos bens administrados […], neles não se incluindo, seguramente, a utilização dos bens da herança para seu exclusivo proveito, designadamente a utilização de um imóvel da herança para nele habitar com a sua família.»

[2] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume VI, Coimbra Editora, 1998, página 148, em anotação ao artigo 2088.º.

quinta-feira, 28 de março de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 07.03.2024

Processo n.º 1226/22.1T8FAR.E1

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Sumário:

1 – O tribunal ad quem deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão do tribunal a quo sobre determinado ponto da matéria de facto se a alteração pretendida pelo recorrente em nada o beneficiar.

2 – Uma cláusula penal pode ser contratualmente estipulada para funcionar em caso de incumprimento de uma determinada prestação, principal ou secundária, ou de um determinado dever acessório.

3 – Por via da estipulação de uma ou mais cláusulas penais, podem ser aplicáveis, no âmbito de uma mesma relação contratual, diversos regimes de responsabilidade contratual em matéria de determinação dos danos a indemnizar e de fixação do montante da indemnização.

4 – Na parte não coberta por qualquer cláusula penal, aplicar-se-á o regime geral da responsabilidade contratual, nomeadamente os ónus de o credor alegar e provar os danos decorrentes de incumprimento que impute ao devedor.

5 – Cada cláusula de um contrato tem de ser interpretada tendo como referencial os interesses, de ambas as partes, que ela visa prosseguir.

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Autora/Recorrida:

- XXX,LTD.

Réu/Recorrente:

- Alberto Costa.

Pedido:

- Condenação do réu a pagar, à autora, a quantia de € 75.000, estipulada, a título de cláusula penal, no contrato entre ambos celebrado, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento.

Sentença recorrida:

- Julgou a acção parcialmente procedente;

- Condenou o réu a pagar, à autora, a quantia de € 20.000, a título de cláusula penal, pelo incumprimento do contrato, acrescida dos juros de mora legais vencidos desde o dia seguinte ao da citação e dos que vierem a vencer-se até integral pagamento;

- Absolveu o réu do restante pedido;

- Absolveu a autora do pedido de condenação como litigante de má fé formulado pelo réu.

Conclusões do recurso:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 05/09/2023, que julgou a ação parcialmente procedente, por provada, e condenou o Réu, ora Recorrente, nos termos dela constantes.

2. Conforme prova produzida, nomeadamente, parte das gravações da audiência de julgamento do dia 04/07/2023, referente ao depoimento da Testemunha Joana Costa, (com início às 11:36 e término às 11:57), nomeadamente minutos 2:44 ao minuto 4:20, minuto 4:44 ao minuto 7:58 e minuto 18:18 ao minuto 18:58; conforme parte das gravações do depoimento da Testemunha Fernanda Costa, (com início às 11:57 e término 12:17), nomeadamente, minuto 4:36 a minuto 6:53, 17:24 a 17:41 e minutos 18:08 a 19:19; depoimento da testemunha Alfredo Igreja (com início da gravação às 15:09 e fim às 15:47), nomeadamente, nos minutos 28:21 a 28:32; depoimento da testemunha Gustavo Cravo (com início às 10:42 e término 11:36), nomeadamente, 10:29 ao minuto 11:38 ,o minuto 22:30 ao minuto 23:54; depoimento de parte da Recorrida (com início da gravação às 14:56 e fim às 15:08), nomeadamente, dos minutos 00:34 a 01:15 e dos minutos dos minutos 01:40 a 01:55 declarações de parte do Recorrente (com início da gravação às 14:24 e fim às 14:55), nomeadamente, 02:08 a 03:11, minutos 4:36 a 6:53, do minuto 07:00 ao minuto 09:42, do minuto 11:10 ao minuto 11:54, do minuto 27:25 ao minuto 28:48, alegações da mandatária do Recorrente (com início às 12:17 e término 12:32), no minuto 10:29 ao minuto 11:38; documento 14 junto à resposta da Recorrida e documento n.º2 da P.I da Recorrida, bem como o comportamento denunciante da testemunha Alfredo Igreja, extremamente nervoso, inquieto, pouco isento, conforme ficou demonstrado na sentença.

3. No dia 30 de outubro de 2017, a Recorrida e o Recorrente celebraram um contrato de prestação de serviços, mediante o qual a Recorrida estava autorizada a angariar clientes e a promover, um imóvel propriedade do Recorrente, durante as semanas entre 18 de março e 4 de novembro, obrigando-se este, por seu turno, a pagar à Recorrida uma comissão 15% das rendas auferidas.

4. A testemunha Alfredo Igreja agiu sempre em representação da Recorrida junto do Recorrente.

5. Em 2018 o Recorrente vendeu este imóvel às suas filhas, tornando-se estas desde então donas e possuidoras do imóvel. - Cfr. Doc. n.º 2 da P.I da Recorrida que constitui prova plena nos termos do artigo 371.º do CC.

6. As novas proprietárias fizeram substituir-se ao Recorrente no contrato ora outorgado, mantendo-se o imóvel a ser promovido pela Recorrida, durante mais 4 anos, depois destas terem comprado o imóvel.

7. Por viverem no estrangeiro, as novas proprietárias mandataram o seu pai, ora Recorrente, através de procuração para agir em sua representação em tudo o que estivesse relacionado com o imóvel.

8. A Recorrida, na pessoa do Senhor Alfredo Igreja, teve conhecimento desta venda em 2018, tendo o contrato renovado ano após ano, até dezembro de 2021, quando o Recorrente, em representação das suas filhas transmitiu que pretendiam arrendar a casa ao ano e que iriam pôr fim ao contrato de prestação de serviços ora outorgado.

9. Logo em 2018, ocorreu uma cessão da posição contratual.

10. Desde daquela data que todas as comunicações que o Recorrente teve com a Recorrida foram feitas na qualidade de representante das suas filhas.

11. Tendo o contrato terminado, em dezembro de 2021, por estarem as proprietárias e o Recorrente descontentes com o estado danificado do imóvel devido a estes arrendamentos de curta duração.

12. O Recorrente quando terminou o contrato, em representação das suas filhas, devido ao descontentamento das proprietárias, sabia que a Recorrida não tinha marcações para o ano de 2022, porque tinha fechado o calendário pelo que

13. Assim, sempre teria que se concluir que a solução dada pela sentença recorrida resultou de erro na seleção e julgamento da matéria de facto, na interpretação e aplicação das regras de direito probatório material, assim como resultou de erro na interpretação e aplicação do Direito, em manifesta errada interpretação e aplicação da cláusula 13.ª do contrato outorgado pela Recorrida e pelo Recorrente.

14. Conforme matéria de facto que se pretende ver alterada, nos termos formulados, no ponto I, do capítulo A das alegações, o ponto 9 da factualidade dada como provada na sentença deve ser reformulado nos seguintes termos: “9. O contrato em apreço foi renovado, dado nenhuma das partes se ter oposto à renovação, tendo a última ocorrido em novembro de 2021, até que em dezembro de 2021, o Réu, como representante das proprietárias do imóvel, informou que não pretendiam continuar a arrendar o imóvel para férias, o que foi aceite pelas donas e proprietárias do bem que depositaram no réu todos os poderes relativamente ao imóvel.”

15. Conforme matéria de facto que se pretende ver alterada, nos termos formulados, no ponto II, do capítulo A das alegações, o ponto 10 da factualidade dada como provada na sentença, deve ser substituído nos seguintes termos: “10. Mesmo após a declaração de venda, o réu sempre se apresentou como pessoa com poderes para decidir das questões relativas ao imóvel. A seu pedido as transferências de julho de 2019 e ss. foram feitas para conta bancária da titularidade de Joana Costa quando antes eram feitas para conta do réu, continuando as comunicações a terem por interlocutor o réu, face aos poderes que lhe foram dados pelas suas filhas.”

