domingo, 13 de junho de 2021

Acórdão da Relação de Évora de 27.05.2021

Processo n.º 720/17.0T8FAR.E1

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Sumário:

1 – Uma conclusão que se refira a uma questão não suscitada no corpo das alegações deve considerar-se não escrita.

2 – O comprador de uma fracção autónoma tem direito à reparação dos defeitos da mesma pelo vendedor ainda que algumas das obras para o efeito necessárias devam ser executadas numa parte comum do edifício.

3 – Em princípio, o comprador de coisa defeituosa não tem o direito de contratar um terceiro para executar a reparação daquela e exigir do vendedor o ressarcimento do prejuízo resultante de ter suportado o respectivo custo.

4 – Todavia, na hipótese de a reparação ser urgente, deverá reconhecer-se, ao comprador, com base no princípio do estado de necessidade (artigo 339.º do Código Civil), o direito de, perante a falta de reparação voluntária por parte do vendedor após a atempada denúncia dos defeitos, contratar um terceiro para executar a reparação da coisa e exigir do vendedor o ressarcimento daquele prejuízo.

5 – Litiga de má-fé o vendedor que, em acção contra si proposta pelo comprador, impugna a alegação, por este feita, dos defeitos da coisa vendida, não obstante saber que tais defeitos se verificam.

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Na presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, proposta por Horácio e Dalila contra Sociedade 1, Lda., foi proferida sentença que:

A) Julgou improcedente a excepção de caducidade invocada pela ré;

B) Condenou a ré a pagar aos autores a quantia de € 19.220, correspondente ao efectivo custo que estes suportaram com a reparação/eliminação dos defeitos verificados na fracção autónoma “AC”, melhor identificada em 1 dos factos provados;

C) Condenou a ré a pagar aos autores o montante de € 1.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação da ré (09.03.2017) até efectivo e integral pagamento;

D) Condenou a ré em multa de 10 UC por litigância de má-fé;

E) Condenou a ré a indemnizar os autores em importância a fixar nos termos do artigo 543.º, n.º 3, do CPC, por litigância de má-fé;

F) Considerou prejudicados, atenta a factualidade supervenientemente alegada e provada, os pedidos formulados pelos autores na petição inicial, referentes às alíneas a), b), c), d), e), f) e g);

G) Absolveu a ré do demais peticionado;

H) Absolveu totalmente a interveniente principal, Sociedade 2, Lda..

A ré interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado extensíssimas conclusões, que assim se sintetizam:

1 – Foram erradamente considerados provados os factos 48, 52 e 54 (…).

2 – As provas referentes a esses factos são, unicamente:

- O relatório pericial;

- Os esclarecimentos dos peritos em julgamento;

- O depoimento da testemunha Joaquim, que foi a pessoa que fez as obras na fracção dos autores, que colocou o capoto na fachada norte, parte comum do respectivo prédio, e que fez as obras no terraço da fracção que fica sobre a fracção dos autores, e que não pertence a estes.

3 – No relatório pericial, que se encontra a fls. 248 a 250 dos autos, consta, com relevância para o presente recurso da matéria fáctica: Quesito 1: (…); Quesito 4: (…); Quesito 6: (…).

4 – A perita Engenheira Catarina, que prestou esclarecimentos em julgamento e cujo depoimento se encontra gravado com a referência 12/09/2019 – 10:09:49. A 11:23:04, com relevância para o presente recurso disse: (…).

5 – O perito Engenheiro Virgílio prestou esclarecimentos em julgamento, gravados com a referência 12-09-2019 – 11:23:56 a 11:53:03, com relevância para este recurso disse: (…).

6 – O perito Engenheiro João prestou esclarecimentos em julgamento, gravados com a referência 12-09-2019 – 11:53:22 a 12:22:14 e com relevância para este recurso disse: (…).

7 – Os três supra referidos peritos prestaram esclarecimentos, em conjunto, na sessão de julgamento de 31/10/2019 gravados com a referência 31/10/2019, 14:27:12 a 14:49:11, e com relevância para este recurso disseram: (…).

8 – Atentos o relatório pericial de fls. 248 a 250 destes autos e nomeadamente a resposta aos quesitos 1, 4 e 6, e os esclarecimentos dos peritos, dados em julgamento, entende o recorrente que devem ser eliminados dos factos provados os factos dos itens 48, 52 e 54 da sentença recorrida.

9 – Os três peritos foram unânimes, quer nas respostas que deram no relatório pericial, quer nos esclarecimentos que prestaram em julgamento, e não se vislumbrando prova nos autos que se sobreponha à dos peritos.

10 – A testemunha Joaquim, que fez o orçamento de 12/03/2019 que se encontra nos autos, iniciou as obras respectivas em Abril de 2019 e executou o orçamento de 12/03/2019, e pelo que o mesmo fez o orçamento em 12/03/2019 pelo que viu então na fracção dos autores em data não posterior a 12/03/2019, e o relatório pericial foi elaborado em 18/10/2018, menos de 5 meses antes de 12/03/2019, e pelo que a testemunha Joaquim em 12/03/2019 viu na respectiva fracção dos autores o mesmo que os peritos viram aquando da sua visita à mesma em data pouco anterior a 18/10/2018.

11 – E pelo que não pode ser defensável pelos autores nestes autos que a metodologia seguida pelo Joaquim se deveu a que, no decurso da obra se verificou que as soluções para a mesma eram a colocação de capoto em toda a fachada norte do prédio e não apenas na parte correspondente à fracção dos A. A. a qual é um rés-do-chão; e bem assim a colocação de placas de pladur (gesso cartonado) nas paredes do interior da dita fracção dos autores e em completa discrepância, em antagonismo até, com a metodologia prescrita pelos peritos no seu relatório pericial de fls. 248 a 250 destes autos.

12 – E sendo eliminados os factos provados dos itens 48, 52 e 54, e em especial, o referido item 48, é ponto assente que os ora autores (e pese embora a resposta dada pelos peritos ao quesito 6.º formulado pelos próprios autores e orçamento já junto à petição inicial pelos autores como doc. 6, optaram, em Março de 2019, em fazer obras na sua fracção a seu belo prazer, fazendo letra morta do aludido relatório pericial.

13 – E a partir do início do julgamento destes autos (em 12/10/2019) começaram a pugnar nos mesmos para que as obras por si feitas sejam pagas pela ora ré, e num claro abuso de direito por parte dos autores, pois

14 – Os ora autores, que intentaram a presente acção em 03/03/2017, juntam logo com a mesma um orçamento (doc. 6 da p.i.) e no valor de € 3.179,89,

15 – Em sede de audiência prévia, foi logo deferida a realização de pericial colegial requerida pelos autores.

16 – A fls. 248 a 250 dos autos consta o relatório pericial em cujo quesito 6 e respectiva resposta se encontra a metodologia preconizada pelos peritos, por unanimidade para proceder à eliminação dos defeitos existentes na fracção “AC” dos autores.

17 – Não tendo os autores reclamado ou requerido qualquer esclarecimento sobre a resposta pericial ao aludido quesito 6.

18 – Em 25/03/2019, 13 dias após o orçamento da testemunha Joaquim), os ora autores (sem fazerem qualquer alusão ao orçamento da testemunha Joaquim datado de 12/03/2019 e que já preconizava uma metodologia para a eliminação dos defeitos da fracção dos autores totalmente divergente da preconizava no relatório pericial) vêm pedir ao tribunal que, assegurado o contraditório, autorize a realização das obras de reparação urgentes, que a coisa manifestamente necessita.

19 – A ré, no contraditório, convicta da procedência da excepção da caducidade por si invocada, alegou que não se opõe a que sejam feitas somente as obras de reparação urgentes, por parte dos autores, e que as mesmas sejam feitas aos preços correntes do mercado.

20 – Pois quando a ré exerceu o referido contraditório (em 08/04/2019) já tinha conhecimento quer do doc. 6 da p.i. quer do relatório pericial junto aos autos.

21 – A ré nunca discordou da metodologia referida no relatório pericial para eliminação dos defeitos da fracção, apenas considerando que atenta a caducidade por si invocada já não cabia à ré proceder à eliminação desses defeitos.

22 – Caso a acção viesse a ser procedente a ora ré procederia à eliminação dos defeitos e conforme a metodologia preconizada no relatório pericial destes autos.

23 – Nunca tendo a ré (em 08/04/2019 ou noutra data qualquer anterior a 12/09/2019) equacionado sequer que os autores iriam colocar capoto em toda a empena norte do prédio (que é parede comum do prédio e não parte própria da fracção dos autores) e colocar paredes de pladur no interior da fracção dos autores.

