Processo n.º 763/16.1T8EVR.E3
*
Sumário:
1
– A aplicação do regime,
específico do contrato de empreitada, estabelecido nos artigos 1218.º a 1226.º
do Código Civil, pressupõe que o empreiteiro conclua e entregue a obra.
2 – Durante a execução da obra e no
exercício do seu direito de fiscalização, o dono da obra pode, a todo o tempo,
apontar ao empreiteiro os vícios e desconformidades que detecte.
3 – As chamadas de atenção, feitas pelo
dono da obra no decurso da execução desta, no exercício do seu direito de
fiscalização, não são vinculativas para o empreiteiro; não obstante, se os
materiais empregues ou os vícios de que a obra já padecer determinarem a
impossibilidade de execução desta em termos adequados, o dono da obra pode,
logo nessa fase, resolver o contrato nos termos do artigo 801.º, n.ºs 1 e 2, do
Código Civil.
4 – Só se verifica o abandono da obra
pelo empreiteiro se este manifestar, expressa ou tacitamente, um propósito
firme e inequívoco de não a concluir, não sendo, para esse efeito, suficiente
uma simples situação de mora na execução da obra, ainda que esta última se
traduza numa paragem injustificada dessa execução.
5 – Encontrando-se o empreiteiro em mora
na execução da obra, o dono desta pode transformar tal mora em incumprimento
definitivo mediante a interpelação admonitória prevista no artigo 808.º, n.º 1,
do Código Civil.
6 – Se, apesar dessa interpelação, o
empreiteiro se mantiver na situação de mora e uma vez decorrido o prazo
razoável previsto no artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil, a mora transforma-se
em incumprimento definitivo; a partir desse momento, o dono da obra pode
resolver o contrato, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, 436.º, n.º 1, e
801.º, n.ºs 1 e 2, do CC.
7 – Operada essa resolução, o dono da
obra fica livre para contratar outro empreiteiro com vista a concluir a obra e
tem o direito de ser indemnizado pelo empreiteiro, a título de responsabilidade
contratual, pelos danos resultantes do incumprimento definitivo.
8 – Se, em vez de proceder nos termos
descritos em 5 e 6, o dono da obra contratar terceiro para terminar a obra,
isso traduzir-se-á numa desistência da empreitada, nos termos do artigo 1229.º
do Código Civil.
9 – A desistência da empreitada, por
parte do dono da obra, impossibilita o empreiteiro de concluir esta última e de
corrigir eventuais defeitos de que a mesma padecesse no momento da desistência.
10 – Tal desistência confere, ao
empreiteiro, o direito de ser indemnizado dos seus gastos e trabalho e do
proveito que poderia tirar da obra e não permite, ao dono da obra, exigir,
àquele, uma indemnização correspondente à quantia que pagou ao novo empreiteiro
para terminar a obra e corrigir aqueles defeitos.
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Sociedade 1, Lda., propôs a
presente acção declarativa, com processo comum, contra Matilde Vieira, pedindo
a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 15.947,57, acrescida dos juros de
mora legais desde a data da citação até integral pagamento. Como fundamento, a
autora alegou, em síntese, ter celebrado, com a ré, um contrato de empreitada tendo
por objecto o fornecimento e a instalação de um sistema de aquecimento AQS numa
moradia, contrato esse que, na qualidade de empreiteira, cumpriu, ao contrário
desta última, que, em determinado momento, não lhe permitiu que prosseguisse a
execução da obra e contratou terceiro para a conclusão da mesma. A quantia em
que a autora pretende que a ré seja condenada corresponde à indemnização
prevista no artigo 1229.º do Código Civil.
A ré contestou, alegando, em
síntese, o seguinte:
- Pouco depois do início da
empreitada, em Agosto de 2012, foram constatados alguns lapsos na sua execução;
- Em meados de 2013, quando a
obra estava praticamente concluída, a autora parou a sua execução, invocando
várias razões, desde problemas no fornecimento de peças até ao facto de estar
sobrecarregada de trabalho;
- Em 14.05.2013, a ré contactou
a autora exigindo que esta concluísse rapidamente a obra;
- A autora nunca lhe entregou o
projecto do sistema de aquecimento objecto do contrato, apesar de ter sido
diversas vezes instada para o fazer;
- Em Maio de 2014, a ré
contratou um consultor especialista em sistemas do tipo daquele que constituía
o objecto da empreitada, com vista a auxiliá-la na relação com a autora;
- Esse consultor detectou
discrepâncias entre os materiais e equipamentos fornecidos e os contratados,
bem como graves deficiências na sua instalação;
- Em 11.06.2014, realizou-se uma
reunião entre representantes da autora e da ré, na qual:
- Foram comunicadas, à autora,
diversas situações irregulares que urgia serem por ela resolvidas;
- Foi reiterada, à autora, a
necessidade de conclusão breve da obra;
- Foi transmitido, à autora,
que, atendendo a que a ré já havia pago mais de 90% do preço da empreitada,
nada mais seria pago até à recepção da obra;
- Em 21.06.2014, um
representante da ré enviou um mail à autora, interpelando novamente esta para
corrigir imediatamente várias falhas e concluir a obra;
- A autora fez depender a
correcção dos defeitos, a conclusão da obra e a entrega da documentação técnica
relativa à mesma do pagamento do remanescente do preço, o que a ré não aceitou;
- Logo, não foi a ré quem
desistiu da obra, mas sim a autora quem abandonou esta última, recusando-se
definitivamente a cumprir as suas obrigações, pelo que a quantia peticionada
não é devida.
A ré deduziu ainda reconvenção, pedindo
a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 102.016,46, acrescida de
juros de mora à taxa legal desde a notificação da reconvenção, alegando, como
fundamento, em síntese, o seguinte:
- Não obstante ter sido diversas
vezes interpelada, a autora não corrigiu os defeitos da obra executada, não
concluiu o comissionamento (ensaios e testes) da instalação e não entregou à ré
a documentação técnica necessária para a recepção provisória da obra, assim
tendo criado, nesta, a convicção de que tal posição era definitiva e
irredutível;
- Em face disso, em Maio de
2015, a ré teve de procurar um terceiro para corrigir os defeitos e concluir a
obra, correcção e conclusão essas que tiveram um custo de € 102.016,46;
- Após o incumprimento definitivo
pela autora, houve ainda uma revogação tácita do contrato pelas partes,
discutindo-se apenas o montante a pagar pela ré para ter acesso aos esquemas e
manuais da obra;
- A cessação do contrato de
empreitada não impede a ré de reclamar uma indemnização pelo incumprimento
definitivo do mesmo por parte da autora, correspondente à referida quantia de €
102.016,46.
A autora replicou, em termos que
assim se sintetizam:
- Inexistiram discrepâncias
entre os materiais e equipamentos fornecidos e os contratados, ou deficiências
na sua instalação;
- Todos os equipamentos
instalados pela autora foram aproveitados;
- A autora não é responsável por
quaisquer atrasos na obra;
- Os trabalhos nunca foram
executados a um ritmo regular devido a constantes alterações promovidas pela
ré;
- Os manuais de operação e
utilização são sempre entregues após a conclusão da obra, juntamente com toda a
informação dos equipamentos instalados;
- Entrega essa que não ocorreu
porque a ré impediu a autora de concluir a obra;
- Não obstante, a autora enviou
à empresa de fiscalização da obra todos os elementos técnicos que esta lhe
solicitou;
- A ré não denunciou à autora os
defeitos que alegou nesta acção, sendo certo que o acto de denúncia deve
indicar inequivocamente, com o grau de precisão possível, os defeitos
detectados na obra;
- A invocação desses defeitos em
sede de reconvenção equivale a denúncia; porém, isso aconteceu quando já estava
esgotado o prazo de 1 ano estabelecido no artigo 5.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei
n.º 67/2003, de 08.04;
- Ainda que não tivesse caducado
o exercício dos direitos do dono da obra, este, para exigir do empreiteiro o
valor dos trabalhos em falta, tem, primeiro, que obter a condenação deste à
prestação de facto, não podendo, antes disso, exigir-lhe o respectivo valor ou
aquilo que pagou a terceiro para os eliminar; a lei impõe ao dono da obra com
defeitos que, se estes puderem ser suprimidos, exija ao empreiteiro a sua
eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono da obra pode exigir nova
construção; se os defeitos não puderem ser eliminados ou a obra construída de
novo, pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato;
- Ora, não só a ré não alega que
os defeitos não podiam ser suprimidos, como invoca que eles vieram a ser
eliminados por terceiro, pelo que teria, em primeira linha, de pedir, em
reconvenção, a sua eliminação pela autora; nunca poderia peticionar à autora os
custos que pagou a terceiro para eliminar tais defeitos.
- Assim, a reconvenção terá de
improceder.
Após dispensa da realização de
audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com a
identificação do objecto do litígio, a indicação dos factos assentes e o
enunciado dos factos controvertidos, aos quais foi dada a designação de “temas
de prova”. Na sequência de reclamação das partes, foram aditados novos factos
assentes e controvertidos.
Realizou-se
a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença cujo dispositivo
se transcreve:
“1 – Julgo a acção parcialmente procedente
e, consequentemente, condeno a ré no pagamento à autora da quantia de €
15.947,57 (quinze mil, novecentos e quarenta e sete euros e cinquenta e sete
cêntimos) a que acrescem, juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal,
desde a citação, até efectivo e integral pagamento;
2 – Julgo o pedido reconvencional
parcialmente procedente e, em consequência condeno a autora/reconvinda a pagar
à ré/reconvinte, o montante gasto por esta, na realização de trabalhos de
correcção dos defeitos da obra iniciada pela autora e, respectiva finalização,
montante esse, cuja liquidação se relega para momento posterior (cfr. artº 661,
nº 2 do CPC), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação,
até efectivo e integral pagamento;
3 – Declaro que, por força da condenação
referida em 2, a ré, vê o preço da obra reduzido e, consequentemente a sua
condenação mencionada em 1) reduzida de acordo com a quantia que se vier a
apurar em sede de liquidação desta sentença.”
A
autora interpôs recurso de apelação da sentença.
O
recurso foi julgado procedente através de acórdão que anulou a sentença
recorrida e ordenou que o tribunal a quo,
com intervenção da Senhora Juíza que presidiu à audiência final e elaborou
aquela sentença, elaborasse nova sentença que:
1 –
Sanasse a nulidade decorrente de, ao decretar a redução do preço da obra, em
montante a liquidar em execução de sentença, ter condenado a recorrente em
objecto diverso do pedido reconvencional, nulidade essa prevista no artigo
615.º, n.º 1, al. e), do CPC;
2 –
Sanasse a nulidade, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC,
decorrente de não ter conhecido das questões que se suscitam neste processo, a
saber:
A) Se
se verificaram discrepâncias entre os materiais e equipamentos fornecidos e os
contratados e, na hipótese afirmativa, quais;
B) Se
se verificaram deficiências na instalação dos materiais e equipamentos
fornecidos e, na hipótese afirmativa, quais;
C) Se
a recorrida denunciou as referidas discrepâncias e deficiências dentro do prazo
e com observância das formalidades legais, nomeadamente no que concerne ao
conteúdo da denúncia, tendo em conta as objecções que a recorrente suscita a
esse propósito;
D) Se
houve desistência da empreitada por parte da recorrida, nos termos do artigo
1229.º do Código Civil, e, na hipótese afirmativa, quais são as respectivas
consequências jurídicas;
E) Se,
em vez do referido em D, a recorrente abandonou a obra, incorrendo em
incumprimento definitivo do contrato de empreitada; na hipótese afirmativa, quais
eram os direitos da recorrida, nomeadamente se esta estava, desde logo,
legitimada para contratar terceiro para corrigir os defeitos e concluir a obra,
exigindo da recorrente uma indemnização correspondente ao respectivo custo;
F) Se
o contrato de empreitada foi tacitamente revogado pelas partes;
3)
Ampliasse a matéria de facto de forma a abranger os factos aditados aos “temas
de prova” através do despacho proferido na sequência das reclamações das partes
sobre o enunciado inicialmente feito, julgando-se os mesmos como provados ou
não provados em função da prova já produzida e daquela que o tribunal a quo eventualmente considerasse
necessário vir a produzir para esse fim;
4)
Fundamentasse a sua convicção relativamente ao conteúdo dos pontos xx) a nnnn)
da matéria de facto provada, analisando criticamente a prova produzida,
nomeadamente o relatório pericial.
