Processo n.º 545/18.6T8EVR.E3
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Sumário:
1 – Recai sobre quem invoca a aquisição do direito de propriedade sobre uma coisa por usucapião o ónus da prova dos factos que constituem pressuposto desta.
2 – São pressupostos da usucapião a posse nos termos do direito real que por essa forma se pretende adquirir e o prolongamento dessa posse por certo lapso de tempo, variável em função dos atributos da mesma posse.
3 – O animus da posse não consiste na convicção de que se é titular do direito real nos termos do qual se possui, mas sim na intenção de agir como titular daquele direito, independentemente da convicção que se tenha acerca dessa titularidade.
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Autores: Marco e mulher, Elsa.
Réus: Isidro e mulher, Odete.
Pedidos dos autores: 1)
Declaração de que os autores são titulares do direito de propriedade do prédio
misto denominado Quinta das Favas, com a área de 0,5000 hectares, a parte
rústica inscrita na matriz da freguesia da (…) sob o artigo 240, da Secção K e
a parte urbana sob o artigo 5200 da União das Freguesias de (…), descrito na
referida Conservatória sob o nº 4917/19910614 daquela freguesia, sendo os RR.
condenados a reconhecerem esse direito; 2) Condenação dos réus a entregarem
imediatamente aos autores, livre e devoluta, a parcela de terreno com a área de
0,1500 hectares correspondente à parte indicada a tracejado na planta junta sob
documento n.º 7 que instrui a petição inicial.
Pedido reconvencional:
Condenação dos autores a reconhecerem o direito de propriedade dos réus sobre a
parcela de terreno com a área de 0,1500 hectares, correspondente à parte
indicada a tracejado na planta junta sob a designação de doc. 7 e que instruiu
a petição inicial.
Sentença: Julgou a acção
improcedente, absolvendo os réus dos pedidos formulados pelos autores; julgou a
reconvenção procedente, condenando os autores a reconhecerem que os réus
adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade sobre a parcela de terreno
com a área de 0,1500 hectares, correspondente à parte indicada a tracejado na
planta junta com a petição inicial sob o documento 7, a fls. 15 verso dos
autos.
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Os autores interpuseram
recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A sentença da qual se recorre não
procedeu, no nosso entendimento, com a diligência que se impunha quanto à sua
fundamentação; leva à factualidade provada diversos factos que deveriam constar
da factualidade não provada (facto provado n.º 16.º e 18º a 23º);
2. A sentença da qual se recorre também
não retira as devidas consequências quanto à valoração de um documento
essencial, existindo, desta forma, manifesto erro na apreciação da prova e flagrante
desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do douto
Tribunal a quo sobre matéria de
facto, que afecta e vicia a decisão proferida;
3. Acresce que, a douta Sentença da qual
se recorre não procedeu com a diligência que se impunha quanto ao efeito a
extrair das referidas declarações das testemunhas, pois que a mesma ao valorar
as declarações de parte prestadas pelo A. Marco, bem como no que diz respeito
às declarações prestadas pelas testemunhas Rui; Carlos; e João, a mesma mais
uma vez teria de considerar provada a não intenção dos RR. de agirem (ou terem
intenção de agir) de acordo com a pretensão de exercer o direito de propriedade
sobre a referida parcela de terreno.
4. Também ao desconsiderar como faz a
isenção das testemunhas apresentadas pelos RR., tendo estas interesse na
decisão da causa, não poder levar (como levou) aos factos provados os artigos
18 a 20.
5. Ao considerar na sua fundamentação as
referências às declarações prestadas pelas testemunhas, como fez, o douto
Tribunal a quo parece incorrer numa
contradição na valoração da prova realizada.
6. Mas quando explana a sua
fundamentação sobre a prova produzida em sede de audiência de julgamento, o
douto Tribunal a quo, desta forma, incorre
em manifesto erro na apreciação da prova e flagrante desconformidade entre os
elementos probatórios disponíveis que afecta e vicia a decisão proferida.
7. A declaração emitida no dia 26 de
Janeiro de 2007 pelo R. Isidro, incorporada no documento nº 5 junto com a
petição inicial, deveria sempre ser considerada eficaz entre as partes
pleiteantes nos autos.
8. Em algum momento, anterior ou
posterior à emissão do documento, nenhum dos RR. colocou em causa o teor dessa
declaração, nem nunca invocou a sua falta de legitimidade por ausência da
intervenção da R. mulher.
9. Desta forma, atento o supra exposto,
essencial seria considerar controvertida a questão da consciência e do animus adquirendi dos RR., como
consequência directa da referida declaração assinada pelo Réu Isidro, a qual
teria forçosamente de levar a conclusão distinta daquela que resulta do facto
provado n.º 16 e 18 a 23 (al. a) do n.º 1 do art.º 640.º CPC).
10. A entender-se como se entendeu na
douta Sentença teria o valor probatório do referido documento, assinado, pelo
R. Isidro, de ser relevado para efeitos probatórios, por isso andou mal o
Tribunal a quo ao decidir de forma
distinta, ao considerar que os RR. e recorridos teriam «(…) a consciência que
aquela parcela de terreno lhes pertencia.».
11. A planta anexa à declaração assinada
pelo Réu Isidro (Documento n.º 05, página 06 da Petição Inicial) era a
constante do cadastro predial (Documento n.º 04 da Petição Inicial), correspondendo
a delimitação feita no terreno.
12. Nos casos específicos em que a prova
documental tem força probatória plena, a lei impõe que a demonstração da
realidade de facto contrário ao que resulta plenamente provado por esses meios
de prova se faça através de mecanismos específicos (art.º 347.º in fine CC) — a
falsidade para a prova documental (art.º 372.º do CC).
13. Ora, os RR. não lograram produzir
este resultado, pois nem tão pouco sequer alegaram a falsidade do documento,
aceitando-o, desta forma, no que à declaração de vontade resultante do mesmo
diz respeito.
14. Em termos processuais, o art.º 607.º
n.º 5 CPC exclui da livre apreciação do juiz os factos já provados por
documento ad substantiam (arts.º
220.º e 364.º n.º 1 CC), os já provados por documento ad probationem (art.º 364.º n.º 2 CC) e os por confissão ou acordo
das partes (art.º 358.º CC e art.º 567.º n.º 2 CPC). Em resumo, os limites são
os que resultam das manifestações do sistema de prova legal no nosso direito.
15. Estamos perante uma confissão
extrajudicial dos RR. e recorridos. Perante o documento em causa, está
subtraída a livre apreciação do Tribunal a
quo, devendo este ter feito constar como provado o teor e sentido das ditas
declarações (cfr. art.º 358.º n.º 1 e 2 CC). Acresce que o referido documento
foi aceite por ambos os RR. e recorridos, não tendo impugnado o mesmo.
16. Não retira a douta Sentença
recorrida, desta forma, as devidas consequências quanto à valoração do
documento e das declarações prestadas pelas testemunhas Rui, Carlos e João,
existindo, desta forma, manifesto erro na apreciação da prova e flagrante
desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão que
afecta e vicia a decisão proferida.
17. Acresce ser pacífico que a
exterioridade do direito real que tem por base dois elementos: o corpus (elemento material). Mas omite manifestamente
o animus (elemento volitivo). A
aquisição da posse tem lugar com a verificação dos dois elementos. Elementos
este que, nas palavras de MANUEL RODRIGUES, “são autónomos, subsistentes por si
próprios; mas que a sua junção é absolutamente necessária para que a posse
exista”, entendendo ainda que, sem o corpus
(…) o animus é um fenómeno puramente
interno; sem o animus o corpus é mera exterioridade, simples
facto material sem significado jurídico” (MANUEL RODRIGUES, ob. cit., p. LVIII.
Cfr., também, MANUEL RODRIGUES, ibidem, págs. 75-76).
18. E quando os RR. e recorridos se
vinculam ao teor da declaração do documento aqui identificado, não é possível
afirmar que esta convicção está implicitamente contida no poder de facto que se
exerce sobre a coisa possuída, mas precisamente o seu contrário.
