Processo n.º 110/14.7TBETZ.E1
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Sumário:
1 – As janelas
distinguem-se das frestas, não só pelas suas dimensões, mas também pelo fim a
que umas e outras se destinam.
2 – Não obstante excederem quinze
centímetros em todas as suas dimensões, devem ser qualificadas como frestas,
embora irregulares, as aberturas, existentes na parede de um edifício, que não disponham de parapeito onde as pessoas possam
apoiar-se, debruçar-se ou desfrutar de vistas, não permitam, através delas,
projectar a parte superior do corpo humano, introduzir a cabeça de uma pessoa
adulta, conversar com alguém que esteja do lado de fora ou visualizar o prédio
vizinho, e tenham, como única função, permitir a entrada de luz e arejamento.
3 – A
existência de frestas, ainda que excedendo
quinze centímetros em todas as suas dimensões, não poderá
importar a constituição de uma servidão de vistas por usucapião, nos termos do
artigo 1362.º, n.º 1, do Código Civil.
4
– O proprietário do prédio vizinho tem o direito de exigir a redução do tamanho
das frestas irregulares de forma a que as mesmas passem a respeitar o disposto
no artigo 1363.º, n.º 2, do Código Civil.
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Relatório
AL e IL propuseram a presente
acção declarativa, com processo comum, contra JB e IP, pedindo a condenação
destes últimos a procederem, no prazo de oito dias, à tapagem, em alvenaria,
dos vãos das janelas abertas no muro divisório dos respectivos prédios. Os autores alegaram, em síntese, que os réus, sem a sua
autorização e em violação do disposto no artigo 1360.º, n.º 1, do Código Civil,
abriram oito janelas que deitam directamente para o quintal do seu prédio,
janelas essas que permitem devassar totalmente o mesmo quintal e, por outro
lado, são aptas para a futura constituição de uma servidão de vistas por
usucapião.
Os réus contestaram, alegando, em síntese, que o local
onde foram agora abertos os orifícios na parede contra os quais os autores se
insurgem foi, anteriormente, durante um período de vinte e oito anos, uma
varanda, razão pela qual se constituiu uma servidão de vistas; posteriormente,
em 2003, essa varanda foi fechada e foram abertas duas janelas com gradeamento
em ferro na parede daí resultante que dá para o quintal dos autores, com o
consentimento destes últimos; em 2008, os autores, sem autorização dos réus,
procederam ao fecho dos vãos das referidas janelas; nessa altura, os réus
apresentaram um projecto para legalização das obras do seu prédio junto da
câmara municipal, no qual estavas previstas aberturas a 1,80 metros de altura
da fachada confinante com os autores, para efeitos de ventilação e iluminação
do compartimento resultante do fecho da varanda; essa obra foi licenciada e foi
nessa sequência que os réus executaram as aberturas na parede em causa; tais
aberturas não são janelas, tendo, como única função, permitir a entrada de luz
e arejamento; a pretensão dos autores traduz-se num venire contra factum proprium e, por essa via, num abuso do direito;
pelo que a acção deverá ser julgada improcedente, por não provada.
Os réus deduziram ainda pedido reconvencional.
Os autores replicaram, mantendo a posição assumida na
petição inicial e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
Foi proferido despacho saneador, no qual, além do
mais, se julgou a reconvenção inadmissível.
Realizou-se a audiência final, na sequência da qual
foi proferida sentença julgando a acção improcedente, por não provada, com a
consequente absolvição dos réus do pedido.
Os autores não se conformaram com a sentença e interpuseram
recurso para este tribunal. As suas alegações contêm as seguintes conclusões:
A) As aberturas que os réus levaram a
cabo no seu prédio não foram autorizadas pelos autores, deitam para o quintal
do prédio destes, que é paralelo ao dos réus, e, em qualquer das suas
dimensões, largura e altura, ultrapassam os quinze centímetros;
B)
Assim, considerando o disposto no artigo 1363.º do Código Civil, aquelas
aberturas, que, de acordo com a lei, são janelas, são violadoras do disposto no
artigo 1360.º do mesmo diploma legal e passíveis de fundamento futuro para a
constituição de servidão de vistas;
C)
Mostrando-se tais janelas abertas em contravenção ao disposto no artigo 1360.º
do Código Civil, têm os autores direito a exigir dos réus a sua tapagem;
D)
Constitui decisão contrária à lei e abuso de direito por parte dos réus
“exigir” que sejam os autores a ter necessidade de efectuar construção para
tapar tais janelas se pretenderem impedir eventual constituição de servidão de vistas
ou, tão só, impedir que existam aberturas para o seu quintal em violação à lei.