Para
os referidos efeitos, determinou esta Relação que o tribunal a quo poderia ordenar a produção da
prova suplementar que julgasse necessária, reabrindo a audiência final.
Após
a baixa dos autos e sem reabrir a audiência final, o tribunal a quo proferiu nova sentença, decidindo
a causa em sentido idêntico ao da sentença anulada por esta Relação.
A
autora interpôs recurso de apelação desta sentença, julgado através de acórdão
cujo dispositivo se transcreve:
“Delibera-se,
pelo exposto, anular a sentença recorrida
e ordenar que o tribunal a quo, com intervenção da Senhora Juíza que presidiu à
audiência final e elaborou aquela sentença, elabore nova sentença que, cumprindo
o determinado pelo acórdão anteriormente proferido por esta Relação e que aqui
se reitera, proceda à sanação das nulidades acima descritas, amplie a
matéria de facto e fundamente devidamente, nomeadamente com referência ao
relatório pericial constante dos autos, a sua convicção relativamente ao
conteúdo dos pontos xx) a nnnn) da matéria de facto provada, nos termos
expostos. Para tanto, o tribunal a quo poderá ordenar a produção da prova
suplementar que julgar necessária, reabrindo a audiência final.”
Após
a baixa dos autos, o tribunal a quo
determinou a audição das partes sobre a necessidade de produção de prova
suplementar. A autora pronunciou-se no sentido de que tal necessidade não se
verificava. A ré requereu a reabertura da audiência final e que, nesta,
prestassem esclarecimentos o perito nomeado pelo tribunal e a testemunha AA.
O
tribunal a quo proferiu despacho
designando data para a reabertura da audiência final e determinando que, nesta,
fossem inquiridos o perito e a testemunha AA, a fim de prestarem
esclarecimentos sobre os factos assinalados no segundo acórdão desta Relação.
Na
sequência desse despacho, a autora requereu que o tribunal a quo esclarecesse: 1) Quais os esclarecimentos que entendia
deverem ser prestados; 2) Qual a razão da inquirição da testemunha AA e da não
inquirição das restantes, sendo certo que a mesma não foi indicada sobre a
matéria que deveria ser objecto de ampliação; 3) Qual o fundamento para a
inquirição do perito nomeado pelo tribunal. A ré pronunciou-se no sentido de
que o requerido pela autora não tinha razão de ser. O tribunal a quo indeferiu o requerimento da
autora.
Em
face de requerimento entretanto apresentado pelo perito nomeado pelo tribunal e
da pronúncia de ambas as partes sobre o mesmo, o tribunal a quo fixou a matéria sobre a qual os esclarecimentos daquele, a
prestar por escrito, deveriam versar. Mais precisamente, o tribunal a quo decidiu que o perito deveria
prestar os esclarecimentos mencionados nos requerimentos das partes.
Na
sequência de um pedido de esclarecimento do mesmo perito sobre o alcance
daquilo que lhe era solicitado, o tribunal a
quo proferiu despacho mandando informar aquele de que os esclarecimentos
deveriam ser prestados por todos os peritos que subscreveram o relatório
pericial. No mesmo despacho, foi ordenada a notificação de todos os peritos
para o referido efeito.
Os
peritos prestaram, por escrito, “esclarecimentos complementares ao relatório
pericial”.
Foi
reaberta a audiência final, na qual foi inquirida a testemunha AA.
O
tribunal a quo proferiu nova
sentença, cujo dispositivo se transcreve:
“1 – Julgo a acção improcedente e,
consequentemente, absolvo a ré do pagamento à autora da quantia de € 15 947,57
(quinze mil, novecentos e quarenta e sete euros e cinquenta e sete cêntimos) a
que acrescem, juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação,
até efectivo e integral pagamento;
2 – Julgo o pedido reconvencional
improcedente e, em consequência absolvo a autora/reconvinda do mesmo.”
A
autora interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes
conclusões:
A) A
factualidade vertida em aaa) e bbb) é vaga, genérica e conclusiva pelo que tal
matéria deve ser eliminada dos factos dados como provados.
B) Os
factos descritos nas alíneas fff) a xxxx) resultam, de harmonia com a douta
decisão recorrida, mais uma vez, do relatório junto aos autos em audiência de
julgamento, na última sessão, subscrito por AA e confirmado pelo mesmo e do
relatório de fls. 188 e segs. dos autos, na parte não contraditada pelo
relatório pericial de fls. 541 a 556 v.
C) O
relatório pericial põe em causa, desmente, arrasa os relatórios referidos em
sede de fundamentação, nomeadamente o relatório junto aos autos na última
sessão de julgamento.
D)
Muitas das respostas dadas contêm formulações vagas, genéricas e conclusivas.
E) As
respostas a dar às matérias em causa têm que conter as concretas referências
feitas, em cada uma delas, pelos peritos, as quais devem ser acrescentadas às
respostas dadas e devem ser eliminadas as formulações vagas, genéricas e
conclusivas.
F)
Respondeu o tribunal ao ponto aaa) dizendo que a ré solicitou à autora, por
diversas vezes, que procedesse à correcção das anomalias detectadas na obra e
respectiva conclusão da instalação.
G) O
acto de denúncia deve indicar inequivocamente, com o grau de precisão possível,
os defeitos na obra.
H) Não
se refere a forma da solicitação; não se refere qualquer data; não se
especificam os defeitos, as “anomalias detectadas”.
I) Tal
matéria é assim vaga, genérica e conclusiva pelo que deve ser excluída dos
factos dados como provados.
J) O
mesmo vale para a resposta dada ao ponto bbb).
K)
Existe manifesta contradição entre as respostas dadas aos pontos oooo) e vvvv).
E este último contém formulações vagas, genéricas, conclusivas e até
incompreensíveis (inúmeros locais; inacessíveis; em outros locais). O ponto
vvvv) deve assim ser excluído dos factos dados como provados.
L) A
resposta ao ponto rrrr) é contraditória e contém matéria vaga, genérica e
conclusiva pelo que deve ser excluída.
M) O
ponto yyyy) corresponderia ao que foi alegado pela ré (artigo 22.º da
contestação) e pela autora (artigo 32.º da réplica). Como é manifesto, a
resposta dada contém matéria de facto não alegada pelas partes, pelo que terá
que ser eliminada.
N)
Refere-se na douta decisão recorrida que a denúncia dos defeitos foi feita no
prazo de trinta dias. Que a dona da obra exigiu ao empreiteiro a respectiva
eliminação. E que tal conclusão resulta dos factos assentes.
O) A
mera leitura dos factos assentes permite concluir que deles nada resulta em
termos de denúncia, forma de denúncia, data de denúncia ou defeitos que tenham
sido denunciados.
P) Se
a prova resulta da resposta aos pontos aaa) e bbb), tal matéria é vaga,
genérica e conclusiva e não permite tal afirmação. Aliás, é sintomático
verificar o que, sobre tal matéria foi alegado pela ré no artigo 79.º da
contestação: “pese embora ter denunciado atempadamente os diversos defeitos da
obra e de ter solicitado inúmeras vezes a sua correcção e a concretização da
empreitada, a autora recusou-se sempre a fazê-lo”.
Q)
Terá assim que concluir-se que a ré não fez tal denúncia, comunicando à autora
os alegados defeitos, que não identifica, limitando-se a alegar matéria
conclusiva.
R) O
douto acórdão que anulou a decisão anterior fixou, de novo, seis temas da prova
e determinou que o tribunal a quo
poderia reabrir a audiência final, ordenando a produção de prova suplementar
que julgasse necessária.
S) O
tribunal a quo reabriu a audiência
sem que previamente ordenasse a produção de prova suplementar, sem indicar os
factos que julgava necessários esclarecer, destinando-se a mesma a ouvir o
perito e a testemunha AA para que “prestassem esclarecimentos”.
T) A
inquirição do perito veio a resultar em novo relatório pericial, subscrito por
todos os peritos e, como os próprios referem, é “importante esclarecer que
algumas questões agora levantadas, especialmente pela ré, são novas questões e
não propriamente esclarecimentos aos quesitos iniciais, sendo certo que a
prestação de novos esclarecimentos não tem fundamento legal nem foi determinada
oficiosamente.
T)
Como carece de fundamento legal a nova inquirição da testemunha AA já que o
tribunal a quo não indicou
previamente qual a razão para o seu depoimento.
U)
Quer a prestação de esclarecimentos por parte dos peritos quer o novo
depoimento foram requeridos pela ré quando o douto acórdão é claro no sentido
de determinar que era ao tribunal e não às partes que competia “ordenar a
produção de prova suplementar que julgasse necessária”.
V) O
claro desrespeito pelo douto acórdão é ainda mais grave porque o tribunal a quo vem justificar a inquirição da
testemunha AA pelos esclarecimentos que este prestou “na última sessão de
julgamento ocorrida em 24.09.2021” e sustenta a sua convicção relativamente aos
factos provados com base no que resulta do “novo relatório pericial” e da nova
inquirição de testemunha, prova suplementar que não “ordenou” nem julgou
“necessária”.
W)
Face à matéria de facto dada como provada, com as concretas referências feitas pelos
peritos, que impõem uma resposta diferente, face às respostas contraditórias, formulações
genéricas, de direito ou conclusivas que, como tal, devem ser eliminadas, não
pode deixar de concluir-se pela resposta negativa às questões dos temas da
prova 1) e 2).
X) Da
leitura dos factos assentes conclui-se que nada resulta em termos de denúncia, data
da denúncia, defeitos que, em concreto, tenham sido denunciados pelo que
forçoso será responder negativamente ao tema da prova 3).
Y) É
verdade que equivale à denúncia a propositura da acção pelo dono da obra ou a sua
invocação em sede de reconvenção. No entanto, essa acção, ou o exercício dos
direitos em sede de reconvenção, deve ser proposta/ deduzida dentro dos prazos
estabelecidos para a denúncia dos defeitos.
Z) A
ré contratou outra empresa para realizar os trabalhos de conclusão da obra, em Maio
de 2015. E, em Maio de 2014, contratou um técnico que elaborou relatório nessa data.
Considerando qualquer destas datas, e uma vez que a reconvenção foi deduzida em
20 de Junho de 2016, não tendo a denúncia sido feita no prazo de um ano, após o
seu conhecimento, caducou o exercício dos direitos do dono da obra – artigo
1225.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil.
AA)
Face à documentação existente nos autos, face à matéria dada como provada no ponto
tt) resulta inequivocamente que a autora não abandonou a obra e foi a ré quem desistiu
da empreitada, contratando uma outra empresa.
BB) O
tribunal a quo não se pronunciou
sobre a excepção de caducidade invocada em sede de réplica quando, por força do
disposto no artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, estava obrigado a
fazê-lo.
CC)
Não tendo a ré feito a denúncia no prazo de um ano após o seu conhecimento, caducou
o exercício dos direitos do dono da obra, por força do disposto no artigo 1225.º,
n.ºs 2 e 3, do Código Civil.
DD)
Como é jurisprudência uniforme, o dono da obra, perante defeitos denunciados,
está obrigado a observar a prioridade dos direitos consignados nos artigos 1221.º
a 1223.º do Código Civil. Ou seja, deverá, primeiro, exigir a eliminação dos
defeitos; depois, nova construção; e, seguidamente a redução do preço ou, em
alternativa, a resolução do contrato.
EE) A
douta decisão recorrida conclui pela improcedência do pedido formulado pela autora
com o entendimento que “não pode a autora exigir o pagamento das quantias peticionadas
enquanto não corrigir os defeitos da obra, regularmente denunciados pela ré”.
FF)
Este raciocínio enferma de dois vícios. Em primeiro lugar, a ré não “denunciou regularmente
defeitos da obra”. Se o tribunal a quo conhecesse,
como era sua obrigação, a excepção de caducidade, não chegaria a esta
conclusão. Em segundo lugar, o tribunal não pode condicionar o pagamento das
quantias reclamadas à “correcção dos defeitos da obra” quando admite
expressamente que “a ré se substituiu à autora, na eliminação dos defeitos”
que, como também admite, não poderia ter feito.
GG) É
assim manifesto que nenhum fundamento existe para que o pedido formulado pela autora
seja julgado improcedente.