19. E à questão de saber se realidades
de natureza psicológica podem ou não integrar realidades de facto tem a
jurisprudência do S.T.J. dado resposta positiva, considerando que “factos são
não só os acontecimentos externos, mas também os estados emocionais e os eventos
do foro interno, psíquico”, tendo também aqui como expoente as declarações do
R. e recorrido Isidro quando à restituição e negociação de permuta de terrenos com
os AA. e recorrentes.
20. Não obstante o entendimento do
insigne Professor Menezes Cordeiro, que o papel a dar ao animus não poderá ser senão um papel meramente secundário, a
“Declaração” assinada pelo Réu Isidro desde logo ilidir a presunção constante
do art.1252º, nº 2 do Código Civil, sendo manifesta a convicção dos RR. e
recorridos em como não eram, de facto, proprietários do terreno ocupado.
21. Sobre o que o douto Tribunal a quo não se pronuncia e cujo documento (cfr.
Documento n.º 05 - páginas 06 e 07 -, da petição inicial) e testemunhos
prestados estão em flagrante conflito e contradição com a prova consumada dos
factos n.º 16 e 18 a 23, o qual teriam de ser dados como não provados (al. c)
do n.º 1 do art.º 640.º CPC).
22. Ou seja, é por demais evidente do
teor das declarações das testemunhas, Gilberto, Carlos e João, bem como das declarações
de parte do A. Marco, e do valor probatório do documento a fls 65, que os RR.
recorridos não actuavam sobre a parcela com a intenção de exercer os poderes
que integram o direito de propriedade.
23. Esta conclusão – para além dos
demais argumentos aqui enunciados – faz claudicar um dos elementos essenciais
(cumulativos) da figura jurídica alegada pelos RR. e recorridos no seu douto
pedido reconvencional, nomeadamente o animus
adquirendi. O que forçosamente teria de fazer com que fosse levado aos
«-FACTOS PROVADOS:» que os RR. e recorridos não actuaram com intenção de exercer
os poderes que integram o conteúdo do direito de propriedade. O que não foi
feito pelo douto Tribunal a quo.
24. Com o devido respeito, é
entendimento dos AA. e recorrentes estarmos perante um erro notório na
apreciação da prova e na aplicação do Direito substantivo.
25. Com o devido respeito pelo douto
Tribunal, a Sentença é parca, no nosso entendimento, na fundamentação.
26. Da fundamentação deve resultar, com
clareza, o caminho próprio que o Tribunal seguiu para formar a sua própria
convicção, não podendo ser suficiente uma remissão ou enunciação genérica, como
destacou, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/09/2013
(Proc.º nº 1965/04.9TBSTB.E1.S1, in www.dgsi.pt ).
27. O douto Tribunal recorrido não
indica os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da
lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção
sobre o julgamento do facto provado ou não provado, sendo que existe uma
flagrante contradição entre aqueles que são os elementos de prova disponíveis e
a fundamentação sobre a convicção realizada sobre os mesmos.
28. Mas mais: mais uma vez, com o devido
respeito pelo douto Tribunal, a douta Sentença enferma de ilegalidade na
valoração da prova, porque a Lei impõe vários limites ao juiz no que toca ao
julgamento da matéria de facto.
29. Estando excluída da livre apreciação
do juiz os factos já provados por documento ad
substantiam (arts.º 220.º e 364.º/1 C. Civ.), os já provados por documento ad probationem (art.º 364.º/2 C. Civ.) e
os por confissão ou acordo das partes (art.º 358.º C. Civ. e art.º 567.º/2 C.
Proc. Civ.), mas perante um documento de natureza particular assinado pelo Réu Isidro
e o mesmo não ter sido impugnado por este, forçoso seria que o douto Tribunal
não poderia decidir como decidiu porquanto a livre apreciação não abrange este
facto 16., devendo ser consideradas provadas as declarações constantes do
referido documento, nomeadamente que o Réu Isidro sabia e tinha consciência que
a referida área constante da planta Cadastral não era parte integrante do prédio
sua propriedade.
30. Forçoso seria que o douto Tribunal
concluísse de forma distinta daquela que verteu na douta Sentença, por estarmos
perante uma confissão extrajudicial do Réu, ao afirmar «(…) concordo com a
demarcação efectuada em 30 de Outubro de 2006, relativamente ao prédio 224,
sito na freguesia de (...), concelho de (…), o qual passou a ter uma área de
5000 m2, devido a integrar a área de 1500 m2 que pertencia ao prédio 228» (cfr.
Documento n.º 05 - página 07 -, da petição inicial), e que está subtraída a
livre apreciação do Tribunal recorrido, devendo este ter feito constar como
provado o teor e sentido das ditas declarações (cfr. art.º 358.º/1 e 2 C.
Civ.).
31. A força probatória dos documentos
particulares é determinada pelo art.º 376.º/1 e 2 C. Civil, nos termos do qual
este faz prova plena das declarações atribuídas ao seu autor quando a sua
assinatura tenha sido reconhecida ou não tenha sido impugnada a genuinidade do
documento.
32. É manifesto que o douto Tribunal se
pronuncia sobre a exterioridade do direito real que tem por base o corpus
(elemento material), omitindo manifestamente o animus adquirendi (elemento volitivo) que é claramente contraditado
pelo teor da declaração do documento por este assinado.
33. Acresce que ao decurso de um prazo de
usucapião aplicam-se, por expressa remissão do art.º 1292.º do CC, as regras
respeitantes à suspensão e interrupção da prescrição.
34. Desta forma, este elemento
probatório essencial da exteriorização do animus
non adquirendi do R. Isidro, plasmado no identificado documento e elemento
probatório, interrompe o prazo de usucapião aí em curso, nos termos do art.º
323.º, nº 1 do CC.
35. Essa interrupção, por força do
disposto no art.º 326º, nº 1 do CC, inutiliza todo o prazo de usucapião
decorrido até à “DECLARAÇÃO” que consta do número 17 dos “-FACTOS PROVADOS:”
(documento de fls. 65), originando a contagem de um novo prazo, após a data e
assinatura do mesmo, por não ter decorrido o prazo de usucapião considerado aplicável.
É isto o que resulta do disposto no nº 1 do artigo 327º do CC.
36. Até à data de 26-01-2007, não tendo
então decorrido o prazo de usucapião nem o mesmo alguma vez ter sido invocado
pelos RR. recorridos, em vista da aquisição do direito de propriedade sobre a parcela
de terreno, a declaração de vontade constante do documento assinado pelo R.
recorrido Isidro vale como facto interruptivo da prescrição aquisitiva e
neutraliza qualquer consideração (soma) do tempo decorrido anteriormente a essa
declaração, no quadro da afirmação da existência de um direito de propriedade
constituído por usucapião.
37. O mesmo é dizer que, ao contrário do
supra enunciado pelo douto Tribunal “a quo”, não estavam excedidos os prazos do
artº. 1296º CC para a posse sem registo de título ou de mera posse, mesmo de 15
anos, sendo que entre a data da Declaração (em 26-01-2007) e o início dos autos
(17-03-2018), decorreu o período de tempo aproximado de 11 anos.
38. Não se encontrando verificado, desta
forma, um dos elementos essenciais da figura jurídica da usucapião,
nomeadamente o corpus por um período mínimo de 15 anos (art.º 1296.º CC) e, com
o devido respeito, assim, mal andou o douto Tribunal a quo ao decidir conforme supra se transcreve.
39. O douto Tribunal a quo nem tão pouco se pronuncia ou
invoca o elemento psicológico (animus)
para fundamentar a aplicação do art.º 1287.º CC, nomeadamente pronunciando-se
(e erradamente, conforme supra explanado) sobre o período da posse da parcela
de terreno pelos RR. recorridos (supra transcrito).
40. Para além da douta sentença
recorrida desconsiderar sequer pronunciar-se sobre um dos elementos cumulativos
desta figura jurídica, constata-se que o RR. não logram provar (como lhes
competia) elementos susceptíveis de serem capazes de justificar a intenção de agirem
(ou terem intenção de agir) de acordo com a pretensão de exercer o direito de
propriedade sobre a referida parcela de terreno.
