Processo n.º 1226/22.1T8FAR.E1
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Sumário:
1 – O tribunal ad quem deve abster-se de conhecer da
impugnação da decisão do tribunal a quo
sobre determinado ponto da matéria de facto se a alteração pretendida pelo
recorrente em nada o beneficiar.
2 – Uma cláusula penal pode
ser contratualmente estipulada para funcionar em caso de incumprimento de uma
determinada prestação, principal ou secundária, ou de um determinado dever
acessório.
3 – Por via da estipulação
de uma ou mais cláusulas penais, podem ser aplicáveis, no âmbito de uma mesma
relação contratual, diversos regimes de responsabilidade contratual em matéria
de determinação dos danos a indemnizar e de fixação do montante da
indemnização.
4 – Na parte não coberta por
qualquer cláusula penal, aplicar-se-á o regime geral da responsabilidade
contratual, nomeadamente os ónus de o credor alegar e provar os danos
decorrentes de incumprimento que impute ao devedor.
5 – Cada cláusula de um
contrato tem de ser interpretada tendo como referencial os interesses, de ambas
as partes, que ela visa prosseguir.
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Autora/Recorrida:
- XXX,LTD.
Réu/Recorrente:
- Alberto Costa.
Pedido:
- Condenação do réu a pagar, à autora, a
quantia de € 75.000, estipulada, a título de cláusula penal, no contrato entre
ambos celebrado, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação
até integral pagamento.
Sentença recorrida:
- Julgou a acção parcialmente
procedente;
- Condenou o réu a pagar, à autora, a
quantia de € 20.000, a título de cláusula penal, pelo incumprimento do contrato,
acrescida dos juros de mora legais vencidos desde o dia seguinte ao da citação
e dos que vierem a vencer-se até integral pagamento;
- Absolveu o réu do restante pedido;
- Absolveu a autora do pedido de
condenação como litigante de má fé formulado pelo réu.
Conclusões do recurso:
1. Vem o presente recurso interposto da
douta sentença de 05/09/2023, que julgou a ação parcialmente procedente, por
provada, e condenou o Réu, ora Recorrente, nos termos dela constantes.
2. Conforme prova produzida,
nomeadamente, parte das gravações da audiência de julgamento do dia 04/07/2023,
referente ao depoimento da Testemunha Joana Costa, (com início às 11:36 e
término às 11:57), nomeadamente minutos 2:44 ao minuto 4:20, minuto 4:44 ao
minuto 7:58 e minuto 18:18 ao minuto 18:58; conforme parte das gravações do
depoimento da Testemunha Fernanda Costa, (com início às 11:57 e término 12:17),
nomeadamente, minuto 4:36 a minuto 6:53, 17:24 a 17:41 e minutos 18:08 a 19:19;
depoimento da testemunha Alfredo Igreja (com início da gravação às 15:09 e fim
às 15:47), nomeadamente, nos minutos 28:21 a 28:32; depoimento da testemunha Gustavo
Cravo (com início às 10:42 e término 11:36), nomeadamente, 10:29 ao minuto
11:38 ,o minuto 22:30 ao minuto 23:54; depoimento de parte da Recorrida (com
início da gravação às 14:56 e fim às 15:08), nomeadamente, dos minutos 00:34 a
01:15 e dos minutos dos minutos 01:40 a 01:55 declarações de parte do
Recorrente (com início da gravação às 14:24 e fim às 14:55), nomeadamente,
02:08 a 03:11, minutos 4:36 a 6:53, do minuto 07:00 ao minuto 09:42, do minuto
11:10 ao minuto 11:54, do minuto 27:25 ao minuto 28:48, alegações da mandatária
do Recorrente (com início às 12:17 e término 12:32), no minuto 10:29 ao minuto
11:38; documento 14 junto à resposta da Recorrida e documento n.º2 da P.I da
Recorrida, bem como o comportamento denunciante da testemunha Alfredo Igreja,
extremamente nervoso, inquieto, pouco isento, conforme ficou demonstrado na
sentença.
3. No dia 30 de outubro de 2017, a
Recorrida e o Recorrente celebraram um contrato de prestação de serviços,
mediante o qual a Recorrida estava autorizada a angariar clientes e a promover,
um imóvel propriedade do Recorrente, durante as semanas entre 18 de março e 4
de novembro, obrigando-se este, por seu turno, a pagar à Recorrida uma comissão
15% das rendas auferidas.
4. A testemunha Alfredo Igreja agiu
sempre em representação da Recorrida junto do Recorrente.
5. Em 2018 o Recorrente vendeu este
imóvel às suas filhas, tornando-se estas desde então donas e possuidoras do
imóvel. - Cfr. Doc. n.º 2 da P.I da Recorrida que constitui prova plena nos
termos do artigo 371.º do CC.
6. As novas proprietárias fizeram
substituir-se ao Recorrente no contrato ora outorgado, mantendo-se o imóvel a
ser promovido pela Recorrida, durante mais 4 anos, depois destas terem comprado
o imóvel.
7. Por viverem no estrangeiro, as novas
proprietárias mandataram o seu pai, ora Recorrente, através de procuração para
agir em sua representação em tudo o que estivesse relacionado com o imóvel.
8. A Recorrida, na pessoa do Senhor Alfredo
Igreja, teve conhecimento desta venda em 2018, tendo o contrato renovado ano
após ano, até dezembro de 2021, quando o Recorrente, em representação das suas
filhas transmitiu que pretendiam arrendar a casa ao ano e que iriam pôr fim ao
contrato de prestação de serviços ora outorgado.
9. Logo em 2018, ocorreu uma cessão da
posição contratual.
10. Desde daquela data que todas as
comunicações que o Recorrente teve com a Recorrida foram feitas na qualidade de
representante das suas filhas.
11. Tendo o contrato terminado, em
dezembro de 2021, por estarem as proprietárias e o Recorrente descontentes com
o estado danificado do imóvel devido a estes arrendamentos de curta duração.
12. O Recorrente quando terminou o
contrato, em representação das suas filhas, devido ao descontentamento das
proprietárias, sabia que a Recorrida não tinha marcações para o ano de 2022,
porque tinha fechado o calendário pelo que
13. Assim, sempre teria que se concluir
que a solução dada pela sentença recorrida resultou de erro na seleção e
julgamento da matéria de facto, na interpretação e aplicação das regras de
direito probatório material, assim como resultou de erro na interpretação e
aplicação do Direito, em manifesta errada interpretação e aplicação da cláusula
13.ª do contrato outorgado pela Recorrida e pelo Recorrente.
14. Conforme matéria de facto que se
pretende ver alterada, nos termos formulados, no ponto I, do capítulo A das
alegações, o ponto 9 da factualidade dada como provada na sentença deve ser
reformulado nos seguintes termos: “9. O
contrato em apreço foi renovado, dado nenhuma das partes se ter oposto à
renovação, tendo a última ocorrido em novembro de 2021, até que em dezembro de
2021, o Réu, como representante das proprietárias do imóvel, informou que não pretendiam
continuar a arrendar o imóvel para férias, o que foi aceite pelas donas e
proprietárias do bem que depositaram no réu todos os poderes relativamente ao
imóvel.”
15. Conforme matéria de facto que se
pretende ver alterada, nos termos formulados, no ponto II, do capítulo A das
alegações, o ponto 10 da factualidade dada como provada na sentença, deve ser
substituído nos seguintes termos: “10.
Mesmo após a declaração de venda, o réu sempre se apresentou como pessoa com poderes
para decidir das questões relativas ao imóvel. A seu pedido as transferências
de julho de 2019 e ss. foram feitas para conta bancária da titularidade de Joana
Costa quando antes eram feitas para conta do réu, continuando as comunicações a
terem por interlocutor o réu, face aos poderes que lhe foram dados pelas suas
filhas.”