HH) A
douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 1220.º, n.º 1, 1221.º, n.º
1, 1222.º, 1225.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, e 485.º, n.º 4, 607.º, n.ºs 1 e
4, 608.º, n.º 2, 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código de
Processo Civil.
Nestes
termos e nos que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado
provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão proferida, julgando-se o
pedido formulado pela autora como procedente e condenando-se a ré na quantia peticionada,
acrescida de juros legais desde a data da citação até integral pagamento, como
é de Justiça.
Também
inconformada com a sentença, a ré interpôs, dela, recurso de apelação
subordinado, tendo formulado as seguintes conclusões:
A) A
ré, ora recorrente, não se conforma com a mui douta sentença na parte em que
indeferiu o pedido reconvencional, por entender, salvo o devido respeito – que
é muito – que o tribunal recorrido não interpretou correctamente as normas
legais que aplicou na referida decisão, bem como, deixou de aplicar outras que
seriam de aplicar, tudo como adiante se irá tentar demonstrar;
B)
Considerou o tribunal recorrido que a autora não concluiu a obra nem reparou os
defeitos da mesma atempadamente denunciados pela ré, designadamente:
Que em meados de 2013, quando a obra já
estava praticamente concluída, os trabalhos da autora pararam (ww); que tendo a
ré, a partir de Setembro de 2013, solicitado várias vezes ao responsável
daquela, Engº BB, para concluir a obra, tendo este invocado várias razões para
aquela paragem, desde problemas no fornecimento de peças até ao facto de
estarem sobrecarregados de trabalho (xx), que a ré, na pessoa de, CC, no dia
14.05.13 contactou telefonicamente o representante da autora, BB, exigindo que fosse
concluída rapidamente a obra (yy); que a autora nunca chegou a fornecer à ré, o
projecto, apesar de ter sido instada diversas vezes para o efeito, quer pela ré,
quer pela empresa de fiscalização da empreitada geral de ampliação da moradia
da ré, a GG (ZZ); que a ré solicitou à autora, por diversas vezes, que
procedesse à correcção das anomalias detectadas na obra e respectiva conclusão
da instalação (aaa); que a autora não executou as correcções às anomalias
detectadas, quer na execução da instalação, quer nos testes iniciais onde se
detectaram várias anomalias, alarmes e paragens no funcionamento da instalação
(bbb); que a autora não conclui o comissionamento (ensaios e testes) da
instalação AVAC (ccc); que a autora não entregou os manuais técnicos da
instalação, as telas finais, o relatório de execução de ensaios, os catálogos
técnicos e as fichas para manutenção (ddd); que a autora se recusou sempre a
fazê-lo enquanto a ré não pagasse as facturas identificadas em j) e k) (ddd).
C)
Entendeu o tribunal recorrido que aquele tipo de comportamento por parte da autora
configura um claro e inequívoco abandono da obra;
D)
Contudo, pese embora ter reconhecido com base na matéria julgada provada e concluído
que a autora abandonou a obra, não concluindo a mesma nem eliminando os seus
defeitos, contudo, alicerçando-se no entendimento explanado num acórdão do
desta Relação de Évora, considerou que no qual se refere que a ré não se podia
ter substituído à autora, na eliminação dos defeitos, devendo ter recorrido aos
tribunais para obter decisão judicial que condenasse a empreiteira a eliminar
ou reparar os defeitos existentes ou, se tal não fosse possível, redução do
preço, uma vez que não se estava perante uma situação de urgência, inferindo,
assim o pedido reconvencional;
E)
Como acima se referiu, não concorda a ré com este entendimento, pelas seguintes
razões;
F) O
exercício dos direitos conferidos nos artigos 1221.º e 1222.º do Código Civil
não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais tal como previsto no
artigo 1223.º do Código Civil, independentemente da existência ou não de
defeitos na obra ou da possibilidade da sua eliminação e consequente
ressarcimento baseado na responsabilidade civil contratual;
G) As
normas citadas na douta sentença recorrida referem o regime do cumprimento defeituoso
da empreitada, o qual se verifica apenas no caso da obra ter sido concluída,
ainda que com defeitos, o que não foi o caso dos presentes autos;
H)
Efectivamente, conforme resulta da matéria provada a autora não concluiu a obra,
pese embora as solicitações neste sentido da ré (aaa) bbb) ccc) e ddd);
I)
Neste sentido, veja-se por todos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça,
datado de 09.12.2008, que se debruça sobre uma situação de abandono da obra
pelo empreiteiro, equivalente à dos autos;
J)
Conforme, ali se refere, O abandono da
obra pela empreiteira representa, em termos práticos, a extinção do contrato,
independentemente de não ter sido declarada a sua resolução pela parte
contrária;
K) Abandonando os trabalhos iniciados, a autora
manifestou tacitamente, e em termos que a lei reputa eficazes (artº 217º, nº 1,
do CC), a sua total indisponibilidade para reparar os defeitos, ou para, ainda
que só em parte, construir de novo a obra, o que evidencia o seu propósito
firme e definitivo de não cumprir, tornando dispensável a interpelação
admonitória do artº 808º do CC por parte do dono da obra para o efeito de
conversão da mora em incumprimento definitivo;
L) provada também a existência de prejuízos
sofridos pela ré, torna-se clara a pertinência da aplicação ao caso em análise
das normas dos artºs 798º, 799º e 1223º do CC, que lhe confere o direito a ser
indemnizados em consequência do incumprimento da autora/reconvinda;
M) De
acordo com o juízo jurídico explanado naquele douto aresto – o qual acompanhamos
na íntegra – no caso de abandono de obra não concluída, não é de aplicar o
regime previsto nos artºs 1221º e 1222º do Código Civil mas, sim, o disposto
nos artºs 798º, 799º e 1223º do CC, que confere à ré o direito a ser indemnizada
em consequência do incumprimento da autora;
N)
Efectivamente, no caso da empreiteira abandonar a obra antes de a concluir, a hipótese
de “salvar” o contrato mediante o recurso aos remédios tipificados na lei
(artºs 1221º e 1222º do CC) – eliminação dos defeitos, nova construção ou redução
do preço – está liminarmente afastada, já que o abandono representa, em termos
práticos, a extinção do contrato, independentemente de não ter sido declarada a
sua resolução pela parte contrária;
O) Ao
abandonar a obra por si iniciada, a autora manifestou tacitamente, e em termos
que a lei reputa eficazes (artº 217º, nº 1, do CC), a sua total indisponibilidade
para reparar os defeitos, ou para, ainda que só em parte, construir de novo a
obra. E semelhante abandono, corresponde indubitavelmente a uma declaração de
igual modo tácita de incumprimento por parte do empreiteiro, equiparável a uma
declaração expressa de idêntico conteúdo e sentido negocial; mais precisamente,
evidencia o seu propósito firme e definitivo de não cumprir,
tornando dispensável a interpelação admonitória do artº 808º do CC por parte do
dono da obra para o efeito de conversão da mora em incumprimento definitivo;
P)
Deste modo, provada também, como se vê dos factos relatados, a realidade dos prejuízos
sofridos pelos recorrentes, torna-se clara, na decorrência do exposto, a pertinência
da aplicação ao caso em análise das normas dos artºs 798º, 799º e 1223º do CC,
pelo que, salvo o devido respeito, deveria o mui douto tribunal recorrido ter
condenado a autora/reconvinda a indemnizar a ré em consequência do seu
incumprimento, mais precisamente,
Q) Condenar
a autora/reconvinda a pagar à ré/reconvinte o peticionado em sede de
reconvenção, i.e., no valor suportado por esta na remoção dos defeitos e conclusão
da obra, sendo que,
R) Considerando
o tribunal a quo não ter elementos
suficientes para fixar já o valor da referida indemnização – como em decisão
anterior já considerou não ter – deveria ter relegado a liquidação da mesma
para execução de sentença de acordo com o previsto no artº 609º nº 2 do CPC;
S)
Assim sendo, e salvo o devido respeito, ao não ter decidido de acordo com o acima
explanado, violou a sentença recorrida o disposto nos artºs 217º nº1, 808º, 798º,
799º 434º, 1223º do Código Civil e 609º nº 2 do CPC, por não aplicação dos mesmos
ao presente caso, bem como, violou o disposto nos artºs 1221 e 1222º do Código
Civil quando considerou que os mesmos eram aplicáveis na situação de abandono
da obra e não conclusão da mesma por parte da empreiteira.
Nestes
termos e nos que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado total
provimento ao presente recurso e, em conformidade, ser parcialmente revogada
a mui douta decisão recorrida, substituindo-a nessa parte por outra que condene
a autora a pagar à ré o montante suportado por esta na reparação dos defeitos da
obra e conclusão da mesma, a liquidar em execução de sentença face à falta de elementos
para fixação da mesma, porquanto assim se fará a costumada Justiça.
A
ré também apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso
interposto pela autora.
Os
recursos foram admitidos.
*
Tendo
em conta as conclusões de ambos os recursos, as questões a resolver nesta sede são
as seguintes:
1 –
Processado anterior à reabertura da audiência final;
2 –
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
3 – Tempestividade
da denúncia de defeitos dos trabalhos executados pela autora e do exercício do
direito de acção;
4 –
Abandono da obra;
5 –
Desistência da empreitada.
*
Na
sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:
a) A autora
dedica-se ao comércio de equipamentos para hotelaria e similares.
b) Em
2012, a ré solicitou à autora orçamento para fornecimento e instalação de
sistema de aquecimento AQS no prédio urbano sito no Monte de São João,
freguesia e concelho de Mértola, de que aquela é proprietária.
c)
Sistema constituído por aquecimento solar, com 14 painéis solares, aquecimento
por piso radiante, sistema de permuta com piscina, sistema de ventilação e
recuperadores de calor.
d) A autora
forneceu à ré tal orçamento, em 14 de Julho de 2012, sendo o preço de € 110
698,77 (IVA incluído).
e) Foi
posteriormente proposto pela autora a alteração na bomba de calor, com a
diminuição de € 5 000,00 no preço (€ 6 150,00, com IVA incluído), o que a ré
aceitou.
f) A autora
forneceu e instalou o aquecimento solar, com 14 painéis solares, titulado pela
factura n.º 986, de 16 de Outubro de 2012, no montante de € 23 459,18, e que a ré
pagou.
g)
Forneceu e instalou o piso radiante até à fronteira entre o vestíbulo e a
habitação e o sistema de ventilação, titulado pela factura n.º 613, de 2 de
Abril de 2013, no montante de € 26 957,91, e que a ré pagou.
h)
Forneceu e instalou um acumulador de 1500 litros e piso radiante até à
fronteira entre o vestíbulo e a habitação, titulado pela factura n.º 983, de 7
de Junho de 2013, no montante de € 26 313,14, e que a ré pagou.
i)
Forneceu e instalou bomba de calor, acumulador e sistema de ventilação,
titulado pela factura n.º 1662, de 24 de Setembro de 2013, no montante de € 22
910,72, e que a ré pagou.
j) A
autora forneceu à ré e instalou ventilação da casa técnica, disjuntores de
protecção dos fan coils e caixas de piso radiante, permutador para piscina e
sistema de ventilação para moradia, titulados pela factura n.º 356, de 26 de
Março de 2014, no montante de € 12 977,73.
k) A
autora forneceu à ré e instalou acumulador de 1500 litros, fan coil para
quarto, fan coil para corredor, fan coil para biblioteca, fan coil para sala e
fan coil para hall, titulados pela factura n.º 663, de 6 de Junho de 2014, no montante
de € 2 969,84.
l) Nos
referidos acumuladores, a autora instalou um isolamento de 30mm de espessura
para água fria.
m) A
ré não entregou à autora o montante referido na factura referida em j).
n) A
ré não entregou à autora o montante referido na factura referida em k).
o)
Posteriormente ao orçamento apresentado pela autora e indicado nas als. b) e
d), a ré solicitou a realização de trabalhos a mais, que a autora executou.
p)
Tendo por objectivo o prosseguimento dos trabalhos e finalização da obra, foi
realizada no Monte de São João, em 11 de Junho de 2014, uma reunião na qual
estiveram presentes um representante da ré, enquanto dona da obra, o arquitecto
responsável pelo projecto de arquitectura, um representante da autora e uma
empresa de consultadoria e fiscalização de obras.