41. Resulta com relativa clareza, de
mera leitura do disposto no art.º 1287º CC, que a orientação seguida pelo
legislador foi no sentido de atribuir ao possuidor não o próprio direito real
correspondente, mas a faculdade de o adquirir. Significa isto que a usucapião
não opera ipso jure, para que a mesma
se verifique é necessário que seja invocada (No mesmo sentido, cf. acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa n.º 2337/2007-6 de 26-04-2007, (Pereira
Rodrigues), sumário: ponto VI.).
42. Os RR. e recorridos declararam o seu
oposto no documento junto a fls. 65 e constante dos factos provados n.º 17, bem
como, em momento posterior, de viva voz, perante o A. recorrente Marco e de
várias testemunhas. E invocaram esta pretensão adquirente unicamente no seu
douto Pedido Reconvencional, cerca de 11 anos após o reinício do prazo,
conforme supra explanado.
43. Para que haja animus, no verdadeiro sentido do termo, enquanto elemento
caracterizador da posse ad usucapionem,
ou seja, animus possidendi, é
necessário que o poder factual ou empírico exercido pelo agente seja
correspondente ao direito real e que esse exercício traduza a sua vontade.
44. Ora, os RR. recorridos não
demonstraram uma vontade de agir como titulares de um direito real, expressando
precisamente o seu oposto… duas vezes.
45. A vontade dos RR. recorridos não
pode ser aferida através de uma introspecção psicológica. Esta é aferida sim,
analisando o seu comportamento, que o mesmo é dizer, a vontade destes tem de
ser determinada pela sua exteriorização, revelada em função dos actos que estes
tenham praticado.
46. Actos esses que, por sua vez,
traduzem a vontade de agir ou não como titulares de um direito real.
47. É por demais evidente que os RR.
recorridos não logram provar o animus
possidendi, como lhes competia demonstrar (art.º 342.º CC – ónus da prova
no pedido reconvencional).
48. Ou seja, competia aos RR. recorridos
provar o animus possidendi, sendo o
entendimento do douto Tribunal a quo
que tendo-o considerado como não provado, por via disso, considerou ainda assim
procedente o pedido reconvencional por aqueles deduzido.
49. Existe assim um erro manifesto e uma
contradição frontal e insanável com a lei substantiva, nomeadamente com os
requisitos cumulativos do art.º 1287.º CC, porquanto os RR. recorridos não
podem adquirir o direito de propriedade sobre a parcela reclamada pelos AA. Recorrentes
porque não só o elemento temporal se encontra verificado (11 anos), como a sua
posse não é manifestamente correspondente aquele direito.
50. Acresce ser palpável e evidente a
contradição existente entre o facto supra transcrito dado como não provado (o
qual faz em absoluto claudicar o alegado como causa de pedir da reconvenção
apresentada pelos RR. recorridos) e a decisão final e respectiva fundamentação
da decisão do Tribunal a quo.
51. Ora, resultando dos factos
considerados provados (conforme ponto 17 da douta sentença recorrida) e dos não
provados (conforme ponto único identificado como a), da douta sentença
recorrida), que os RR. recorridos, não agem na plena convicção, de serem os
donos do prédio em questão, sem lesar o direito de outrem, sem a «consciência
que aquela parcela de terreno lhes pertencia» dúvidas não podem restar que tal
requisito não se encontra preenchido.
52. Pelo que, a douta sentença recorrida
não deveria nem poderia ter reconhecido os RR. recorridos como proprietários da
dita parcela de terreno, o que tendo-o feito, violou o disposto no art.º 1287.º
CC, devendo por isso ser revogada por outra que declare improcedente o pedido
reconvencional por eles deduzido.
53. Por outro lado, deve igualmente
resultar provado, que na data da reunião entre o A. Marco, as testemunhas
Gilberto e João e Carlos, na companhia do R. Pastor, este concedeu e aceitou na
devolução da parcela de terreno ao A. Marco, conforme resulta do depoimento de
parte deste e das declarações das testemunhas, e demais elementos de prova,
designadamente toda a prova documental junta com a PI.
54. Como tal, mal andou, também por
isso, o Tribunal a quo, que deveria ter
considerado como não provado que os RR. e recorridos não agissem ou tivessem
intenção de agir como titulares do direito de propriedade sobre a parcela de
terreno em questão, tendo a sentença em apreço também violado o disposto no
art.º 1265.º CC.
55. A aquisição da propriedade por
usucapião tem como pressuposto a existência de uma posse em nome próprio, não
apenas com corpus, mas também com o animus adquirendi que os RR. Recorridos manifestamente
não lograram provar no seu pedido. Da apreciação conjugada do documento e dos
testemunhos prestados, resulta claro que nenhum dos elementos cumulativos da
usucapião existia.
56. Assim entendemos, que para além de
existir uma contradição nesta sede entre a factualidade dada como provada e os
elementos de prova existentes nos autos, existe também uma valoração ilegal dos
elementos probatórios disponíveis nos autos.
Como tal e respigando tudo o que supra
se deixa dito, deverá ser considerada improcedente, por não provada, a excepção
peremptória de aquisição por usucapião deduzida pelos RR. recorridos e
consequentemente declarado improcedente, por não provado, o pedido
reconvencional por estes deduzido.
Venerandos Desembargadores, deverão V.
Exas. substituir a sentença recorrida, substituindo-a por outra em que
reconheça aos AA. Recorrentes o reconhecimento do seu direito de propriedade
sobre a parcela de terreno, conforme ab
initio peticionado, nomeadamente que declare:
a) que os Autores são titulares do
direito de propriedade do prédio misto denominado Quinta das Favas, com a área
de 0,5000 hectares, a parte rústica inscrita na matriz da freguesia da (…) sob
o artigo 240, da Secção K e a parte urbana sob o artigo 5200 da União das Freguesias
de (…), descrito na referida Conservatória sob o nº 4917/19910614 daquela
freguesia, sendo os Réus condenados a reconhecer esse direito;
b) serem os Réus condenados a entregarem
imediatamente aos Autores, livre e devoluta a parcela de terreno com a área de
0,1500 hectares correspondente à parte indicada a tracejado na planta sob documento
nº 7 que instrui a petição inicial.
Os recorridos apresentaram
contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido.
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Questões a decidir:
- Admissibilidade do conhecimento da
questão da interrupção do prazo de usucapião;
- Impugnação da decisão sobre a matéria
de facto;
- Verificação dos pressupostos da usucapião.
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Na sentença recorrida, foram
julgados provados os seguintes factos:
1 – Na Conservatória do Registo Predial
de Évora encontra-se inscrito a favor dos Autores, pela apresentação 2122 de
20160912 a aquisição do prédio misto denominado Quinta das Favas, com a área de
0,5000 hectares, a parte rústica inscrita na matriz da freguesia da (…) sob o
artigo 240 da Secção K e a parte urbana sob o artigo 5200 da União das Freguesias
de (...), descrito na referida Conservatória sob o nº 4912/ 19910614 daquela freguesia.
2 – Os Autores adquiriram aquele prédio
por compra efectuada a Rui e Guilherme, sendo estes vendedores os herdeiros de Teresa.
3 – Em Agosto de 2003 da Matriz
Cadastral constava que o prédio com o artº. 224 da Secção K propriedade de Teresa
tinha a área total de 0,3500ha.
4 – Em Setembro de 2003 Teresa requereu
a rectificação da área daquele prédio, junto da Repartição de Évora por ter a
área de 5000m2.
5 – Do processo cadastral instaurado no
Serviço de Finanças de Évora sob o nº (…) consta que o prédio rústico com o nº
224 K da freguesia da (…) e que proveio do artº. 209 tem a área de 5000m2.
6 – Este prédio foi desanexado do prédio
inscrito na matriz da freguesia da (…), concelho de Évora, sob o artº. 126º da
Secção K com a área total de 4,000 hectares mediante escritura celebrada em 9
de Janeiro de 1987 no 1.º Cartório Notarial de Évora.