24 – Em 12/09/2019 os autores juntaram aos autos dois orçamentos da sua testemunha Joaquim ambos datados de 12/03/2020 (vide fls. 297 e vº dos autos), isto é, 6 meses antes da aludida sessão de julgamento de 12/09/2019, e o plano de pagamentos do dito Joaquim, datado de 15/04/2019.

25 – Nesses dois orçamentos consta “Fornecimento e revestimento com gesso cartonado hidrófugo todas as paredes a que apresentam dados oriundos das infiltrações escritório e sala”.

26 – E conforme caderneta predial e planta ora juntas como docs. 1 e 2, a fracção autónoma dos autores tem quatro quartos e uma sala, e, conforme o relatório pericial as divisões que apresentaram danos eram a sala, um quarto, o escritório (que é um quarto usado como escritório), e a suite (que é outro quarto), e pelo que o restante quarto não apresentava danos e não tinha de ser intervencionado nem com reparação do revestimento das paredes interiores e pintura e muito menos com a colocação de gesso cartonado em qualquer uma das suas paredes interiores.

27 – Em 12/09/2019, ouvidas em julgamento as testemunhas (dos autores) Carla e Luísa, disseram, a primeira “que nunca foi a casa dos autores, e a segunda “que nunca foi lá dentro”, e a testemunha (dos autores) Maria José disse “vive no locado ao lado”, “comprou a casa dela há dois anos e meio” (por volta de Janeiro de 2017).

28 – Em 17/09/2019 os autores juntaram aos autos os documentos comprovativos dos pagamentos por si feitos, (vide fls. 304 a 307 vº dos autos) – e, conjugando os documentos referentes aos pagamentos e o plano de pagamentos (vide fls. 298) verificamos que a adjudicação da obra pelos autores ao Joaquim ocorreu em 23/04/2019 e que a obra foi terminada em 07/07/2019.

29 – Em 26/09/2019 foi ouvida a testemunha Joaquim, chamada pelo tribunal, e que referiu que “deu o orçamento pelos trabalhos propostos”, “não houve alteração do orçamento inicial”, “propôs um orçamento e avançou com a obra” “pôs o capoto até à cumeeira em toda a fachada”, “quem pagou o capoto foi o Horácio”.

30 – Em 07/10/2019 a ré pronunciou-se quanto à má fé, dando-se aqui por integralmente reproduzido e para efeitos deste recurso de apelação, o requerimento da ora ré entregue em juízo em 07/10/2019, e reproduzindo-se aqui textualmente o item 10º desse requerimento. (…)

31 – Em 30/10/2019 os autores através de requerimento escrito nessa data enviado aos autos apresentam um “articulado superveniente”, pedindo a final, e nomeadamente a condenação da ré no pagamento aos autores de € 19.220,00 referentes às anomalias/defeitos.

32 – Porém os autores nem sequer cumpriram o estipulado no n.º 2 do artº. 589º do C. P. C. que impõe que sejam orais e que fiquem consignados na acta a dedução de factos supervenientes quando o acto respectivo tenha lugar depois de aberta a audiência final, e esta foi aberta em 12/09/2019.

33 – E juntando com esse articulado 4 facturas/recibo e pelas quais se vê que afinal não foi o Joaquim, com o n.º fiscal 203771257 (vide orçamentos de fls. 297º e 297vº) que prestou os serviços aos autores, mas sim a Helena, NIF nº 216808039, – o que é revelador de trapalhadas várias e que tem de ser tomado em conta na apreciação do tribunal, quer quanto à má-fé quer quanto ao abuso de direito.

34 – Em 19/11/2019 a ora ré respondeu ao articulado superveniente dos autores, e considerando, no final dessa sua resposta que o articulado superveniente dos autores não deve ser admitido, e nem a ré condenada nos pedidos no mesmo formulados.

35 – Em 10/01/2020 o autor Horácio, foi ouvido em depoimento de parte, e aí disse com relevância para a causa:

- que a ré arranjou as torneiras e canos – (o que demonstra a boa-fé da ré),

- que não mostrou o relatório pericial ao Sr. Joaquim,

- que não lhe interessava rebocar e pintar as paredes, mas resolver o assunto de base, e que nesse sentido avançaram com as obras,

- (o que demonstra que os autores nunca pensaram em fazer as obras seguindo os métodos preconizados no relatório pericial e agindo em abuso de direito).

36 – Conforme o relatório pericial, a causa dos defeitos existentes na fracção AC dos autores era a infiltração de águas pluviais, que ocorria pelas paredes exteriores do lado norte da dita fracção, pelo pavimento e paredes do terraço exterior contíguo à fracção dos autores, e pela varanda da fracção situada imediatamente acima da fracção dos ora autores.

37 – E atento o estipulado no artº. 1421º, nº 1 al. a) do Código Civil, as paredes exteriores dos edifícios em propriedade horizontal são partes comuns, e, no caso concreto destes autos toda a empena do prédio do lado norte do mesmo, e onde foi colocado o capoto até à cumeeira é parte comum do edifício e não propriedade exclusiva dos ora autores, e não tendo estes legitimidade para exigirem obras ao construtor referentes às partes comuns do prédio.

38 – Estando esse direito reservado ao respectivo condomínio do edifício.

39 – E pelo que a ré não pode, nesta acção, interposta por um único condómino (os autores) ser condenada a pagar o capoto colocado em toda a fachada norte do aludido edifício.

40 – A varanda da fracção situada imediatamente acima da fracção dos ora autores pertence a outros condóminos do prédio e é propriedade exclusiva dos mesmos, e cabe a esses condóminos da fracção sita sobre a fracção dos ora autores proceder às obras necessárias para que dessa fracção não provenham águas infiltradas para a fracção dos autores.

41 – Os autores requerem que lhes seja aplicável o estipulado no artº. 1225.º do C. Civil (vide itens 25.º e 26.º da petição inicial), e pedem, a final a condenação da ré a proceder/realizar a reparação/eliminação dos defeitos detectados.

42 – E consequentemente tinham os autores que seguir os ritos do artigo 1220.º e seguintes do Cód. Civil até final, e, só se a ré, após condenação, não efectuasse as reparações, é que os ora autores poderiam intentar execução de sentença para a prestação do respectivo facto.

43 – Porém, após a perícia realizada nos autos os autores optaram por fazer obras na sua fracção e a fim de eliminarem e repararem os defeitos existentes na mesma.

44 – Porém, ao contrário do bom senso que lhes era exigido, optaram por fazer obras que não se coadunavam em si mesmo com as obras necessárias à eliminação dos defeitos existentes, indo muito para além da eliminação/reparação dos defeitos existentes.

45 – De tal forma que, na parede exterior do lado norte da fracção dos autores foi colocado capoto (material para melhorar as condições térmicas dos edifícios) não apenas na parte da parede correspondente à fracção AC dos autores mas desde o rés de chão e até à cumieira e abrangendo todas as fracções existentes sobre a fracção dos ora autores e, nas paredes interiores da fracção que apresentavam defeitos foi colocado de alto a baixo, placas de gesso cartonado, as quais apenas tapam (à vista) as consequências das infiltrações, e nada mais.

46 – Quer o capoto quer o pladur são soluções caras para reparar os defeitos que existiram na fracção dos autores e tendo estes peticionado pelas obras que fizeram o montante de 19.200,00€, e logo quando intentaram a presente acção juntaram um orçamento para as obras de eliminação/reparação dos defeitos da sua fracção AC no montante de € 3.179,89, valor este que é mais de 6 vezes inferior ao dito valor de € 19.220,00.

47 – E só tendo podido ocorrer essa diferença dos € 3.179,89 do (orçamento junto com a petição inicial dos autores) para os € 19.220,00 (valor das obras reclamado pelos autores à ré em 30/10/2019, e após o inicio da audiência de discussão e julgamento iniciada em 12/09/2019) por manifesto abuso de direito por parte dos autores.

48 – Os quais, a partir de meados de Março de 2019 começaram a planear fazer várias obras a seu belo prazer na sua fracção, e muito para além das reparações dos defeitos constantes no relatório pericial junto nos autos.

49 – E assacarem à ora ré a responsabilidade pelo pagamento de tais obras.

50 – E obrigatoriamente, os condóminos proprietários das fracções sitas sobre a fracção AC dos autores e onde foi colocado o capoto ao longo de toda a empena norte do prédio estão conluiados com os autores no planeamento destes e bem assim todos os restantes condóminos do dito edifício (e alguns dos quais foram as testemunhas indicadas pelos autores nestes autos nomeadamente, a Carla, a Luísa e a Maria José) pois a colocação do capoto em toda a empena norte onde se situa a fracção dos autores não podia nunca passar despercebida dos restantes condóminos do prédio.