Houve
lugar a resposta, tendo os recorridos pugnado pela improcedência do recurso.
O
recurso foi admitido.
Objecto
do recurso
É entendimento uniforme que é pelas
conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o
âmbito de intervenção do tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º
1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha
(artigo 608.º, n.º 2, ex vi artigo
663.º, n.º 2, do CPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo
o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
As questões a resolver são as seguintes:
1 – Se
os orifícios que os recorridos abriram na parede do seu prédio que confina com
o prédio dos recorrentes devem ser qualificados como janelas, para o efeito do
disposto no artigo 1360.º, n.º 1, do Código Civil, ou, em vez disso, devem ser
qualificados como frestas, seteiras ou óculos para luz e ar;
2 – Se
a permanência dos orifícios referidos em 1 poderia levar à constituição de uma
servidão de vistas sobre o prédio dos recorrentes e em que medida a resposta a
tal questão deverá influir no julgamento sobre a admissibilidade legal da
abertura dos mesmos orifícios;
3 – Se
se constituiu, em benefício do prédio dos recorridos, uma servidão de vistas
sobre o prédio dos recorrentes;
4 – Se
a pretensão dos recorrentes se traduz num venire
contra factum proprium e, por essa via, num abuso do direito, nos termos do
artigo 334.º do Código Civil;
5 – Quais
devem ser as consequências jurídicas da qualificação referida em 1.
Factualidade
apurada
Na sentença recorrida, foram julgados
provados os seguintes factos:
1 – Os autores são
proprietários do prédio urbano sito em (…), descrito na Conservatória do
Registo Predial de (…) sob o n.º (…);
2 – Os réus são
proprietários do prédio urbano sito em (…), descrito na Conservatória do
Registo Predial de (…) sob o n.º (…);
3 – Os referidos
prédios são confinantes;
4 – Em Novembro de
2013, os réus abriram oito janelas/frestas numa parede existente no limite dos
dois prédios que, da parte correspondente aos autores, corresponde a quintal;
5 – O vão de cada
uma das janelas/frestas tem aberturas com medidas entre 22 e 25 cm de largura
por 27 a 28 cm de altura;
6 – Tais
janelas/frestas foram abertas sem autorização dos autores;
7 – As
janelas/frestas encontram-se à face da parede que separa os dois prédios sem
qualquer intervalo;
8 – Os prédios são
paralelos entre si;
9 – Pouco tempo após
terem adquirido o seu prédio, os réus efectuaram obras de modificação e
ampliação do seu imóvel que implicaram a criação de várias dependências no 1.º andar,
designadamente uma varanda na parede que confina com os autores e que deita
para o quintal destes;
10 – A referida
varanda tinha uma largura de 2,75 metros e situava-se a cerca de 1,50 metros de
altura do solo do 1.º andar dos réus;
11 – A obra foi
executada e concluída no final de 1975, a coberto da Licença Municipal n.º 26
de 02.04.1975, apresentando a varanda a área de 10,45 metros;
12 – E assim se
manteve durante 28 anos;
13 – Em 2003, os
réus fecharam a varanda descrita em 10 e 11, abriram duas janelas e colocaram
um gradeamento em ferro;
14 – Fizeram-no com
autorização dos autores, que até facultaram o acesso ao seu quintal para a
realização da obra;
15 – No início de
Dezembro de 2008, os autores procederam ao fecho dos dois vãos das janelas dos
réus;
16 – Os réus deram
conhecimento desta situação à Camara Municipal de (…) em 5 de Dezembro de 2008;
17 – Nessa
sequência, apresentaram projecto de legalização de obras do seu prédio junto da
Camara Municipal de (…);
18 – No aludido
projecto, encontram-se previstas aberturas a 1,80 metros de altura da fachada
confinante com os autores, com a largura de 25 cm para efeitos de ventilação e
iluminação do compartimento resultante do fecho da varanda;
19 – A obra foi
licenciada sem condicionantes e emitido em 05.11.2011 o devido alvará de licença
de construção n.º 32/2011;
20 – Apesar de
interpelados pelos réus, os autores não permitiram o acesso ao seu quintal para
execução dos trabalhos;
21 – Os autores,
apesar de notificados pela Camara Municipal de (…) para reporem o edifício dos réus
nas condições iniciais, nunca o fizeram;
22 – As aberturas
feitas pelos réus não dispõem de parapeito onde as pessoas possam apoiar-se ou
debruçar-se, nem desfrutar de vistas, quer em frente, quer para os lados, quer
para baixo;
23 – Não se consegue,
através delas, projectar a parte superior do corpo humano, nem introduzir a
cabeça de uma pessoa adulta;
24 – Nem se consegue
conversar com alguém que esteja do lado de fora ou visualizar o quintal dos autores;
25 – As aludidas
aberturas têm como única função permitir a entrada de luz e arejamento.