7 – Nessa escritura Teresa vendeu a Manuel
casado com Isabel sob o regime de comunhão geral de bens, 2 parcelas de terreno
com as áreas de 2,500 hectares (parcela 1) e de 1,000hectares (parcela 2) a
desanexar da parte rústica do prédio com parte rústica e parte urbana,
denominado "Quinta das Favas", com a área de 4,000hectares, sito na
freguesia da (…), concelho de Évora, descrito na Conservatória do Registo
Predial de Évora, sob o número 18.134, a fls. 79v, do Livro B-48, registada a
favor da vendedora pela inscrição 39.579, a fls. 28v, do Livro G-51, inscrito
na respectiva matriz, a parte rústica sob o artº. 126º da Secção K e a parte urbana
sob o artº. 912.
8 – O prédio desanexado, com a área de
3,500 hectares, foi descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o
número 01985 da freguesia da (…), ficando a sua aquisição registada a favor de Manuel,
pela inscrição G-1, apresentação nº 4/250687.
9 – Por escritura pública de 2 de
Outubro de 1991 lavrada no 1º Cartório Notarial de Évora, Manuel e mulher Isabel
venderam aos Réus e a André, casado sob o regime de comunhão de adquiridos com Vitória,
o prédio rústico "... com a área de três hectares e cinco mil centiares,
sito na Quinta das Favas, freguesia da Sé, deste concelho de, descrito na
Conservatória do Registo Predial de Évora, sob o número mil novecentos e
oitenta e cinco, daquela freguesia ...".
10 – O artigo 227, Secção K da freguesia
da Sé, concelho de Évora está inscrito na matriz rústica em nome do Réu Isidro,
nela constando ter a área de 1,8250 hectares.
11 – Este artigo confronta a norte com o
artigo 239-K.
12 – Antes da instauração do processo de
cadastro 50/2003 os Réus promoveram alterações à configuração e limites do
prédio que haviam adquirido a Manuel e mulher.
13 – Os Réus submeteram à apreciação da
Câmara Municipal de Évora, no âmbito do processo n. 1.11916, projecto para
licenciamento de obras no artigo 239-K.
14 – A Câmara Municipal de Évora não
reconheceu os limites constantes da planta de implantação com que os Réus
instruíram aquele processo, por não corresponderem aos limites do artigo 239-K
constantes na planta cadastral.
15 – Pelo menos desde a data da
escritura pública de 2 de Outubro de 1991 que o prédio dos Réus manteve aquela
configuração e área.
16 – Os Réus pelo menos desde aquela
data que decidiram do uso e utilização a dar aquele prédio, providenciando pelo
amanho da terra.
17 – Do documento de fls.65 dos autos
sob a epígrafe “DECLARAÇÃO” consta o seguinte:
Eu,
Isidro, casado, residente em Évora na Quinta do Peres, Estrada da Igrejinha,
com o Bilhete de Identidade nº 2366335, concordo com a demarcação efectuada em
30 de Outubro de 2006, relativamente ao prédio 224, sito na freguesia de (...),
concelho de Évora, o qual passou a ter uma área de 5000m2, devido a integrar a
área de 1500m2 que pertencia ao prédio 228.
Évora,
26 de Janeiro de 2007
(segue
assinatura autógrafo de Isidro).
18 – Desde a data da compra em 09.01.1987,
da parcela de terreno com a área de 3,500 hectares, por Manuel, sempre o prédio
esteve na posse primeiro do próprio, depois do filho e do genro e depois do
filho, o actual Réu marido.
19 – Eram estes anteriores proprietários
e o actual Réu e mulher que decidiram o uso a dar ao terreno, procedendo à
cultura das espécies que entendiam lá plantar ou deixando o terreno em pousio,
conforme entendessem, procedendo ao amanho da terra e conservação do espaço.
20 – Sempre foram eles que mandaram
fazer os trabalhos necessários ao amanho da terra e conservação do espaço
quando achavam oportuno, retirando os produtos hortícolas e fruta que o terreno
proporciona.
21 – Pelo menos desde 2017 que os Réus
têm conhecimento que aquela parcela de terreno que os Autores reclamam não lhes
pertence.
22 – Apenas os Autores manifestaram
oposição ao uso do prédio por parte dos Réus.
23 – E só após a aquisição do imóvel
identificado no artigo primeiro dos factos provados pelos Autores.
Na sentença recorrida, foi
julgado não provado o seguinte facto:
a) Os Réus após a compra do terreno
pelos Autores em 2016 providenciaram pelo amanho da terra com a consciência que
aquela parcela de terreno lhes pertencia.
*
Admissibilidade do
conhecimento da questão da interrupção do prazo de usucapião:
Nas conclusões 33 a 38, os
recorrentes opõem, à causa de pedir da reconvenção, a excepção peremptória da
interrupção do prazo da usucapião por via do disposto nos artigos 323.º, n.º 1,
326, n.º 1, 327.º, n.º 1, e 1292.º do Código Civil (CC). Coloca-se a questão da
admissibilidade do conhecimento desta questão no presente recurso.
Resulta dos artigos 627.º,
n.º 1, 639.º, n.ºs 1 e 2, e 640.º do Código de Processo Civil (CPC) que os
recursos ordinários visam o reexame de questões que foram submetidas à
apreciação do tribunal a quo e não o
conhecimento de questões novas, ou seja, suscitadas pela primeira vez perante o
tribunal ad quem. Isto, naturalmente,
sem prejuízo do conhecimento, por este último, das questões que o devam ser
oficiosamente. “Os recursos são meios de
obter a reforma de sentença injusta, de sentença inquinada de vício substancial
ou de erro de julgamento. (…) pretende-se um novo exame da causa, por parte de
órgão jurisdicional hierarquicamente superior.” Esta é uma regra básica em matéria de
recursos, que define a própria natureza destes.
A
questão da interrupção do prazo
da usucapião não é de conhecimento oficioso, como o não é a da prescrição e a da
interrupção do prazo desta. É o que decorre do artigo 303.º, aplicável ex vi
artigo 1292.º, ambos do CC. Daí que a admissibilidade do seu conhecimento pelo
tribunal ad quem dependa de ela ter
sido suscitada no tribunal a quo.
Ora,
isso não aconteceu. A usucapião foi invocada na contestação/reconvenção e, na
réplica, os recorrentes limitaram-se a defender-se por impugnação. Daí que, nas
sentenças sucessivamente proferidas, o tribunal a quo não tenha conhecido da questão da interrupção do prazo da usucapião. Estava-lhe vedado
fazê-lo, precisamente por se tratar de questão cujo conhecimento depende da sua
invocação pela parte a quem aproveita.
Sendo assim, ao invocarem a
interrupção do prazo da usucapião apenas em sede de recurso (e, mesmo aqui,
apenas nos 2.º e 3.º recursos), os recorrentes estão a suscitar uma questão
nova, que não pode ser conhecida pelo tribunal ad quem.
Pelo exposto, não
conheceremos da questão da interrupção do prazo da usucapião.
Impugnação da decisão
sobre a matéria de facto:
A forma como as alegações de
recurso se encontram organizadas não facilita a identificação dos pontos da
matéria de facto que os recorrentes consideram terem sido incorrectamente
julgados. A forma correcta de proceder a tal identificação passa por
especificar, nas conclusões, de forma condensada, os referidos pontos. Por
exemplo, escrevendo que “o recorrente
considera incorrectamente julgada a matéria dos n.ºs 1, 3, 5 do enunciado dos
factos provados e das als. a), c) e e) do enunciado dos factos não provados”.
Se se pretender o aditamento de determinados factos, não discriminados pelo
tribunal a quo, a forma de o dizer
claramente é: “o recorrente pretende o
aditamento dos seguintes factos ao elenco dos factos julgados provados:”,
especificando-os em seguida. Trata-se da forma mais simples e clara de cumprir
o disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC, simplicidade e clareza essas
que a todos (recorrente, recorrido e tribunal) aproveitam.