51 – A sentença recorrida condenou a ré como litigante de má-fé por esta, numa vez por ano, e antes da venda aos autores pintar o interior da respectiva fracção e arejá-la, numa média de uma vez por ano.

52 – Porém, sendo as causas dos defeitos as infiltrações do exterior, de águas pluviais, e nada mais, consideramos excessiva a condenação de má-fé, pois o exterior das fracções, nomeadamente as paredes exteriores, são partes comuns dos prédios, e como tal cabe à administração do condomínio e não aos donos de uma fracção intentarem acção referente a defeitos ou danos provenientes de partes comuns dos edifícios.

53 – O abuso de direito é de conhecimento oficioso e,

54 – Conforme o Acórdão do STJ, de 24-3-1999 in BMJ, 485º-381, “O abuso de direito supõe que, por parte do seu titular, haja um excesso manifesto no seu exercício, tendo em conta os limites impostos pela boa-fé pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”

55 – E os autores nesta acção incorrem em abuso de direito ao terem omitido nestes autos logo em Março de 2019 os orçamentos de fls. 287 e 287vº, e terem mandado efectuar as obras referidas nos mesmos, em completa discrepância quer do orçamento junto por si à petição inicial como doc. 6, quer da metodologia preconizada no quesito 6 do relatório pericial destes autos, e em valores mais de 6 vezes superior ao orçamento junto com a petição inicial.

56 – Atento os factos provados n.ºs 5 e 6 da sentença recorrida foi a interveniente “Sociedade 2, Lda.” o empreiteiro do prédio onde se integra a fracção AC dos autores, e pelo que, pese embora os autores refiram na sua p.i. o artº. 1225º, nestes autos, e na relação entre os autores e a ré é aplicável os artºs. 916º e 917º do Cód. Civil e encontrando-se pois também por esta via já caducado o direito dos autores a accionarem a ré (que caducou 6 meses após a denuncia dos defeitos [vide factos 18 e 25 dos factos provados]).

57 – Os autores agiram deliberadamente de má-fé e em abuso de direito ao fazerem obras sem seguirem a metodologia prevista no relatório pericial e sendo elucidativo dessa má fé e desse abuso de direito ter o autor, no seu depoimento de parte prestado em 10/01/2020 dito ao tribunal “que não mostrou o relatório pericial ao Sr. Joaquim”, “e que não lhe interessava rebocar e pintar as paredes, mas resolver o assunto de base, e que nesse sentido avançaram com as obras.

58 – A sentença recorrida violou o estipulado nos artigos 1220.º e seguintes do Código Civil, no decurso do julgamento não foi observado o estipulado no artº. 589º, nº 2 1ª parte, e a actuação dos autores com as obras que os mesmos fizeram e cujo pagamento pedem à ré, é um abuso de direito e uma litigância de má-fé.

59- E, tendo os autores feito obras muito para além do prescrito na resposta ao quesito 6 do relatório pericial (quesito esse formulado pelos próprios autores) e em valores mais de 6 vezes superior ao valor indicado pelos próprios autores na sua petição inicial e no doc. 6 junto a esta, perdem os ora autores o direito de poderem exigir qualquer quantia à Ré.

Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso e proferir-se acórdão que declare que os autores agiram em abuso de direito nas obras por si efectuadas, e que julgue procedente a excepção de caducidade invocada pela ora ré, e, em caso de improcedência da dita excepção, que absolva a ré de todos os pedidos contra si formulados e nomeadamente que a absolva da litigância de má-fé.

Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido.

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Considerando o teor das conclusões do recurso, suscitam-se as seguintes questões:

1 – Junção de documentos com as alegações de recurso;

2 – Caducidade do direito à reparação dos defeitos da fracção;

3 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

4 – Abuso de direito por parte dos recorridos;

5 – Cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 589.º do CPC;

6 – Legitimidade dos recorridos para exigirem, à recorrente, obras a executar em partes comuns do edifício;

7 – Se a recorrente se encontrava obrigada a proceder às obras necessárias à cessação da infiltração, na fracção dos recorridos, de águas pluviais provenientes da varanda da fracção situada imediatamente acima daquela, pertencente a outro condómino;

8 – Se os recorridos apenas podiam realizar as obras destinadas à eliminação dos defeitos da fracção na hipótese de a recorrente, uma vez condenada a efectuá-las, o não fazer;

9 – Litigância de má-fé por parte da recorrente.

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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1 – Por via de escritura pública outorgada em 16 de Novembro de 2015, os autores adquiriram à ré Sociedade 1, Lda. (doravante ré) os seguintes imóveis: fracção autónoma designada pela letra “AC”, destinada a habitação, com dois lugares de estacionamento na semi-cave, correspondente ao rés-do-chão direito, Bloco F; e fracção autónoma designada pela letra “AP”, destinada a arrumos, na semi-cave, com o número 7; ambas do prédio urbano sito em (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o número (…) e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o número (…) da referida freguesia.

2 – Os autores adquiriram, designadamente, a fracção “AC” para sua habitação própria e permanente, passando a ocupá-la em conformidade.

3 – A ré promoveu a construção do prédio identificado em 1, no âmbito da sua actividade profissional de construção civil, promoção imobiliária e compra e venda de imóveis.

4 – E foi no âmbito dessa sua actividade que a ré vendeu aos autores as fracções identificadas em 1, assim como, a terceiros, as restantes fracções do mesmo prédio.

5 – A ré acordou com Sociedade 2, Lda., com sede em (…) (doravante Interveniente Principal) que esta realizaria a obra de construção (material e mão de obra) do prédio identificado em 1.

6 – Por força desse acordo foi a interveniente principal quem decidiu sobre os materiais a aplicar na obra, respectiva qualidade dos mesmos, e sua aplicação segundo as regras da respectiva arte.

7 – Clausularam nesse acordo, ré (como primeira outorgante) e interveniente principal (como segunda outorgante), o seguinte: “(Cláusula 1ª) pelo presente contrato a PRIMEIRA OUTORGANTE, na qualidade de proprietária, contrata a SEGUNDA OUTORGANTE, na qualidade de empreiteiro, para o fornecimento dos materiais necessários e execução dos seguintes trabalhos:”; “(Cláusula 3ª, nº 1) A SEGUNDA OUTORGANTE fornecerá todos os materiais necessários para a execução da obra, nas quantidades estabelecidas no projecto.”; “(Cláusula 3ª, nº 2) O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, de acordo com o projecto de construção existente, sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para uso ordinário ou previsto no contrato.”; “(Cláusula 4ª) A execução dos trabalhos será realizada nos prazos atrás estabelecidos e com as quantidades de material fornecidas pela SEGUNDA OUTORGANTE, conforme documento ANEXO I caderno de encargos, que se junta”; “(Cláusula 7ª, nº 1) A SEGUNDA CONTRATANTE obriga-se a executar os trabalhos/obra e a assegurar a correcção de defeitos, até à recepção definitiva pelo PRIMEIRA OUTORGANTE, com a diligência de execução e a precaução exigíveis segundo as regras de arte.”; “(Cláusula 7ª, nº 2) A SEGUNDA OUTORGANTE é completamente responsável pela correcta execução dos trabalhos a seu cargo e pela estabilidade dos mesmos/obra, pelo que lhe serão imputadas todas as deficiência e erros relativos à execução dos trabalhos ou à quantidade, forma e dimensão dos materiais aplicados.”; “(Cláusula 7ª, nº 3) A SEGUNDA OUTORGANTE desde já aceita que a PRIMEIRA OUTORGANTE designe um responsável/fiscal para supervisionar a obra, devendo aceitar dentro das suas possibilidades as sugestões por ele indicadas.”.

8 – O prédio identificado em 1 tem o Alvará de Licença de Utilização n.º (…) da C. M. Faro emitido em 02/11/2007, data a partir da qual a ré começou a vender as fracções autónomas integrantes do prédio a terceiros.

9 – Aquando da visita às fracções do prédio, conforme identificado em 1, efectuada previamente à respectiva aquisição pelos autores, a fracção “AC” aparentava estar em boas condições e em bom estado de conservação, designadamente em termos estruturais e em termos de pintura e reboco aplicado, não denotando, em qualquer das divisões, qualquer sinal de humidade ou fissuras.

10 – Do mesmo modo, nem aquando da referida visita nem em qualquer outro momento foi feita aos autores qualquer advertência quanto à existência de quaisquer problemas, defeitos ou irregularidades de construção.

11 – No início de Março de 2016, porém, os autores aperceberam-se da existência, na parede junto ao rodapé de um dos quartos da habitação, de manchas evidentes de humidade e zonas com bolor.