A sentença recorrida julgou não provados
os seguintes factos:
A) As
janelas/frestas abertas pelos réus permitem devassar o quintal dos autores;
B) As
janelas/frestas mostram-se abertas a menos de 1,80 metros de altura do sobrado
dos réus;
C) A parede
divisória entre os dois prédios tem características de parede de meação.
Fundamentação
1
O artigo
1360.º, n.º 1, do Código Civil (CC) estabelece que o proprietário que, no seu
prédio, levantar edifício ou outra construção, não pode abrir nela janelas ou
portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e
cada uma das obras o intervalo de metro e meio.
O artigo
1363.º CC estabelece que não se consideram abrangidos pelas restrições da lei
as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, podendo o vizinho levantar a todo
o tempo a sua casa ou contramuro, ainda que vede tais aberturas (n.º 1), e que
as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar devem situar-se pelo menos a um
metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não
devem ter, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros, esclarecendo
ainda que a altura de um metro e oitenta centímetros respeita a ambos os lados
da parede ou muro onde essas aberturas se encontram (n.º 2).
No caso
dos autos, os orifícios que os recorridos abriram na parede do seu prédio têm entre 22 e 25 cm de largura por 27 a 28 cm de
altura. Não se provou que tais orifícios fiquem a menos de 1,80 metros de
altura do sobrado do mesmo prédio.
Os recorrentes argumentam que os orifícios em causa devem ser
qualificados como janelas porquanto têm mais de 15 centímetros em qualquer das
suas dimensões. Porém, não têm razão. A distinção entre janelas e frestas,
seteiras ou óculos para luz e ar não se faz, simplesmente, incluindo na
primeira categoria todas as aberturas, feitas em paredes, que tenham mais de 15 centímetros em qualquer das suas dimensões. Não
é esse, seguramente, o sentido das normas acima citadas.
A distinção entre janelas e frestas, seteiras ou óculos para luz e ar não decorre
directamente da lei, tendo, por isso, vindo a ser levada a cabo pela
jurisprudência e pela doutrina. A jurisprudência largamente maioritária vai, e
bem, no sentido de que tal distinção não se deve fazer nos termos pretendidos
pelos recorrentes, mas sim, conjugadamente, em função das dimensões e da finalidade
das aberturas. Di-lo, com toda a clareza, por exemplo, o Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 26.02.2004 (processo n.º 03B3498, disponível, como os
restantes adiante referenciados, em http://www.dgsi.pt/): “I
– As janelas
distinguem-se das frestas, não só pelas suas dimensões, mas também pelo fim a
que umas e outras se destinam. II – As frestas são aberturas estreitas, cuja
única função é permitir a entrada de ar e luz, sendo as janelas aberturas mais
amplas, através das quais pode projectar-se a parte superior do corpo humano, e
que dispõem de um parapeito onde as pessoas podem apoiar-se ou debruçar-se e
desfrutar comodamente as vistas que proporcionam, olhando quer em frente, quer
para os lados, quer para cima ou para baixo. III – Só este conceito de janela
se adequa à dupla finalidade da restrição estabelecida no n.º 1 do artigo 1360.º
do CC: evitar que o prédio vizinho seja facilmente objecto da indiscrição de
estranhos, e impedir a sua fácil devassa com o arremesso de objectos.”