Quer no corpo das alegações,
quer nas conclusões, os recorrentes adoptaram o método inverso: à medida que
expunham os seus argumentos, foram concluindo, de forma dispersa e repetitiva,
os pontos da matéria de facto que consideram terem sido incorrectamente
julgados pelo tribunal a quo. Assim:
- Na conclusão 1, afirmam que a matéria
dos n.ºs 16 e 18 a 23 dos factos provados deverá ser julgada não provada;
- Na parte final da conclusão 3, parece
que pretendem o aditamento, ao enunciado dos factos provados, da “não intenção dos RR. de agirem (ou terem intenção
de agir) de acordo com a pretensão de exercer o direito de propriedade sobre a
referida parcela de terreno”;
- Na conclusão 4, reafirmam a pretensão
de que o conteúdo dos n.ºs (a que chamam artigos) 18 a 20 dos factos provados
seja julgado não provado;
- Na conclusão 21, reafirmam que a
matéria constante dos n.ºs 16 e 18 a 23 deverá ser julgada não provada;
- Na conclusão 29, reafirmam que a
matéria constante do n.º 16 deverá ser julgada não provada e que devem “ser consideradas provadas as declarações
constantes do referido documento, nomeadamente que o Réu Isidro sabia e tinha
consciência que a referida área constante da planta Cadastral não era parte
integrante do prédio sua propriedade”, reportando-se ao documento
transcrito no n.º 17;
- Na conclusão 30, os recorrentes
repetem que deverá ser julgado provado “o
teor e sentido das ditas declarações”, reportando-se ao documento
transcrito no n.º 17;
- Na conclusão 53, os recorrentes
expressam a pretensão de que seja aditado, ao enunciado dos factos provados,
que, em reunião realizada com o recorrente Marco e as testemunhas Rui, João e Carlos,
o recorrido Isidro concedeu e aceitou a devolução da parcela ao primeiro.
Sendo o objecto do recurso,
também no que concerne à matéria de facto, delimitado pelas conclusões dos
recorrentes, concluímos que estes pretendem que:
- O conteúdo dos n.ºs 16 e 18 a 23 dos
factos provados seja julgado não provado;
- Seja aditado, ao enunciado dos factos
provados:
- Que os recorridos não tiveram a
intenção de agir “de acordo com a
pretensão de exercer o direito de propriedade sobre a referida parcela de
terreno”;
- O conteúdo do documento transcrito no
n.º 17;
- Que o recorrente Isidro “sabia e tinha consciência que a referida
área constante da planta Cadastral não era parte integrante do prédio sua
propriedade”;
- Que, em reunião realizada com o
recorrente Marco e as testemunhas Rui, João e Carlos, o recorrido Isidro
concedeu e aceitou a devolução da parcela ao primeiro.
Os recorrentes notam que o
tribunal a quo julgou provados os
factos n.ºs 18 a 23 com base em meios de prova cuja credibilidade lhe suscitou
reservas. Têm razão, mas apenas relativamente aos factos n.ºs 18 a 20. E, acrescentamos
nós, tal incongruência também se verifica relativamente ao facto n.º 16.
Transcrevemos a parte relevante da sentença recorrida:
“(…)
estes depoimentos prestados pelos familiares dos Réus, revelaram algum
interesse em como a causa viesse a ser decidida a favor dos Réus (…)”.
A
matéria de facto dada como provada sob o n.º 16 deve-se às declarações de parte
do Réu e depoimentos das testemunhas dos Réus que esclareceram que estes e seus
familiares sempre cultivaram aquele terreno desde a venda realizada a estes por
Manuel e mulher em 2 Outubro de 1991 aos actuais Réus e a André genro de Manuel
e mulher.
A
matéria de facto dada como provada sob os n.ºs 18 a 20 resulta dos depoimentos
das testemunhas dos Réus que demonstraram conhecimento directo destes factos.”
Uma vez que, apesar de ter
considerado não isentos os depoimentos prestados pelas testemunhas que são familiares
dos recorridos, se baseou neles para fundar a sua convicção relativamente a
alguns factos, o tribunal a quo devia
ter explicado por que razão os considerou credíveis nessa parte. Contudo, esta
incongruência da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto não terá
consequências. O tribunal ad quem
ouviu a totalidade da prova gravada, tendo formado a sua própria convicção sobre
os factos em questão, que fundamentará.
Comecemos pelos factos que
os recorrentes pretendem ver julgados não provados. São eles os seguintes:
“16
– Os Réus pelo menos desde aquela data que decidiram do uso e utilização a dar
aquele prédio, providenciando pelo amanho da terra.
18
– Desde a data da compra em 09.01.1987, da parcela de terreno com a área de
3,500 hectares, por Manuel, sempre o prédio esteve na posse primeiro do
próprio, depois do filho e do genro e depois do filho, o actual Réu marido.
19
– Eram estes anteriores proprietários e o actual Réu e mulher que decidiram o
uso a dar ao terreno, procedendo à cultura das espécies que entendiam lá
plantar ou deixando o terreno em pousio, conforme entendessem, procedendo ao
amanho da terra e conservação do espaço.
20
– Sempre foram eles que mandaram fazer os trabalhos necessários ao amanho da
terra e conservação do espaço quando achavam oportuno, retirando os produtos
hortícolas e fruta que o terreno proporciona.
21
– Pelo menos desde 2017 que os Réus têm conhecimento que aquela parcela de
terreno que os Autores reclamam não lhes pertence.
22
– Apenas os Autores manifestaram oposição ao uso do prédio por parte dos Réus.
23
– E só após a aquisição do imóvel identificado no artigo primeiro dos factos
provados pelos Autores.”
Relativamente à matéria dos
n.ºs 16 e 18 a 20, todos os meios de prova produzidos vão no sentido da sua
correspondência com a realidade. Com efeito, todas as testemunhas que se
pronunciaram sobre aquela matéria afirmaram que, desde que compraram o seu
prédio, os recorridos o utilizam, o mesmo fazendo com a parcela em disputa
(doravante designada apenas por “parcela”), como se esta fizesse parte daquele,
sendo apenas eles quem decide sobre os termos em que tal utilização ocorre. Afirmaram
ainda que o mesmo faziam o pai do recorrido Isidro e, posteriormente, este
último e a recorrida Odete, a meias com um cunhado. Foram nesse sentido os
depoimentos das testemunhas André, Vera, Antonieta, Alberto e Tiago, não contrariados
por qualquer meio de prova. O documento transcrito no n.º 17 não contraria os
referidos depoimentos, pois não versa sobre a utilização da parcela, mas sim
sobre uma delimitação entre os prédios dos autos que terá sido efectuada em
30.10.2006. Atentos aqueles depoimentos, é certo que, antes e depois da data
aposta no documento (26.01.2007) e não obstante a existência deste, os réus e
os seus antecessores tomavam e continuaram a tomar as decisões relativas ao uso
do seu prédio e da parcela, sem qualquer interferência dos sucessivos
proprietários do prédio que actualmente pertence aos recorrentes.
Uma vez que as testemunhas André,
Vera, Antonieta e Alberto são familiares dos recorridos, cumpre dizer que
considerámos os seus depoimentos credíveis. É certo que, por se tratar de
pessoas ligadas aos recorridos por laços familiares, se impõe, ao julgador, um
cuidado acrescido na valoração dos seus depoimentos, pois dizem-nos as regras
da experiência ser habitual procurar favorecer quem nos é próximo face a quem o
não é. Todavia, não nos pareceu ser o caso das referidas testemunhas, sobretudo
no que concerne à utilização que os recorridos e os seus antecessores vêm
fazendo, desde 1987, do seu prédio e, especificamente, da parcela. Acresce que
foi no mesmo sentido o depoimento da testemunha Tiago, que não é familiar dos
recorridos, mas sim vizinho destes.
Sendo assim, a decisão do
tribunal a quo de julgar provada a
matéria dos n.ºs 16 e 18 a 20 foi correcta, devendo manter-se.