12 – Vindo depois a detectar, noutras divisões da casa, sinais de deterioração do acabamento do revestimento das paredes, encontrando-se a tinta/estuque a estalar, designadamente numa das paredes da sala comum.

13 – De imediato, os autores contactaram, telefonicamente, o legal representante da ré no sentido de agendar uma visita ao imóvel para que lhes fosse possível identificar, de forma exacta, as anomalias detectadas e proceder, assim, à sua denúncia e definição, conjuntamente com a ré, dos termos exactos da pretendida reparação/eliminação.

14 – Por carta registada com aviso de recepção, remetida em 10 de Março de 2016 para a sede da ré, e por esta recebida em 11 de Março de 2016, os autores comunicaram à ré, de forma discriminada e documentada por fotografias, a presença de tais anomalias, solicitando a sua imediata reparação.

15 – Nessa carta fez-se constar o seguinte:

“(…) no decorrer do uso da referida fracção habitacional, deparei-me com duas situações que apesar de lhe terem sido referenciadas telefonicamente, continuam sem reparação. Sendo estas:

a) A parede junto ao rodapé de um dos quartos da habitação, apresenta manchas evidentes de humidade e zonas com bolor;

b) Uma das paredes da sala comum apresenta um deficiente acabamento do revestimento/reboco e/ou da pintura, encontrando-se a tinta a “estalar”.

c) Falta-nos no exterior, no parapeito de uma varanda, uma bola em cimento de efeito decorativo.”.

16 – Todavia e apesar de algumas tentativas de contacto telefónico no sentido de, rapidamente, ser lograda a reparação destes defeitos, certo é que os autores não obtiveram resposta por parte da ré no sentido da reparação/eliminação do problema.

17 – Entretanto, os autores vieram a detectar, noutras divisões da casa, mais sinais de deterioração, tais como: na parede de ambos os lados da varanda de um dos quartos, manchas evidentes de humidade e zonas com bolor, e na parede que se encontra próxima à varanda da sala comum, com manchas evidentes de humidade e zonas com bolor.

18 – Em 20 de Maio de 2016, os autores remeteram, para a sede da ré, nova carta registada com aviso de recepção, a qual foi recebida, dando nota destes novos defeitos.

19 – Nessa carta fez-se constar o seguinte:

“(…) venho informá-lo que para além das situações referidas na carta anterior, existem mais dois problemas que necessitam de reparação. Assim sendo:

a) A parede junto ao rodapé de um dos quartos da habitação, apresenta manchas evidentes de humidade e zonas com bolor;

b) A parede de ambos os lados da varanda de um dos quartos, apresenta manchas evidentes de humidade e zonas com bolor;

c) A parede que se encontra próxima à varanda da sala comum, apresenta manchas evidentes de humidade e zonas com bolor;

d) Uma das paredes da sala comum apresenta um deficiente acabamento do revestimento/reboco e/ou da pintura, encontrando-se a tinta a “estalar”.

e) Falta-nos no exterior, no parapeito de uma varanda, uma bola em cimento de efeito decorativo.”.

20 – Todavia, uma vez mais, os autores não obtiveram qualquer resposta.

21 – Em consequência, os autores procuraram obter, junto de empresas especializadas, avaliações e orçamentos de modo a conseguir uma real percepção das obras eventualmente necessárias à reparação/eliminação dos defeitos sucessivamente reportados.

22 – Os autores obtiveram a indicação de que, previsivelmente, o custo de tais obras/intervenções ascenderia ao montante de 3.179,89 € (três mil, cento e setenta e nove euros e oitenta e nove cêntimos).

23 – Numa última tentativa de conceder à ré a possibilidade de proceder, por sua conta, à reparação/eliminação dos defeitos reportados, os autores, por carta registada remetida em 01.02.2017 e por aquela recebida em 02.02.2017, comunicaram a obtenção do orçamento no valor global de € 3.179,89.

24 – Nessa carta, quanto a novos defeitos entretanto detectados, fizeram ainda constar os autores o seguinte:

“(…) Presentemente, tais deficiências, designadamente a presença de manchas de humidade e de zonas com bolor instalado, estenderam-se a outras zonas da casa (quartos, escritório), tendo as já existentes e já reportadas sofrido um manifesto agravamento (…).”.

25 – Em 03.03.2017 (data de entrada da presente acção), a fracção autónoma “AC”, identificada em 1, apresentava o seguinte:

i) Na divisão referente ao escritório, mancha de cor alaranjada (sugestivo de fungos) com cerca de 2 metros de comprimento por 70 cm de altura e com partes do reboco a cair, e noutra parede, danificação com as mesmas características (cor alaranjada e queda de reboco) numa área de 1,95 metros de comprimento por 60 cm de altura;

ii) Na divisão referente ao quarto, uma área afectada com cerca de 2,20 metros por 65 cm, com cor e cheiro de características fúngicas, também com queda de reboco;

iii) Na divisão referente à sala, numa área de 1,5 metros de comprimento por 30 cm de altura, com queda de reboco, aparentemente ainda sem fungos;

iv) Na divisão referente à suite, o papel de parede aplicado encontrava-se a descolar, existiam várias manchas acastanhadas e pretas, em toda a altura da parede e em cerca de 1 metro de largura.

26 – A situação acima descrita foi causadora de intensos aborrecimentos aos autores, os quais viveram momentos de angústia pelo facto de verem o seu investimento, a sua casa nova que perspectivavam como confortável e agradável, com mau aspecto e com a consequente redução das suas condições de habitabilidade.

27 – As anomalias verificadas na casa causaram aos autores desconforto do ponto de vista estético, condicionando-os, constantemente, no seu dia-a-dia e, bem assim, na hora de receber pessoas em casa, para além da família mais chegada.

28 – As anomalias verificadas na casa causaram aos autores desconforto do ponto de vista físico, na medida em que, para além do odor desagradável, a presença de zonas de humidade e de bolor instalado fazia-os recear que viessem a ser afectados por patologias do foro respiratório.

29 – Os autores encontravam-se em início de vida conjugal, projectando a constituição da sua família.

30 – As anomalias verificadas na casa levaram ao adiamento da concretização desse projecto.

31 – Em 12 de Outubro de 2018:

i) As paredes interiores da sala, do quarto, do escritório e da suite apresentavam eflorescências salitrosas com formação de bolor;

ii) As paredes interiores na zona do corredor e sala apresentavam três fissuras;

iii) As paredes exteriores apresentavam pequenas fissuras e tinta expelida em alguns locais.

32 – As eflorescências na parede da sala ocupavam uma área aproximada de 0,4 metros quadrados.

33 – As eflorescências e bolores no quarto ocupavam uma área aproximada de 1,3 metros quadrados.

34 – As eflorescências e bolores no escritório ocupavam uma área aproximada de 3,5 metros quadrados.

35 – As eflorescências e bolores na suite ocupavam uma área aproximada de 4,4 metros quadrados.

36 – As fissuras no corredor tinham uma extensão de 1,2 metros lineares cada e as da sala cerca de 2,5 metros lineares.

37 – A microfissuração das paredes exteriores era geral e a tinta exterior expelida situava-se nas ombreiras da porta do escritório.

38 – As eflorescências e bolores existentes na parede comum à sala e ao quarto tinham a sua causa na infiltração de águas pluviais através do pavimento e paredes do terraço exterior contíguo.

39 – As eflorescências e bolores existentes na parede do escritório e a tinta exterior expelida nas ombreiras da porta de acesso ao exterior tinham como causa a infiltração de águas pluviais através do pavimento e paredes do terraço exterior contíguo e a falta de impermeabilização da parede exterior (virada a Norte) confinante com o terreno por descolamento de tela asfáltica aí existente até cerca de 40/50 cm de altura desde o solo (situação que permitia a entrada de água dando origem a infiltração).

40 – As eflorescências e bolores existentes nas paredes da suite tinham causa na infiltração de águas pluviais através da varanda da fracção situada imediatamente acima.

41 – As fissuras existentes na parede do corredor e na parede da sala tinham como causa o trabalho natural da estrutura de betão armado, ou seja, a microfissuração das paredes exteriores por fissuração das argamassas de revestimento.

43 – As eflorescências e bolores existentes nas paredes da fracção implicavam o aumento da humidade no interior da habitação e a falta de salubridade no interior da habitação.

44 – Existem também problemas de infiltração nos restantes apartamentos do prédio, com necessidade de alguns dos proprietários, com vista a debelar os associados estragos, procederem à pintura do interior dos apartamentos, uma vez por ano.

45 – Nos anos anteriores à aquisição pelos autores da fracção autónoma em causa, a ré diligenciava pela pintura do interior daquele apartamento (fracção “AC”), assim escondendo as manchas de humidade, bolor e o salitre manifestado nas paredes, bem como o arejamento do apartamento, numa média de uma vez por ano.