q)
Tendo havido acordo entre todas as partes para a finalização dos trabalhos e
consequente recepção provisória da obra, foi solicitado à autora que
apresentasse um planeamento para a conclusão dos trabalhos.
r)
Sendo oportunamente marcada uma próxima reunião.
s) Em
21 de Julho de 2014, a autora enviou à ré carta registada com aviso de
recepção, cujo teor aqui se dá como reproduzido.
t) À
qual a ré respondeu, através de carta de 28 de Julho de 2014, cujo teor aqui se
dá como reproduzido.
u) Na
sequência desta troca de correspondência foi agendada e realizada no Monte de
São João uma reunião no dia 6 de Agosto de 2014.
v) A autora
ficou então de entregar um plano de trabalhos com vista à finalização da obra
de climatização (acordo).
w) O
que fez, através de e-mail de 11 de Agosto de 2014, solicitando confirmação
para poder iniciar os trabalhos.
x) A autora
enviou à ré carta regista com aviso de recepção, datada de 26 de Agosto de
2014, solicitando de novo confirmação, com vista à finalização da obra de
climatização.
y) A ré
respondeu, através de carta datada de 31 de Outubro de 2014, cujo teor aqui se
dá como reproduzido.
z) À
qual a autora respondeu, por carta registada com aviso de recepção datada de 12
de Novembro de 2014, cujo teor aqui se dá como reproduzido.
aa) A ré
respondeu a esta carta, por carta de 1 de Dezembro de 2014, cujo teor aqui se
dá como reproduzido.
bb)
Tendo a autora respondido, por carta registada com aviso de recepção datada de
31 de Dezembro de 2014, cujo teor aqui se dá como reproduzido.
cc) Em
30 de Janeiro de 2015, a autora recebeu do Exm.º Senhor Dr. DD um e-mail no
qual, na qualidade de advogado da ré, propunha a realização de uma reunião para
abordar “as diversas hipóteses de resolução das questões”.
dd) A autora
enviou ao Senhor Dr. DD um e-mail, em 5 de Março de 2015, cujo teor consta a
fls. 47 vs. e, se aqui se dá como reproduzido.
ee) Em
Maio de 2015, a ré contratou a sociedade AVAC, MIC – Renováveis II, Lda. para
realizar os trabalhos de conclusão da obra, o que esta sociedade veio a fazer.
ff) Em
21/06/14 o responsável da empresa de fiscalização HH remeteu ao responsável da autora
o e-mail de fls. 81 vs., cujo teor se dá como integralmente reproduzido.
gg)
Não entregou os manuais técnicos da instalação, as telas finais, o relatório de
execução de ensaios, os catálogos técnicos e as fichas para manutenção.
hh)
Recusando-se sempre a fazê-lo enquanto a ré não pagasse as facturas
identificadas em j) e k).
ii) Na
referida reunião de 11/06/14, além de ter sido transmitido à autora que a
percentagem do valor total do orçamento, já pago pela ré, justificava que nada
mais fosse pago até à recepção da obra, foi-lhe ainda comunicado diversas
situações que urgia serem resolvidas pela autora, designadamente:
- A
facturação emitida ao logo do desenvolvimento da obra contemplava itens do
orçamento nº 370 e outros que não faziam parte do mesmo;
-
Existiam ainda alterações introduzidas nos valores e quantidades de itens do
orçamento inicial que não se encontravam suportados por qualquer documento que
faça menção a essas mesmas alterações.
jj)
Existiam equipamentos cujas marcas não correspondiam às inicialmente descritas
no orçamento original e que deveriam ter resultado em menores valias, não
reflectidas na facturação emitida.
ll)
Foi reiterada novamente à autora a necessidade de conclusão breve da sua
empreitada com o argumento de que a restante obra de ampliação da moradia da ré
já estava numa fase muito adiantada.
mm) O
equipamento “Scrubber” foi uma solução sugerida pela autora à ré já que o
marido desta sofria muito com as alergias originadas pelos polens primaveris.
nn) E
este equipamento permitia a lavagem do ar novo que era insuflado na habitação,
equipamento inexistente nos equipamentos tradicionais.
oo) A ré
recebeu as facturas referidas em j) e k) e não apresentou qualquer reclamação
escrita.
pp) Na
factura n.º 986 foram incluídos, como trabalhos a mais, o fornecimento de tubos
de inox, perfuração de betão e pré instalação de tubagem de bomba de calor, no
valor de € 2 311,79.
qq) Na
factura n.º 983 foram incluídos, como trabalhos a mais, 2 colectores de piso
radiante (um de 7 saídas e um de 5 saídas), tendo sido orçamento 420 m2 de piso
radiante e realizado 500 m2, ou seja, mais 80 m2, tudo no valor de € 2 189,40.
rr) Na
factura n.º 1662 foram incluídos, como trabalhos a mais, a execução de furos em
parede de betão, a instalação de sistema de ventilação do ginásio (piso
técnico) e fornecimento de tubos em aço inox 316, no valor de € 1 316,00.
ss) E
na factura n.º 356 foram incluídos, como trabalhos a mais, a ventilação da casa
técnica, a colocação de disjuntores de protecção dos fan coils, permutador de
piscina em PVC, serviços técnicos de reparação de válvula de 3 vias e serviço
de execução de furos, tudo no valor de € 3 105,75.
tt) A
ré actuou da forma referida em ee), não permitindo o prosseguimento da obra
pela autora.
uu)
Para além do referido em b), a autora foi contactada igualmente para fornecer,
instalar, deixar operacional um sistema AVAC (aquecimento, ventilação
e ar condicionado) e tratar da própria concepção dos mesmos (respectivo
projecto).
vv) A autora
iniciou os trabalhos em obra no mês de Agosto de 2012.
ww) Em
meados de 2013, quando a obra já estava praticamente concluída, os trabalhos da
autora pararam.
xx)
Tendo a ré, a partir de Setembro de 2013, solicitado várias vezes ao
responsável daquela, Eng.º BB, para concluir a obra, tendo este invocado várias
razões para aquela paragem, desde problemas no fornecimento de peças até ao
facto de estarem sobrecarregados de trabalho.
yy) A ré,
na pessoa de, CC, no dia 14.05.13 contactou telefonicamente o representante da autora,
BB, exigindo que fosse concluída rapidamente a obra.
zz) A autora
nunca chegou a fornecer à ré, o projecto referido em ll), apesar de ter sido
instada diversas vezes para o efeito, quer pela ré, quer pela empresa de
fiscalização da empreitada geral de ampliação da moradia da ré, a GG.
aaa) A
ré solicitou à autora, por diversas vezes, que procedesse à correcção das
anomalias detectadas na obra e respectiva conclusão da instalação.
bbb) A
autora não executou as correcções às anomalias detectadas, quer na execução da
instalação, quer nos testes iniciais onde se detectaram várias anomalias,
alarmes e paragens no funcionamento da instalação.
ccc)
Não conclui o comissionamento (ensaios e testes) da instalação AVAC.
ddd)
Não entregou os manuais técnicos da instalação, as telas finais, o relatório de
execução de ensaios, os catálogos técnicos e as fichas para manutenção.
eee)
Recusando-se sempre a fazê-lo enquanto a ré não pagasse as facturas
identificadas em j) e k).
fff)
Os equipamentos de filtragem e lavagem de ar denominados de “Scruber” pela
Teclasul foram substituídos por unidades de ventilação equipadas com 2 níveis
de filtragem, pré-filtro G4 e filtro F7.
ggg)
Uma electrobomba que alimentava vários circuitos hidráulicos apresentava
excessivo ruído e vibração em funcionamento, foi substituída por 2 circuladores
idênticos, da mesma marca dos existentes.
hhh) O
quadro eléctrico (QE) de aquecimento, ventilação e ar condicionado (AVAC) era
de reduzida dimensão e estava complementado e anexado com outras caixas
eléctricas equipadas com equipamento eléctrico de protecção e comando e já não
dispunha de espaço para a respectiva colocação e montagem.
iii)
Por isso, teve que ser substituído por um novo QE AVAC equipado com todo o
necessário equipamento de força, potência e controlo para um adequado
funcionamento da instalação AVAC.
jjj)
Foram realizadas intervenções nos seguintes locais: casa do chiller bomba de
calor, CHBC; na caleira de distribuição de redes de tubagem entre a casa do
chbc, sala técnica e casa antiga; no interior da sala técnica; nos equipamentos
acessíveis e no sistema de colectores solares.
kkk) O
Chiller Bomba de Calor, CHBC, teve que ser reinstalado noutra localização no
interior do espaço, por não permitir um adequado arrefecimento do condensador,
verificando-se curto-circuito de ar no interior do espaço, provocando a paragem
do equipamento por insuficiente arrefecimento e por não permitir um fácil e
seguro acesso ao quadro eléctrico do equipamento.
lll)
Na chapa de identificação do CHBC tinha sido retirada a identificação do
respectivo modelo, marca e fabricante.
mmm)
Na distribuição de redes de tubagem do chiller bomba calor, CHBC, foi executada
uma nova rede de distribuição de água fria/quente, em tubagem Climatherm DN 50,
equipada com isolamento Armaflex com espessura 20mmm, montada em caleira
técnica executada em betão e equipada com tampa amovível para fácil acesso a
manutenção, tendo sido montado em cada tubagem um purgador de ar, localizado no
respectivo ponto alto, para a necessária remoção de ar, uma vez que:
nnn) O
isolamento instalado tinha uma espessura de 13mm.
ooo) A
rede de tubagem existente estava enterrada, sem caleira técnica para acesso e
não estava equipada com e purgadores de ar em cada linha, nos pontos altos.
ppp) A
cablagem eléctrica de alimentação ao CHBC em cabo H05VV-F 5G2,5 foi removida
por ser subdimensionada para a potência absorvida de 10 kW a uma distância
superior a 50m de comprimento de cabo e substituída por cabo eléctrico H05VV-F
5G6.
qqq)
Foi removido o quadro eléctrico (QE) AVAC e as caixas eléctricas complementares
instaladas pela autora e substituído por um novo QE AVAC equipado com todo o
necessário equipamento de força, potência e controlo para um adequado
funcionamento da instalação AVAC, uma vez que:
rrr)
Era de reduzida dimensão e foi posteriormente complementado com caixas
eléctricas parciais, para alojar mais equipamento eléctrico.
kkk) O
controlador instalado pela autora não permitia o acesso via internet (um dos
requisitos solicitado como obrigatório pela ré).
sss)
Foram também executadas novas protecções eléctricas individualizadas por
equipamento, interligados os relés de comando com o sistema de gestão técnica
centralizada (GTC) e executadas as ligações equipotenciais dos elementos
metálicos existentes na sala técnica.
ttt)
Substitui-se o QE AVAC e as caixas eléctricas parciais por um único QE AVAC,
dimensionado para alojar todo o equipamento eléctrico de força, potência,
controlo e ainda o sistema de gestão técnica centralizada GTC, com ligação à
internet.
uuu)
Foram executados novos traçados de caminhos de cabos, ligações eléctricas de
força potencia e controlo, com a reutilização de esteiras metálicas existentes.
vvv) A
rede de tubagem de distribuição de água fria/quente do CHBC instalada pela autora
foi em material PEAD e nos diâmetros DN 40.
www) O
CHBC em regime de funcionamento em aquecimento atinge temperaturas de cerca de
50ºC.
xxx)
Verificou-se que os depósitos de acumulação térmica instalados pela autora não
coincidiam com as características, especificações e requisitos iniciais
propostos e acordados com ré, nomeadamente no tipo de material de construção,
volumetria e características e número de serpentinas.
yyy)
Nenhum dos depósitos de acumulação, estava equipado com a respectiva chapa de
identificação, com as características do respectivo fabricante e resultados dos
respectivos ensaios sob pressão.
zzz)
No depósito de acumulação de água quente, DAQ tiveram que ser executadas novas
e distintas ligações hidráulicas e instaladas novas sondas de temperatura para
adequar o sistema hidráulico de serpentinas do DAQ a um correcto e adequado
funcionamento da instalação de AVAC.
aaaa)
Na saída de água quente foi instalada uma válvula termostática para regulação
de temperatura.
bbbb)
Foi também instalada uma válvula misturadora modulante e reutilizada a caldeira
existente na casa antiga como fonte de energia complementar.