16. Conforme explanado, no ponto III, do capítulo A das alegações, o ponto 11 não deveria ter sido selecionado para a matéria dada como provada, ao abrigo do princípio da proibição da prática de atos inúteis, por se mostrar ser um facto manifestamente inócuo e irrelevante para a decisão, pelo que, o mesmo deve ser eliminado da factualidade dada como provada.

17. Conforme matéria de facto que se pretende ver alterada, nos termos formulados, no ponto IV, do capítulo A das alegações, o ponto 13 da factualidade provada na sentença, deve ser reformulado nos seguintes termos: “13. O Réu vendeu o imóvel às Senhoras Joana Costa e Fernanda Costa, suas filhas, no mês de março de 2018, tendo o Réu transmitido esta venda, no ano de 2018, à Autora na pessoa do Senhor Alfredo Igreja.”

18. Conforme matéria de facto que se pretende ver alterada, nos termos formulados, no ponto V, do capítulo A das alegações, o Tribunal a quo, não poderia ter dado como provado o ponto 14 da factualidade provada que consta na sentença, nos termos em que deu, devendo o ponto 14 ser reformulado nos seguintes termos: “14. As adquirentes do imóvel substituíram o seu pai no contrato outorgado, ocorrendo uma cessão da posição contratual do contrato outorgado entre o Réu e a Autora, pelo que, um contrato similar foi outorgado.”

19. Conforme matéria de facto que se pretende ver alterada, nos termos formulados, no ponto VI, do capítulo A das alegações, o facto 15 da factualidade dada como provada, deverá ser substituído pela seguinte redação: “15. Desde a compra do imóvel, em Março de 2018, ao seu pai, que as senhoras Joana Costa e Fernanda Costa, são donas e possuidoras do imóvel, tendo cumprido o contrato até dezembro de 2021.”

20. Conforme explanado no ponto VII, do capítulo A das Alegações, o facto provado 16 foi incorretamente dado como provado, atenta a prova produzida este ponto deve ser eliminado da factualidade dada como provada.

21. Conforme matéria de facto que se pretende ver alterada, nos termos formulados, no ponto VII, do capítulo A das alegações, o ponto 17 deve ser reformulado nos seguintes termos: “17. A Autora, caso o imóvel em apreço fosse arrendado durante todas as 33 semanas de ocupação, de 18 de março a 4 de novembro de 2022, poderia esperar um rendimento de 6.494,25€, que corresponde a 15% de comissão a contabilizar das rendas totais do imóvel no valor de 43.295,00€, apuradas da seguinte forma:

- de 17 de março a 30 de março – 1.540,00€ (que corresponde a 2 semanas ao preço de 770,00€)

- de 31 de março a 11 de maio – 5.334,00€ ( que corresponde a 6 semanas ao preço de 889,00€)

- de 12 de maio a 1 de junho 2.835,00€ (que corresponde a 3 semanas ao preço de 945,00€)

- de 2 de junho a 22 de junho 2.982,00€ (que corresponde a 3 semanas ao preço de 994,00€)

- de 23 de junho a 6 de julho 4.018,00€ (que corresponde a 2 semanas ao preço de 2.009,00€)

- de 7 de julho a 24 de agosto 18.081,00€ (que corresponde a 7 semanas ao preço de 2583,00€)

- de 25 de agosto a 31 de agosto 1.827,00€ (que corresponde a 1 semana ao preço de 1.827,00€)

- de 1 de setembro a 14 de setembro 1.876,00€ (que corresponde a 2 semanas ao preço de 938,00€)

- de 15 de setembro a 28 de setembro 1.512,00€ (que corresponde a 2 semanas ao preço de 756,00€)

- de 29 de setembro a 4 de novembro 3.290,00€ (que corresponde a 5 semanas ao preço de 658,00€)”

22. Face à prova produzida deveria a sentença ter dado como facto não provado que a Recorrida tinha marcações para o ano de 2022, devendo tal facto ser acrescentado à factualidade não provado nos seguintes termos: “Que a Autora tivesse marcações efetuadas para o imóvel para o ano de 2022.”

23. Deve a sentença ser reformulada e acrescentar-se como facto não provado o seguinte: “Que com o fim do contrato, a autora deixou de receber o valor das comissões, tendo algumas reservas para aquela moradia sido canceladas obrigando a autora a procurar soluções para esses Clientes.”

24. Andou mal a sentença, ao concluir que ficou por demonstrar “que em 2018, o réu tivesse comunicado à autora através de Alfredo Igreja que tivesse a intenção de vender e que tivesse comunicado que havia vendido o bem às filhas e que se apresentasse depois apenas como seu representante”, pelo que, deve aditar-se à factualidade provada o ponto 20, com o seguinte teor: “20. Em 2018, o Réu comunicou à Autora, através de Alfredo Igreja, que tinha a intenção de vender e mais tarde comunicou que tinha vendido o imóvel às suas filhas, passando, então, a agir apenas em representação das suas filhas.”

25. A sentença carece de erro na interpretação da cláusula 13ª do contrato outorgado e consequentemente de erro de julgamento.

26. Qualquer questão que se tenha a discutir sobre a resolução do contrato de prestação de serviços objeto desta ação, nada tem a ver com a cessão da posição contratual, que ocorreu há 5 anos, como ficou demonstrado com a prova produzida, mas sim com as incompatibilidades que ocorreram anos mais tarde, mas tudo isso são questões que deveriam ter sido objeto de uma ação em que seriam as novas adquirentes do imóvel parte e não o Recorrente.

27. A Recorrida quis-se valer de uma cláusula muito específica que constava no contrato, que apenas poderia ser utilizada, numa situação muito específica que era uma venda do imóvel sem que um contrato idêntico ao que tinha sido assinado continuasse a vigorar, e a verdade é que o contrato continuou a vigorar, exatamente nos mesmos termos, até aos desentendimentos que ocorreram em dezembro de 2021.

28. A cláusula penal visava compensar a Recorrida pelas eventuais comissões que deixasse de auferir com a transmissão de imóvel e o impacto negativo que os cancelamentos de reservas lhe poderiam causar na sua reputação e imagem como a própria Recorrida admitiu.

29. A Recorrida não sofreu qualquer impacto negativo com a venda do imóvel, pelo que, o acionamento da cláusula penal não tem qualquer fundamento.

30. Não pode a Recorrida fazer-se valer desta cláusula para outros danos que não os que tenham tido por base a transmissão do imóvel passados 4 anos.

31. A sentença carece de nulidade por falta de fundamentação relativamente à má-fé da Recorrida, não podendo ignorar que com a propositura da presente ação a Recorrida violou os limites da boa-fé e da confiança, à luz do conceito “venire contra factum proprium”, sabendo que os danos que alega, não correspondem a danos que levaram ao estabelecimento da cláusula penal e distorcendo a verdade dos factos, para se aproveitar de uma cláusula contratual.

32. Pelo que deve a sentença ser reformulada neste ponto e considerar-se a absolvição do Recorrente na presente ação e a condenação da Recorrida como Litigante de má-fé.

33. Ainda assim, caso não se considere que houve uma verdadeira cessão da posição contratual o que apenas por mero dever de patrocínio se concede, sempre teria o tribunal a quo de interpretar esta cláusula penal à luz do homem médio e dos critérios previstos nos arts. 236º a 238º do CC.