46 – Sobre a parede exterior virada a Norte do Bloco F do prédio identificado em 1, já à data de aquisição da fracção “AC” pelos autores, existia uma placa de esferovite, colocada a pedido de um antigo proprietário de apartamento situado em andar de cima com vista a solucionar problemas térmicos vividos no interior das fracções que confinavam com aquela parede.

47 – Em Abril de 2019, os autores avançaram a suas expensas para a realização das obras necessárias à eliminação dos problemas supra descritos verificados na sua fracção.

48 – Os autores guiaram-se pelo relatório de perícia que já constava do presente processo e, considerando apresentar as melhores condições de qualidade e preço de mercado, contrataram empreiteiro certificado, que realizou as obras encontrando-se as mesmas concluídas.

49 – Tais obras consistiram em:

i) Arrancar todo o mosaico e rodapé em todas as varandas;

ii) Corrigir as betonilhas;

iii) Fazer impermeabilização com tela líquida com fibras;

iv) Fornecimento e assentamento do mosaico;

v) Fornecimento e montagem de caleira e respectiva descarga no telhado caseiro;

vi) Fornecimento e revestimento com gesso cartonado hidrófugo em todas as paredes que apresentam danos oriundos das infiltrações (todos os quartos, escritório e sala);

vii) Montagem de novo rodapé em todas as zonas onde leva gesso cartonado;

viii) Pintura de todas as divisões intervencionadas com tinta lavável;

ix) Remoção de entulho e limpeza;

x) Reparação do terraço da vizinha do 1.º andar;

xi) Capoto de 3 cm na fachada virada a norte do prédio, abertura de vala e fazer canal em cimento para escoamento de águas pluviais.

50 – O custo destes trabalhos realizados comportou o montante total de € 15.540,00, acrescido de IVA, sendo os relativos à reparação do terraço da vizinha do 1.º andar no montante de € 1.250,00 e os relativos ao capoto de 3 cm na fachada, abertura de vala e fazer canal em cimento no montante de € 6.000,00.

51 – Os autores procederam ao pagamento de todos os trabalhos realizados faseadamente e no decurso da execução dos mesmos, concretamente € 4.680,00 em 23.04.2019; € 4.500,00 em 24.05.2019; € 3.250,00 em 30.05.2019; € 3.250,00 em 13.06.2019; € 2.500,00 em 21.06.2019; e € 1.040,00 em 07.07.2019; num total de € 19.220,00.

52 – O capoto colocado sobre a fachada norte do Bloco F do prédio identificado em 1, para além de apto a eliminar os problemas de infiltração, visou melhorar o efeito térmico do interior das fracções.

53 – A parede referente à fachada norte do prédio, onde estava assente a placa de esferovite, conforme aludido em 46, apresentava fissuras, manchas e musgo, contribuindo igualmente para a infiltração de águas, para além do referido em 39.

54 – A colocação de gesso cartonado hidrófugo nas paredes do interior da fracção dos Autores que apresentavam eflorescências salitrosas e bolor visou impedir o contacto com a contínua formação de salitre e sua visibilidade.

Na sentença recorrida, foi julgado não provado o seguinte facto:

- A placa de esferovite aludida em 46 dos factos provados potenciava o efeito nefasto das infiltrações.

*

1 – Junção de documentos com as alegações de recurso:

A recorrente juntou dois documentos às alegações de recurso.

Suscita-se a questão da admissibilidade dessa junção.

O n.º 1 do artigo 651.º do CPC estabelece que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

A recorrente não invocou qualquer destes fundamentos de junção de documentos às alegações, nem resulta do processo que algum deles se verifique.

Consequentemente, a junção é inadmissível, não podendo o conteúdo dos documentos em causa ser considerado na decisão do recurso.

2 – Caducidade do direito à reparação dos defeitos da fracção:

O n.º 1 do artigo 639.º do CPC estabelece que as conclusões do recurso têm a função de sintetizar as alegações, nelas se devendo indicar os fundamentos por que é pedida a alteração ou a anulação da decisão recorrida.

Daqui resultam dois corolários.

Por um lado, as conclusões não podem ter o mesmo grau de generalidade das alegações, maxime reproduzindo-as, ainda que com uma diferente apresentação gráfica e/ou alterando uma palavra ou outra. Infelizmente, esta prática vem-se tornando cada vez mais frequente, sem que daí resulte qualquer vantagem, nomeadamente para o recorrente. Em vez disso, as conclusões devem sintetizar a argumentação desenvolvida no corpo das alegações.

Por outro lado, as conclusões só o são verdadeiramente na medida em que versem sobre questões suscitadas no corpo das alegações. Uma conclusão referente a uma questão não suscitada no corpo das alegações não conclui coisa alguma, é um nada em termos processuais, inexiste enquanto tal.

As conclusões do presente recurso não sintetizam o corpo das alegações. São quase uma reprodução deste último. Até a transcrição de depoimentos prestados na audiência final contêm!

Não satisfeita com isso, a recorrente foi mais longe. Na conclusão 56, sustenta que o direito dos recorridos à reparação dos defeitos da fracção caducou. Porém, no corpo das alegações, não suscitou essa questão. Nesta parte, as conclusões excedem o conteúdo do corpo das alegações. Consequentemente, a conclusão 56 deve considerar-se não escrita.

Ainda que assim se não entendesse, inexistiria fundamento para alterar o decidido na sentença recorrida quanto a esta questão.

Na sentença recorrida, a questão da caducidade do direito à reparação dos defeitos da fracção foi minuciosamente analisada, tendo-se concluído que tal caducidade não ocorreu relativamente à recorrente porquanto a sua invocação por esta última configura abuso de direito. Foi este o fundamento da decisão de improcedência da excepção de caducidade.

Ora, sobre este fundamento, as alegações de recurso não contêm uma única palavra. A recorrente não tenta, sequer, refutar a argumentação expendida na sentença recorrida para concluir pela improcedência da referida excepção peremptória. Em vez disso, limita-se a afirmar que, por via da aplicação dos artigos 916.º e 917.º do Código Civil, ocorreu a caducidade do direito de acção. Ou seja, nem sequer indica os fundamentos por que pede a alteração da sentença recorrida, procurando demonstrar que esta última está errada.

Também por esta razão, nunca poderia a sentença recorrida ser alterada relativamente à questão da caducidade do direito à reparação dos defeitos da fracção.

3 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

A recorrente pretende que o conteúdo dos números 48, 52 e 54 dos factos provados seja julgado não provado. Como fundamento, invoca, essencialmente, o teor do relatório pericial, mais precisamente da resposta ao quesito 6.º, e dos esclarecimentos prestados pelos peritos na audiência final.

N.º 48:

O n.º 48 tem a seguinte redacção: “Os autores guiaram-se pelo relatório de perícia que já constava do presente processo e, considerando apresentar as melhores condições de qualidade e preço de mercado, contrataram empreiteiro certificado, que realizou as obras encontrando-se as mesmas concluídas.”

A razão da discordância da recorrente é a desconformidade entre a metodologia proposta na resposta ao quesito 6 da perícia e aquela que foi seguida pelo empreiteiro contratado pelos recorridos para a realização das obras.

Tal desconformidade verifica-se, como resulta do n.º 49 dos factos provados. Nomeadamente, os recorridos optaram pela aplicação de capoto na parede exterior virada para norte e de gesso cartonado hidrófugo (vulgo “pladur”) em todas as paredes que apresentavam danos oriundos das infiltrações (todos os quartos, escritório e sala), soluções não previstas no relatório pericial.

Não obstante, se se atentar devidamente na redacção do n.º 48, necessariamente se concluirá que não há razão para eliminar este número ou, sequer, para lhe introduzir qualquer alteração.

O primeiro segmento é: “Os autores guiaram-se pelo relatório de perícia que já constava do presente processo”.

Note-se que não se deu como provado que os recorridos mandaram realizar as obras de reparação da fracção em conformidade com as soluções preconizadas no relatório pericial. Se tivesse julgado provado tal facto, então sim, o tribunal a quo teria cometido um erro de julgamento. É evidente que algumas das soluções técnicas seguidas por quem executou as obras de reparação são diferentes das propostas pelos peritos.

Porém, aquilo que se deu como provado foi um facto diverso: o de que os recorridos se guiaram pelo relatório pericial.

De acordo com o depoimento da testemunha Joaquim, que foi o empreiteiro que realizou as obras de reparação da fracção, o recorrido Horácio comunicou-lhe a existência do presente processo e de um “parecer de engenheiros sobre coisas que deveriam ser feitas”; não teve acesso a esse “parecer”, mas o recorrido Horácio “foi-o pondo a par das coisas que nele foram referidas”; elaborou o orçamento em função dos trabalhos propostos “e de mais alguma coisa que foram verificando”.