Veja-se, em sentido idêntico, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de
26.06.2008 (processo n.º 08B1716) e 01.04.2008 (processo n.º 07A3114), bem como os Acórdãos da Relação de Évora de
18.09.2008 (processo n.º 750/08-3) e 18.09.2008 (processo n.º 879/08-2).
À luz
deste critério, é evidente que as aberturas feitas na parede do prédio dos
recorridos não podem ser qualificadas como janelas, pois provou-se que as
mesmas medem apenas entre 22 e 25 cm de largura por 27 a 28 cm de altura e não
dispõem de parapeito onde as pessoas possam apoiar-se ou debruçar-se, nem
desfrutar de vistas, quer em frente, quer para os lados, quer para baixo; não
se consegue, através delas, projectar a parte superior do corpo humano,
introduzir a cabeça de uma pessoa adulta, conversar com alguém que esteja do
lado de fora ou visualizar o quintal dos recorrentes; tais aberturas têm como
única função permitir a entrada de luz e arejamento.
Em face destas características e finalidades, tais
aberturas merecem, antes, a qualificação de frestas. A isso não obsta o facto
de, todas elas, terem dimensão superior à estabelecida no artigo 1363.º, n.º 2,
CC. Tal facto não impede a referida qualificação, apenas acarretando um juízo
de ilicitude de tais aberturas, com consequências jurídicas próprias, distintas
das da abertura de janelas em violação do artigo 1360.º, n.º 1, CC, que adiante
analisaremos.
2
Resolvida
a questão da qualificação das aberturas levadas a cabo pelos recorridos no seu
prédio como frestas, facilmente se conclui que a permanência destas nunca
conduzirá à constituição de
uma servidão de vistas sobre o prédio dos recorrentes. O artigo 1362.º, n.º 1,
CC, é claro ao estabelecer que apenas a existência de janelas, portas,
varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto
na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas
por usucapião. Não se incluem nessas obras as frestas, qualquer que seja a sua
dimensão. Não faria, aliás, sentido que tal acontecesse. Estando-se perante
aberturas que, pelas suas dimensões e finalidade, não proporcionam vistas sobre
o prédio confinante, seria, de todo, anormal, nos quadros do instituto da
usucapião, que a sua permanência durante determinado prazo pudesse resultar na
constituição de uma servidão de vistas. Como expressivamente se afirma no
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.11.2008 (processo n.º 08B554), “1 – Sem vistas não pode haver servidão de... vistas. 2 –
Para haver servidão é preciso, antes de mais, que haja uma utilidade que possa
ser gozada pelo prédio dominante, o prédio que dela beneficie. 3 – Se não há a
possibilidade de “ver e devassar” o prédio vizinho não pode constituir-se, por
usucapião, uma servidão de vistas.” A jurisprudência dos nossos
tribunais superiores é unânime nesta matéria, referenciando-se, a título
meramente exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de
26.02.2004 (processo n.º 03B3498), 20.05.2004 (processo n.º 04B1297),
01.04.2008 (processo n.º 07A3114) e 26.06.2008 (08B1716), bem como os Acórdãos
da Relação de Évora de 27.11.2003 (processo n.º 587/03-2), 18.09.2008 (processo
n.º 750/08-3), 28.02.2013 (processo n.º 459/07.5TBBJA.E1) e 30.11.2016
(processo n.º 318/14.5TBVRS.E1).
Fica, assim, demonstrado que não
tem razão de ser o argumento dos recorrentes segundo o qual as aberturas
realizadas pelos recorridos na parede do seu prédio não podem manter-se porque
são passíveis de fundamento futuro para a constituição de
servidão de vistas sobre o seu próprio prédio (cfr. alíneas B e D das suas
conclusões). Em caso algum os recorrentes correm o risco de o seu prédio ficar onerado
com uma servidão de vistas em consequência das referidas aberturas. Logo, é
questão que não tem interesse para a decisão da causa.