cccc)
O depósito de acumulação de água fria DAF foi isolado com manta de isolamento
térmico flexível de célula fechada da marca Armacell, da gama de produto
Armaflex de com a espessura 80mm.
dddd)
Os colectores de distribuição de água instalados pela autora não foram
reutilizados e tiveram que ser removidos e substituídos por outros de maior
dimensão, com um diâmetro de Ø 6, maior comprimento com 1,20 ml e 1,70ml e
equipados com termómetros e manómetro e válvulas de despejo, dado que tinham
sido incorrectamente calculados, com insuficiente dimensão e comprimento, não
terem capacidade para um adequado volume de água de inércia, que permita reduzida
velocidade na distribuição de água através bombas de circulação de água
associadas a cada colector.
eeee)
Foi necessário substituir uma electrobomba de distribuição de caudal aos
recuperadores e ventiloconvectores por dois novos circuladores de marca e
modelos idênticos aos existentes, em razão de, em funcionamento, se verificar
um excessivo ruído e vibração e uma incorrecta distribuição de caudais de água
pelos diferentes circuitos de circulação de água, uma vez que não tinham sido
instaladas nas respectivas redes de tubagem válvulas de regulação e medição de
caudais de água.
ffff)
Todas as redes de tubagem hidráulica foram removidas por não estarem com os
traçados mais adequados, nomeadamente apresentarem inversões de sentido no
percurso e excessivos acessórios e curvas, penalizando as perdas de carga em
linha, aumento a pressão de serviço e consequentemente provocando um maior
consumo de energia nas bombas de circulação de água.
gggg)
Foram executados novos traçados das redes de tubagem, sem inversões de sentido
nos respectivos percursos, e foram optimizados os diversos acessórios e curvas.
hhhh)
O isolamento instalado nas redes de tubagem foi todo substituído com as
espessuras de 20 mm.
iiii)
Foram montadas válvulas de retenção de caudal nos diversos circuitos
hidráulicos para evitar quaisquer curto circuitos ou inversão de caudal de
água.
jjjj))
Foram montados purgadores de ar em todos os pontos altos para evitar a
acumulação de ar nas redes de tubagem.
llll))
Para se ter um conhecimento da energia utilizada foram ainda instalados
contadores de entalpia.
mmmm)
No sistema de admissão de água fria foram ainda instalados um sistema de
tratamento de água equipado com cuba de salmoura e descalcificador volumétrico
e uma válvula anti-poluição, já prevista inicialmente na instalação de A&E
águas e esgotos.
nnnn)
Os equipamentos de filtragem e lavagem de ar denominados de “Scruber” e
instalados pela autora, um na sala técnica e outro na cobertura, foram
substituídos por unidades de ventilação equipadas com 2 níveis de filtragem,
pré-filtro G4 e filtro F7.
oooo)
Os ventiloconvectores estão instalados em pleno tecto falso em pladur mas são
acessíveis por alçapão amovível.
pppp)
Mantiveram-se todos estes equipamentos procedendo-se apenas à correcção das ligações
de tubagem hidráulica, kit de válvulas de seccionamento e de 3 vias e de
ligações eléctricas, que foram incorrectamente instaladas pela autora.
qqqq)
Substituíram-se os troços de tubagem flexível por troços de tubagem em
multicamada, isolaram-se todos os troços com isolamento Armaflex e
corrigiram-se as ligações eléctricas.
rrrr)
Os termóstatos de controlo e comando foram todos reprogramados pois parte deles
estavam incorrectamente programados.
ssss)
Ocorreu uma rotura num dos depósitos de acumulação de água quente, pelo que
teve que se proceder à respectiva substituição.
tttt)
Terá, ainda, que se realizar uma intervenção correctiva e alterar o sistema
drain-back para um sistema tradicional pressurizado, de circulação forçada,
sendo que para execução desta alteração foi orçamentado o valor de €2.410,00 +
IVA, num total de €2.964,30.
uuuu) A
ré suportou custos com a reparação dos sistemas montados pela autora. Estes
custos reportam-se à fase inicial de desmontagem, ao facto de as instalações
não estarem identificadas, bem com as redes de tubagem e de cablagem eléctrica,
haver necessidade de interligação às instalações existentes e de difícil acesso
e, ter que ser executada por fases.
vvvv)
Inúmeros locais eram inacessíveis sem a remoção do tecto ou abertura de parede
e, em outros locais, não foi colocado equipamento.
wwww)
Uma vez que os restantes trabalhos de construção civil e de outras
especialidades, estavam já concluídos, e por forma a minimizar custos, optou-se
numa primeira fase por intervir parcialmente e apenas em locais com os
equipamentos à vista, sala técnica do piso -1, casa do chiller bomba de calor (CHBC)
e nos equipamentos de fácil acesso montados em plenos de tectos falsos
equipados com alçapão amovível.
xxxx)
Foi ainda opção numa primeira fase de intervenção correctiva parcial manter
todos os equipamentos principais, nomeadamente chiller bomba de calor (CHBC), ventiloconvectores
(VC’s), electrobombas de circulação de água (BC), depósito de acumulação de
água fria (DAF) e quente (DAQ), de custos mais significativos e remover e
substituir as necessárias redes de tubagem de água, respectivos diâmetros,
traçados, acessórios, válvulas, colectores de distribuição e redes de cablagem
eléctrica.
yyyy)
Inicialmente, não foi acordado prazo para a execução da obra, mas em
21.07.2014, a autora comprometeu-se a finalizar a obra no prazo de sessenta
dias após definição escrita dos trabalhos a efectuar.
zzzz)
Relativamente aos trabalhos a realizar pela autora, foram igualmente feitas
várias alterações a pedido da ré, nomeadamente no traçado das condutas, na
quantidade de metros de piso radiante.
aaaaa)
Em Janeiro de 2014, os carpinteiros, no decurso dos trabalhos de remoção e
instalação de carpintarias furaram um dos tubos de piso radiante, na sequência
de alterações constantes nos tectos, paredes, madeiras, escadas, promovidas
pela ré.
bbbbb)
A autora enviou à empresa de fiscalização vários desenhos em “autocad”, com
traçados de condutas, mapa de potências para o electricista, com traçado
hidráulico do piso radiante, localização das unidades fancoils, recuperadores
de calor, termostatos, colectores do piso radiante.
ccccc)
Os seguintes equipamentos instalados pela autora foram aproveitados: colectores
solares, bomba de calor, ventiloconvectores, redes de distribuição hidráulica
nas paredes para os ventiloconvectores, termostatos, recuperadores de calor,
depósitos acumuladores, equipamentos do piso radiante, tubagens de distribuição
de ar.
A
sentença recorrida julgou não provados os seguintes factos:
1) A
ré nada comunicou à autora no que toca à factualidade vertida em ee) e ll).
2)
Inicialmente, o prazo previsto para a concretização da obra era de 3 meses
(incluindo já o prazo para ensaios de 3 semanas).
3) Sem
a instalação dos sistemas AVAC e AQS não era possível à ré e ao seu cônjuge
habitarem a sua moradia.
4) Foi
a autora que procedeu à acção descrita em mmm).
5) O
material da rede de tubagem de distribuição de água fria/quente do CHBC
instalada pela Autora (PEAD nos diâmetros DN 40) não é aconselhável nem
adequado para funcionamento com temperaturas superiores a 30ºC.
6)
Devido ao incorrecto dimensionamento e à reduzida dimensão do QE AVAC a autora
optou por proteger por disjuntores mais que um equipamento não permitindo
funcionamento individualizado nem regulamentar protecção adequada.
7)
Todos os trabalhos acima referidos foram necessários devido à deficiente projecção
e concretização da obra pela autora e indispensáveis para que os sistemas AVAC
e AQS funcionassem correctamente e de acordo com as necessidades da ré.
8) Com
a reparação da instalação AVAC e AQS a ré suportou o custo total de: = 99
052,16 € (80 530,21 € + IVA (23%) 18 521,95 €).
9) A
restante obra de ampliação da moradia da ré estava terminada.
10) Os
manuais de operação e utilização são sempre entregues após a conclusão da obra,
juntamente com toda a informação dos equipamentos instalados.
11) O
depósito de água quente tem as características constantes do orçamento e dos
catálogos enviados com o mesmo.
12)
Veio a ser colocado também um depósito de água fria, o que não estava previsto
no orçamento nem tão pouco foi facturado à ré.
13)
Quanto aos disjuntores de protecção dos fancoils, foi acordado que seria o
electricista a colocá-los nos quadros eléctricos parciais de piso.
14)
Todos os atrasos se ficaram a dever à ré, a qual procedeu a inúmeras
alterações, tendo sido contratados, sucessivamente, 3 arquitectos, 4
engenheiros responsáveis da obra e 5 empresas de fiscalização.
15) Só
em Fevereiro de 2014, e na sequência de várias alterações promovidas pela ré,
ficaram finalizados parte dos tectos falsos.
16) CC
telefonou a BB, na manhã do dia 14 de Maio de 2014 e não 2013, exigindo que
este fosse ligar o sistema de frio porque queria, já nesse dia, dormir no seu
quarto, independentemente de o resto da habitação estar pronta – nesse momento
decorriam trabalhos de tectos falsos, pinturas e trabalhos de construção civil.
17) O
representante da autora informou que nesse dia não era possível deslocar
trabalhadores porque já tinham saído para outros trabalhos, mas que, no dia
seguinte, colocaria o sistema em frio a funcionar.
18) No
dia seguinte, CC, impediu o representante da autora de entrar na obra.
19) A ré
e a sua equipa técnica nunca decidiu e comunicou os tipos de equipamento que
pretendia.
20) A autora
insistiu para que fossem colocadas caixas de visita no percurso entre a zona
técnica da habitação e a bomba de calor mas a ré sempre rejeitou tal pretensão,
argumentando que não queria ver buracos no jardim.
21)
Inicialmente houve uma transmissão de ruído no funcionamento da bomba, situação
que foi resolvida, logo que detectada, com a introdução de sino-blocos (anti-
vibradores).
22)
Todos os equipamentos instalados pela autora foram aproveitados.
23)
Não era possível entregar manuais e telas finais de uma obra que sofreu tantas
e sucessivas alterações.
24) O
quadro eléctrico (QE) de aquecimento, ventilação e ar condicionado (AVAC) ficou
apertado porque, ao ser instalado em obra, os trabalhadores da autora foram
confrontados com o facto de o electricista não ter colocado as protecções dos
ventiloconvectores nos quadros principais de piso, conforme tinha sido acordado
e escrito no orçamento n.º 370.
25)
Com os cabos eléctricos pendurados na parede junto ao quadro eléctrico, os
trabalhadores da autora foram obrigados a efectuar as ligações e a colocar os
equipamentos de protecção dos ventiloconvectores no quadro eléctrico, ao
contrário do que tinha sido inicialmente acordado.
26)
Como o quadro eléctrico foi previsto com alguma folga, foi possível colocar
todos os equipamentos de protecção eléctrica no mesmo e até iniciar os testes
de arranque do sistema.
27) O
técnico da autora já tinha alertado que a bomba de calor não estava na posição
correcta, mas a situação pior nem era a relatada – arrefecimento do
condensador.
28) No
modo de condensador, o ar quente produzido pela bomba de calor, quando trabalha
em frio, ou seja, quando arrefece a água, tem tendência a subir e existia uma
grelha superior, na zona técnica da bomba de calor que deixava o ar quente
sair, arrefecendo o espaço.
29) O
pior sucedia no funcionamento em modo quente, ou seja, ao aquecer a água, em
que o frio produzido pela bomba de calor no espaço onde estava localizada não
tinha possibilidade de sair, uma vez que o ar frio tem tendência a baixar.
30) O
técnico da autora já tinha alertado a ré e os seus técnicos na obra sobre este
posicionamento da bomba de calor, pretendendo executar alterações no espaço,
nomeadamente executando a alteração referida no art. 101.º da contestação.
31)
Mas a ré e os seus técnicos na obra argumentaram que já tinha sido construída
uma grelha superior e não iriam cortar as portas que escondiam o espaço onde
estava a bomba de calor porque esteticamente era feio.
32) A
tubagem em PEAD reduz a resistência mecânica para temperaturas altas, mas
quando se trata de temperaturas acima de 85ºC a 16 bar.
33) A
rede não tinha purgadores porque, a ré não queria ver caixas no jardim e, para
evitar o problema da acumulação de ar, foi instalado um separador de
microbolhas.