Em perfeita harmonia com o depoimento de Joaquim, o recorrido Horácio esclareceu, em sede de depoimento de parte, que, ao solicitarem (ele e a recorrida Dalila), a realização das obras de reparação da fracção, tiveram em conta a perícia efectuada; o relatório nunca foi mostrado a Joaquim, mas o recorrido Horácio foi-lhe falando dos defeitos que lá foram indicados. O que, aliás, é normalíssimo ter acontecido.

Foi isto e só isto que foi julgado provado no que concerne à relevância do relatório pericial aquando da contratação de Joaquim e da execução das obras de reparação da fracção: os recorridos guiaram-se por aquele relatório, ou seja, tiveram-no como referência para a identificação dos defeitos da fracção. Repetimos, não ficou provado que a metodologia seguida na execução das obras coincida com aquela que foi descrita na resposta ao quesito 6 da perícia. Aquilo que resulta do n.º 49 é exactamente o contrário, ou seja, que aquela coincidência não se verificou.

A recorrente não impugna o restante conteúdo do n.º 48, ou seja, que os recorridos contrataram o empreiteiro certificado que consideraram (a apreciação foi sua) oferecer as melhores condições de qualidade e preço de mercado e o mesmo realizou as obras, que se encontram concluídas.

Resulta do exposto que não há razão para julgar não provado o conteúdo do n.º 48 ou para proceder a alguma alteração do mesmo.

N.º 52:

O n.º 52 tem a seguinte redacção: “O capoto colocado sobre a fachada norte do Bloco F do prédio identificado em 1, para além de apto a eliminar os problemas de infiltração, visou melhorar o efeito térmico do interior das fracções.”

Tal como a recorrente sustenta, a aplicação de capoto sobre a parede exterior do edifício virada para norte não foi uma solução preconizada na resposta dada ao quesito 6 da perícia. Em sede de esclarecimentos prestados na audiência final, todos os peritos afirmaram que não teriam optado por solucionar o problema das infiltrações de águas pluviais que ocorriam através daquela parede com recurso à aplicação de capoto.

Todavia, o conteúdo do n.º 52 não contende com isto.

Decompondo o n.º 52, foi julgado provado que:

1) O capoto foi colocado sobre a fachada norte do Bloco F do prédio identificado em 1;

2) O capoto é apto a eliminar os problemas de infiltração;

3) O capoto visou melhorar o efeito térmico do interior das fracções.

Os factos 1 e 3 não são postos em causa pela recorrente. Constitui uma evidência que o capoto foi aplicado na parede exterior em causa e que esse material melhora o comportamento térmico dos edifícios. Quanto a este último aspecto, os peritos foram unânimes.

O inconformismo da recorrente tem como alvo o facto 2. Sem razão, porém. Resulta da prova produzida que o capoto também tem aptidão para eliminar infiltrações em edifícios.

A perita Catarina afirmou que o capoto tem um efeito de isolamento térmico e, também, das águas pluviais. Daí que, se houver infiltração de águas pluviais através de uma parede exterior, poderá aplicar-se capoto, pois este tapará as fissuras e a água deixará de entrar através destas. Acrescentou que há várias formas de resolver os problemas que a fracção dos recorridos apresenta, que a aplicação de capoto é uma delas e que ela e os outros dois peritos não pensaram nesta solução porque é mais cara que aquela que propuseram na resposta ao quesito 6 da perícia.

O perito João afirmou que, embora não seja essa a sua finalidade, o capoto também tem efeito impermeabilizante, tendo explicado porquê. Fê-lo na sessão da audiência final de 10.09.2019, na qual os peritos prestaram esclarecimentos individualmente, e repetiu-o na sessão de 30.10.2019, na qual os peritos prestaram esclarecimentos em simultâneo, afirmando, então, que, embora a função principal do capoto seja o isolamento térmico, o mesmo pode ser utilizado para isolamento de águas em empenas muito fissuradas, em vez de massa de reboco.

A testemunha Joaquim prestou um depoimento particularmente esclarecedor, pois demonstrou, além de conhecimentos técnicos, ter analisado muito cuidadosamente os problemas que a fracção dos recorridos apresentava e as suas causas, nomeadamente aqueles que resultavam do péssimo estado em que a parede exterior do edifício virada para norte se encontrava. Fê-lo, aliás, como muito mais cuidado que os peritos, os quais, surpreendentemente, nem sequer se aperceberam da existência de uma camada de esferovite que tinha sido (mal) colada nessa parede e cuja remoção pôs a descoberto fissuras, manchas de infiltração e musgo na mesma parede, fissuras, manchas e musgo esses que os peritos, obviamente, não viram, pois estavam sob a esferovite. Segundo Joaquim, foi na sequência da remoção dessa camada (inútil) de esferovite mal aplicada e perante o cenário que então se lhe deparou que teve a ideia de aplicar capoto naquela parede, explicando convincentemente os problemas que tal solução resolvia e as razões por que qualquer outra o não faria. Uma das vantagens da aplicação de capoto foi, ainda segundo Joaquim, ter tornado desnecessário tapar as fissuras da parede através de outras técnicas.

Apenas o perito Virgílio afirmou que o capoto não impermeabiliza, tendo uma finalidade exclusivamente térmica. Fê-lo de forma peremptória, mas não explicou qual é a razão pela qual o capoto não impermeabiliza. Tendo em conta a descrição desse produto que foi feita pelos dois restantes peritos e pela testemunha Joaquim, parece-nos evidente que o capoto evita a infiltração de águas pluviais através das paredes exteriores. Trata-se de esferovite revestido com argamassa e tela para receber pintura, pelo que é necessariamente impermeabilizante, ou seja, a água não passa através dele. O facto de, normalmente, ser utilizado para aumentar o conforto térmico de edifícios não invalida que, simultaneamente, tenha um efeito impermeabilizante.

Por tudo isto, o tribunal a quo andou bem ao julgar provado que o capoto tem aptidão para eliminar problemas de infiltração de águas. Não há, pois, razão para julgar não provado o conteúdo do n.º 52 ou para proceder a alguma alteração do mesmo.

N.º 54:

O n.º 54 tem a seguinte redacção: “A colocação de gesso cartonado hidrófugo nas paredes do interior da fracção dos Autores que apresentavam eflorescências salitrosas e bolor visou impedir o contacto com a contínua formação de salitre e sua visibilidade.”

A recorrente pretende que esta matéria seja julgada não provada, mas, na realidade, não diz porquê.

Também aqui, é certo que, quer no relatório pericial, quer nos esclarecimentos que prestaram na audiência final, os peritos não mostraram preferência pela solução de colocar gesso cartonado hidrófugo nas paredes interiores da fracção dos recorridos que apresentavam eflorescências salitrosas e bolor. A solução por eles preconizada foi outra.

Contudo, não é isso que está em causa no n.º 54. Inexiste, neste número, qualquer valoração da solução que nele se descreve. Não se julgou, aí, provado que a referida solução fosse a única, a melhor ou, sequer, boa.

Aquilo que se julgou provado foi, simplesmente, que a colocação de gesso cartonado hidrófugo nas paredes interiores da fracção dos recorrentes que tinham salitre e bolor visou impedir o contacto com a contínua formação de salitre e a sua visibilidade. Ora, isto corresponde à realidade, pois é precisamente essa a função do gesso cartonado hidrófugo, como explicaram, quer os peritos, quer a testemunha Joaquim. Daí, aliás, a crítica que os peritos fizeram a essa solução: as paredes continuam a ter salitre e este problema apenas fica escondido ou “camuflado” sob o gesso cartonado hidrófugo.

Portanto, não há dúvida de que esta solução tem precisamente como objectivo impedir o contacto com as paredes com salitre e a visibilidade das mesmas, tal como foi julgado provado.

Se a discordância da recorrente visa apenas a referência à “contínua formação de salitre” nas paredes da fracção dos recorridos, também carece de razão de ser. Como a testemunha Joaquim explicou e é corroborado pela experiência comum, quando o salitre se instala numa parede (e, segundo a mesma testemunha, o salitre existente nas paredes da fracção dos recorridos já estava muito avançado), é impossível eliminá-lo. Podem fazer-se tratamentos superficiais, como aquele que é proposto na resposta ao quesito 6 da perícia, mas o salitre reaparece passado algum tempo.