34. O propósito da cláusula, seria sempre evitar danos na Recorrida, no ano da venda do imóvel, no entanto, não conseguiu a Recorrida demonstrar qualquer dano, quer documentalmente, quer testemunhalmente, que tenha ocorrido no ano da transmissão do imóvel qualquer dano na sua esfera jurídica, tendo continuado a o contrato a renovar-se durante os anos de 2018, 2019, 2020 e até dezembro de 2021.

35. Todos os alegados danos referidos pelas testemunhas e pela Recorrida, referem-se a danos que alegadamente ocorreram com a cessação do contrato em dezembro de 2021, cessação essa que nada teve a ver com a venda do imóvel, mas sim com a intenção das proprietárias do imóvel em arrendar a casa anualmente, por se terem desentendido com a Recorrida, nomeadamente, pelos estragos que o imóvel ficava devido aos arrendamentos de curta duração.

36. E ainda em relação a estes danos, a Recorrida não conseguiu demonstrar efetivamente os mesmos, aliás, como consta dos factos não provados da sentença.

37. A Recorrida não juntou qualquer mapa de ocupação do imóvel para o ano de 2022, como fez com o mapa de ocupação do ano de 2021, a falta de documentação que era fácil de obter pela Recorrida, só leva a crer que, assim, como disse o Recorrente em sede de declarações de parte o calendário do imóvel encontrava-se fechado a pedido do Recorrente, pelo que, não podia haver marcações já feitas como tentou demonstrar a Recorrida através das suas testemunhas.

38. Mas se ainda assim, se entender que deve proceder a aplicação da cláusula penal, o que só por mera hipótese teórica e dever de patrocínio se admite, sempre a cláusula penal deverá ser considerada manifestamente excessiva e ser reduzida segundo a equidade para quantia não superior a 6.494,25€, tendo em conta os lucros cessantes relativos a 33 semanas (e atenta a duração anual do contrato), a equidade, os parágrafos 1.º, 2.º e 3.º da factualidade dada como não provada na sentença e ainda tendo em conta que para atingir a quantia de 75.000,00€ seriam necessários quase 13 anos para que a Recorrida obtivesse com o contrato a quantia da cláusula penal, o que só por si demonstra a sua desproporcionalidade.

39. Atendendo à matéria de facto dada como provada, que se pretende ver alterada, decidiu mal o Tribunal a quo no parágrafo 3.º, da página 12, da sentença, devendo ser considerada procedente exceção perentória da ilegitimidade substantiva do Recorrente, nos termos do artigo 576.º, n.º 3 e 579.º do CPC e ser o Recorrente absolvido do pedido.

40. E ainda que assim não se entenda, o que se faz por mero dever de patrocínio, face aos factos que se demonstraram como provados, sempre teria a sentença de ser substituída e reformulada no sentido de considerar o Recorrente como parte ilegítima, nos termos do artº 577º al. c) do CPC, o que levará à absolvição da instância, nos termos do disposto nos artºs 576º.

41. Deve ser revogada a decisão quanto a custas, e as mesmas ficarem a cargo da Requerida, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 527.º do CPC, por se considerar que às mesmas deu causa.

42. Ao não ter julgado de acordo com as antecedentes conclusões, a douta sentença recorrida violou as sobre citadas disposições legais, devendo esta ser revogada e substituída por decisão que absolva totalmente o Recorrente.

Questões a decidir:

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

2 – Se se verificaram os pressupostos do funcionamento da cláusula penal estipulada na cláusula 13.º, n.ºs 3 e 4, do contrato celebrado entre recorrente e recorrida;

3 – Se a recorrida litigou de má-fé.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1. No dia 30 de Outubro de 2017, a autora e o réu celebraram um contrato designado de “prestação de serviços”, mediante o qual aquela se obrigou a promover, para efeitos de ocupação para férias, um imóvel da propriedade do réu, obrigando-se este, por seu turno, a pagar-lhe uma comissão de 15% por cada cliente/reserva, tudo conforme fls. 7.

2. O imóvel em questão corresponde ao prédio urbano, destinado a habitação, designado por lote (…), sito em (…), inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo (…), o qual é parte integrante do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o número (…), freguesia de (…) – fls. 7/13.

3. O réu conhecera a autora em 2017, através de Alfredo Igreja, que sempre se apresentou como o rosto da autora.

4. O referido Alfredo Igreja conhece o réu há mais de 20 anos.

5. E foi no âmbito dessa relação que o referido Alfredo Igreja soube da intenção de o réu explorar o prédio urbano designado por lote 15 e sugeriu-lhe que este tivesse o apoio da autora para a exploração turística do imóvel.

6. Nessa sequência, o referido Alfredo Igreja apresentou, para que fosse assinado, o contrato de fls. 7 e seguintes, o qual já vinha assinado por parte da autora, sendo que o réu o assinou.

7. O réu nunca conheceu, nem falou, com a outorgante Margaret White, que assina em representação da autora, nem nunca a conheceu.

8. Durante todos estes anos, o referido Alfredo Igreja sempre foi o rosto da autora junto do réu.

9. O contrato em apreço foi renovado, dado nenhuma das partes se ter oposto à renovação – fls. 7, cls. 2.ª e 13.ª –, tendo a última ocorrido em Novembro de 2021, até que em Dezembro 2021, o réu informou que não pretendia continuar a arrendar o imóvel para férias e que o teria vendido, o que veio a ser aceite pelas donas formais do bem que informalmente depositaram no réu todos os poderes relativamente ao imóvel.

10. Mesmo após a declaração de venda, o réu sempre se apresentou como pessoa com poderes para decidir das questões relativas ao imóvel. A seu pedido as transferências de Julho de 2019 e seguintes foram feitas para conta bancária da titularidade de Joana Costa quando antes eram feitas para conta do réu, continuando o réu a ser identificado como cliente e as comunicações a terem por interlocutor o réu – fls. 36 e seguintes.

11. A autora solicitou ao réu que reconsiderasse a posição de pôr fim ao contrato e que, em conjunto, tentassem chegar a uma solução que não fosse prejudicial, quer para os clientes, quer para ambas as partes, sem sucesso.

12. Nos termos dos números 3 e 4 da cláusula 13ª do contrato, a venda do imóvel durante o período de vigência deste contrato, sem que o novo proprietário celebre com a primeira outorgante, em momento à outorga da escritura pública de compra e venda (…) um contrato idêntico ao presente, obriga o segundo outorgante a pagar à primeira a quantia de € 75 000, a título de cláusula penal.

13. O réu declarou vender o imóvel às senhoras Joana Costa e Fernanda Costa, suas filhas, no mês de Março do ano de 2018 – fls. 13, facto de que a autora apenas teve conhecimento no ano de 2021.

14. As adquirentes do imóvel não outorgaram com a autora nenhum contrato similar.

15. Até Dezembro do ano de 2021, o imóvel esteve na posse do réu e o contrato foi cumprido por ambas as partes.

16. Com o fim do contrato, a autora deixou de receber o valor das comissões (quinze por cento do valor da reserva, conforme estipulado na cláusula quarta do contrato), tendo algumas reservas para aquela moradia sido canceladas, obrigando a autora a procurar soluções para esses clientes. As comissões previstas tinham por base os preços por semana comunicados ao réu que não os contestou, conforme fls. 14 v. € 8 562,75, 15% de € 57 085 correspondente a 52 semanas de ocupação, prevendo a autora 33 semanas de ocupação.