Os recorrentes consideram
que o conteúdo do n.º 21 deveria “constar
da factualidade não provada” (conclusão 1). Não se percebe que utilidade
teria, para os recorrentes, a exclusão do facto em questão da matéria de facto
provada. Trata-se, aparentemente, de um facto favorável aos próprios recorrentes,
pois consiste no conhecimento, pelos recorridos, desde pelo menos 2017, de que
a parcela não lhes pertence. Na pior das hipóteses, sob o ponto de vista do
interesse dos recorrentes, trata-se de um facto irrelevante para a decisão da
causa. Aquilo que nos parece seguro é que a sua exclusão da matéria de facto
provada não proporcionaria um enquadramento jurídico desta matéria que fosse
mais favorável aos recorrentes. Aliás, estes não explicam que vantagem
retirariam daquela exclusão. Daí que a apreciação desta questão se traduzisse
num acto inútil, proibido pelo artigo 130.º do CPC. Deverá, pois, manter-se o
n.º 21 da matéria de facto provada.
O mesmo se passa
relativamente aos factos constantes dos n.ºs 22 e 23. Resulta da sentença
recorrida que estes factos não foram relevantes para o tribunal a quo decidir como decidiu. Na
apreciação que fazemos, a sua exclusão do enunciado dos factos provados em nada
altera o enquadramento jurídico destes. E, também em relação a eles, os
recorrentes não explicam que vantagem retirariam daquela exclusão.
A única hipótese em que a
exclusão dos factos constantes dos n.ºs 22 e 23 da matéria de facto provada
poderia ser relevante, seria a de os recorrentes pretenderem a inclusão, nesta
matéria, de factos que fossem além do âmbito daqueles. Em tal hipótese, aqueles
factos, que têm uma vertente limitativa (“apenas
os autores”; “só após”), seriam excluídos da matéria de facto provada para
dar lugar a factos com um alcance mais amplo, assim se evitando contradições. Por
exemplo, se os recorrentes pretendessem que fosse julgado provado que, além
deles próprios, outras pessoas tivessem manifestado oposição ao uso do prédio,
ou de parte dele, pelos recorridos, e/ou que tal oposição, da sua parte ou de
terceiros, tivesse começado em momento anterior ao referido no n.º 23. Todavia,
não é isso que resulta das conclusões do recurso, como decorre da exposição
anterior. Nenhum dos factos que os recorrentes pretendem ver aditados à matéria
de facto provada constitui uma ampliação daqueles que constam dos n.ºs 22 e 23.
Consequentemente, a
apreciação da decisão do tribunal a quo
sobre o conteúdo dos n.ºs 22 e 23 da matéria de facto provada também se
traduziria num acto inútil, proibido pelo artigo 130.º do CPC. Deverão, pois,
manter-se os referidos n.ºs 22 e 23.
Passemos aos factos que os
recorrentes pretendem ver aditados à matéria de facto provada.
A pretensão de que o
conteúdo do documento transcrito no n.º 17 seja aditado à matéria de facto
provada não faz sentido. Já estando o documento em causa transcrito no n.º 17,
nada mais é possível fazer.
Note-se, a propósito, que,
na conclusão 11, os recorrentes dão por assente que existia uma planta anexa ao
documento transcrito no n.º 17, afirmando que essa planta “era a constante do cadastro predial (Documento n.º 04 da Petição
Inicial), correspondendo a delimitação feita no terreno”. Porém, nada disso
resulta da matéria de facto provada, certamente porque o recorrido Isidro, no
seu depoimento de parte, negou que aquele documento tivesse uma planta anexa e
não foi produzido qualquer meio de prova desse facto. Com efeito, nenhuma das
testemunhas ouvidas presenciou a assinatura do referido documento pelo
recorrido Isidro.
Inexiste fundamento para
julgar provado que se realizou uma reunião entre o recorrente Marco, o
recorrido Isidro e as testemunhas Rui, João e Carlos, e que, nessa reunião o
recorrido Isidro tenha concedido e aceite a devolução da parcela aos
recorrentes.
O tribunal a quo ficou convencido de que essa
reunião ocorreu e de que, nela, o recorrido reconheceu que a parcela faz parte
do prédio dos recorrentes e aceitou devolvê-la, mas não levou esse facto à
matéria provada. Aquela convicção é expressa apenas na fundamentação da decisão
sobre a matéria de facto. Daí a pretensão dos recorrentes de que aquela matéria
passe a constar do elenco dos factos provados.
Ouvida a gravação da prova
produzida nas várias sessões da audiência final, não partilhamos a convicção do
tribunal a quo segundo a qual a
referida reunião ocorreu efectivamente.
O recorrente Marco afirmou
que a reunião se realizou e o recorrido Isidro afirmou não ter participado em
qualquer reunião. Quanto às testemunhas, apenas Carlos, João e Rui afirmaram
que a reunião se realizou. Mais, estas testemunhas afirmaram terem participado
nessa reunião.
Se é verdade que quase todas
as testemunhas arroladas pelos recorridos se encontram ligadas a estes por
laços de natureza familiar, não é menos verdade que as testemunhas Carlos, João
e Rui têm algum envolvimento na situação dos autos, que pode ter afectado a sua
isenção. Os dois primeiros intervieram na angariação e negociação do contrato
de compra e venda que teve por objecto o prédio de que os recorrentes são
proprietários, pelo que poderão ter sido tentados a prestar depoimentos que
favoreçam os seus ex-clientes, assim salvaguardando a sua própria imagem
profissional. O terceiro é um dos vendedores desse prédio, pelo que poderá,
eventualmente, ser demandado pelos recorrentes (com ou sem razão) em caso de
improcedência da acção.
Clarificado este aspecto,
atentemos na descrição que Carlos, João e Rui fizeram da suposta reunião.
No seu primeiro depoimento,
prestado em 16.10.2020, Carlos afirmou que o objectivo da reunião era
esclarecer a situação do terreno que pertencia ao prédio dos recorrentes que
ficava do lado de lá do muro e que as pessoas que nela estiveram presentes
foram, além de si próprio, João, o recorrido Isidro e o recorrente Marco.
Tendo-lhe sido perguntado se Rui esteve presente, Carlos respondeu
negativamente (sessão de 16.10.2020, minuto 5.15 a 5.45). Afirmou ainda que, no
decurso da reunião, foi dito que, como a anterior proprietária do prédio dos
recorrentes não usava a parcela, eram os recorridos que o faziam; não obstante,
a parcela pertencia ao prédio dos recorrentes, o que foi reconhecido pelo
recorrido Isidro. Acrescentou que, depois da reunião, ninguém ficou com dúvidas
acerca deste facto.
No seu segundo depoimento,
prestado em 10.03.2022, Carlos afirmou nunca ter visto o documento transcrito
no n.º 17. Sobre a reunião, afirmou que o recorrido Isidro aí declarou que
fizera um acordo com a anterior proprietária do prédio dos recorrentes, Teresa,
no sentido que ele ir utilizando aquela parte do terreno dela, mas, logo que o
recorrente Marco solicitasse, a restituiria. O recorrente Marco teria
respondido que, nessa altura, não precisava que a parcela lhe fosse restituída
e que, quando precisasse, combinariam a restituição.
No seu terceiro depoimento,
prestado em 06.07.2023, Carlos reafirmou que o recorrido Isidro declarou, na
reunião, que Teresa o autorizara a usar a parcela para aí ter as suas ovelhas, por
não precisar dela. Reafirmou ainda o compromisso do recorrido Isidro de
devolver a parcela ao recorrente Marco quando este o solicitasse.
No seu primeiro depoimento,
prestado em 16.10.2020, João afirmou, em síntese, o seguinte: a reunião foi
motivada pela verificação de que existia uma divergência nas áreas; nela
estiveram presentes, além de si próprio, o recorrente Marco, o recorrido Isidro,
Carlos e Rui; após falarem um pouco, todos concordaram que havia uma
divergência de áreas, pois o prédio dos recorrentes tinha, de acordo com os
documentos (nomeadamente uma planta antiga, que mostrava qual a parte do prédio
dos recorrentes que estava ocupado pelos recorridos), 5.000 m2 e, no terreno,
tinha menos.
No seu segundo depoimento,
prestado em 10.03.2022, João afirmou nunca ter visto o documento transcrito no
n.º 17. Sobre a reunião, afirmou que, após alguma conversa, o recorrido Isidro
reconheceu que a parcela pertencia ao prédio dos recorrentes e que tinha feito
um acordo com Teresa no sentido de esta o deixar utilizar aquela parte do
terreno dela. O recorrido Isidro disse ainda ao recorrente Marco que, quando
ele quisesse, se resolvia o problema, pois sabia que a parcela não lhe
pertencia.