16. Conforme explanado, no ponto III, do
capítulo A das alegações, o ponto 11 não deveria ter sido selecionado para a
matéria dada como provada, ao abrigo do princípio da proibição da prática de
atos inúteis, por se mostrar ser um facto manifestamente inócuo e irrelevante
para a decisão, pelo que, o mesmo deve ser eliminado da factualidade dada como
provada.
17. Conforme matéria de facto que se
pretende ver alterada, nos termos formulados, no ponto IV, do capítulo A das
alegações, o ponto 13 da factualidade provada na sentença, deve ser reformulado
nos seguintes termos: “13. O Réu vendeu o
imóvel às Senhoras Joana Costa e Fernanda Costa, suas filhas, no mês de março
de 2018, tendo o Réu transmitido esta venda, no ano de 2018, à Autora na pessoa
do Senhor Alfredo Igreja.”
18. Conforme matéria de facto que se
pretende ver alterada, nos termos formulados, no ponto V, do capítulo A das
alegações, o Tribunal a quo, não poderia ter dado como provado o ponto 14 da
factualidade provada que consta na sentença, nos termos em que deu, devendo o
ponto 14 ser reformulado nos seguintes termos: “14. As adquirentes do imóvel substituíram o seu pai no contrato
outorgado, ocorrendo uma cessão da posição contratual do contrato outorgado
entre o Réu e a Autora, pelo que, um contrato similar foi outorgado.”
19. Conforme matéria de facto que se
pretende ver alterada, nos termos formulados, no ponto VI, do capítulo A das
alegações, o facto 15 da factualidade dada como provada, deverá ser substituído
pela seguinte redação: “15. Desde a
compra do imóvel, em Março de 2018, ao seu pai, que as senhoras Joana Costa e
Fernanda Costa, são donas e possuidoras do imóvel, tendo cumprido o contrato
até dezembro de 2021.”
20. Conforme explanado no ponto VII, do
capítulo A das Alegações, o facto provado 16 foi incorretamente dado como
provado, atenta a prova produzida este ponto deve ser eliminado da factualidade
dada como provada.
21. Conforme matéria de facto que se
pretende ver alterada, nos termos formulados, no ponto VII, do capítulo A das
alegações, o ponto 17 deve ser reformulado nos seguintes termos: “17. A Autora, caso o imóvel em apreço fosse
arrendado durante todas as 33 semanas de ocupação, de 18 de março a 4 de
novembro de 2022, poderia esperar um rendimento de 6.494,25€, que corresponde a
15% de comissão a contabilizar das rendas totais do imóvel no valor de
43.295,00€, apuradas da seguinte forma:
-
de 17 de março a 30 de março – 1.540,00€ (que corresponde a 2 semanas ao preço
de 770,00€)
-
de 31 de março a 11 de maio – 5.334,00€ ( que corresponde a 6 semanas ao preço
de 889,00€)
-
de 12 de maio a 1 de junho 2.835,00€ (que corresponde a 3 semanas ao preço de
945,00€)
-
de 2 de junho a 22 de junho 2.982,00€ (que corresponde a 3 semanas ao preço de
994,00€)
-
de 23 de junho a 6 de julho 4.018,00€ (que corresponde a 2 semanas ao preço de
2.009,00€)
-
de 7 de julho a 24 de agosto 18.081,00€ (que corresponde a 7 semanas ao preço de
2583,00€)
-
de 25 de agosto a 31 de agosto 1.827,00€ (que corresponde a 1 semana ao preço de
1.827,00€)
-
de 1 de setembro a 14 de setembro 1.876,00€ (que corresponde a 2 semanas ao preço
de 938,00€)
-
de 15 de setembro a 28 de setembro 1.512,00€ (que corresponde a 2 semanas ao
preço de 756,00€)
-
de 29 de setembro a 4 de novembro 3.290,00€ (que corresponde a 5 semanas ao preço
de 658,00€)”
22. Face à prova produzida deveria a
sentença ter dado como facto não provado que a Recorrida tinha marcações para o
ano de 2022, devendo tal facto ser acrescentado à factualidade não provado nos
seguintes termos: “Que a Autora tivesse
marcações efetuadas para o imóvel para o ano de 2022.”
23. Deve a sentença ser reformulada e
acrescentar-se como facto não provado o seguinte: “Que com o fim do contrato, a autora deixou de receber o valor das comissões,
tendo algumas reservas para aquela moradia sido canceladas obrigando a autora a
procurar soluções para esses Clientes.”
24. Andou mal a sentença, ao concluir
que ficou por demonstrar “que em 2018, o
réu tivesse comunicado à autora através de Alfredo Igreja que tivesse a
intenção de vender e que tivesse comunicado que havia vendido o bem às filhas e
que se apresentasse depois apenas como seu representante”, pelo que, deve
aditar-se à factualidade provada o ponto 20, com o seguinte teor: “20. Em 2018, o Réu comunicou à Autora,
através de Alfredo Igreja, que tinha a intenção de vender e mais tarde
comunicou que tinha vendido o imóvel às suas filhas, passando, então, a agir apenas
em representação das suas filhas.”
25. A sentença carece de erro na
interpretação da cláusula 13ª do contrato outorgado e consequentemente de erro
de julgamento.
26. Qualquer questão que se tenha a
discutir sobre a resolução do contrato de prestação de serviços objeto desta
ação, nada tem a ver com a cessão da posição contratual, que ocorreu há 5 anos,
como ficou demonstrado com a prova produzida, mas sim com as incompatibilidades
que ocorreram anos mais tarde, mas tudo isso são questões que deveriam ter sido
objeto de uma ação em que seriam as novas adquirentes do imóvel parte e não o
Recorrente.
27. A Recorrida quis-se valer de uma
cláusula muito específica que constava no contrato, que apenas poderia ser
utilizada, numa situação muito específica que era uma venda do imóvel sem que
um contrato idêntico ao que tinha sido assinado continuasse a vigorar, e a
verdade é que o contrato continuou a vigorar, exatamente nos mesmos termos, até
aos desentendimentos que ocorreram em dezembro de 2021.
28. A cláusula penal visava compensar a
Recorrida pelas eventuais comissões que deixasse de auferir com a transmissão
de imóvel e o impacto negativo que os cancelamentos de reservas lhe poderiam
causar na sua reputação e imagem como a própria Recorrida admitiu.
29. A Recorrida não sofreu qualquer
impacto negativo com a venda do imóvel, pelo que, o acionamento da cláusula
penal não tem qualquer fundamento.
30. Não pode a Recorrida fazer-se valer
desta cláusula para outros danos que não os que tenham tido por base a transmissão
do imóvel passados 4 anos.
31. A sentença carece de nulidade por
falta de fundamentação relativamente à má-fé da Recorrida, não podendo ignorar
que com a propositura da presente ação a Recorrida violou os limites da boa-fé
e da confiança, à luz do conceito “venire contra factum proprium”, sabendo que
os danos que alega, não correspondem a danos que levaram ao estabelecimento da
cláusula penal e distorcendo a verdade dos factos, para se aproveitar de uma
cláusula contratual.
32. Pelo que deve a sentença ser
reformulada neste ponto e considerar-se a absolvição do Recorrente na presente
ação e a condenação da Recorrida como Litigante de má-fé.
33. Ainda assim, caso não se considere
que houve uma verdadeira cessão da posição contratual o que apenas por mero
dever de patrocínio se concede, sempre teria o tribunal a quo de interpretar
esta cláusula penal à luz do homem médio e dos critérios previstos nos arts.
236º a 238º do CC.
34. O propósito da cláusula, seria
sempre evitar danos na Recorrida, no ano da venda do imóvel, no entanto, não
conseguiu a Recorrida demonstrar qualquer dano, quer documentalmente, quer
testemunhalmente, que tenha ocorrido no ano da transmissão do imóvel qualquer
dano na sua esfera jurídica, tendo continuado a o contrato a renovar-se durante
os anos de 2018, 2019, 2020 e até dezembro de 2021.