17. A Autora, caso o imóvel em apreço fosse arrendado durante todas as 33 semanas de ocupação e maior procura (“peak”, “high” e “mid”) de janeiro até 4 de novembro de 2022 (data da renovação do contrato) tinha a expectativa de ter o rendimento máximo de € 6504,75 (€ 3360+ 1540 + 5334 + 2835 + 2982 + 4018 + 18 081 + 1827 + 1876 + 1512) x 0,15), assim apurado: de 7 de julho a 24 de agosto (7 semanas x € 2583); de 23 de junho a 6 de julho (2 semanas x € 2009); de 25 de agosto a 31 de agosto (1 semana x € 1827); de 2 a 22 de junho (3 semanas x € 994); de 12 de maio a 1 de junho (3 semanas x € 945); de 1 a 14 de setembro (2 semanas x € 938); de 31 de março a 11 de maio (6 semanas x € 889); de 17 a 30 de março (2 semanas x € 770); de 15 a 28 de setembro (2 semanas x € 756) de 6 de janeiro a 16 de março (5 das 10 semanas previstas x € 672), ponderando os preços anunciados - fls. 14.

18. A cláusula penal contratualmente estipulada visa compensar a autora, não só pelas comissões que deixa de auferir em caso de transmissão do imóvel, mas também pelo impacto negativo que os cancelamentos de reservas causam na sua reputação e imagem.

19. O réu não procedeu ao pagamento da cláusula penal.

Factos julgados não provados pelo tribunal a quo:

a) Qual a medida concreta em que a imagem da autora ficou afectada.

b) Qual o número de reclamações de clientes em sítios na internet.

c) Que existam reclamações pendentes e pedidos de compensação por resolver.

d) Que, em 2018, o réu tivesse comunicado à autora, através de Alfredo Igreja, que tivesse a intenção de vender e que tivesse comunicado que havia vendido o bem às filhas e que se apresentasse depois apenas como seu representante.

*

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

1.1. O recorrente pretende que o ponto 9 da matéria de facto provada passe a ter a seguinte redacção: «O contrato em apreço foi renovado, dado nenhuma das partes se ter oposto à renovação, tendo a última ocorrido em novembro de 2021, até que em dezembro de 2021, o Réu, como representante das proprietárias do imóvel, informou que não pretendiam continuar a arrendar o imóvel para férias, o que foi aceite pelas donas e proprietárias do bem que depositaram no réu todos os poderes relativamente ao imóvel.»

A actual redacção do ponto 9 é a seguinte: «O contrato em apreço foi renovado, dado nenhuma das partes se ter oposto à renovação – fls. 7, cls. 2.ª e 13.ª –, tendo a última ocorrido em Novembro de 2021, até que em Dezembro 2021, o réu informou que não pretendia continuar a arrendar o imóvel para férias e que o teria vendido, o que veio a ser aceite pelas donas formais do bem que informalmente depositaram no réu todos os poderes relativamente ao imóvel.»

As alterações pretendidas são as seguintes:

- Que se julgue provado que o recorrente era representante das suas filhas, proprietárias do imóvel;

- Que se julgue não provado que o recorrente informou a recorrida da venda do imóvel em Dezembro de 2021.

Nenhuma destas alterações se justifica.

O recorrente invoca os depoimentos das suas filhas, que depuseram como testemunhas e afirmaram terem assinado uma procuração concedendo-lhe poderes «para resolver qualquer situação na casa». Porém, a procuração em causa não consta dos autos, como seria expectável. Ora, o ónus da prova é para levar a sério. Invocar-se a existência de uma procuração escrita sem a juntar aos autos, ainda que através de simples cópia, nem apresentar uma justificação credível para essa omissão, e oferecer, como único meio de prova, os depoimentos de duas filhas, é, no mínimo, temerário. O tribunal a quo não ficou convencido da existência dessa hipotética procuração e este colectivo também não. A prova oferecida sobre o facto em questão não oferece a segurança necessária para a formulação de um juízo de prova.

O recorrente alega ter comunicado a venda do imóvel à recorrida em 2018 e não em Dezembro de 2021. Mais uma vez, os meios de prova invocados pelo recorrente reduzem-se aos depoimentos das suas duas filhas. Por razões idênticas àquelas que referimos a propósito da falta de prova da existência da procuração, os depoimentos das filhas do recorrente, sem corroboração por qualquer outro meio de prova, nunca seriam suficientes para criar uma convicção segura sobre a realização da alegada comunicação de 2018. Comunicações efectuadas no âmbito de um relacionamento comercial como aquele que recorrente e recorrida mantiveram entre si revestem, normalmente, a forma escrita, para mais respeitando a uma matéria de tal forma importante que ficou coberta por uma cláusula penal de € 75.000. Ora, não consta dos autos qualquer documento que corporize aquela comunicação.

Mais, sobre a comunicação hipoteticamente realizada em 2018, as próprias filhas do recorrente apenas demonstraram saber aquilo que este lhes disse. Elas não intervinham no relacionamento comercial com a recorrida, segundo afirmaram.

Concluindo, o ponto 9 da matéria de facto provada deverá manter-se.

1.2. O recorrente pretende que o ponto 10 da matéria de facto provada passe a ter a seguinte redacção: «Mesmo após a declaração de venda, o réu sempre se apresentou como pessoa com poderes para decidir das questões relativas ao imóvel. A seu pedido as transferências de julho de 2019 e ss. foram feitas para conta bancária da titularidade de Joana Costa quando antes eram feitas para conta do réu, continuando as comunicações a terem por interlocutor o réu, face aos poderes que lhe foram dados pelas suas filhas.»

A actual redacção do ponto 10 é a seguinte: «Mesmo após a declaração de venda, o réu sempre se apresentou como pessoa com poderes para decidir das questões relativas ao imóvel. A seu pedido as transferências de Julho de 2019 e seguintes foram feitas para conta bancária da titularidade de Joana Costa quando antes eram feitas para conta do réu, continuando o réu a ser identificado como cliente e as comunicações a terem por interlocutor o réu – fls. 36 e seguintes.»

A alteração pretendida seria consequência da prova de que o recorrente teria passado a interagir com a recorrida na qualidade de procurador de suas filhas.

Vimos em 1.1 que não há fundamento para julgar provada a existência da procuração invocada pelo recorrente, pelo que a alteração por este proposta não tem razão de ser.

1.3. O recorrente considera que o conteúdo do ponto 11 da matéria de facto provada é irrelevante para a decisão da causa, pelo que deve ser eliminado.

Esta pretensão não será satisfeita, por duas razões.

Por um lado, se a matéria em causa fosse irrelevante, a manutenção do ponto 11 não prejudicaria o recorrente. Tal manutenção em nada influiria na decisão da causa. Logo, a sua supressão pelo tribunal ad quem traduzir-se-ia na prática de um acto inútil, proibido pelo artigo 130.º do CPC, que consagra o princípio da limitação dos actos.

Por outro lado, a matéria constante do ponto 11 é relevante para a decisão do recurso. Mais, até favorece o próprio recorrente, como adiante veremos.

1.4. O recorrente pretende que o ponto 13 da matéria de facto provada passe a ter a seguinte redacção: «O Réu vendeu o imóvel às Senhoras Joana Costa e Fernanda Costa, suas filhas, no mês de março de 2018, tendo o Réu transmitido esta venda, no ano de 2018, à Autora na pessoa do Senhor Alfredo Igreja.»

A actual redacção do ponto 13 é a seguinte: «O réu declarou vender o imóvel às senhoras Joana Costa e Fernanda Costa, suas filhas, no mês de Março do ano de 2018 – fls. 13, facto de que a autora apenas teve conhecimento no ano de 2021.»

Está novamente em causa a pretensão do recorrente de que seja julgado provado que foi no ano de 2018 que ele comunicou, à recorrida, a venda do imóvel. Além disso, o recorrente pretende a substituição de «declarou vender» por «vendeu».