34) O
cabo eléctrico que foi instalado foi o de H05VV-F 5G4,0, com uma distância de
27 metros.
35) A
bomba de calor é constituída por 2 compressores de 4,1 kw e os mesmos nunca
arrancam ao mesmo tempo, sendo que o pico máximo de corrente seria de 23
amperes.
36) O
quadro eléctrico tinha um controlador/autómato, que é programado.
37) O
controlador instalado era da marca Eliwel, modelo free smart, empresa
multinacional a trabalhar no ramo desde 1980 e, com a aplicação de acessórios,
era possível ser controlado via internet.
38) A
colocação de uma válvula termo estática à saída do depósito acumulador é um
equipamento opcional, não solicitado pela ré, mas uma vez que o acumulador
produz água quente instantânea, não é usual a sua colocação.
39) Se
a rede estiver equilibrada pelas válvulas de 3 vias dos ventiloconvectores, o
sistema pode operar sem necessidade destas válvulas de regulação.
40) As
válvulas de regulação dos caudais instalam-se normalmente em sistemas complexos
e com vários equipamentos.
41) No
caso do sistema instalado pela autora, tratava-se de uma pequena instalação e
de fácil afinação pelo que não se justificava a introdução de válvulas de
regulação.
42) A autora,
de modo a evitar rupturas na rede hidráulica em multi-camada, executou linhas
completas, sem uniões ou curvas, desde o piso técnico até cada um dos
equipamentos.
43)
Este procedimento garantia que não iriam ficar embutidas nas paredes acessórios
que são susceptíveis de rupturas ao longo do tempo e, ao mesmo tempo, perdas de
carga na distribuição hidráulica.
44)
Dada a dificuldade em instalar portas de visita de acesso ao tecto falso,
porque a ré não queria ver o tecto cheio de “tampas”, e as constantes alterações
no posicionamento dos ventiloconvectores e dos tectos falsos, decidiu a autora
instalar um separador de microbolhas na zona técnica, de modo a separar o ar
que a instalação poderia ter.
45) O
contador de energia é um dispositivo que pode ser instalado, a qualquer
momento, por qualquer consumidor, em qualquer instalação, seja ela de
aquecimento, iluminação ou outra, desde que assim o entenda.
46) A autora
sugeriu então que poderiam ser construídas e instaladas umas caixas de lavagem
do ar (Scrubber), que levam ao abatimento dos polens por pulverização de
humidade, fazendo com que os mesmos se separassem do ar, assim evitando que
entrassem no sistema de renovação de ar.
47) O
marido da ré comunicou então à autora que pretendia que fossem instaladas tais
caixas.
48) O
facto de os ventiloconvectores estarem acessíveis, por porta de visita, foi
alvo de várias conversas entre a autora e as equipas de projectistas e
arquitectos contratados pela ré, uma vez que estes queriam executá-las com
dimensões muito reduzidas, o que prejudicava a execução de trabalhos de
manutenção.
49) Só
se garante o retorno do líquido solar ao depósito acumulador se o colector
solar for construído em forma de harpa, como foi o caso, e não o contrário (em
serpentina).
50) O
rendimento do sistema “drain back” é igual ao de circulação forçada, uma vez
que o colector solar é o mesmo; o rendimento do colector não aumenta ou diminui
em função do tipo de sistema de circulação.
51) A autora
colocou equipamentos em todos os locais indicados pela ré, com excepção do piso
inferior, no qual seriam colocados mais tarde, após o licenciamento da
habitação estar concluído (o que ainda não ocorrido).
*
1
– Processado anterior à reabertura da audiência final:
A
autora considera que o processado anterior à reabertura da audiência final não
cumpriu o ordenado no acórdão anteriormente proferido por esta Relação. A sua
argumentação é, esquematicamente, a seguinte:
- O
acórdão determinou que o tribunal a quo
poderia reabrir a audiência final, ordenando a produção da prova suplementar
que julgasse necessária; porém, o tribunal a
quo reabriu a audiência sem ordenar previamente a produção de prova
suplementar e sem indicar os factos que julgava necessário esclarecer; em vez
disso, determinou que, nessa audiência, fossem ouvidos o perito nomeado pelo
tribunal e a testemunha AA para que prestassem esclarecimentos;
- A inquirição
do perito nomeado pelo tribunal veio a resultar num novo relatório pericial,
subscrito por todos os peritos e, como os próprios referem, é importante
esclarecer que algumas questões agora levantadas, especialmente pela ré, são
novas questões e não propriamente esclarecimentos aos quesitos iniciais, sendo
certo que a prestação de novos esclarecimentos não tem fundamento legal nem foi
determinada oficiosamente;
- Carece
de fundamento legal a reinquirição da testemunha AA, já que o tribunal a quo não indicou previamente qual a
razão para o seu depoimento;
- Quer
a prestação de esclarecimentos por parte dos peritos, quer o novo depoimento da
testemunha AA, foram requeridos pela ré quando o acórdão é claro no sentido de
determinar que era ao tribunal e não às partes que competia ordenar a produção
da prova suplementar que julgasse necessária;
-
Tanto mais que o tribunal a quo
sustentou a sua convicção relativamente aos factos provados com base no que
resulta do “novo relatório pericial”
e da nova inquirição de testemunha, prova suplementar que não “ordenou” nem julgou “necessária”.
Note-se,
em primeiro lugar, que o processado que a autora critica se corporizou em
diversos despachos proferidos pelo tribunal a
quo, descritos no relatório do presente acórdão. Ora, a autora não interpôs
apelação autónoma de qualquer desses despachos, nem incluiu algum deles no
objecto daquela que agora apreciamos [cfr. o disposto no artigo 644.º, n.º 2,
al. d), e n.º 3, do CPC]. O recurso interposto pela autora tem por objecto
apenas a sentença. Logo, todos os referidos despachos transitaram em julgado,
não podendo ser alterados neste recurso.
Não
obstante aquilo que acabámos de concluir arrumar a questão em análise, não
deixaremos de observar que a crítica feita pela autora ao processado anterior à
reabertura da audiência final não tem razão de ser. O sentido do acórdão
anteriormente proferido não é o de o tribunal a quo ordenar apenas a produção da prova que ele próprio, por sua
exclusiva iniciativa, julgasse necessária para ficar esclarecido. Muito pelo
contrário, o tribunal a quo cumpriu,
acertadamente, aquele segmento do acórdão em conformidade com o disposto no
artigo 3.º, n.º 3, do CPC, dando às partes oportunidade para se pronunciarem
sobre a necessidade de produção de prova suplementar e a selecção desta.
Ouvidas as partes, o tribunal a quo
decidiu, ordenando a produção da prova que considerou necessária para ficar
esclarecido.
A
inquirição do perito nomeado pelo tribunal veio a resultar num novo relatório
pericial, subscrito por todos os peritos, na sequência dos requerimentos por
aquele apresentados em 12.10.2020 e em 24.12.2020, que obrigaram o tribunal a quo a adaptar o processado às
circunstâncias com que foi confrontado. Realce-se que as partes foram sempre
ouvidas previamente. Importa ainda lembrar o disposto nos artigos 6.º, n.º 1
(dever de gestão processual), e 411.º (princípio do inquisitório) do CPC, que
dão respaldo legal à actuação processual do tribunal a quo. Nomeadamente, se o tribunal a quo o antevia como útil para a decisão da causa, nada obstava à
reinquirição de uma testemunha já ouvida ou à prestação de novos
esclarecimentos pelos peritos.
Finalmente,
não encontramos fundamento legal para obrigar o tribunal a quo a fixar, através de despacho anterior à reabertura da
audiência final, quais os factos que julgava necessário esclarecer. O objecto
da prova encontrava-se delimitado, pelo que, dentro desse âmbito, o tribunal e
as partes eram livres de solicitarem os esclarecimentos que entendessem.
Concluindo
este ponto, a actuação processual do tribunal a quo que antecedeu a reabertura da audiência final não é
merecedora de qualquer crítica.
2
– Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
A
autora começa por considerar confusa a forma como o tribunal a quo enunciou a matéria de facto
provada. Ainda que assim seja, é indiferente. A sentença recorrida não fica
inquinada por essa razão.
Em
seguida, a autora analisa o relatório pericial, concluindo que o seu conteúdo
deve prevalecer sobre o do depoimento da testemunha AA e o relatório por este
elaborado e, consequentemente, “as
respostas a dar às matérias supra indicadas têm que conter as concretas
referências feitas, em cada uma delas, pelos peritos, as quais devem ser
acrescentadas às respostas dadas e devem ser eliminadas as formulações vagas,
genéricas e conclusivas”.
Uma
manifestação de discordância relativamente à decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto formulada
nos termos descritos não cumpre a exigência constante do artigo 640.º, n.º 1,
al. c), do CPC. Nos termos desta norma, quando impugne a decisão sobre a
matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de
rejeição, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões
de facto impugnadas.
Analisemos
esta questão mais pormenorizadamente.
A
autora especifica os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente
julgados: alíneas ffff), ggg), eeee), mmm), vvv), www), ppp), uuu), kkk), sss),
aaaa), bbbb), dddd), iiii), jjjj), llll, mmmm), pppp), qqqq), ssss) e tttt).
Assim cumpre a exigência decorrente do artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC.
A
autora também identifica o meio de prova em que funda a sua discordância: o relatório
pericial. Assim cumpre a exigência decorrente do artigo 640.º, n.º 1, al. b),
do CPC.
Porém,
a autora não indica qual é o teor da decisão que, no seu entendimento, deve ser
proferida sobre cada um daqueles pontos. A afirmação de que “as respostas a dar às matérias supra
indicadas têm que conter as concretas referências feitas, em cada uma delas,
pelos peritos, as quais devem ser acrescentadas às respostas dadas e devem ser
eliminadas as formulações vagas, genéricas e conclusivas” é, para o efeito
estabelecido no artigo 640.º, n.º 1, al. c), do CPC, claramente insuficiente.
Esta norma legal exige expressamente que o recorrente que impugne a decisão
sobre a matéria de facto especifique qual é a redacção de cada um dos pontos
mencionados na al. a) que considera ser a correcta. Não basta dizer que tais
pontos devem ser alterados de acordo com o teor de determinado meio de prova e
de forma a eliminar formulações vagas, genéricas e conclusivas. Sendo assim,
não poderá proceder-se a qualquer alteração dos referidos pontos da matéria de
facto provada.
Por
outro lado, a autora pretende a eliminação das alíneas aaa), bbb) e vvv) da
matéria de facto provada com o argumento de que o seu conteúdo é vago, genérico
e conclusivo. Ainda que assim fosse, tal deficiente formulação não constituiria
fundamento para a eliminação dos referidos pontos da matéria de facto provada.
As consequências de uma menos precisa descrição de factos relevantes para a
decisão da causa fazem-se sentir noutra sede, a saber, na aplicação do direito
aos factos. Sairá, naturalmente, prejudicada a parte a quem tais factos
aproveitariam, onerada com o ónus da sua alegação e prova.
Adiante
veremos se poderá ser atribuída alguma relevância ao conteúdo das alíneas aaa),
bbb) e vvvv). Seguro é que não existe fundamento legal para a sua eliminação.
Quando muito, o seu conteúdo poderá ser considerado total ou parcialmente
irrelevante para a determinação do direito aplicável e, por essa via, para a
decisão da causa.
A
autora sustenta que se verifica uma contradição entre as alíneas oooo) e vvvv).
Não tem razão. Aquilo que deve concluir-se é que o local referido na alínea
oooo) não é um dos “inúmeros locais”
a que a alínea vvvv) alude.
Relativamente
à matéria constante da alínea rrrr), não se encontra demonstrado que se
verifique a contradição invocada pela autora. Os termóstatos de controlo e
comando são elementos de um sistema, pelo que não é, à partida, de excluir a
hipótese de a deficiente programação de alguns tornar necessária a
reprogramação de todos. Se tal hipótese corresponde ou não à realidade, é
questão diversa. Porém, acerca dela, a autora não indica qualquer meio de prova
que permita concluir que se verificou um erro de julgamento pelo tribunal a quo.
Na
conclusão M), a autora suscita uma questão, relativa à alínea yyyy) da matéria
de facto provada, relativamente à qual o corpo das alegações é omisso. Importa
determinar as consequências desta actuação processual.