35. Todos os alegados danos referidos
pelas testemunhas e pela Recorrida, referem-se a danos que alegadamente
ocorreram com a cessação do contrato em dezembro de 2021, cessação essa que
nada teve a ver com a venda do imóvel, mas sim com a intenção das proprietárias
do imóvel em arrendar a casa anualmente, por se terem desentendido com a
Recorrida, nomeadamente, pelos estragos que o imóvel ficava devido aos
arrendamentos de curta duração.
36. E ainda em relação a estes danos, a
Recorrida não conseguiu demonstrar efetivamente os mesmos, aliás, como consta
dos factos não provados da sentença.
37. A Recorrida não juntou qualquer mapa
de ocupação do imóvel para o ano de 2022, como fez com o mapa de ocupação do
ano de 2021, a falta de documentação que era fácil de obter pela Recorrida, só
leva a crer que, assim, como disse o Recorrente em sede de declarações de parte
o calendário do imóvel encontrava-se fechado a pedido do Recorrente, pelo que,
não podia haver marcações já feitas como tentou demonstrar a Recorrida através
das suas testemunhas.
38. Mas se ainda assim, se entender que
deve proceder a aplicação da cláusula penal, o que só por mera hipótese teórica
e dever de patrocínio se admite, sempre a cláusula penal deverá ser considerada
manifestamente excessiva e ser reduzida segundo a equidade para quantia não
superior a 6.494,25€, tendo em conta os lucros cessantes relativos a 33 semanas
(e atenta a duração anual do contrato), a equidade, os parágrafos 1.º, 2.º e
3.º da factualidade dada como não provada na sentença e ainda tendo em conta
que para atingir a quantia de 75.000,00€ seriam necessários quase 13 anos para
que a Recorrida obtivesse com o contrato a quantia da cláusula penal, o que só
por si demonstra a sua desproporcionalidade.
39. Atendendo à matéria de facto dada
como provada, que se pretende ver alterada, decidiu mal o Tribunal a quo no
parágrafo 3.º, da página 12, da sentença, devendo ser considerada procedente
exceção perentória da ilegitimidade substantiva do Recorrente, nos termos do
artigo 576.º, n.º 3 e 579.º do CPC e ser o Recorrente absolvido do pedido.
40. E ainda que assim não se entenda, o
que se faz por mero dever de patrocínio, face aos factos que se demonstraram
como provados, sempre teria a sentença de ser substituída e reformulada no
sentido de considerar o Recorrente como parte ilegítima, nos termos do artº
577º al. c) do CPC, o que levará à absolvição da instância, nos termos do
disposto nos artºs 576º.
41. Deve ser revogada a decisão quanto a
custas, e as mesmas ficarem a cargo da Requerida, nos termos e para os efeitos
do disposto nos artigos 527.º do CPC, por se considerar que às mesmas deu
causa.
42. Ao não ter julgado de acordo com as
antecedentes conclusões, a douta sentença recorrida violou as sobre citadas
disposições legais, devendo esta ser revogada e substituída por decisão que
absolva totalmente o Recorrente.
Questões a decidir:
1 – Impugnação da decisão sobre a
matéria de facto;
2 – Se se verificaram os pressupostos do
funcionamento da cláusula penal estipulada na cláusula 13.º, n.ºs 3 e 4, do
contrato celebrado entre recorrente e recorrida;
3 – Se a recorrida litigou de má-fé.
Factos julgados provados
pelo tribunal a quo:
1. No dia 30 de Outubro de 2017, a autora
e o réu celebraram um contrato designado de “prestação
de serviços”, mediante o qual aquela se obrigou a promover, para efeitos de
ocupação para férias, um imóvel da propriedade do réu, obrigando-se este, por
seu turno, a pagar-lhe uma comissão de 15% por cada cliente/reserva, tudo
conforme fls. 7.
2. O imóvel em questão corresponde ao
prédio urbano, destinado a habitação, designado por lote (…), sito em (…),
inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o artigo (…), o qual
é parte integrante do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial
de Albufeira sob o número (…), freguesia de (…) – fls. 7/13.
3. O réu conhecera a autora em 2017,
através de Alfredo Igreja, que sempre se apresentou como o rosto da autora.
4. O referido Alfredo Igreja conhece o
réu há mais de 20 anos.
5. E foi no âmbito dessa relação que o
referido Alfredo Igreja soube da intenção de o réu explorar o prédio urbano
designado por lote 15 e sugeriu-lhe que este tivesse o apoio da autora para a
exploração turística do imóvel.
6. Nessa sequência, o referido Alfredo
Igreja apresentou, para que fosse assinado, o contrato de fls. 7 e seguintes, o
qual já vinha assinado por parte da autora, sendo que o réu o assinou.
7. O réu nunca conheceu, nem falou, com
a outorgante Margaret White, que assina em representação da autora, nem nunca a
conheceu.
8. Durante todos estes anos, o referido Alfredo
Igreja sempre foi o rosto da autora junto do réu.
9. O contrato em apreço foi renovado,
dado nenhuma das partes se ter oposto à renovação – fls. 7, cls. 2.ª e 13.ª –,
tendo a última ocorrido em Novembro de 2021, até que em Dezembro 2021, o réu
informou que não pretendia continuar a arrendar o imóvel para férias e que o
teria vendido, o que veio a ser aceite pelas donas formais do bem que
informalmente depositaram no réu todos os poderes relativamente ao imóvel.
10. Mesmo após a declaração de venda, o
réu sempre se apresentou como pessoa com poderes para decidir das questões
relativas ao imóvel. A seu pedido as transferências de Julho de 2019 e seguintes
foram feitas para conta bancária da titularidade de Joana Costa quando antes
eram feitas para conta do réu, continuando o réu a ser identificado como cliente
e as comunicações a terem por interlocutor o réu – fls. 36 e seguintes.
11. A autora solicitou ao réu que
reconsiderasse a posição de pôr fim ao contrato e que, em conjunto, tentassem
chegar a uma solução que não fosse prejudicial, quer para os clientes, quer
para ambas as partes, sem sucesso.
12. Nos termos dos números 3 e 4 da
cláusula 13ª do contrato, a venda do
imóvel durante o período de vigência deste contrato, sem que o novo
proprietário celebre com a primeira outorgante, em momento à outorga da escritura
pública de compra e venda (…) um contrato idêntico ao presente, obriga o
segundo outorgante a pagar à primeira a quantia de € 75 000, a título de
cláusula penal.
13. O réu declarou vender o imóvel às
senhoras Joana Costa e Fernanda Costa, suas filhas, no mês de Março do ano de
2018 – fls. 13, facto de que a autora apenas teve conhecimento no ano de 2021.
14. As adquirentes do imóvel não
outorgaram com a autora nenhum contrato similar.
15. Até Dezembro do ano de 2021, o
imóvel esteve na posse do réu e o contrato foi cumprido por ambas as partes.
16. Com o fim do contrato, a autora
deixou de receber o valor das comissões (quinze por cento do valor da reserva,
conforme estipulado na cláusula quarta do contrato), tendo algumas reservas
para aquela moradia sido canceladas, obrigando a autora a procurar soluções
para esses clientes. As comissões previstas tinham por base os preços por
semana comunicados ao réu que não os contestou, conforme fls. 14 v. € 8 562,75,
15% de € 57 085 correspondente a 52 semanas de ocupação, prevendo a autora 33
semanas de ocupação.