Com vista à prova de que comunicou a venda do imóvel à recorrida em 2018, o recorrente invoca, agora, as suas próprias declarações de parte, o depoimento da testemunha Gustavo Cravo e a circunstância de, segundo afirma, a testemunha Alfredo Igreja, quando inquirida sobre se sabia da venda, se encolher e olhar para o chão, num discurso preso e comprometido com a versão da recorrida.

Gustavo Cravo nada disse que sustente a versão que o recorrente pretende ver julgada provada. Como anteriormente concluímos, as filhas do recorrente não demonstraram conhecimento directo do facto em questão, tendo-se limitado a reproduzir, em tribunal, o que o pai lhes transmitiu. Se Alfredo Igreja se encolhia e olhava para o chão em alguns momentos do seu depoimento, é coisa que não temos meios para verificar, dado que apenas temos acesso a gravação áudio. Acresce que a falta de credibilidade do depoimento de Alfredo Igreja apenas legitima a sua desconsideração, não a sua valoração como meio de prova de versão antagónica. Sem corroboração por qualquer outro meio de prova, as declarações de parte do recorrente não são suficientes para criar uma convicção segura de que este comunicou a venda do imóvel logo em 2018.

A substituição da expressão «declarou vender» pela de «vendeu» seria inócua. Com a primeira, o tribunal a quo pretendeu significar a segunda. Tanto assim foi que, ao longo de toda a sentença recorrida, se dá como assente que o recorrente vendeu o imóvel às filhas. E foi com base nesse entendimento que o tribunal a quo condenou o recorrente.

Concluindo, o ponto 13 da matéria de facto provada deverá manter-se.

1.5. O recorrente pretende que o ponto 14 da matéria de facto provada passe a ter a seguinte redacção: «As adquirentes do imóvel substituíram o seu pai no contrato outorgado, ocorrendo uma cessão da posição contratual do contrato outorgado entre o Réu e a Autora, pelo que, um contrato similar foi outorgado.»

A actual redacção do ponto 14 é a seguinte: «As adquirentes do imóvel não outorgaram com a autora nenhum contrato similar.»

Ou seja, o recorrente pretende substituir o facto que consta do ponto 14 por uma conclusão jurídica não sustentada por factos, da qual ainda pretende que seja retirada uma ilação errada. Que dizer disto?

Em primeiro lugar, que não se provou a celebração, entre o recorrente e suas filhas, de um contrato de cessão da posição do primeiro no contrato que celebrou com a recorrida. Nomeadamente, a existência dessa cessão não decorre da venda do imóvel, nem da continuação da execução do contrato celebrado entre recorrente e recorrida.

Em segundo lugar, que uma hipotética cessão da posição contratual significaria, não que «um contrato similar foi outorgado», mas precisamente o oposto: que o contrato celebrado entre recorrente e recorrida se teria mantido, com alteração de uma das partes.

Em terceiro lugar, que o teor do ponto 14 da matéria de facto provada não merece crítica, uma vez que não foi feita prova de que as filhas do recorrente tenham celebrado, com a recorrida, qualquer contrato, nomeadamente um contrato similar àquele que a recorrida celebrou com o recorrente.

Resulta do exposto que o ponto 14 deverá manter-se.

1.6. O recorrente pretende que o ponto 15 da matéria de facto provada passe a ter a seguinte redacção: «Desde a compra do imóvel, em Março de 2018, ao seu pai, que as senhoras Joana Costa e Fernanda Costa, são donas e possuidoras do imóvel, tendo cumprido o contrato até dezembro de 2021.»

A actual redacção do ponto 15 é a seguinte: «Até Dezembro do ano de 2021, o imóvel esteve na posse do réu e o contrato foi cumprido por ambas as partes.»

O fundamento invocado para a pretendida alteração é o de que, como o recorrente e as suas filhas afirmaram no decurso dos seus depoimentos, o primeiro agiu sempre em representação das segundas, munido de uma procuração por estas outorgada; consequentemente, o imóvel estava na posse das filhas do recorrente.

Vimos em 1.1 e 1.2 que inexiste fundamento para julgar provado que as filhas do recorrente outorgaram uma procuração mediante a qual o constituíram seu representante perante a recorrida. Daí que, sem necessidade de outros considerandos, se conclua que o ponto 15 não deverá ser alterado.

1.7. O recorrente pretende a eliminação do ponto 16 da matéria de facto provada, cuja redacção é a seguinte: «Com o fim do contrato, a autora deixou de receber o valor das comissões (quinze por cento do valor da reserva, conforme estipulado na cláusula quarta do contrato), tendo algumas reservas para aquela moradia sido canceladas, obrigando a autora a procurar soluções para esses clientes. As comissões previstas tinham por base os preços por semana comunicados ao réu que não os contestou, conforme fls. 14 v. € 8.562,75, 15% de € 57.085 correspondente a 52 semanas de ocupação, prevendo a autora 33 semanas de ocupação.»

O recorrente pretende ainda a alteração do ponto 17 da matéria de facto provada, nos seguintes termos:

Redacção actual: «A Autora, caso o imóvel em apreço fosse arrendado durante todas as 33 semanas de ocupação e maior procura (“peak”, “high” e “mid”) de janeiro até 4 de novembro de 2022 (data da renovação do contrato) tinha a expectativa de ter o rendimento máximo de € 6504,75 (€ 3360+ 1540 + 5334 + 2835 + 2982 + 4018 + 18 081 + 1827 + 1876 + 1512) x 0,15), assim apurado: de 7 de julho a 24 de agosto (7 semanas x € 2583); de 23 de junho a 6 de julho (2 semanas x € 2009); de 25 de agosto a 31 de agosto (1 semana x € 1827); de 2 a 22 de junho (3 semanas x € 994); de 12 de maio a 1 de junho (3 semanas x € 945); de 1 a 14 de setembro (2 semanas x € 938); de 31 de março a 11 de maio (6 semanas x € 889); de 17 a 30 de março (2 semanas x € 770); de 15 a 28 de setembro (2 semanas x € 756) de 6 de janeiro a 16 de março (5 das 10 semanas previstas x € 672), ponderando os preços anunciados - fls. 14.»

Redacção proposta pelo recorrente: «A Autora, caso o imóvel em apreço fosse arrendado durante todas as 33 semanas de ocupação, de 18 de março a 4 de novembro de 2022, poderia esperar um rendimento de 6.494,25€, que corresponde a 15% de comissão a contabilizar das rendas totais do imóvel no valor de 43.295,00€, apuradas da seguinte forma:

- de 17 de março a 30 de março – 1.540,00€ (que corresponde a 2 semanas ao preço de 770,00€)

- de 31 de março a 11 de maio – 5.334,00€ (que corresponde a 6 semanas ao preço de 889,00€)

- de 12 de maio a 1 de junho 2.835,00€ (que corresponde a 3 semanas ao preço de 945,00€)

- de 2 de junho a 22 de junho 2.982,00€ (que corresponde a 3 semanas ao preço de 994,00€)

- de 23 de junho a 6 de julho 4.018,00€ (que corresponde a 2 semanas ao preço de 2.009,00€)

- de 7 de julho a 24 de agosto 18.081,00€ (que corresponde a 7 semanas ao preço de 2583,00€)

- de 25 de agosto a 31 de agosto 1.827,00€ (que corresponde a 1 semana ao preço de 1.827,00€)

- de 1 de setembro a 14 de setembro 1.876,00€ (que corresponde a 2 semanas ao preço de 938,00€)

- de 15 de setembro a 28 de setembro 1.512,00€ (que corresponde a 2 semanas ao preço de 756,00€)

- de 29 de setembro a 4 de novembro 3.290,00€ (que corresponde a 5 semanas ao preço de 658,00€).»