Comprova-o o n.º 45 dos factos provados, não impugnado no recurso: “Nos anos anteriores à aquisição pelos autores da fracção autónoma em causa, a ré diligenciava pela pintura do interior daquele apartamento (fracção “AC”), assim escondendo as manchas de humidade, bolor e o salitre manifestado nas paredes, bem como o arejamento do apartamento, numa média de uma vez por ano.” Ou seja, o melhor que a recorrente conseguiu fazer foi ir disfarçando o salitre até encontrar comprador para a fracção. Contudo, nunca conseguiu acabar com ele. Todos os anos o salitre voltava a aparecer.

Por tudo aquilo que acabamos de afirmar, não há razão para julgar não provado o conteúdo do n.º 54. Também aqui, o tribunal a quo julgou bem, não merecendo censura.

4 – Abuso de direito por parte dos recorridos:

A recorrente sustenta que, ao realizarem as obras descritas no n.º 49 dos factos provados, os recorridos agiram com abuso de direito.

De acordo com o artigo 334.º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Analisemos a situação dos autos sob esta perspectiva.

A recorrente vendeu aos recorridos uma fracção autónoma com graves problemas de infiltração de águas pluviais.

Fê-lo sabendo que tais problemas existiam, pois, antes de conseguir vender a fracção, pintava-a, em média, uma vez por ano, com o objectivo de esconder as manchas de humidade, bolor e o salitre manifestado nas paredes (n.º 45).

Aquando da visita dos recorridos tendo em vista a sua aquisição, a fracção aparentava estar em boas condições e em bom estado de conservação, designadamente em termos estruturais e em termos de pintura e reboco aplicado, não denotando, em qualquer das divisões, qualquer sinal de humidade ou fissuras (n.º 9).

Pouco depois da compra da fracção pelos recorridos, aqueles problemas, que se encontravam meramente disfarçados por sucessivas pinturas, foram-se tornando novamente visíveis (n.ºs 11, 12, 17, 25 e 31 a 37).

Repetidamente interpelada para resolver tais problemas, a recorrente não o fez e nem sequer deu resposta aos recorridos (n.ºs 13 a 16, 18 a 20, 23 e 24).

As condições de habitabilidade da fracção degradavam-se e punham em causa o bem-estar e a própria saúde dos recorridos (n.ºs 26 a 28).

Nestas circunstâncias, os recorridos avançaram, compreensivelmente, para a realização de obras urgentes na fracção, do que a recorrente teve conhecimento no próprio processo.

A recorrente insurge-se contra as obras realizadas pelos recorridos, descritas no n.º 49. Nomeadamente, alega que o revestimento, com gesso cartonado hidrófugo, de todas as paredes que apresentavam danos oriundos das infiltrações (ou seja, todos os quartos, o escritório e a sala), e a colocação de capoto na parede exterior do edifício virada a norte, se traduziu na realização de obras a bel-prazer dos recorridos, muito para além do necessário para a reparação dos defeitos descritos no relatório pericial e, consequentemente, em abuso de direito.

Esta questão, como todas as restantes, tem de ser resolvida com base nos factos julgados provados.

No que concerne à necessidade das obras realizadas pelos recorridos, o tribunal a quo julgou provado que a mesma se verificava. Mais precisamente, foi julgado provado, no n.º 47 (cuja alteração ou supressão a recorrente não requereu em sede de recurso, conformando-se, portanto, com este segmento da decisão sobre a matéria de facto), que, “Em Abril de 2019, os autores avançaram a suas expensas para a realização das obras necessárias à eliminação dos problemas supra descritos verificados na sua fracção” (o sublinhado é da nossa autoria). Essas obras são as descritas no n.º 49, como resulta da sequência do enunciado da matéria de facto provada e do próprio proémio do referido número.

Sendo esta a matéria de facto provada, não pode a recorrente pretender que se conclua, contraditoriamente com aquela, que as obras realizadas pelos recorridos não eram necessárias e que estes últimos foram muito para além da eliminação/reparação dos defeitos existentes.

Estando provado que os recorridos realizaram as obras necessárias à reparação dos defeitos que a fracção apresentava, não pode concluir-se que, ao fazê-lo, eles tenham actuado com abuso de direito. Muito pelo contrário, tendo eles comprado à recorrente uma fracção que aparentava encontrar-se em boas condições, mas revelando-se, a breve trecho, que a mesma padecia de graves defeitos e não tendo a recorrente, como era seu dever, procedido à pronta eliminação desses defeitos apesar de ter sido repetidamente interpelada para esse efeito, tem inteira justificação que os recorridos tenham contratado um terceiro para realizar as obras necessárias. E, como ficou provado (n.º 47), as obras necessárias eram as descritas no n.º 49.

Isto basta para concluir que os recorridos, ao executarem, através de terceiro que para o efeito contrataram, as obras descritas no n.º 49, não actuaram com abuso de direito.  

Não obstante, fazemos duas observações complementares sobre a argumentação expendida pela recorrente.

O custo das obras realizadas pelos recorridos é, efectivamente, bastante superior ao orçamento que juntaram à petição inicial. Isso não demonstra, todavia, que aquelas obras incluíssem trabalhos que não fossem necessários para eliminar os defeitos da fracção. Problemas decorrentes da infiltração de águas pluviais nos edifícios tendem a agravar-se com o decurso do tempo. Daí haver toda a vantagem em serem solucionados com a maior prontidão possível. Quanto mais tempo passar, maior tenderá a ser o custo da reparação. No momento em que os recorridos realizaram as obras descritas no n.º 49, cuja necessidade foi julgada provada no n.º 47, as melhores condições de qualidade e preço que conseguiram foram as descritas nos n.ºs 50 e 51, como resulta do n.º 48. Perante estes factos, a existência do orçamento invocado pela recorrente é irrelevante.

Por outro lado, os recorridos não estavam obrigados a seguir a metodologia proposta na resposta ao quesito 6.º da perícia. Desde logo, não foi essa a finalidade da produção deste meio de prova, sendo indiferente que os recorridos não tenham reclamado ou solicitado qualquer esclarecimento sobre aquela resposta. Acresce que o facto de os peritos não terem visto algo tão evidente e relevante para aquilo que se discute nestes autos como uma cobertura de esferovite em parte da parede exterior do edifício virada para norte leva-nos a concluir que esta perícia não foi feita com a diligência devida no que concerne à avaliação do estado da referida parede, que foi precisamente aquela que teve de ser revestida com capoto. Uma parte significativa dos factos relevantes para a exacta determinação dos defeitos da fracção e das suas causas não foi devidamente percepcionada pelos peritos.

5 – Cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 589.º do CPC:

A recorrente invoca, em sede de recurso, que, em 30.10.2019, os recorridos, através de requerimento escrito nessa data enviado aos autos, apresentam um articulado superveniente, pedindo, a final, e nomeadamente, a condenação da recorrente a pagar-lhes a quantia de € 19.220 referente às anomalias/defeitos, não tendo, assim, cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 589.º do CPC, que impõe que sejam orais e fiquem consignados na acta a dedução de factos supervenientes quando o acto respectivo tenha lugar depois de aberta a audiência final, como era o caso.

É manifesta a extemporaneidade da invocação desta questão.

Após a apresentação do articulado superveniente em causa, a ora recorrente pronunciou-se no sentido da sua inadmissibilidade invocando, como fundamento, a sua extemporaneidade. Em 18.12.2019, o tribunal a quo proferiu despacho de admissão do mesmo articulado, despacho este que era susceptível de apelação autónoma, nos termos do artigo 644.º, n.º 2, al. d), do CPC. Não tendo este recurso sido interposto, o referido despacho transitou em julgado. Não é, pois, admissível a recorrente suscitar a questão do alegado incumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 589.º do CPC neste momento e nesta sede.

6 – Legitimidade dos recorridos para exigirem, à recorrente, obras a executar em partes comuns do edifício:

As obras cujo custo a recorrente foi condenada a pagar destinaram-se à eliminação de defeitos da fracção dos recorridos, pois era no interior desta fracção que se sentiam os problemas decorrentes da infiltração de águas pluviais que foram julgados provados.

É claro que, consistindo os defeitos da fracção na ocorrência de infiltrações de águas pluviais através, nomeadamente, da parede exterior do edifício virada para norte, que é uma parte comum [artigo 1421.º, n.º 1, al. a), do Código Civil], algumas das obras de reparação foram executadas, como não podia deixar de ser, nessa parede.

Não obstante, estamos ainda perante uma obra destinada à eliminação dos defeitos da fracção autónoma dos recorridos e não de uma parte comum do edifício. Não faria sentido e contrariaria o disposto nos artigos 913.º e 914.º do Código Civil e, no domínio do regime especial de protecção dos interesses dos consumidores, dos artigos 2.º, n.º 2, al. d), 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08.04, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21.05, que, perante a existência de defeitos como os descritos nos autos, que produzem danos no interior da fracção dos recorridos, estes não tivessem o direito de exigir a sua reparação pelo facto de uma parte dos trabalhos ter de ser executada numa parede exterior do edifício.