17. A Autora, caso o imóvel em apreço
fosse arrendado durante todas as 33 semanas de ocupação e maior procura
(“peak”, “high” e “mid”) de janeiro até 4 de novembro de 2022 (data da
renovação do contrato) tinha a expectativa de ter o rendimento máximo de €
6504,75 (€ 3360+ 1540 + 5334 + 2835 + 2982 + 4018 + 18 081 + 1827 + 1876 +
1512) x 0,15), assim apurado: de 7 de julho a 24 de agosto (7 semanas x €
2583); de 23 de junho a 6 de julho (2 semanas x € 2009); de 25 de agosto a 31
de agosto (1 semana x € 1827); de 2 a 22 de junho (3 semanas x € 994); de 12 de
maio a 1 de junho (3 semanas x € 945); de 1 a 14 de setembro (2 semanas x €
938); de 31 de março a 11 de maio (6 semanas x € 889); de 17 a 30 de março (2
semanas x € 770); de 15 a 28 de setembro (2 semanas x € 756) de 6 de janeiro a
16 de março (5 das 10 semanas previstas x € 672), ponderando os preços
anunciados - fls. 14.
18. A cláusula penal contratualmente
estipulada visa compensar a autora, não só pelas comissões que deixa de auferir
em caso de transmissão do imóvel, mas também pelo impacto negativo que os
cancelamentos de reservas causam na sua reputação e imagem.
19. O réu não procedeu ao pagamento da
cláusula penal.
Factos julgados não provados
pelo tribunal a quo:
a) Qual a medida concreta em que a
imagem da autora ficou afectada.
b) Qual o número de reclamações de
clientes em sítios na internet.
c) Que existam reclamações pendentes e
pedidos de compensação por resolver.
d) Que, em 2018, o réu tivesse
comunicado à autora, através de Alfredo Igreja, que tivesse a intenção de
vender e que tivesse comunicado que havia vendido o bem às filhas e que se
apresentasse depois apenas como seu representante.
*
1 – Impugnação da decisão
sobre a matéria de facto:
1.1. O recorrente pretende
que o ponto 9 da matéria de facto provada passe a ter a seguinte redacção: «O contrato em apreço foi renovado, dado
nenhuma das partes se ter oposto à renovação, tendo a última ocorrido em
novembro de 2021, até que em dezembro de 2021, o Réu, como representante das
proprietárias do imóvel, informou que não pretendiam continuar a arrendar o
imóvel para férias, o que foi aceite pelas donas e proprietárias do bem que
depositaram no réu todos os poderes relativamente ao imóvel.»
A actual redacção do ponto 9
é a seguinte: «O contrato em apreço foi
renovado, dado nenhuma das partes se ter oposto à renovação – fls. 7, cls. 2.ª
e 13.ª –, tendo a última ocorrido em Novembro de 2021, até que em Dezembro
2021, o réu informou que não pretendia continuar a arrendar o imóvel para
férias e que o teria vendido, o que veio a ser aceite pelas donas formais do
bem que informalmente depositaram no réu todos os poderes relativamente ao
imóvel.»
As alterações pretendidas
são as seguintes:
- Que se julgue provado que o recorrente
era representante das suas filhas, proprietárias do imóvel;
- Que se julgue não provado que o
recorrente informou a recorrida da venda do imóvel em Dezembro de 2021.
Nenhuma destas alterações se
justifica.
O recorrente invoca os
depoimentos das suas filhas, que depuseram como testemunhas e afirmaram terem assinado
uma procuração concedendo-lhe poderes «para
resolver qualquer situação na casa». Porém, a procuração em causa não
consta dos autos, como seria expectável. Ora, o ónus da prova é para levar a
sério. Invocar-se a existência de uma procuração escrita sem a juntar aos
autos, ainda que através de simples cópia, nem apresentar uma justificação
credível para essa omissão, e oferecer, como único meio de prova, os depoimentos
de duas filhas, é, no mínimo, temerário. O tribunal a quo não ficou convencido da existência dessa hipotética
procuração e este colectivo também não. A prova oferecida sobre o facto em
questão não oferece a segurança necessária para a formulação de um juízo de
prova.
O recorrente alega ter
comunicado a venda do imóvel à recorrida em 2018 e não em Dezembro de 2021.
Mais uma vez, os meios de prova invocados pelo recorrente reduzem-se aos
depoimentos das suas duas filhas. Por razões idênticas àquelas que referimos a
propósito da falta de prova da existência da procuração, os depoimentos das
filhas do recorrente, sem corroboração por qualquer outro meio de prova, nunca
seriam suficientes para criar uma convicção segura sobre a realização da
alegada comunicação de 2018. Comunicações efectuadas no âmbito de um
relacionamento comercial como aquele que recorrente e recorrida mantiveram
entre si revestem, normalmente, a forma escrita, para mais respeitando a uma
matéria de tal forma importante que ficou coberta por uma cláusula penal de €
75.000. Ora, não consta dos autos qualquer documento que corporize aquela
comunicação.
Mais, sobre a comunicação
hipoteticamente realizada em 2018, as próprias filhas do recorrente apenas
demonstraram saber aquilo que este lhes disse. Elas não intervinham no
relacionamento comercial com a recorrida, segundo afirmaram.
Concluindo, o ponto 9 da
matéria de facto provada deverá manter-se.
1.2. O recorrente pretende
que o ponto 10 da matéria de facto provada passe a ter a seguinte redacção: «Mesmo após a declaração de venda, o réu
sempre se apresentou como pessoa com poderes para decidir das questões
relativas ao imóvel. A seu pedido as transferências de julho de 2019 e ss.
foram feitas para conta bancária da titularidade de Joana Costa quando antes
eram feitas para conta do réu, continuando as comunicações a terem por
interlocutor o réu, face aos poderes que lhe foram dados pelas suas filhas.»
A actual redacção do ponto
10 é a seguinte: «Mesmo após a declaração
de venda, o réu sempre se apresentou como pessoa com poderes para decidir das
questões relativas ao imóvel. A seu pedido as transferências de Julho de 2019 e
seguintes foram feitas para conta bancária da titularidade de Joana Costa quando
antes eram feitas para conta do réu, continuando o réu a ser identificado como
cliente e as comunicações a terem por interlocutor o réu – fls. 36 e
seguintes.»
A alteração pretendida seria
consequência da prova de que o recorrente teria passado a interagir com a
recorrida na qualidade de procurador de suas filhas.
Vimos em 1.1 que não há
fundamento para julgar provada a existência da procuração invocada pelo
recorrente, pelo que a alteração por este proposta não tem razão de ser.
1.3. O recorrente considera
que o conteúdo do ponto 11 da matéria de facto provada é irrelevante para a
decisão da causa, pelo que deve ser eliminado.
Esta pretensão não será
satisfeita, por duas razões.
Por um lado, se a matéria em
causa fosse irrelevante, a manutenção do ponto 11 não prejudicaria o
recorrente. Tal manutenção em nada influiria na decisão da causa. Logo, a sua
supressão pelo tribunal ad quem
traduzir-se-ia na prática de um acto inútil, proibido pelo artigo 130.º do CPC,
que consagra o princípio da limitação dos actos.
Por outro lado, a matéria
constante do ponto 11 é relevante para a decisão do recurso. Mais, até favorece
o próprio recorrente, como adiante veremos.
1.4. O recorrente pretende
que o ponto 13 da matéria de facto provada passe a ter a seguinte redacção: «O Réu vendeu o imóvel às Senhoras Joana Costa
e Fernanda Costa, suas filhas, no mês de março de 2018, tendo o Réu transmitido
esta venda, no ano de 2018, à Autora na pessoa do Senhor Alfredo Igreja.»
A actual redacção do ponto
13 é a seguinte: «O réu declarou vender o
imóvel às senhoras Joana Costa e Fernanda Costa, suas filhas, no mês de Março
do ano de 2018 – fls. 13, facto de que a autora apenas teve conhecimento no ano
de 2021.»
Está novamente em causa a
pretensão do recorrente de que seja julgado provado que foi no ano de 2018 que
ele comunicou, à recorrida, a venda do imóvel. Além disso, o recorrente pretende
a substituição de «declarou vender»
por «vendeu».