Rui pronunciou-se sobre a
suposta reunião no depoimento que prestou em 10.03.2022, o qual não merece
qualquer credibilidade. As contradições em que ele incorreu sobre o documento
transcrito no n.º 17 foram de tal ordem, que, após o tribunal o confrontar com
elas, acabou por se justificar alegando ter sofrido um AVC, que lhe afectou a
memória. Não pomos isto em causa, mas ficamos esclarecidos acerca da
fiabilidade deste depoimento. No que concerne à hipotética reunião, Rui
afirmou, genericamente, que, nela, o recorrente Marco e o recorrido Isidro,
após falarem entre si sobre se a parcela é propriedade dos recorrentes ou dos
recorridos, concluíram que a mesma pertence aos primeiros.
O depoimento de Rui não pode
ser considerado, pelas razões já referidas. Não se tratou, simplesmente, de um
problema de falta de memória. A falta de fiabilidade deste depoimento resultou,
sobretudo, da tendência, demonstrada pela testemunha, para inventar quando não
sabia responder ao que lhe era perguntado.
Em matéria de prova
testemunhal, ficamos, assim, apenas com os depoimentos de Carlos e João.
É, desde logo, estranho que
o primeiro tenha afirmado que Rui não esteve presente na reunião e o segundo
tenha afirmado o contrário. Tratando-se de uma reunião tão restrita, tal
divergência não é normal.
Por outro lado, a descrição
que as testemunhas Carlos e João fizeram do que o recorrido Isidro teria dito
na suposta reunião não se coaduna, nem com a posição assumida pelos recorrentes
nos seus articulados, nem com o teor do documento transcrito no n.º 17. Segundo
aquelas testemunhas, o recorrido Isidro teria dito que ocupava a parcela porque
Teresa o autorizara a fazê-lo.
Nos articulados que
apresentaram, os recorrentes não alegaram que os recorridos ocupassem a parcela
em disputa em virtude de, para tanto, terem sido autorizados por Teresa. Ao
contrário, alegaram, no artigo 27.º da petição inicial, que os recorridos “não têm qualquer título que lhes permita
utilizar e permanecer na parcela de terreno referida no artigo 8.º do presente
articulado”.
Por outro lado, através do
documento transcrito no n.º 17, o recorrido Isidro declarou concordar com uma
demarcação, efectuada pouco tempo antes, dos prédios dos autos, da qual
resultara que uma área de 1.500 m2 que antes integrava o prédio de que então
era comproprietário passava a integrar o prédio que hoje pertence aos
recorrentes. Área esta que, supõe-se, seria aquela que se encontra em disputa
neste processo. Não declarou que ocupava a referida área de 1.500 m2 porque a
então proprietária o autorizara a fazê-lo e que se comprometia a devolver a
mesma área logo que esta lho solicitasse. São situações diferentes. Uma coisa seria
os recorridos ocuparem a parcela devido à existência de um erro de demarcação
que a incluísse no seu prédio. Outra, seria os recorridos ocuparem a parcela
porque a proprietária do prédio de que esta fazia parte os autorizou a
fazerem-no.
Se, como Carlos e João
afirmaram, o recorrido Isidro declarou que utilizava aquela faixa de terreno do
prédio que hoje pertence aos recorrentes porque fizera um acordo com a anterior
proprietária mediante o qual esta autorizou tal utilização, não se compreenderia
que, em 2007, essa mesma proprietária, Teresa, tenha pedido, ao recorrido Isidro,
que declarasse, por escrito, concordar com uma demarcação alegadamente efectuada
em 30.10.2006, por efeito da qual o mesmo prédio teria passado a ter uma área
de 5.000 m2 devido a integrar uma área de 1.500 m2 que pertencia ao prédio de
que o recorrente era comproprietário. Se a parcela se encontrava, simplesmente,
emprestada ao recorrido Isidro, a pedir-se uma declaração escrita deste, seria
de reconhecimento de que ocupava a parcela devido a esse empréstimo, não uma
declaração de concordância com uma demarcação, nessa hipótese desnecessária.
Portanto, os depoimentos das
testemunhas Carlos, João e Rui, por um lado, e o documento transcrito no n.º
17, por outro, não se harmonizam.
Poderia pensar-se na
hipótese de a suposta autorização da então proprietária do prédio hoje pertencente
aos recorrentes ter sido contemporânea da assinatura do documento transcrito no
n.º 17. Ou seja, até à data da assinatura do documento, os recorridos teriam
ocupado a parcela devido a um erro de demarcação. Depois da assinatura do
documento, os recorridos teriam passado a fazê-lo ao abrigo de uma autorização concedida
pela então proprietária do prédio que hoje pertence aos recorrentes. Porém,
esta hipótese constitui pura especulação. Nem os recorrentes a alegaram nos
seus articulados, nem a mesma encontra o mínimo apoio na prova produzida.
Perante tudo isto, é
altamente duvidoso que a suposta reunião se tenha efectivamente realizado, não
podendo, assim, julgar-se provada essa realização.
Os recorrentes pretendem que
seja julgado provado que o recorrido Isidro
“sabia e tinha consciência que a referida área constante da planta Cadastral
não era parte integrante do prédio sua propriedade”. Coloca-se, antes de
mais, a questão da utilidade desta alteração da decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto.
O ónus da prova dos
pressupostos da usucapião recai sobre os recorridos, nos termos do artigo
342.º, n.º 1, do CC. Esses pressupostos são o exercício, pelos recorridos, de
uma posse sobre a parcela em disputa, nos termos do direito de propriedade,
mantida durante determinado prazo. Como este prazo varia em função dos atributos
da posse, cabe também aos recorridos o ónus da prova dos factos que encurtem o
prazo da usucapião. A extensão deste prazo depende, nomeadamente, de a posse, a
existir, ser de boa ou má fé, atento o disposto nos artigos 1294.º e 1296.º do
CC. Nos termos do artigo 1260.º, n.º 1, do CC, a posse diz-se de boa fé quando
o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem. Portanto,
cabia aos recorridos o ónus da prova dos factos que permitiriam a qualificação
da sua posse como de boa fé. Não conseguindo fazer tal prova, ficarão sujeitos
a um prazo de usucapião mais longo.
Não consta da matéria
provada qualquer facto que permita concluir que a posse dos recorridos, a
existir, seja de boa fé. Concretamente, não se provou que os recorridos tenham
ocupado e utilizado a parcela com a convicção de a mesma integrar o seu prédio
e, em consequência disso, de serem eles os seus proprietários. Pelo contrário, foi
julgado provado que, pelo menos desde 2017, os recorridos têm conhecimento de
que a parcela não lhes pertence. E o único facto julgado não provado é o de
que, após os recorrentes, em 2016, terem comprado o seu prédio, os recorridos
providenciaram pelo amanho da terra com a consciência que a parcela em disputa
lhes pertencia. Consequentemente, a posse dos recorridos, a existir, terá de
ser considerada de má fé.
Sendo assim, a inclusão, na
matéria provada, do facto de o recorrente Isidro ter consciência de que a
parcela não era parte integrante do seu prédio, não teria qualquer utilidade. O
único efeito que, em abstracto, poderia ter, que seria a qualificação da sua
posse como de má fé, já está assegurado. Daí que, mais uma vez, a alteração
pretendida pelos recorrentes se traduzisse num acto inútil, proibido pelo
artigo 130.º do CPC.
Os recorrentes pretendem,
finalmente, que seja julgado provado que os recorridos não tiveram a intenção
de agir “de acordo com a pretensão de
exercer o direito de propriedade sobre a referida parcela de terreno”, ou
seja, a intenção de exercerem poderes de facto sobre a parcela como se fossem
proprietários desta.
Como os próprios recorrentes
afirmam na conclusão 45, a vontade dos recorridos não pode ser aferida através
de uma introspecção psicológica. A prova dessa vontade faz-se através da
análise do comportamento dos recorridos, da forma como eles vêm actuando sobre
a parcela.