O
n.º 1 do artigo 639.º do CPC estabelece que as conclusões do recurso têm a
função de sintetizar as alegações, nelas se devendo indicar os fundamentos por
que é pedida a alteração ou a anulação da decisão recorrida.
Daqui resultam dois corolários.
Por um lado, as conclusões não podem ter
o mesmo grau de generalidade das alegações, maxime
reproduzindo-as, ainda que com uma diferente apresentação gráfica e/ou
alterando uma palavra ou outra, como tantas vezes acontece (embora não no caso
dos autos, sublinhe-se). Em vez disso, devem sintetizar a argumentação
desenvolvida no corpo das alegações.
Por outro lado, as conclusões só o são
verdadeiramente na medida em que versem sobre questões suscitadas no corpo das
alegações. Uma conclusão referente a uma questão não suscitada no corpo das
alegações não conclui coisa alguma, é um nada em termos processuais, inexiste
enquanto tal. É o que acontece na conclusão M) do recurso interposto pela
autora, pelo que a mesma deverá considerar-se não escrita.
3
– Tempestividade da denúncia de defeitos dos trabalhos executados pela autora e
do exercício do direito de acção:
Na
contestação, a ré alegou que os trabalhos executados pela autora apresentavam
aquilo que designou, sucessivamente, por “anomalias”,
“falhas”, “lapsos”, “alterações e
diferenças”, “deficiências”, “graves deficiências”, “situações irregulares”, “erros” e “defeitos”.
Na
réplica, a autora alegou, por seu turno, que a ré não denunciou os defeitos que
invocou com o grau de precisão necessário e dentro do prazo de 1 ano após o seu
conhecimento, pelo que se verificou a caducidade dos seus eventuais direitos,
nos termos dos artigos 1225.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil (CC), e 5.º-A, n.ºs
1 e 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003.
Na
sentença recorrida, entendeu-se que resulta da matéria de facto provada que a
ré denunciou os defeitos dentro do prazo de 30 dias a que alude o artigo
1220.º, n.º 1, do CC, e exigiu à autora a respectiva eliminação nos termos
exigidos pelo artigo 1221.º, n.º 1, do mesmo código.
Em
sede de recurso, a autora sustenta que, da matéria de facto provada, nada
resulta em termos de denúncia, data da denúncia e defeitos que, em concreto,
tenham sido denunciados, carecendo, portanto, de fundamento a conclusão, a que
o tribunal a quo chegou, de que a ré
denunciou os defeitos no prazo de 30 dias e exigiu a sua eliminação.
Nas
contra-alegações, a ré respondeu que: 1) Denunciou atempadamente alguns
defeitos (visíveis) da obra e a não conclusão desta; 2) Não estava obrigada a
denunciar, especificadamente, equipamento a equipamento e material a material,
que a instalação não estava conforme, o que fazia com que esta tivesse paragens
e desse erros; 3) As falhas que constam do relatório subscrito pelo Engenheiro AA
que se encontra junto aos autos só foram detectadas, apuradas e por si
conhecidas em Agosto de 2015. Logo, conclui a ré, a denúncia dos defeitos foi
feita dentro do prazo de 1 ano previsto na lei.
Importa
analisar a pertinência da questão da tempestividade da denúncia de defeitos da
obra e do exercício do correspondente direito de acção nos termos em que a
mesma foi colocada pelas partes e decidida pelo tribunal a quo.
Resulta
das alíneas p) a ee), ll), tt) e aaa) da matéria de facto provada que a autora
não concluiu a obra. Esta circunstância determina um enquadramento jurídico
diverso daquele que vem sendo discutido entre as partes e foi feito pelo
tribunal a quo. A aplicação do
regime, específico do contrato de empreitada, estabelecido nos artigos 1218.º a
1226.º do CC, pressupõe que o empreiteiro conclua a obra e a entregue ao dono
desta.
A
situação dos autos é diversa. O dono da obra detectou defeitos na execução
desta enquanto a mesma decorria. Ou seja, detectou esses defeitos no exercício
do seu direito de fiscalização da execução da obra. Logo, é aplicável, não o
regime dos artigos 1218.º a 1226.º do CC, mas sim o do artigo 1209.º do mesmo
código. O n.º 1 deste artigo estabelece que o dono da obra pode fiscalizar, à
sua custa, a execução dela, desde que não perturbe o andamento ordinário da
empreitada. O n.º 2 estabelece que a fiscalização feita pelo dono da obra, ou
por comissário, não impede aquele, findo o contrato, de fazer valer os seus
direitos contra o empreiteiro, embora sejam aparentes os vícios da coisa ou
notória a má execução do contrato, excepto se tiver havido da sua parte
concordância expressa com a obra executada.
Decorre
do regime jurídico do exercício do direito de fiscalização da execução da
empreitada pelo dono da obra que, no decurso daquela execução, este último
pode, a todo o tempo, apontar ao empreiteiro os defeitos que detecte. Inexiste
norma legal que, nessa fase, imponha, ao dono da obra, prazos para advertir o
empreiteiro de que a mesma está a ser mal executada. O n.º 2 do artigo 1209.º
do CC, acima transcrito, até vai mais longe, ao permitir que, não obstante o seu
direito de fiscalização, o dono da obra não fica impedido de, findo o contrato,
exercer os seus direitos contra o empreiteiro, ainda que sejam aparentes os
vícios da coisa ou notória a má execução do contrato, ressalvando apenas a
hipótese de ele ter concordado expressamente com a obra executada.
Aquilo
que se discute é se, perante uma chamada de atenção – evitamos o uso do termo “denúncia”, reservando-o para a
comunicação, ao empreiteiro, da existência de defeitos da obra, por parte do
dono desta, após a sua conclusão e entrega, com vista a deixar clara a
diferença entre as duas situações –, feita pelo dono da obra ao empreiteiro,
para a deficiente execução desta, o segundo tem o dever de proceder à correcção
do defeito antes de entregar a obra.
A
este propósito, PEDRO ROMANO MARTINEZ entende que “Se, aquando da fiscalização, o comitente detectar vícios na execução
da obra, deve indicá-los ao empreiteiro, mas não tem o direito a exigir a
imediata eliminação de tais defeitos. De facto, a exigência de eliminação dos
defeitos, durante a fase de execução da obra, implicaria uma dependência do
empreiteiro em relação à contraparte, que não se coaduna com a estrutura deste
contrato. Contudo, se se verificar que, em razão dos materiais empregues, ou
pelos vícios de que a obra já padece, há uma impossibilidade de execução da
mesma em termos adequados, o comitente pode resolver o contrato, antes da
conclusão da obra, por força do disposto no art.º 801.º, n.º 2”[1].
Idêntico
entendimento é sustentado por JOÃO CURA MARIANO, nos seguintes termos: “Durante os actos de realização da obra,
apesar do dono desta dispor de poderes de fiscalização, o que lhe permitirá
advertir o empreiteiro da existência de defeitos que se forem revelando, não
tem ainda o direito de exigir a sua eliminação, uma vez que não existe entre
eles uma relação de subordinação que admita interferências na actividade do
empreiteiro, a qual ainda não foi dada como concluída”[2].
Entendimento
diverso é o de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO. Segundo este autor, “A presença de fiscalização deixa antever,
pelo menos, um certo poder de correcção ou de direcção. O Direito Civil é
substancialista. A essa luz, mal se compreenderia que o dono da obra,
apercebendo-se do mau andamento de uma obra, tivesse de aguardar estoicamente
até ao fim para, então, poder denunciar os defeitos. Por certo que, até por um
elementar dever ex bona fide de lealdade, em tal hipótese, ele deve avisar o
empreiteiro do sucedido. Este, por seu turno – que até poderia nem se ter
apercebido – ficará com o dever redobrado de não prosseguir com uma má execução
que, no termo, só poderá ampliar os danos. A lei permite que, em certos moldes
(1216.º), o dono da obra altere unilateralmente o próprio plano acordado. A
fortiori, permitirá que, verificando-se, na fiscalização, uma má execução, o
dono dê instruções ao empreiteiro para que emende o decurso da execução. (…)
Tudo aponta para que a presença, no Código, de um poder de fiscalização na
esfera do dono da obra pressuponha, na esfera deste, um poder de ordenar a
correcção de vícios e defeitos. (…) Se não for ‘obedecido’, temos o
incumprimento do contrato, a gerir, na falta de regras explícitas para a
empreitada, de acordo com as regras gerais: interpelação, mora (804.º),
interpelação admonitória (808.º/1, 1.ª parte) ou perda do interesse do credor
(808.º/1, 2.ª parte), seguido de incumprimento definitivo. E este permite a
resolução (…)”[3]
Em
qualquer dos entendimentos expostos, verifica-se uma constante: Durante a
execução da obra e no exercício do seu direito de fiscalização desta, o dono da
obra pode comunicar ao empreiteiro a existência de defeitos nessa execução. A
comunicação pode ter lugar a todo o tempo, não se aplicando, nomeadamente, os
prazos legais de denúncia de defeitos detectados após a conclusão e entrega da
obra.
No
caso dos autos, a ré, dona da obra, detectou anomalias no decurso da execução
desta e solicitou, diversas vezes, à autora, que procedesse à sua correcção.
Tal como a autora salienta, a matéria de facto provada não especifica que anomalias
lhe foram, em concreto, comunicadas. Seja como for, por aquilo que
anteriormente afirmámos, a questão perdeu interesse. Não estamos perante uma
denúncia de defeitos da obra nos termos do artigo 1220.º do CC, pelo que a
questão da caducidade dos direitos da ré por eventual incumprimento do prazo
estabelecido nesta norma nem sequer se coloca. O mesmo se diga em relação à
questão do cumprimento do prazo estabelecido no artigo 1224.º do CC. A decisão
a proferir passa, sim, pela análise das duas questões seguintes.
4
– Abandono da obra:
Entendeu-se,
na sentença recorrida, que a autora abandonou a obra porquanto: 1) Em meados de
2013, quando a obra já se encontrava praticamente concluída, os trabalhos
pararam; 2) A partir de Setembro de 2013, a ré solicitou várias vezes à autora
que esta concluísse a obra; 3) A autora invocou várias razões para a paragem
dos trabalhos, desde problemas no fornecimento de peças até ao facto de se
encontrar sobrecarregada com trabalho; 4) Em 14.05.2013, a ré contactou a autora
exigindo que fosse concluída rapidamente a obra; 5) A autora nunca chegou a
fornecer, à ré, o projecto referido em ll), apesar de ter sido instada diversas
vezes para o efeito, quer pela ré, quer pela empresa de fiscalização da
empreitada geral de ampliação da moradia da ré; 6) A ré solicitou diversas
vezes à autora que procedesse à correcção das anomalias detectadas na obra e à
conclusão desta; 7) A autora não corrigiu as anomalias detectadas, quer na
execução da instalação, quer nos testes iniciais, nos quais foram detectadas
várias anomalias, alarmes e paragens de funcionamento; 8) A autora não concluiu
o comissionamento (ensaios e testes) da instalação AVAC; 9) A autora não
entregou os manuais técnicos da instalação, as telas finais, o relatório de execução
de ensaios, os catálogos técnicos e as fichas para manutenção, recusando-se
sempre a fazê-lo enquanto a ré não pagasse as facturas identificadas em j) e k).
Com
base no entendimento de que se verificou o abandono da obra por parte da autora
e de que os defeitos da obra foram denunciados atempadamente, concluiu-se, na
sentença recorrida, que “não pode a
autora, sob pena de abuso de direito (art.º 334.º do CC), exigir qualquer
pagamento, sonegando o projecto da obra e manuais do equipamento instalado,
elementos absolutamente essenciais, quer para a fiscalização dos trabalhos
efectuados, quer para assegurar a manutenção futura dos equipamentos em causa.”
Analisemos
se se verificou, efectivamente, um abandono da obra por parte da autora.
Recorrendo
ao ensinamento de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “o
abandono da obra, pelo empreiteiro, constitui uma violação grave, evidenciando
um propósito firme e definitivo de não cumprir.”[4]
Pressupõe a manifestação, pelo empreiteiro, de “um desinteresse objectivo e final” pela obra[5].