Com vista à prova de que
comunicou a venda do imóvel à recorrida em 2018, o recorrente invoca, agora, as
suas próprias declarações de parte, o depoimento da testemunha Gustavo Cravo e
a circunstância de, segundo afirma, a testemunha Alfredo Igreja, quando
inquirida sobre se sabia da venda, se encolher e olhar para o chão, num
discurso preso e comprometido com a versão da recorrida.
Gustavo Cravo nada disse que
sustente a versão que o recorrente pretende ver julgada provada. Como
anteriormente concluímos, as filhas do recorrente não demonstraram conhecimento
directo do facto em questão, tendo-se limitado a reproduzir, em tribunal, o que
o pai lhes transmitiu. Se Alfredo Igreja se encolhia e olhava para o chão em
alguns momentos do seu depoimento, é coisa que não temos meios para verificar,
dado que apenas temos acesso a gravação áudio. Acresce que a falta de
credibilidade do depoimento de Alfredo Igreja apenas legitima a sua
desconsideração, não a sua valoração como meio de prova de versão antagónica. Sem
corroboração por qualquer outro meio de prova, as declarações de parte do
recorrente não são suficientes para criar uma convicção segura de que este
comunicou a venda do imóvel logo em 2018.
A substituição da expressão «declarou vender» pela de «vendeu» seria inócua. Com a primeira, o
tribunal a quo pretendeu significar a
segunda. Tanto assim foi que, ao longo de toda a sentença recorrida, se dá como
assente que o recorrente vendeu o imóvel às filhas. E foi com base nesse
entendimento que o tribunal a quo
condenou o recorrente.
Concluindo, o ponto 13 da
matéria de facto provada deverá manter-se.
1.5. O recorrente pretende
que o ponto 14 da matéria de facto provada passe a ter a seguinte redacção: «As adquirentes do imóvel substituíram o seu
pai no contrato outorgado, ocorrendo uma cessão da posição contratual do
contrato outorgado entre o Réu e a Autora, pelo que, um contrato similar foi
outorgado.»
A actual redacção do ponto
14 é a seguinte: «As adquirentes do
imóvel não outorgaram com a autora nenhum contrato similar.»
Ou seja, o recorrente
pretende substituir o facto que consta do ponto 14 por uma conclusão jurídica
não sustentada por factos, da qual ainda pretende que seja retirada uma ilação
errada. Que dizer disto?
Em primeiro lugar, que não
se provou a celebração, entre o recorrente e suas filhas, de um contrato de
cessão da posição do primeiro no contrato que celebrou com a recorrida.
Nomeadamente, a existência dessa cessão não decorre da venda do imóvel, nem da
continuação da execução do contrato celebrado entre recorrente e recorrida.
Em segundo lugar, que uma
hipotética cessão da posição contratual significaria, não que «um contrato similar foi outorgado», mas
precisamente o oposto: que o contrato celebrado entre recorrente e recorrida se
teria mantido, com alteração de uma das partes.
Em terceiro lugar, que o
teor do ponto 14 da matéria de facto provada não merece crítica, uma vez que
não foi feita prova de que as filhas do recorrente tenham celebrado, com a
recorrida, qualquer contrato, nomeadamente um contrato similar àquele que a
recorrida celebrou com o recorrente.
Resulta do exposto que o
ponto 14 deverá manter-se.
1.6. O recorrente pretende
que o ponto 15 da matéria de facto provada passe a ter a seguinte redacção: «Desde a compra do imóvel, em Março de 2018,
ao seu pai, que as senhoras Joana Costa e Fernanda Costa, são donas e possuidoras
do imóvel, tendo cumprido o contrato até dezembro de 2021.»
A actual redacção do ponto
15 é a seguinte: «Até Dezembro do ano de
2021, o imóvel esteve na posse do réu e o contrato foi cumprido por ambas as
partes.»
O fundamento invocado para a
pretendida alteração é o de que, como o recorrente e as suas filhas afirmaram
no decurso dos seus depoimentos, o primeiro agiu sempre em representação das
segundas, munido de uma procuração por estas outorgada; consequentemente, o imóvel
estava na posse das filhas do recorrente.
Vimos em 1.1 e 1.2 que
inexiste fundamento para julgar provado que as filhas do recorrente outorgaram
uma procuração mediante a qual o constituíram seu representante perante a
recorrida. Daí que, sem necessidade de outros considerandos, se conclua que o
ponto 15 não deverá ser alterado.
1.7. O recorrente pretende a
eliminação do ponto 16 da matéria de facto provada, cuja redacção é a seguinte:
«Com o fim do contrato, a autora deixou
de receber o valor das comissões (quinze por cento do valor da reserva,
conforme estipulado na cláusula quarta do contrato), tendo algumas reservas
para aquela moradia sido canceladas, obrigando a autora a procurar soluções
para esses clientes. As comissões previstas tinham por base os preços por
semana comunicados ao réu que não os contestou, conforme fls. 14 v. € 8.562,75,
15% de € 57.085 correspondente a 52 semanas de ocupação, prevendo a autora 33
semanas de ocupação.»
O recorrente pretende ainda
a alteração do ponto 17 da matéria de facto provada, nos seguintes termos:
Redacção actual: «A Autora, caso o imóvel em apreço fosse
arrendado durante todas as 33 semanas de ocupação e maior procura (“peak”,
“high” e “mid”) de janeiro até 4 de novembro de 2022 (data da renovação do contrato)
tinha a expectativa de ter o rendimento máximo de € 6504,75 (€ 3360+ 1540 +
5334 + 2835 + 2982 + 4018 + 18 081 + 1827 + 1876 + 1512) x 0,15), assim
apurado: de 7 de julho a 24 de agosto (7 semanas x € 2583); de 23 de junho a 6
de julho (2 semanas x € 2009); de 25 de agosto a 31 de agosto (1 semana x €
1827); de 2 a 22 de junho (3 semanas x € 994); de 12 de maio a 1 de junho (3
semanas x € 945); de 1 a 14 de setembro (2 semanas x € 938); de 31 de março a
11 de maio (6 semanas x € 889); de 17 a 30 de março (2 semanas x € 770); de 15
a 28 de setembro (2 semanas x € 756) de 6 de janeiro a 16 de março (5 das 10
semanas previstas x € 672), ponderando os preços anunciados - fls. 14.»
Redacção proposta pelo
recorrente: «A Autora, caso o imóvel em
apreço fosse arrendado durante todas as 33 semanas de ocupação, de 18 de março
a 4 de novembro de 2022, poderia esperar um rendimento de 6.494,25€, que
corresponde a 15% de comissão a contabilizar das rendas totais do imóvel no
valor de 43.295,00€, apuradas da seguinte forma:
-
de 17 de março a 30 de março – 1.540,00€ (que corresponde a 2 semanas ao preço
de 770,00€)
-
de 31 de março a 11 de maio – 5.334,00€ (que corresponde a 6 semanas ao preço
de 889,00€)
-
de 12 de maio a 1 de junho 2.835,00€ (que corresponde a 3 semanas ao preço de
945,00€)
-
de 2 de junho a 22 de junho 2.982,00€ (que corresponde a 3 semanas ao preço de
994,00€)
-
de 23 de junho a 6 de julho 4.018,00€ (que corresponde a 2 semanas ao preço de
2.009,00€)
-
de 7 de julho a 24 de agosto 18.081,00€ (que corresponde a 7 semanas ao preço
de 2583,00€)
-
de 25 de agosto a 31 de agosto 1.827,00€ (que corresponde a 1 semana ao preço
de 1.827,00€)
-
de 1 de setembro a 14 de setembro 1.876,00€ (que corresponde a 2 semanas ao
preço de 938,00€)
-
de 15 de setembro a 28 de setembro 1.512,00€ (que corresponde a 2 semanas ao
preço de 756,00€)
-
de 29 de setembro a 4 de novembro 3.290,00€ (que corresponde a 5 semanas ao
preço de 658,00€).»