A matéria de facto constante dos pontos 16 e 17, que se resume a meras previsões, é irrelevante para a decisão da causa, pelas razões que adiante analisaremos com detalhe. Daí que seja inútil procedermos à verificação do acerto da decisão do tribunal a quo que sobre ela recaiu.

1.8. O recorrente pretende o aditamento, ao enunciado dos factos não provados, do seguinte: «Que a Autora tivesse marcações efetuadas para o imóvel para o ano de 2022.»

Esta pretensão não tem em conta as regras sobre a distribuição do ónus da prova. A existência das referidas marcações constituiria um dos factos constitutivos do hipotético direito da recorrida a uma indemnização pela cessação do contrato que celebrou com o recorrente, pelo que caberia àquela, e não a este, o ónus da sua prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil (CC). Significa isto que a omissão da existência das marcações no enunciado da matéria de facto provada é suficiente para que tal hipotético facto não possa ser considerado na decisão da causa, sem necessidade de constar, em formulação negativa, do enunciado dos factos não provados.

1.9. O recorrente pretende o aditamento, ao enunciado dos factos não provados, do seguinte: «Que com o fim do contrato, a autora deixou de receber o valor das comissões, tendo algumas reservas para aquela moradia sido canceladas obrigando a autora a procurar soluções para esses Clientes.»

Tendo em conta o que afirmámos em 1.7., este aditamento seria inútil, desde logo por se tratar de matéria sem relevância para a decisão da causa.

1.10. O recorrente pretende que o conteúdo da al. d) dos factos não provados passe a constar dos factos provados. Está em causa a seguinte matéria: «Que, em 2018, o réu tivesse comunicado à autora, através de Alfredo Igreja, que tivesse a intenção de vender e que tivesse comunicado que havia vendido o bem às filhas e que se apresentasse depois apenas como seu representante.»

Pronunciámo-nos sobre esta questão em 1.1, 1.2, 1.4 e 1.6. Nada temos a acrescentar.

1.11. Concluindo, não há fundamento para proceder a qualquer alteração da decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto.

2 – Se se verificaram os pressupostos do funcionamento da cláusula penal estipulada na cláusula 13.º, n.ºs 3 e 4, do contrato celebrado entre recorrente e recorrida:

O recorrente e a recorrida inseriram, no contrato que entre si celebraram, a seguinte cláusula:

«Cláusula 13.ª/Venda do Imóvel

1. Se durante a vigência do contrato o Segundo Outorgante decidir colocar à venda o imóvel, desde já se obriga a não colocar no imóvel quaisquer placas/informação que evidenciem essa situação, sendo expressamente vedado a potenciais compradores visitar o imóvel durante a época de ocupação.

2. O imóvel apenas poderá ser vendido, durante o período de vigência do presente contrato, se o(s) novo(s) proprietário(s) assinar(em) com a Primeira Outorgante um contrato idêntico ao presente e, a existirem, aceitar(em) todas as reservas.

3. A venda do imóvel durante o período de vigência deste contrato, sem que o novo proprietário celebre com a Primeira Outorgante, em momento anterior à outorga da Escritura Pública de Compra e Venda (ou documento equivalente que titule a transferência da propriedade), um contrato idêntico ao presente, obriga o Segundo Outorgante a pagar à Primeira a quantia de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) a título de cláusula penal.

4. O Segundo Outorgante expressamente reconhece a referida obrigação, obrigando-se ao pagamento da quantia estipulada (€ 75.000,00) no prazo máximo de 3 (três) dias a contar da data da assinatura da Escritura/Documento de Venda.»

A recorrida accionou a cláusula penal estipulada nos n.ºs 3 e 4 desta cláusula com os seguintes fundamentos:

- Em meados de Dezembro de 2021, o recorrente comunicou-lhe que não pretendia continuar a arrendar o imóvel para férias;

- Só em 2022 soube que o recorrente vendera, em Março de 2018, o imóvel às suas filhas, as quais não outorgaram, consigo, um contrato semelhante àquele que celebrou com o recorrente;

- Pelo que o recorrente incumpriu definitiva e culposamente o contrato;

- Incumprimento esse que lhe causou danos, quer por perda de comissões pelos clientes/reservas angariados, quer por ver a sua reputação e imagem comercial negativamente afectada.

Provou-se, entretanto, que a recorrida tomou conhecimento da venda, não em 2022, mas em 2021.

Coloca-se a questão de saber se se verificaram os pressupostos do funcionamento daquela cláusula penal.

O n.º 1 do artigo 810.º do CC estabelece que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível, mediante a estipulação de uma cláusula penal. Trata-se de uma fixação convencional antecipada do montante da indemnização exigível se a parte onerada com determinada obrigação incumprir esta última. É esta a natureza da cláusula penal estipulada entre recorrente e recorrida, dado ter ficado provado que a sua finalidade era compensar a segunda pelas comissões que deixaria de auferir em caso de transmissão do imóvel e pelo impacto negativo dos cancelamentos de reservas na sua reputação e imagem.

Uma cláusula penal com a natureza da dos autos tem natureza acessória de uma obrigação principal. Principal em relação à cláusula penal, note-se. No contexto da relação contratual, a cláusula penal pode ser acessória de uma prestação principal, de uma prestação secundária ou de um dever acessório[1].

Uma cláusula penal pode ser estipulada para funcionar em caso de incumprimento de toda e qualquer prestação e/ou dever acessório emergente de um contrato, mas é normal que o seja com um âmbito mais restrito. No limite, uma cláusula penal pode ser estipulada para funcionar em caso de incumprimento de uma determinada prestação, principal ou secundária, ou de um determinado dever acessório. O princípio da liberdade contratual (artigo 405.º do CC) permite qualquer dessas estipulações.

Se tivermos em mente a riqueza que o conteúdo de uma relação contratual pode assumir e a amplitude com que o princípio da liberdade contratual admite a estipulação de cláusulas penais, facilmente concluiremos que diversos regimes de responsabilidade contratual, em matéria de determinação dos danos a indemnizar e de fixação do montante da indemnização, poderão vigorar no âmbito de um mesmo contrato.

De entre as inúmeras hipóteses concebíveis, destacamos, tendo em conta que a finalidade desta exposição é a fundamentação da decisão a tomar sobre o contrato celebrado entre recorrente e recorrida, a de as partes estipularem uma cláusula penal para a hipótese de incumprimento de uma específica prestação a cargo de uma delas. Estando assim circunscrito o âmbito de aplicação dessa cláusula penal, aplicar-se-á, ao incumprimento de qualquer outra prestação ou dever acessório, o regime geral da responsabilidade contratual em matéria de determinação dos danos a indemnizar e de fixação do montante da indemnização. Também é concebível a hipótese de estipulação de mais de uma cláusula penal no mesmo contrato, cada uma delas para a hipótese de incumprimento de determinada prestação ou dever acessório, vigorando, então, o referido regime geral da responsabilidade contratual na área não coberta por qualquer cláusula penal.

No contrato que celebraram, recorrente e recorrida estipularam uma única cláusula penal, cujos pressupostos de aplicação constam da cláusula 13.ª. Uma interpretação cuidadosa desta cláusula é fundamental para a resolução da questão que temos entre mãos.