3
Analisemos,
em seguida, o argumento dos recorridos segundo o qual se constituiu, em
benefício do seu prédio e onerando o prédio dos recorrentes, uma servidão de vistas, em consequência
de o local onde foram agora abertos os orifícios na parede contra os quais os
segundos se insurgem ter sido, anteriormente, durante um período de vinte e
oito anos, uma varanda.
Este
argumento improcede, desde logo, por falta de sustentação factual.
O n.º 2
do artigo 1360.º CC estende a restrição estabelecida no seu n.º 1, já citado,
às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam servidos de
parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte
dela. O também já citado artigo 1362.º, n.º 1, CC, inclui as varandas com essas
características no âmbito da sua previsão, o que significa que a existência das
mesmas pode importar, nos termos gerais, a constituição de uma servidão de
vistas por usucapião.
No caso
dos autos, a factualidade que os ora recorridos alegaram sobre esta matéria e,
como decorrência disso, aquela que foi julgada provada, é insuficiente para,
sequer, se poder concluir que se verificou o elemento objectivo da posse, o
denominado corpus. Assim, foi alegado
no artigo 7.º da contestação que a varanda em causa tinha uma largura de 2,75 m
projectada a cerca de 1,50 m de altura do solo do 1.º andar dos recorridos.
Esta alegação teve expressão no n.º 10 dos factos julgados provados na sentença
recorrida, onde continua a falar-se em cerca de 1,50 metros de altura do solo do 1.º andar dos recorridos.
Cerca de 1,50 metros, salientamos. Ora, a altura do parapeito da varanda é um
facto fundamental para se saber se a varanda em causa estava nas condições
previstas no n.º 2 do artigo 1360.º CC e, logo, se a sua existência durante
vinte e oito anos deu origem a uma servidão de vistas nos termos do artigo
1362.º, n.º 1, CC. Daí ser exigível precisão nesta matéria, sendo certo que o
ónus de alegação e prova da mesma estava a cargo dos recorridos (artigo 342.º,
n.ºs 1 e 2, CC). Não se tendo provado que o parapeito da varanda tivesse menos
de um metro e meio de altura, não pode concluir-se pela existência de uma posse
nos termos exigidos pelas citadas disposições legais para a constituição da
reclamada servidão de vistas a favor dos recorridos. A isto acresce a pura e
simples falta de alegação e prova do animus
dessa mesma posse, saliente-se.
Assim se
conclui, sem necessidade de mais indagações, pela falta de fundamento do
argumento em análise.
4
Os
recorridos sustentam, por outro lado, que a
pretensão dos recorrentes se traduz num venire
contra factum proprium e, por essa via, num abuso do direito, nos termos do
artigo 334.º do Código Civil. Isto porque, quando os recorridos fecharam a
varanda e, na parede daí resultante que ficou a confinar com o prédio dos
recorrentes, abriram duas janelas, estes últimos deram o seu consentimento.
Está
provado, a este respeito, que, em 2003, os
recorridos fecharam a varanda acima referida, abriram duas janelas e colocaram
um gradeamento em ferro, tudo com autorização dos autores, que até facultaram o
acesso ao seu quintal para a realização da obra.
Não obstante, não há fundamento para se concluir pela
existência de uma situação de venire contra factum proprium. Note-se a conduta dos recorrentes que
é visada por esta imputação não é o fecho, a que estes procederam no início de Dezembro de 2008, dos vãos das janelas
construídas em 2003. Então sim, os recorrentes assumiram um comportamento
contraditório com a posição que haviam tomado em 2003, com evidente prejuízo
para os recorridos. Porém, não é isso que está em causa neste momento. Ao
invocarem o abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, os recorridos reportam-se,
obviamente, à oposição dos recorrentes à existência das aberturas construídas
em Novembro de 2013 e têm como objectivo
inviabilizar a pretensão destes que constitui objecto desta acção. Ora, aqui,
não há qualquer comportamento contraditório por parte dos recorrentes, os quais
sempre se opuseram – como, aliás, era previsível em face do ocorrido em
Dezembro de 2008 – à obra realizada em Novembro de 2013. Logo, não há
fundamento para se concluir no sentido da existência de abuso do direito por banda
dos recorrentes.