A matéria de facto constante
dos pontos 16 e 17, que se resume a meras previsões, é irrelevante para a
decisão da causa, pelas razões que adiante analisaremos com detalhe. Daí que seja
inútil procedermos à verificação do acerto da decisão do tribunal a quo que sobre ela recaiu.
1.8. O recorrente pretende o
aditamento, ao enunciado dos factos não provados, do seguinte: «Que a Autora tivesse marcações efetuadas
para o imóvel para o ano de 2022.»
Esta pretensão não tem em
conta as regras sobre a distribuição do ónus da prova. A existência das
referidas marcações constituiria um dos factos constitutivos do hipotético
direito da recorrida a uma indemnização pela cessação do contrato que celebrou com
o recorrente, pelo que caberia àquela, e não a este, o ónus da sua prova, nos
termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil (CC). Significa isto que a
omissão da existência das marcações no enunciado da matéria de facto provada é
suficiente para que tal hipotético facto não possa ser considerado na decisão
da causa, sem necessidade de constar, em formulação negativa, do enunciado dos
factos não provados.
1.9. O recorrente pretende o
aditamento, ao enunciado dos factos não provados, do seguinte: «Que com o fim do contrato, a autora deixou
de receber o valor das comissões, tendo algumas reservas para aquela moradia
sido canceladas obrigando a autora a procurar soluções para esses Clientes.»
Tendo em conta o que
afirmámos em 1.7., este aditamento seria inútil, desde logo por se tratar de
matéria sem relevância para a decisão da causa.
1.10. O recorrente pretende
que o conteúdo da al. d) dos factos não provados passe a constar dos factos
provados. Está em causa a seguinte matéria: «Que,
em 2018, o réu tivesse comunicado à autora, através de Alfredo Igreja, que
tivesse a intenção de vender e que tivesse comunicado que havia vendido o bem às
filhas e que se apresentasse depois apenas como seu representante.»
Pronunciámo-nos sobre esta
questão em 1.1, 1.2, 1.4 e 1.6. Nada temos a acrescentar.
1.11. Concluindo, não há
fundamento para proceder a qualquer alteração da decisão proferida pelo tribunal
a quo sobre a matéria de facto.
2 – Se se verificaram os
pressupostos do funcionamento da cláusula penal estipulada na cláusula 13.º,
n.ºs 3 e 4, do contrato celebrado entre recorrente e recorrida:
O recorrente e a recorrida
inseriram, no contrato que entre si celebraram, a seguinte cláusula:
«Cláusula
13.ª/Venda do Imóvel
1.
Se durante a vigência do contrato o Segundo Outorgante decidir colocar à venda
o imóvel, desde já se obriga a não colocar no imóvel quaisquer
placas/informação que evidenciem essa situação, sendo expressamente vedado a
potenciais compradores visitar o imóvel durante a época de ocupação.
2.
O imóvel apenas poderá ser vendido, durante o período de vigência do presente
contrato, se o(s) novo(s) proprietário(s) assinar(em) com a Primeira Outorgante
um contrato idêntico ao presente e, a existirem, aceitar(em) todas as reservas.
3.
A venda do imóvel durante o período de vigência deste contrato, sem que o novo
proprietário celebre com a Primeira Outorgante, em momento anterior à outorga
da Escritura Pública de Compra e Venda (ou documento equivalente que titule a
transferência da propriedade), um contrato idêntico ao presente, obriga o
Segundo Outorgante a pagar à Primeira a quantia de € 75.000,00 (setenta e cinco
mil euros) a título de cláusula penal.
4.
O Segundo Outorgante expressamente reconhece a referida obrigação, obrigando-se
ao pagamento da quantia estipulada (€ 75.000,00) no prazo máximo de 3 (três)
dias a contar da data da assinatura da Escritura/Documento de Venda.»
A recorrida accionou a
cláusula penal estipulada nos n.ºs 3 e 4 desta cláusula com os seguintes
fundamentos:
- Em meados de Dezembro de 2021, o
recorrente comunicou-lhe que não pretendia continuar a arrendar o imóvel para
férias;
- Só em 2022 soube que o recorrente vendera,
em Março de 2018, o imóvel às suas filhas, as quais não outorgaram, consigo, um
contrato semelhante àquele que celebrou com o recorrente;
- Pelo que o recorrente incumpriu
definitiva e culposamente o contrato;
- Incumprimento esse que lhe causou danos,
quer por perda de comissões pelos clientes/reservas angariados, quer por ver a
sua reputação e imagem comercial negativamente afectada.
Provou-se, entretanto, que a
recorrida tomou conhecimento da venda, não em 2022, mas em 2021.
Coloca-se a questão de saber
se se verificaram os pressupostos do funcionamento daquela cláusula penal.
O n.º 1 do artigo 810.º do
CC estabelece que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização
exigível, mediante a estipulação de uma cláusula penal. Trata-se de uma fixação
convencional antecipada do montante da indemnização exigível se a parte onerada
com determinada obrigação incumprir esta última. É esta a natureza da cláusula
penal estipulada entre recorrente e recorrida, dado ter ficado provado que a
sua finalidade era compensar a segunda pelas comissões que deixaria de auferir
em caso de transmissão do imóvel e pelo impacto negativo dos cancelamentos de
reservas na sua reputação e imagem.
Uma cláusula penal com a
natureza da dos autos tem natureza acessória de uma obrigação principal.
Principal em relação à cláusula penal, note-se. No contexto da relação
contratual, a cláusula penal pode ser acessória de uma prestação principal, de
uma prestação secundária ou de um dever acessório[1].
Uma cláusula penal pode ser
estipulada para funcionar em caso de incumprimento de toda e qualquer prestação
e/ou dever acessório emergente de um contrato, mas é normal que o seja com um
âmbito mais restrito. No limite, uma cláusula penal pode ser estipulada para
funcionar em caso de incumprimento de uma determinada prestação, principal ou
secundária, ou de um determinado dever acessório. O princípio da liberdade
contratual (artigo 405.º do CC) permite qualquer dessas estipulações.
Se tivermos em mente a
riqueza que o conteúdo de uma relação contratual pode assumir e a amplitude com
que o princípio da liberdade contratual admite a estipulação de cláusulas
penais, facilmente concluiremos que diversos regimes de responsabilidade
contratual, em matéria de determinação dos danos a indemnizar e de fixação do
montante da indemnização, poderão vigorar no âmbito de um mesmo contrato.
De entre as inúmeras
hipóteses concebíveis, destacamos, tendo em conta que a finalidade desta
exposição é a fundamentação da decisão a tomar sobre o contrato celebrado entre
recorrente e recorrida, a de as partes estipularem uma cláusula penal para a
hipótese de incumprimento de uma específica prestação a cargo de uma delas.
Estando assim circunscrito o âmbito de aplicação dessa cláusula penal, aplicar-se-á,
ao incumprimento de qualquer outra prestação ou dever acessório, o regime geral
da responsabilidade contratual em matéria de determinação dos danos a
indemnizar e de fixação do montante da indemnização. Também é concebível a
hipótese de estipulação de mais de uma cláusula penal no mesmo contrato, cada
uma delas para a hipótese de incumprimento de determinada prestação ou dever
acessório, vigorando, então, o referido regime geral da responsabilidade
contratual na área não coberta por qualquer cláusula penal.
No contrato que celebraram,
recorrente e recorrida estipularam uma única cláusula penal, cujos pressupostos
de aplicação constam da cláusula 13.ª. Uma interpretação cuidadosa desta
cláusula é fundamental para a resolução da questão que temos entre mãos.