Uma primeira conclusão impõe-se: não ficou proibida a venda do imóvel. Em determinadas condições, o recorrente podia fazê-lo sem que daí resultasse o direito de a recorrida accionar a cláusula penal. Sintomaticamente, logo no n.º 1, foram estipuladas duas prestações secundárias, de non facere, a cargo do recorrente, que tinham a intenção de proceder à venda como pressuposto: não colocar, no imóvel, placa ou outra forma de informação que evidenciasse que o mesmo se encontrava à venda; não permitir que potenciais compradores visitassem o imóvel durante a época de ocupação.

Em que condições podia o recorrente vender o imóvel sem gerar, na esfera jurídica da recorrida, o direito de lhe exigir o pagamento da quantia fixada na cláusula penal? A resposta a esta questão decorre, prima facie, da simples leitura dos n.ºs 2 e 3: se o adquirente celebrasse, com a recorrida, um contrato idêntico e aceitasse todas as reservas existentes à data dessa celebração. Esse contrato deveria ser celebrado antes da venda.

A finalidade visada pela estipulação deste regime contratual parece-nos evidente: obstar a que o recorrente se colocasse numa situação de impossibilidade superveniente de cumprimento do contrato decorrente da venda do imóvel.

Os danos que, para a recorrida, resultassem de uma venda que determinasse a referida impossibilidade de cumprimento, ficaram antecipadamente fixados, através da estipulação, no n.º 3, de uma cláusula penal no valor de € 75.000.

Considerando o que ocorreu no caso dos autos, a questão que se coloca, perante o regime contratual descrito, é a seguinte: Vendendo o imóvel, a única forma de o recorrente evitar o pagamento da pena convencional era efectuar a venda a quem previamente celebrasse contrato idêntico ao que ele celebrara com a recorrida? Ou podia o recorrente vender o imóvel sem se expor ao funcionamento da cláusula penal desde que, fosse pela forma descrita, fosse por qualquer outra, o interesse da recorrida na disponibilidade do imóvel para os fins do contrato ficasse salvaguardado?

O n.º 1 do artigo 236.º do CC estabelece que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento de declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

Como interpretar, à luz deste critério, os n.ºs 2 e 3 da cláusula 13.ª do contrato celebrado entre o recorrente e a recorrida?

O resultado de uma interpretação meramente literal é evidente: Vendendo o imóvel, a única forma de o recorrente evitar o pagamento da cláusula penal seria fazê-lo a quem se dispusesse a, previamente, celebrar, com a recorrida, contrato idêntico ao que ele próprio celebrara.

Todavia, este resultado interpretativo contraria o bom senso, não nos parecendo que correspondesse ao sentido que um declaratário normal, colocado na posição de qualquer das partes do contrato dos autos, retiraria da leitura deste. Isto porque gera soluções que, por absurdas, supomos que ninguém aceitaria.

Através da celebração de um contrato, as partes prosseguem determinados interesses, normalmente próprios, harmonizando-os com aqueles que o co-contratante também prossegue. O contrato é um instrumento jurídico para a prossecução de interesses que o direito considera dignos de tutela jurídica (cfr. artigo 398.º, n.º 2, do CC). Daí que a ponderação desses interesses constitua um referencial fundamental para a interpretação de cada contrato.

Cada cláusula de um contrato tem de ser interpretada tendo como referencial os interesses, de ambas as partes, que ela visa prosseguir. Entre um resultado interpretativo adequado à prossecução desses interesses e um outro que o não seja, o intérprete deve optar pelo primeiro. Um resultado interpretativo poderá ser considerado inadequado, nomeadamente, se não permitir a satisfação do interesse do credor com a mesma eficácia que um outro que também se mostre possível e não sacrifique inadmissivelmente o interesse do devedor, ou se sacrificar o interesse do devedor sem vantagem para um interesse do credor que mereça protecção no âmbito da relação contratual.

Analisada tendo como referencial, nos termos expostos, os interesses envolvidos, a cláusula 13.ª do contrato celebrado entre recorrente e recorrida não pode ser interpretada literalmente. Aqueles interesses eram os seguintes: do lado da recorrida, o de garantir a disponibilidade do imóvel para a prossecução dos fins do contrato, evitando que o cumprimento deste por parte do recorrente se tornasse supervenientemente impossível; do lado do recorrente, sacrificar a sua liberdade de disposição do imóvel na estrita medida em que tal fosse necessário para a salvaguarda daquele interesse da recorrida.

Ora, existiam outras formas de prosseguir aquele interesse da recorrida para além da celebração, com o adquirente do imóvel, de um contrato idêntico ao celebrado com o recorrente. Inclusivamente, formas mais conservadoras, que evitavam a celebração de um novo contrato e a alteração da pessoa do co-contratante da recorrida. Formas essas que têm de ser consideradas admissíveis à luz do contrato, uma vez que se consubstanciariam em formas diversas de prosseguir, em idêntica medida, o interesse da credora.

Fere o bom senso uma interpretação que permitisse, à recorrida, exigir o pagamento da pena convencional numa hipótese em que a venda do imóvel fosse feita em condições tais que não pusessem em causa a continuidade do cumprimento do contrato pelo recorrente, ainda que diversa da expressamente prevista nos n.ºs 2 e 3 da cláusula 13.ª. Dito de outra forma, não é crível que um declaratário normal, colocado na posição de qualquer das partes do contrato dos autos, considerasse que uma venda efectuada em condições tais que não beliscassem o interesse da recorrida na disponibilidade do imóvel para os fins do contrato, ainda que não coincidente com a prevista nos n.ºs 2 e 3 da cláusula 13.ª, constituiria fundamento válido para o accionamento da cláusula penal.

O recorrente vendeu o imóvel em circunstâncias tais que lhe permitiram continuar a cumprir o contrato que celebrou com a recorrida durante mais três anos e oito meses. Contrato esse que, esclareça-se, continuou a existir, entre os mesmos sujeitos, após a celebração do contrato de compra e venda do imóvel. Este último não determinou, nem a caducidade do contrato celebrado entre o recorrente e a recorrida, nem a cessão da posição contratual do primeiro para as novas proprietárias. Recorrente e recorrida continuaram titulares dos direitos e adstritos aos deveres resultantes do contrato. Daí que não faça sentido o argumento de que o recorrente carece de legitimidade substantiva.

A celebração de um contrato idêntico ao dos autos entre a recorrida e as adquirentes do imóvel era, nestas circunstâncias, absolutamente desnecessário para a prossecução do interesse contratual da primeira. O próprio recorrente encontrou forma de continuar a cumprir a sua obrigação de disponibilizar o uso do imóvel para os fins do contrato dos autos. Fê-lo tão bem, que a recorrida nem sequer se apercebeu de que o imóvel fora vendido, como ela própria afirma. A venda foi efectuada em Março de 2018 e só no final de 2021 a recorrida tomou conhecimento da mesma. Sinal evidente de que a venda do imóvel em nada afectou o interesse da recorrida que a estipulação da cláusula penal visou salvaguardar. O recorrente teve o cuidado de continuar a executar o contrato como se o imóvel ainda lhe pertencesse, assegurando a colaboração das novas proprietárias para que tal fosse possível, aparentemente através de um contrato de comodato, embora a qualificação jurídica da relação estabelecida entre o recorrente e as novas proprietárias seja irrelevante para dirimir o litígio dos autos.

Sinal ainda mais evidente de que a venda do imóvel em nada afectou o interesse da recorrida que a estipulação da cláusula penal visou salvaguardar é o facto referido no n.º 11 da matéria de facto provada, que o recorrente pretendia ver eliminado: Quando, três anos e oito meses depois da venda, o recorrente comunicou, à recorrida, que pretendia pôr fim ao contrato, esta pediu-lhe que reconsiderasse e, em conjunto, tentassem chegar a uma solução que não fosse prejudicial, nem para eles, nem para os clientes. Com esta atitude, a recorrida demonstrou que, também ela, considerava que a venda do imóvel em nada afectava a continuidade da execução do contrato que celebrara com o recorrente.