O que acabamos de afirmar não é prejudicado pelo facto de ter sido aplicado capoto em toda a parede exterior do edifício que fica virada para norte. Além de inestético, seria ineficaz aplicar capoto apenas na parte da parede exterior do edifício que envolve a fracção dos recorridos. Situando-se esta no rés-do-chão, parte das águas pluviais que nela se infiltram provêm de níveis superiores da referida parede exterior, devido à gravidade.

Isto decorre das regras da experiência comum e foi confirmado pela testemunha Joaquim, que explicou, convincentemente, que as águas pluviais, uma vez entrando pelas fissuras da parede exterior, circulam pelo interior da caixa de ar nesta existente e acabam por aparecer e causar danos na fracção dos recorridos.

A perita Catarina corroborou esta abordagem do problema. Ao ser-lhe perguntado se a referência, no relatório pericial, à reparação das fissuras exteriores, teve em vista o prédio todo ou apenas a parte da parede envolvente da fracção dos recorridos, respondeu que ela e os outros dois peritos não falaram uns com os outros acerca dessa questão (o que é surpreendente e corrobora a ideia de que, neste ponto, a perícia não foi feita com o devido cuidado). Todavia, acrescentou que, no seu entendimento, a reparação, para ficar bem feita, teria de abranger toda a parede exterior. A perita referia-se à proposta de pintura da parede exterior em causa, mas o raciocínio que efectuou é transponível para a hipótese de aplicação de outro tipo de protecção da parede.

Seria, pois, absurdo pintar ou aplicar outro material de protecção, nomeadamente capoto, apenas na parte da parede exterior que envolve a fracção dos recorridos, pois, além de prejudicar esteticamente o edifício, que ali ficaria com uma espécie de remendo, não garantiria que as águas pluviais provenientes de níveis superiores deixassem de aparecer e causar danos naquela fracção.

7 – Se a recorrente se encontrava obrigada a proceder às obras necessárias à cessação da infiltração, na fracção dos recorridos, de águas pluviais provenientes da varanda da fracção situada imediatamente acima daquela, pertencente a outro condómino:

Provou-se que as eflorescências e bolores existentes nas paredes da suite da fracção dos recorridos tinham origem na infiltração de águas pluviais através da varanda da fracção situada imediatamente acima (n.º 40). Também está provado que a recorrente promoveu a construção do edifício (obviamente, de todo ele) no âmbito da sua actividade profissional de construção civil, promoção imobiliária e compra e venda de imóveis (n.º 3), e que foi no âmbito dessa sua actividade que vendeu aos recorridos as fracções identificadas no n.º 1, assim como, a terceiros, as restantes fracções do mesmo edifício (n.º 4).

Ainda aqui, estamos perante um defeito da fracção dos recorridos que tem como causa a má construção do edifício. As águas pluviais que caíam na varanda da fracção situada imediatamente acima da dos recorridos, em vez de escoarem pelo local próprio para o efeito, infiltravam-se pela parede exterior do edifício [que constitui parte comum, nos termos do artigo 1421.º, n.º 1, al. a), do Código Civil] e causavam danos nas paredes da suite da fracção dos recorridos. Nos termos dos artigos 913.º e 914.º do Código Civil e artigos 2.º, n.º 2, al. d), 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08.04, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21.05, a recorrente encontrava-se obrigada a reparar também este defeito da fracção dos recorridos.

8 – Se os recorridos apenas podiam realizar as obras destinadas à eliminação dos defeitos da fracção na hipótese de a recorrente, uma vez condenada a efectuá-las, o não fazer:

O artigo 914.º do Código Civil estabelece, na parte que agora nos interessa, que o comprador de coisa defeituosa tem o direito de exigir do vendedor a reparação desta ou, se for necessário e a coisa tiver natureza fungível, a sua substituição.

No âmbito do regime especial de protecção dos interesses dos consumidores, o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2003 estabelece que, em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.

Em nenhuma destas normas se atribui, ao comprador, o direito de contratar um terceiro para executar a reparação da coisa e exigir do vendedor o ressarcimento do prejuízo resultante de ter suportado o respectivo custo. Daí que se deva concluir que, em princípio, esse direito não existe. O comprador tem o ónus de reclamar a reparação da coisa ao vendedor. Se este não cumprir voluntariamente a obrigação de reparação, o comprador terá de propor uma acção declarativa de condenação contra ele. Se, sendo a acção julgada procedente, o vendedor persistir no incumprimento, o comprador terá de propor uma acção executiva para prestação de facto e só no âmbito desta poderá obter a satisfação do seu crédito mediante a execução da reparação por terceiro à custa do património do vendedor.

Todavia, há situações em que a urgência da reparação não se compadece com a demora que o percurso descrito no parágrafo anterior implica, que pode ser de vários anos. Deverá, então, reconhecer-se, ao comprador, com base no princípio do estado de necessidade (artigo 339.º do Código Civil), o direito de, perante a falta de reparação voluntária por parte do vendedor após a atempada denúncia dos defeitos, contratar um terceiro para executar a reparação da coisa e exigir do vendedor o ressarcimento do prejuízo resultante de ter suportado o respectivo custo[1].

O caso dos autos demonstra eloquentemente a necessidade prática desta última solução. Menos de quatro meses depois de os recorridos comprarem a fracção destinada à sua habitação, esta começou a revelar os problemas, decorrentes da infiltração de águas pluviais por má construção do edifício, que a recorrente, durante anos, disfarçara nos termos descritos no n.º 45. Esses problemas iniciais são os descritos no n.º 11. Com o decurso do tempo e o incumprimento, por parte da recorrida, da sua obrigação de reparação dos defeitos oportuna e repetidamente denunciados, os problemas de humidade existentes na habitação dos recorrentes agravaram-se muito significativamente, como resulta dos n.ºs 12, 17, 25 e 31 a 37.

Devido aos referidos problemas de humidade, as condições de habitabilidade da fracção dos recorridos degradaram-se, o que lhes causou desconforto, quer do ponto de vista estético, quer do ponto de vista físico, na medida em que, para além do odor desagradável, a presença de zonas de humidade e de bolor instalado os fazia recear que viessem a ser afectados por patologias do foro respiratório (n.ºs 26 a 28).

Não era exigível, aos recorridos, viverem numa casa que se encontrava nas condições descritas durante mais tempo. Situações desta natureza afectam gravemente a qualidade de vida de quem a elas é sujeito, não podendo prolongar-se indefinidamente. Perante o persistente incumprimento da obrigação de reparação por parte da recorrente, os recorridos limitaram-se a exercer o seu direito de contratarem um terceiro para executar as obras necessárias para a eliminação dos problemas da sua habitação (n.º 47). A recorrente tem, pois, o dever de ressarcir os recorridos do dano decorrente de eles terem suportado o custo das referidas obras.

Concluindo, a sentença recorrida deverá ser confirmada na parte em que condenou a recorrente a pagar aos recorridos a quantia de € 19.220.

9 – Litigância de má-fé por parte da recorrente:

A recorrente foi condenada em multa e indemnização por litigância de má-fé por ter impugnado a alegação, feita pelos recorridos, dos defeitos da fracção, não obstante saber que tais defeitos se verificavam. Entendeu-se, na sentença recorrida, que, com tal actuação processual, a recorrente violou os deveres de cooperação, probidade e correcção para com o tribunal e a parte contrária.

Nas conclusões 51 e 52, a recorrente não põe em causa a verificação do fundamento daquela condenação, ou seja, que impugnou factos essenciais cuja veracidade conhecia. A sua argumentação é a seguinte: “sendo as causas dos defeitos as infiltrações do exterior, de águas pluviais, e nada mais, consideramos excessiva a condenação de má-fé, pois o exterior das fracções, nomeadamente as paredes exteriores, são partes comuns dos prédios, e como tal cabe à administração do condomínio e não aos donos de uma fracção intentarem acção referente a defeitos ou danos provenientes de partes comuns dos edifícios”.

Esta argumentação não faz sentido. As causas dos defeitos da fracção dos recorridos, ou a circunstância de as paredes exteriores do edifício serem partes comuns, são absolutamente indiferentes para a questão da litigância de má-fé da recorrente. Relevante é que a recorrente impugnou factos essenciais cuja veracidade conhecia. Consequentemente, tem inteira justificação a condenação da recorrente em multa e indemnização por litigância de má-fé.

*

Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

*

Évora, 27 de Maio de 2021

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.º adjunto



[1] Neste sentido, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Livraria Almedina, 1994, páginas 388-389. 

Acórdão da Relação de Évora de 11.04.2024

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