Uma primeira conclusão
impõe-se: não ficou proibida a venda do imóvel. Em determinadas condições, o
recorrente podia fazê-lo sem que daí resultasse o direito de a recorrida
accionar a cláusula penal. Sintomaticamente, logo no n.º 1, foram estipuladas
duas prestações secundárias, de non
facere, a cargo do recorrente, que tinham a intenção de proceder à venda
como pressuposto: não colocar, no imóvel, placa ou outra forma de informação
que evidenciasse que o mesmo se encontrava à venda; não permitir que potenciais
compradores visitassem o imóvel durante a época de ocupação.
Em que condições podia o
recorrente vender o imóvel sem gerar, na esfera jurídica da recorrida, o
direito de lhe exigir o pagamento da quantia fixada na cláusula penal? A resposta
a esta questão decorre, prima facie,
da simples leitura dos n.ºs 2 e 3: se o adquirente celebrasse, com a recorrida,
um contrato idêntico e aceitasse todas as reservas existentes à data dessa
celebração. Esse contrato deveria ser celebrado antes da venda.
A finalidade visada pela
estipulação deste regime contratual parece-nos evidente: obstar a que o
recorrente se colocasse numa situação de impossibilidade superveniente de
cumprimento do contrato decorrente da venda do imóvel.
Os danos que, para a recorrida,
resultassem de uma venda que determinasse a referida impossibilidade de
cumprimento, ficaram antecipadamente fixados, através da estipulação, no n.º 3,
de uma cláusula penal no valor de € 75.000.
Considerando o que ocorreu
no caso dos autos, a questão que se coloca, perante o regime contratual
descrito, é a seguinte: Vendendo o imóvel, a única forma de o recorrente evitar
o pagamento da pena convencional era efectuar a venda a quem previamente
celebrasse contrato idêntico ao que ele celebrara com a recorrida? Ou podia o
recorrente vender o imóvel sem se expor ao funcionamento da cláusula penal
desde que, fosse pela forma descrita, fosse por qualquer outra, o interesse da
recorrida na disponibilidade do imóvel para os fins do contrato ficasse salvaguardado?
O n.º 1 do artigo 236.º do
CC estabelece que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário
normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do
comportamento de declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com
ele.
Como interpretar, à luz
deste critério, os n.ºs 2 e 3 da cláusula 13.ª do contrato celebrado entre o
recorrente e a recorrida?
O resultado de uma
interpretação meramente literal é evidente: Vendendo o imóvel, a única forma de
o recorrente evitar o pagamento da cláusula penal seria fazê-lo a quem se
dispusesse a, previamente, celebrar, com a recorrida, contrato idêntico ao que
ele próprio celebrara.
Todavia, este resultado
interpretativo contraria o bom senso, não nos parecendo que correspondesse ao
sentido que um declaratário normal, colocado na posição de qualquer das partes
do contrato dos autos, retiraria da leitura deste. Isto porque gera soluções
que, por absurdas, supomos que ninguém aceitaria.
Através da celebração de um contrato,
as partes prosseguem determinados interesses, normalmente próprios,
harmonizando-os com aqueles que o co-contratante também prossegue. O contrato é
um instrumento jurídico para a prossecução de interesses que o direito
considera dignos de tutela jurídica (cfr. artigo 398.º, n.º 2, do CC). Daí que
a ponderação desses interesses constitua um referencial fundamental para a
interpretação de cada contrato.
Cada cláusula de um contrato
tem de ser interpretada tendo como referencial os interesses, de ambas as
partes, que ela visa prosseguir. Entre um resultado interpretativo adequado à
prossecução desses interesses e um outro que o não seja, o intérprete deve
optar pelo primeiro. Um resultado interpretativo poderá ser considerado
inadequado, nomeadamente, se não permitir a satisfação do interesse do credor
com a mesma eficácia que um outro que também se mostre possível e não
sacrifique inadmissivelmente o interesse do devedor, ou se sacrificar o
interesse do devedor sem vantagem para um interesse do credor que mereça
protecção no âmbito da relação contratual.
Analisada tendo como
referencial, nos termos expostos, os interesses envolvidos, a cláusula 13.ª do
contrato celebrado entre recorrente e recorrida não pode ser interpretada
literalmente. Aqueles interesses eram os seguintes: do lado da recorrida, o de
garantir a disponibilidade do imóvel para a prossecução dos fins do contrato,
evitando que o cumprimento deste por parte do recorrente se tornasse
supervenientemente impossível; do lado do recorrente, sacrificar a sua
liberdade de disposição do imóvel na estrita medida em que tal fosse necessário
para a salvaguarda daquele interesse da recorrida.
Ora, existiam outras formas
de prosseguir aquele interesse da recorrida para além da celebração, com o
adquirente do imóvel, de um contrato idêntico ao celebrado com o recorrente. Inclusivamente,
formas mais conservadoras, que evitavam a celebração de um novo contrato e a
alteração da pessoa do co-contratante da recorrida. Formas essas que têm de ser
consideradas admissíveis à luz do contrato, uma vez que se consubstanciariam em
formas diversas de prosseguir, em idêntica medida, o interesse da credora.
Fere o bom senso uma
interpretação que permitisse, à recorrida, exigir o pagamento da pena
convencional numa hipótese em que a venda do imóvel fosse feita em condições tais
que não pusessem em causa a continuidade do cumprimento do contrato pelo recorrente,
ainda que diversa da expressamente prevista nos n.ºs 2 e 3 da cláusula 13.ª.
Dito de outra forma, não é crível que um declaratário normal, colocado na
posição de qualquer das partes do contrato dos autos, considerasse que uma
venda efectuada em condições tais que não beliscassem o interesse da recorrida
na disponibilidade do imóvel para os fins do contrato, ainda que não
coincidente com a prevista nos n.ºs 2 e 3 da cláusula 13.ª, constituiria
fundamento válido para o accionamento da cláusula penal.
O recorrente vendeu o imóvel
em circunstâncias tais que lhe permitiram continuar a cumprir o contrato que
celebrou com a recorrida durante mais três anos e oito meses. Contrato esse
que, esclareça-se, continuou a existir, entre os mesmos sujeitos, após a
celebração do contrato de compra e venda do imóvel. Este último não determinou,
nem a caducidade do contrato celebrado entre o recorrente e a recorrida, nem a
cessão da posição contratual do primeiro para as novas proprietárias.
Recorrente e recorrida continuaram titulares dos direitos e adstritos aos
deveres resultantes do contrato. Daí que não faça sentido o argumento de que o
recorrente carece de legitimidade substantiva.
A celebração de um contrato
idêntico ao dos autos entre a recorrida e as adquirentes do imóvel era, nestas
circunstâncias, absolutamente desnecessário para a prossecução do interesse
contratual da primeira. O próprio recorrente encontrou forma de continuar a
cumprir a sua obrigação de disponibilizar o uso do imóvel para os fins do
contrato dos autos. Fê-lo tão bem, que a recorrida nem sequer se apercebeu de
que o imóvel fora vendido, como ela própria afirma. A venda foi efectuada em
Março de 2018 e só no final de 2021 a recorrida tomou conhecimento da mesma.
Sinal evidente de que a venda do imóvel em nada afectou o interesse da
recorrida que a estipulação da cláusula penal visou salvaguardar. O recorrente
teve o cuidado de continuar a executar o contrato como se o imóvel ainda lhe
pertencesse, assegurando a colaboração das novas proprietárias para que tal
fosse possível, aparentemente através de um contrato de comodato, embora a
qualificação jurídica da relação estabelecida entre o recorrente e as novas
proprietárias seja irrelevante para dirimir o litígio dos autos.
Sinal ainda mais evidente de
que a venda do imóvel em nada afectou o interesse da recorrida que a
estipulação da cláusula penal visou salvaguardar é o facto referido no n.º 11
da matéria de facto provada, que o recorrente pretendia ver eliminado: Quando,
três anos e oito meses depois da venda, o recorrente comunicou, à recorrida,
que pretendia pôr fim ao contrato, esta pediu-lhe que reconsiderasse e, em
conjunto, tentassem chegar a uma solução que não fosse prejudicial, nem para
eles, nem para os clientes. Com esta atitude, a recorrida demonstrou que,
também ela, considerava que a venda do imóvel em nada afectava a continuidade
da execução do contrato que celebrara com o recorrente.