A matéria de facto provada não permite concluir que a venda do imóvel tenha sido causal da vontade do recorrente de fazer cessar o contrato que celebrou com a recorrida. Muito pelo contrário. Atente-se no facto de a venda ter ocorrido ao fim de cerca de cinco meses após o início da vigência do contrato e de, depois dela, este último ainda ter sido cumprido pelo recorrente durante cerca de três anos e sete meses. Durante quase todo o tempo de vigência do contrato, o recorrente não foi proprietário do imóvel, sem que isso o tenha levado a pôr em causa o cumprimento das suas obrigações. Mais, o contrato renovou-se quatro vezes, todas elas durante o período em que o recorrente já não era proprietário do imóvel. Parece-nos evidente que a venda nada teve a ver com a vontade do recorrente de fazer cessar o contrato.

A esta mesma conclusão chegou o tribunal a quo, mas sem dela retirar as consequências devidas. O tribunal a quo considerou, sem justificar, que, não obstante a cessação do contrato ser devida, não à venda do imóvel, mas sim ao desinteresse do recorrente na sua continuidade, se verificaram os pressupostos do funcionamento da cláusula penal prevista na cláusula 13.ª. Em consonância com tal entendimento, o tribunal a quo condenou o recorrente no pagamento da pena convencional, tendo, porém, reduzido o montante desta ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 812.º do CC, para o que se baseou no montante máximo, por si calculado, das «comissões referentes às reservas para o ano de 2022, pelo menos até novembro de 2022», que se cifraria em € 6.504,75, conforme n.ºs 16 e 17 da matéria de facto provada.

Discordamos desta solução.

Uma vez que a venda do imóvel não foi causal da cessação do contrato, o qual sempre foi cumprido pelo recorrente até ao momento em que manifestou a vontade de operar aquela cessação, tem de concluir-se que não se verificaram os pressupostos do funcionamento da cláusula penal e, consequentemente, o recorrente não é devedor da pena convencional, reduzida ou não. O interesse da recorrida que a cláusula penal visava salvaguardar nunca foi posto em causa pelo recorrente, o qual, após a venda, continuou a cumprir as suas obrigações contratuais nos exactos termos em que o fazia anteriormente, sem necessidade de cessão da sua posição contratual às novas proprietárias ou da celebração, entre estas e a recorrida, de um contrato idêntico ao dos autos.

A constituir um acto ilícito, a cessação do contrato por iniciativa do recorrente poderia desencadear, não o funcionamento da cláusula penal estipulada na cláusula 13.ª, mas sim a aplicação do regime geral da responsabilidade contratual.

A aplicação deste regime dependeria, em primeiro lugar, da sua invocação por parte da recorrida. Coisa que esta não fez, pois optou por accionar – indevidamente, como vimos – a cláusula penal.

Na hipótese de a recorrida ter fundamentado a sua pretensão indemnizatória no regime geral da responsabilidade contratual, caber-lhe-iam os ónus de alegação e prova da existência e do montante dos danos por si sofridos em consequência da cessação do contrato, nos termos gerais. Entenda-se, ónus de alegação e prova dos danos por si efectivamente sofridos, que não se cumprem através da apresentação de meras estimativas tendo como referência o cenário mais favorável possível, por pressupor que encontraria clientes para todas as semanas do período de ocupação do imóvel. Daí termos afirmado, em 1.7, que a matéria de facto constante dos pontos 16 e 17, que se resume a meras previsões, é irrelevante para a decisão da causa.

Não se tendo verificado os pressupostos para o accionamento da cláusula penal, não poderá manter-se a condenação do recorrente no pagamento de qualquer quantia a esse título, ainda que reduzida nos termos do n.º 1 do artigo 812.º do CC. Consequentemente, a sentença recorrida deverá ser revogada nessa parte, absolvendo-se o recorrente do pedido.

3 – Se a recorrida litigou de má-fé:

O recorrente não se conforma com a absolvição da recorrida do pedido de condenação como litigante de má fé. A sua argumentação é, resumidamente, a seguinte:

a) A recorrida teve conhecimento da intenção do recorrente de vender o imóvel ainda antes da venda;

b) E teve conhecimento da venda na data em que esta ocorreu;

c) Desde sempre a recorrida consentiu na cessão da posição contratual do recorrente;

d) O contrato foi objecto de quatro renovações;

e) A recorrida sabe que não tem o direito de accionar a cláusula penal contra quem não é parte no contrato há mais de quatro anos;

f) A venda do imóvel ocorreu há mais de quatro anos, sem que tenha causado danos à recorrida;

g) A recorrida alega falsamente que só em 2022 teve conhecimento da venda;

h) A pretensão da recorrida é inadmissível porquanto está em manifesta contradição com a realidade dos factos e a sua reiterada conduta ao longo destes quatro anos, em consonância com essa realidade;

i) Esta conduta da recorrida criou, no recorrente e nas adquirentes do imóvel, que passaram a ser as segundas outorgantes no contrato, uma situação de confiança justificada na aceitação da cessão e na renúncia ao direito a invocar a cláusula penal, precisamente por se ter verificado a continuação do contrato;

j) A recorrente alterou a verdade dos factos e omitiu factos relevantes para a boa decisão da causa.

Não ficou provada a quase totalidade dos factos que acabámos de enunciar. Assim, não se provou que:

- A recorrida teve conhecimento da venda do imóvel antes de 2021;

- A posição contratual do recorrente foi cedida às adquirentes do imóvel;

- A recorrida teve conhecimento dessa cessão e prestou o seu consentimento.

Daí que careçam de fundamento as seguintes conclusões:

- A recorrida sabia não ter o direito de accionar a cláusula penal;

- O recorrente não é parte no contrato há mais de quatro anos;

- A pretensão da recorrida está em manifesta contradição com a realidade dos factos e a sua reiterada conduta ao longo do tempo decorrido desde a venda do imóvel até à cessação do contrato;

- A conduta da recorrida criou, no recorrente e nas adquirentes do imóvel, que passaram a ser as segundas outorgantes no contrato, uma situação de confiança justificada na aceitação da cessão e na renúncia ao direito a invocar a cláusula penal, precisamente por se ter verificado a continuação do contrato;

- A recorrente alterou a verdade dos factos e omitiu factos relevantes para a boa decisão da causa.

Pelo que é manifesta a ausência de fundamento para a condenação da recorrida como litigante de má-fé, devendo a sentença recorrida ser confirmada nessa parte.

*

Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso parcialmente procedente:

- Revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou o recorrente a pagar, à recorrida, a quantia de € 20.000, a título de cláusula penal, pelo incumprimento do contrato, acrescida dos juros de mora legais vencidos desde o dia seguinte ao da citação e dos que vierem a vencer-se até integral pagamento;

- Absolvendo-se o recorrente da totalidade do pedido;

- Confirmando-se a sentença recorrida na parte em que absolveu a recorrida do pedido de condenação como litigante de má fé.

Custas a cargo do recorrente e da recorrida em função do seu decaimento, que se fixa em 1/5 para o primeiro e 4/5 para a segunda.

Notifique.

*

Évora, 07.03.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.ª adjunta)

(2.º adjunto)



[1] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. IX, 3.ª edição Totalmente Revista e Aumentada, Edições Almedina, páginas 468, 470, 476 e 477. 

Acórdão da Relação de Évora de 11.04.2024

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