Está provado que, pelo menos
desde 02.10.1991, são os recorridos quem decide do uso e utilização a dar à parcela,
providenciando pelo amanho da terra (n.º 16); desde 09.01.1987, data da compra
do prédio actualmente pertencente aos recorridos por Manuel, sempre esse prédio
esteve na posse, primeiro de Manuel, depois do filho e do genro e, finalmente, do
filho, o recorrido Isidro (n.º 18); eram os anteriores proprietários e, depois,
os recorridos, quem decidia o uso a dar ao terreno, procedendo à cultura das
espécies que entendiam lá plantar ou deixando o terreno em pousio, conforme
entendessem, procedendo ao amanho da terra e conservação do espaço (n.º 19);
sempre foram os anteriores proprietários e, depois, os recorridos, que mandaram
fazer os trabalhos necessários ao amanho da terra e conservação do espaço
quando achavam oportuno, retirando os produtos hortícolas e fruta que o terreno
proporciona (n.º 20). Fundamentámos, no local próprio, a nossa convicção de que
todos estes factos correspondem à realidade.
Resulta desta matéria de
facto que, desde 09.01.1987, os recorridos e os seus antecessores exercem,
sobre o seu prédio, bem como sobre a parcela, os poderes de facto
correspondentes ao exercício do direito de propriedade, comportando-se, pois,
como se fossem os titulares deste direito sobre a totalidade da área que
ocupam. Esta actuação dos recorridos e dos seus antecessores revela uma vontade
de actuarem como se fossem proprietários, quer do seu prédio, quer da parcela,
explorando ambos indistintamente. Em contraponto, pelo menos desde 09.01.1987,
a então proprietária e os sucessores desta não exercem qualquer poder de facto
sobre a parcela.
Os recorrentes sustentam que
o documento transcrito no n.º 17 demonstra que os recorridos ocuparam e
utilizaram a parcela sem a intenção de o fazerem como se fossem os seus
proprietários. Não têm razão.
Os recorrentes parecem confundir
a intenção de exercer poderes de facto sobre a parcela como se se fosse seu
proprietário com a convicção de que se é efectivamente proprietário da parcela
(atente-se nas conclusões 10, 20 a 23, 29, 44, 48, 50 e 51). Trata-se de
realidades distintas. Uma pessoa pode actuar sobre uma coisa com a intenção de
o fazer como se fosse sua proprietária, não obstante saber que o não é.
O documento transcrito no
n.º 17 apenas demonstra que o recorrido Isidro, desde a data em que o assinou
(26.01.2007), sabe que a parcela não faz parte do prédio de que então era
comproprietário e de que hoje, em conjunto com a recorrida, é proprietário.
Nada diz acerca da intenção com que ele exerceu, antes e depois de 26.01.2007, poderes
de facto sobre a parcela. No terreno, nada mudou em 26.01.2007. O recorrido Isidro
continuou a ocupar e a explorar a parcela como fazia até então.
Note-se, por outro lado,
que, ainda que assim não fosse, o documento transcrito no n.º 17 não vincularia
a recorrida Odete, nada demonstrando sobre a intenção com que esta ocupava e
explorava a parcela. A actuação da recorrida Odete sobre esta tem de ser
apreciada com autonomia em relação àquilo que o recorrido Isidro tenha dito e
escrito. Os recorrentes parecem menosprezar este dado (atente-se nas conclusões
7 a 9, 15, 18, 23, 42, 44 e 51), que é fundamental para a apreciação da
situação dos autos. O argumento de que os recorrentes adquiriram a convicção de
que aquilo que o recorrido Isidro dissesse e escrevesse vinculava a recorrida Odete,
não colhe. Tal crença ou expectativa, a existir, carece de fundamento válido. A
recorrida Odete em nada poderá ser prejudicada pela actuação do recorrido Isidro,
que pode, até, desconhecer.
Pelo exposto, não poderá ser
julgado provado que os recorridos não tiveram a intenção de agir sobre a
parcela, ocupando-a e explorando-a, como se dela fossem proprietários. Na
realidade, provou-se precisamente o contrário.
Concluindo este ponto, a
matéria de facto julgada provada e não provada na sentença recorrida deverá
manter-se inalterada.
Verificação dos
pressupostos da usucapião:
O artigo 1287.º do CC dispõe
que “a posse do direito de propriedade ou
de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao
possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo
exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião”. A
redacção do preceito não é a melhor, pois não se possuem direitos, mas coisas.
Aquilo que se pretende dizer é que a posse de uma coisa nos termos de um
determinado direito real de gozo durante certo lapso de tempo faculta, ao
possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito real nos
termos do qual exerce a posse. Portanto, são pressupostos da usucapião a posse
nos termos do direito real que por essa forma se pretende adquirir e o
prolongamento dessa posse por certo lapso de tempo, variável em função dos
atributos da mesma posse, como resulta dos artigos 1294.º a 1296.º e 1298.º a
1300.º do CC.
Nos termos do artigo 1251.º
do CC, “posse é o poder que se manifesta
quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de
propriedade ou de outro direito real”. A posse tem como elementos o corpus,
que é a componente material, e o animus,
a componente psicológica. O primeiro consiste nos actos materiais praticados
sobre a coisa. O segundo consiste na intenção de o agente se comportar como
titular do direito correspondente. Perante a aparente confusão dos recorrentes,
a que anteriormente aludimos, entre essa intenção e a convicção de que se é
titular do direito real em cujos termos se actua sobre a coisa, frisamos que o animus da posse não consiste nesta
convicção. O possuidor de má fé tem corpus
e animus.
Os
recorrentes sustentam que, aos recorridos, falta o animus da posse.
Não
têm razão.
Como
vimos no ponto anterior, desde
09.01.1987 que os recorridos e os seus antecessores exercem, sobre o seu
prédio, bem como sobre a parcela, os poderes de facto correspondentes ao
exercício do direito de propriedade, comportando-se, pois, como se fossem os
titulares deste direito sobre a totalidade da área que ocupam. Esta actuação
dos recorridos e dos seus antecessores revela uma vontade de actuarem como se
fossem proprietários, quer do seu prédio, quer da parcela, explorando ambos
indistintamente. Em contraponto, pelo menos desde 09.01.1987, a então
proprietária do prédio dos recorrentes e os seus sucessores não exercem
qualquer poder de facto sobre a parcela. Verificam-se, assim, quer o corpus, quer o animus da posse.
A posse dos recorridos sobre
a parcela não se fundou em qualquer título legítimo de adquirir, pelo que,
atento o disposto no artigo 1259.º, n.º 1, do CC, deve ser qualificada como não
titulada. Daí que, nos termos do artigo 1260.º, n.º 2, do CC, se presuma de má
fé, presunção esta não ilidida, pois não se provou que os recorridos actuem com
a convicção de que esta lhes pertence. Mais, provou-se que, pelo menos desde
2017, os recorridos têm conhecimento que a parcela não lhes pertence.
Sendo a posse dos recorridos
sobre a parcela qualificável como não titulada e de má fé, ao prazo de
usucapião é de 20 anos, nos termos do artigo 1296.º do CC.
Está provado que, desde 09.01.1987,
primeiro Manuel, depois o recorrido Isidro, um cunhado deste e os respectivos
cônjuges e, por fim, apenas os dois recorridos, exerceram a posse sobre o
prédio que actualmente pertence a estes últimos, bem como sobre a parcela. Por
via do disposto no artigo 1256.º, n.º 1, do CC, a posse dos recorridos começa a
contar-se da referida data, pelo que o prazo de usucapião se completou em 09.01.2007.
Tendo os recorridos invocado a usucapião, adquiriram, por essa via, o direito
de propriedade sobre a parcela. Daí que não tenham de a restituir aos
recorrentes.
Resulta do exposto que o
tribunal a quo decidiu correctamente
ao julgar procedente o pedido reconvencional e improcedente a acção e que,
consequentemente, a sentença recorrida deverá ser confirmada, improcedendo o
recurso.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto,
julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos
recorrentes.
Notifique.
*
Évora, 25.01.2024
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
(1.ª adjunta)
(2.ª adjunta)