Não se diga, contra isto, que a oposição dos recorrentes à
obra realizada em Novembro de 2013 é contraditória com a autorização que
concederam e à colaboração que prestaram para a realização da obra de 2003. Não
há contradição, porque estamos a falar de obras diversas. Nem sequer se poderá contrapor
que a obra de 2003 seria mais invasiva do prédio dos recorrentes que a de 2013,
na medida em que se tratava de duas janelas, enquanto esta última consistiu em
oito frestas, pois, por um lado, desconhece-se a exacta dimensão e altura em
relação ao sobrado daquelas janelas e, por outro, tem de se ter em conta que as
mesmas janelas eram gradadas, facto este da maior relevância neste contexto –
cfr. o disposto no artigo 1364.º CC.
5
Recapitulando:
Os orifícios que os recorridos abriram na parede do seu prédio são frestas; a
existência destas frestas nunca poderá originar uma servidão de vistas a cargo
do prédio dos recorrentes; nunca houve uma servidão de vistas, sobre o mesmo
prédio, em benefício do prédio dos recorridos; e a pretensão dos recorrentes
não constitui um abuso do direito. Temos, finalmente, o caminho aberto para
chegar à decisão do presente litígio.
A
sentença recorrida concluiu, bem, que os referidos orifícios são frestas e não
janelas. Porém, daí extraiu, sem mais, a conclusão de que tais frestas, uma vez
que não estão sujeitas às restrições estabelecidas no artigo 1360.º CC e foram
abertas em parede de que os recorridos são proprietários exclusivos, podem
manter-se tal qual se encontram, julgando, assim, a acção improcedente. Ora, nessa
parte, a sentença recorrida merece crítica.
A
posição assumida pela sentença recorrida redunda em equiparar as frestas
construídas em violação do disposto no artigo 1363.º, n.º 2, CC, àquelas que o
foram em conformidade com a mesma norma. Umas e outras poderiam ser construídas
e manter-se, ainda que com a oposição do proprietário do prédio confinante.
Todavia, esta equipação do ilícito ao lícito é juridicamente insustentável. A
circunstância de as frestas abertas pelos recorridos terem, em todas as suas
dimensões, mais de 15 centímetros, em violação do disposto no artigo 1363.º,
n.º 2, CC, não pode deixar de ter consequências jurídicas. Não a consequência
radical pretendida pelos recorrentes, ou seja, a eliminação das frestas, porque,
por força da referida norma legal, os recorridos têm o direito de abrir frestas
na parede do seu prédio. Em vez disso, deverá ser ordenada a redução da
dimensão das frestas aos limites estabelecidos na mesma norma legal, ou seja,
de forma a que, ao menos numa das suas dimensões, não tenham mais de 15
centímetros. É quanto basta para repor a legalidade.
Resta
acrescentar que o facto de a obra realizada pelos recorridos em Novembro de 2013 ter sido licenciada sem
condicionantes pela câmara municipal é irrelevante para a decisão a proferir
neste processo. Como é sabido, “As licenças de construção são
emitidas "sob reserva de direitos de terceiros". Logo, qualquer
vizinho pode, em caso de violação pelo construtor das regras de direito
privado, fazer valer perante os Tribunais comuns os seus direitos emergentes de
relação jurídicas privadas, independentemente da legalidade do licenciamento.
(…) A licença apenas regula as
relações entre a Administração e o titular e, por isso, não constitui, modifica
ou extingue relações jurídicas privadas” (Acórdão da Relação de Évora de
18.11.2009 – processo n.º 30/2000.E1).
Em conclusão, o recurso deverá ser julgado parcialmente
procedente, condenando-se os recorridos a procederem à redução da dimensão das frestas que
abriram no seu prédio aos limites estabelecidos pelo artigo 1363.º, n.º 2, CC.
Decisão
Julga-se o recurso parcialmente procedente,
condenando-se os recorridos a procederem à redução
do tamanho das frestas que abriram no seu prédio de forma a que, ao menos numa
das suas dimensões, as mesmas não tenham mais de quinze centímetros, em
conformidade com o disposto no artigo 1363.º, n.º 2, do Código Civil.
Custas, em ambas as instâncias, a cargo
dos recorrentes e dos recorridos, em partes iguais, sem prejuízo do decidido em
matéria de apoio judiciário.
Notifique.
*
Évora, 12.10.2017
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.ª
adjunta
2.º
adjunto