A matéria de facto provada
não permite concluir que a venda do imóvel tenha sido causal da vontade do
recorrente de fazer cessar o contrato que celebrou com a recorrida. Muito pelo
contrário. Atente-se no facto de a venda ter ocorrido ao fim de cerca de cinco
meses após o início da vigência do contrato e de, depois dela, este último
ainda ter sido cumprido pelo recorrente durante cerca de três anos e sete
meses. Durante quase todo o tempo de vigência do contrato, o recorrente não foi
proprietário do imóvel, sem que isso o tenha levado a pôr em causa o
cumprimento das suas obrigações. Mais, o contrato renovou-se quatro vezes,
todas elas durante o período em que o recorrente já não era proprietário do
imóvel. Parece-nos evidente que a venda nada teve a ver com a vontade do
recorrente de fazer cessar o contrato.
A esta mesma conclusão
chegou o tribunal a quo, mas sem dela
retirar as consequências devidas. O tribunal a quo considerou, sem justificar, que, não obstante a cessação do
contrato ser devida, não à venda do imóvel, mas sim ao desinteresse do
recorrente na sua continuidade, se verificaram os pressupostos do funcionamento
da cláusula penal prevista na cláusula 13.ª. Em consonância com tal
entendimento, o tribunal a quo
condenou o recorrente no pagamento da pena convencional, tendo, porém, reduzido
o montante desta ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 812.º do CC, para o
que se baseou no montante máximo, por si calculado, das «comissões referentes às reservas para o ano de 2022, pelo menos até
novembro de 2022», que se cifraria em € 6.504,75, conforme n.ºs 16 e 17 da
matéria de facto provada.
Discordamos desta solução.
Uma vez que a venda do
imóvel não foi causal da cessação do contrato, o qual sempre foi cumprido pelo
recorrente até ao momento em que manifestou a vontade de operar aquela
cessação, tem de concluir-se que não se verificaram os pressupostos do
funcionamento da cláusula penal e, consequentemente, o recorrente não é devedor
da pena convencional, reduzida ou não. O interesse da recorrida que a cláusula
penal visava salvaguardar nunca foi posto em causa pelo recorrente, o qual,
após a venda, continuou a cumprir as suas obrigações contratuais nos exactos
termos em que o fazia anteriormente, sem necessidade de cessão da sua posição
contratual às novas proprietárias ou da celebração, entre estas e a recorrida,
de um contrato idêntico ao dos autos.
A constituir um acto
ilícito, a cessação do contrato por iniciativa do recorrente poderia
desencadear, não o funcionamento da cláusula penal estipulada na cláusula 13.ª,
mas sim a aplicação do regime geral da responsabilidade contratual.
A aplicação deste regime
dependeria, em primeiro lugar, da sua invocação por parte da recorrida. Coisa
que esta não fez, pois optou por accionar – indevidamente, como vimos – a
cláusula penal.
Na hipótese de a recorrida
ter fundamentado a sua pretensão indemnizatória no regime geral da
responsabilidade contratual, caber-lhe-iam os ónus de alegação e prova da
existência e do montante dos danos por si sofridos em consequência da cessação
do contrato, nos termos gerais. Entenda-se, ónus de alegação e prova dos danos
por si efectivamente sofridos, que não se cumprem através da apresentação de
meras estimativas tendo como referência o cenário mais favorável possível, por
pressupor que encontraria clientes para todas as semanas do período de ocupação
do imóvel. Daí termos afirmado, em 1.7, que a matéria de facto constante dos
pontos 16 e 17, que se resume a meras previsões, é irrelevante para a decisão
da causa.
Não se tendo verificado os
pressupostos para o accionamento da cláusula penal, não poderá manter-se a
condenação do recorrente no pagamento de qualquer quantia a esse título, ainda
que reduzida nos termos do n.º 1 do artigo 812.º do CC. Consequentemente, a
sentença recorrida deverá ser revogada nessa parte, absolvendo-se o recorrente
do pedido.
3 – Se a recorrida
litigou de má-fé:
O recorrente não se conforma
com a absolvição da recorrida do pedido de condenação como litigante de má fé.
A sua argumentação é, resumidamente, a seguinte:
a) A recorrida teve conhecimento da
intenção do recorrente de vender o imóvel ainda antes da venda;
b) E teve conhecimento da venda na data
em que esta ocorreu;
c) Desde sempre a recorrida consentiu na
cessão da posição contratual do recorrente;
d) O contrato foi objecto de quatro
renovações;
e) A recorrida sabe que não tem o
direito de accionar a cláusula penal contra quem não é parte no contrato há
mais de quatro anos;
f) A venda do imóvel ocorreu há mais de
quatro anos, sem que tenha causado danos à recorrida;
g) A recorrida alega falsamente que só
em 2022 teve conhecimento da venda;
h) A pretensão da recorrida é
inadmissível porquanto está em manifesta contradição com a realidade dos factos
e a sua reiterada conduta ao longo destes quatro anos, em consonância com essa
realidade;
i) Esta conduta da recorrida criou, no
recorrente e nas adquirentes do imóvel, que passaram a ser as segundas
outorgantes no contrato, uma situação de confiança justificada na aceitação da
cessão e na renúncia ao direito a invocar a cláusula penal, precisamente por se
ter verificado a continuação do contrato;
j) A recorrente alterou a verdade dos
factos e omitiu factos relevantes para a boa decisão da causa.
Não ficou provada a quase
totalidade dos factos que acabámos de enunciar. Assim, não se provou que:
- A recorrida teve conhecimento da venda
do imóvel antes de 2021;
- A posição contratual do recorrente foi
cedida às adquirentes do imóvel;
- A recorrida teve conhecimento dessa
cessão e prestou o seu consentimento.
Daí que careçam de
fundamento as seguintes conclusões:
- A recorrida sabia não ter o direito de
accionar a cláusula penal;
- O recorrente não é parte no contrato
há mais de quatro anos;
- A pretensão da recorrida está em
manifesta contradição com a realidade dos factos e a sua reiterada conduta ao
longo do tempo decorrido desde a venda do imóvel até à cessação do contrato;
- A conduta da recorrida criou, no
recorrente e nas adquirentes do imóvel, que passaram a ser as segundas
outorgantes no contrato, uma situação de confiança justificada na aceitação da
cessão e na renúncia ao direito a invocar a cláusula penal, precisamente por se
ter verificado a continuação do contrato;
- A recorrente alterou a verdade dos
factos e omitiu factos relevantes para a boa decisão da causa.
Pelo que é manifesta a
ausência de fundamento para a condenação da recorrida como litigante de má-fé,
devendo a sentença recorrida ser confirmada nessa parte.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto,
julgar o recurso parcialmente procedente:
- Revogando-se a sentença recorrida na
parte em que condenou o recorrente a pagar, à recorrida, a quantia de € 20.000,
a título de cláusula penal, pelo incumprimento do contrato, acrescida dos juros
de mora legais vencidos desde o dia seguinte ao da citação e dos que vierem a
vencer-se até integral pagamento;
- Absolvendo-se o recorrente da
totalidade do pedido;
- Confirmando-se a sentença recorrida na
parte em que absolveu a recorrida do pedido de condenação como litigante de má
fé.
Custas a cargo do recorrente
e da recorrida em função do seu decaimento, que se fixa em 1/5 para o primeiro
e 4/5 para a segunda.
Notifique.
*
Évora, 07.03.2024
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
(1.ª
adjunta)
(2.º adjunto)
[1] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. IX, 3.ª edição Totalmente Revista e Aumentada, Edições Almedina, páginas 468, 470, 476 e 477.