A
autora iniciou os trabalhos em obra no mês de Agosto de 2012. Porém, em meados
do ano de 2013, quando a obra já se encontrava praticamente concluída, a autora
parou a sua execução. A partir de Setembro de 2013, a ré solicitou várias vezes
à autora que concluísse a obra, tendo a segunda invocado diversas razões para a
referida paragem, desde problemas no fornecimento de peças até ao facto de
estar sobrecarregada com trabalho. Portanto, apesar da referida paragem na
execução da obra, não existe fundamento factual para concluir que a autora
tenha, de alguma forma, manifestado um propósito firme e definitivo de não
cumprir o contrato de empreitada. Pelo contrário, quando instada pela ré,
repetidamente, no sentido de concluir a obra, a autora tentou sempre
justificar-se, invocando razões que, segundo ela, a impossibilitavam
temporariamente de prosseguir, nunca tendo afirmado que não concluiria a obra
nem demonstrado, de forma inequívoca, através do seu comportamento, que não
tinha a intenção de concluir a obra.
Não
se provou a estipulação, no contrato de empreitada, de um prazo para a
conclusão da obra. Não obstante, deve entender-se que a referida paragem na
execução da obra e a sua persistência não obstante as solicitações da ré para
que tal execução fosse retomada se traduziram numa violação, por parte da
autora, dos seus deveres contratuais. Isto porque a autora se encontrava
obrigada a cumprir aquele contrato com a diligência de um bom pai de família e
em conformidade com as exigências da boa-fé (artigos 487.º, n.º 2, 762.º, n.º
2, e 799.º, n.º 2, do CC), sendo a paragem prolongada e injustificada (os reais
motivos da paragem não foram demonstrados) da execução da obra incompatível com
tal padrão de conduta. A referida violação contratual traduziu-se num
retardamento injustificado da realização da prestação principal a que a autora
se vinculou, pelo que deve entender-se que esta caiu, então, numa situação de
mora, nos termos do artigo 804.º, n.º 2, do CC.
A
mora da autora na realização da prestação principal a que se vinculou através
do contrato de empreitada nunca se transformou em incumprimento definitivo. A
ré nunca perdeu, objectivamente, interesse na conclusão da obra pela autora,
nem fixou um prazo razoável para esta concluir a obra sob pena de a mora se
transformar em incumprimento definitivo, nos termos do artigo 808.º do CC.
A
autora, por seu turno, apesar de se encontrar em mora, nunca comunicou à ré que
não tinha a intenção de concluir a obra, nem o demonstrou, de forma inequívoca,
através do seu comportamento.
A
actuação posterior das partes confirma o que acabámos de afirmar. A autora
demonstrou que tinha a intenção, não de abandonar a obra, deixando-a
incompleta, mas sim de a terminar, e a ré manifestou vontade de que tal
acontecesse.
Assim,
em 11.06.2014, realizou-se uma reunião, com a presença de um representante da
ré, do arquitecto responsável pelo projecto de arquitectura, de um
representante da autora e de uma empresa de consultadoria e fiscalização de
obras, tendo como objectivo o prosseguimento dos trabalhos e a finalização da
obra. Nessa reunião, houve um acordo entre as partes para a finalização dos
trabalhos e consequente recepção provisória da obra e foi solicitado, à autora,
que apresentasse um planeamento para a breve conclusão dos trabalhos, sendo
oportunamente marcada uma próxima reunião. Seguiu-se uma troca de
correspondência entre autora e ré, na sequência da qual foi agendada nova
reunião, que se realizou em 06.08.2014. A autora ficou, então, de entregar um
plano de trabalhos com vista à finalização da obra de climatização, o que fez
através de mail de 11.08.2014, solicitando confirmação para poder iniciar os trabalhos.
Posteriormente, a autora enviou à ré carta registada com aviso de recepção,
datada de 26.08.2014, solicitando de novo confirmação, com vista à finalização
da obra de climatização, à qual a ré respondeu, através de carta datada de 31.10.2014.
Seguiu-se mais troca de correspondência, até 05.03.2015. Porém, em Maio de
2015, a ré contratou outro empreiteiro, que concluiu a obra, não permitindo o
prosseguimento desta pela autora.
Decorre
dos factos descritos que em momento algum a autora abandonou a obra e que a
própria ré demonstrou interesse, até pouco antes da contratação de outro
empreiteiro, em que aquela concluísse a obra. Por outras palavras, o contrato
de empreitada esteve em vigor desde a sua celebração até à contratação de outro
empreiteiro pela ré e à não permissão, por esta, de prosseguimento da obra pela
autora.
Em
síntese: a matéria de facto provada não permite configurar um abandono da obra
por parte da autora.
5
– Desistência da empreitada:
Como
vimos no ponto anterior, a autora caiu, em 2013, numa situação de mora na
execução da obra, nos termos do artigo 804.º, n.º 2, do CC. A autora parou de
executar esta última durante um longo período sem demonstrar a existência de uma
impossibilidade de prosseguir que não lhe fosse imputável.
Mais,
a autora não corrigiu os erros de execução da obra que a ré, no exercício do
seu direito de fiscalização da obra, lhe comunicou, nomeadamente na reunião
realizada em 11.06.2014. Coloca-se a questão de saber se, também por isso, a
autora se encontrava em mora.
Na
contenda doutrinária que reportámos a propósito da 3.ª questão, seríamos, numa
primeira abordagem, tentados a alinhar com a posição de ANTÓNIO MENEZES
CORDEIRO. A análise de uma questão jurídica sob uma perspectiva funcional
permite soluções materialmente mais adequadas à justa composição dos interesses
em jogo que uma análise que se baseie na mera dedução das consequências
jurídicas de um conceito.
Concretizando,
a questão da necessidade de o empreiteiro acatar os reparos sobre a execução da
obra que o dono desta, por si ou através de comissário, lhe fizer, não pode ser
resolvida com base numa argumentação meramente conceptual, que negue aquela
necessidade com fundamento na inexistência de um nexo de subordinação jurídica
do empreiteiro ao dono da obra. Em vez disso, parece dever prevalecer uma visão
funcional do contrato de empreitada, mais precisamente da prestação principal
do empreiteiro, que é a realização da obra. Esta é executada com vista a
satisfazer um interesse do dono da obra. A esta luz, parece, à partida, não fazer
sentido que, perante um reparo feito pelo dono da obra sobre a forma de
execução desta, o empreiteiro insista em prosseguir tal execução “à sua maneira”, assim avançando para
uma quase certa confrontação com aquele no final.
Porém,
a ponderação de todas as consequências deste entendimento demonstra a sua
inviabilidade prática, pois abriria a porta a intermináveis conflitos entre
empreiteiro e dono da obra no decurso da execução desta e, no limite, à
inviabilização do fim do contrato, com prejuízos para ambas as partes.
Imaginemos
que o dono da obra faz um reparo ao empreiteiro sem razão de ser e que a forma
de execução da obra que ele pretende contraria as legis artis. Esta hipótese nada tem de académico. O dono da obra
pode ser um perfeito ignorante sobre a(s) técnica(s) que a execução da obra
envolve e não ter consciência disso. Pior, pode ter uma infundada convicção de
que sabe mais que o empreiteiro. Tenha-se em conta que, numa empreitada civil,
é vulgar o dono da obra ser um leigo na matéria e não solicitar os serviços de
um terceiro para fiscalizar a execução da obra, contrastando com o empreiteiro,
que é, desejavelmente, um profissional com conhecimentos técnicos suficientes
para a execução da obra. Perante um reparo feito pelo dono da obra sobre o modo
como esta é executada e em cumprimento do dever de actuação das partes de
acordo com os cânones da boa-fé no cumprimento do contrato, o empreiteiro que
considere que tal reparo não tem razão de ser deverá, na medida do razoável,
procurar esclarecer o dono da obra, demonstrando a falta de razão deste.
Suponhamos,
porém, que, apesar desse esclarecimento, o dono da obra não fica convencido de
que é ele quem está errado. Nessa hipótese, não seria razoável impor, ao
empreiteiro, a execução da obra em violação das legis artis. A execução de uma obra não constitui apenas uma fonte
de rendimento para o empreiteiro, que ele possa levar a cabo maquinalmente. Há
outros interesses em jogo, até mesmo, em certo tipo de obras, de natureza
pública. Poderá estar em causa a segurança do empreiteiro, dos colaboradores
deste ou de terceiros. Além de que uma obra bem feita constituirá o melhor
cartão de visita do empreiteiro, ao passo que uma obra mal feita manchará, com
grande probabilidade, a sua reputação no mercado.
Ficaríamos,
então, num impasse, com o dono da obra a instar o empreiteiro no sentido de
este executar a obra de determinada maneira e o segundo a tentar demonstrar ao
primeiro de que aquilo que ele pretende é tecnicamente errado. Não é esta,
seguramente, a finalidade do direito de fiscalização da execução da obra que o
artigo 1209.º do CC atribui ao dono da obra. O n.º 1 estabelece que o exercício
daquele direito não pode perturbar o andamento ordinário da empreitada, donde
decorre que, por via daquele exercício, o local onde a obra está a ser
executada não pode transformar-se num palco de permanentes disputas entre as
partes ou quem as represente. O n.º 2, por seu turno, salvaguarda a posição do
dono da obra, compensando-o por não lhe ter sido permitido dar instruções
vinculativas ao empreiteiro no decurso da execução da obra: pode denunciar
vícios ou desconformidades de que se tenha apercebido no exercício do direito
de fiscalização, o que é particularmente importante quando os mesmos sejam
ocultos, sem prejuízo de o poder fazer também relativamente a vícios aparentes
ou a desconformidades notórias. Mal se compreenderia, aliás, que o dono da obra
que exercesse o seu direito de fiscalização pudesse dar ao empreiteiro
instruções vinculativas no decurso da execução da obra e, após a conclusão e
entrega desta, pudesse denunciar vícios aparentes ou desconformidades notórias.
Por
outro lado, permanece a salvaguarda, referida por PEDRO ROMANO MARTINEZ que
acima referimos: se se verificar que, em razão dos materiais empregues, ou
pelos vícios de que a obra já padece, há uma impossibilidade de execução da
mesma em termos adequados, o dono da obra pode resolver o contrato, antes da
conclusão desta, por via do disposto no art.º 801.º, n.ºs 1 e 2, do CC. Aquilo
que não faz sentido é admitir que o direito de fiscalização se convole num
poder de direcção do dono da obra sobre o modo de execução desta, não previsto
no regime jurídico do contrato de empreitada civil.
Concluindo,
a autora não se encontrava em mora por não corrigir as deficiências na execução
da obra que a ré lhe apontou. Contudo, encontrava-se nessa situação porque
parou de executar a obra durante um período muito alargado sem demonstrar a
existência de uma impossibilidade de prosseguir que não lhe fosse imputável.
Apesar
de se encontrar em mora, a autora exigiu à ré o pagamento das quantias
mencionadas nas duas facturas referidas nas alíneas j) e k) da matéria de facto
provada. Não podia fazê-lo. Nada se provou sobre o momento do pagamento de preço
da empreitada. Logo, é aplicável o regime supletivo estabelecido no artigo
1211.º, n.º 2, do CC: a ré só tinha de efectuar o pagamento do preço no acto da
aceitação da obra, que ainda não tinha ocorrido. O não pagamento das quantias
mencionadas nas duas referidas facturas não justificava a recusa da autora em
retomar a execução da empreitada enquanto tal pagamento não fosse efectuado,
nomeadamente invocando a excepção de não cumprimento do contrato (artigos 428.º
a 431.º do CC). Antes de exigir o pagamento das quantias mencionadas nas
facturas em causa, a autora tinha de concluir e entregar a obra.
A
ré podia ter transformado a mora da autora em incumprimento definitivo mediante
a interpelação admonitória prevista no artigo 808.º, n.º 1, do CC. Esta interpelação
teria de conter: 1) A intimação para o cumprimento; 2) A fixação de um prazo
razoável, mas peremptório, para o cumprimento; 3) A admonição ou cominação de
que a obrigação seria considerada definitivamente não cumprida se a prestação
em falta não fosse realizada dentro daquele prazo[6].
Se, apesar dessa interpelação, a autora persistisse na sua posição de não
concluir a obra enquanto não recebesse as quantias mencionadas nas facturas
referidas nas alíneas j) e k) da matéria de facto provada, e uma vez decorrido
o prazo razoável previsto naquela norma legal, a mora da autora
transformar-se-ia em incumprimento definitivo e, a partir desse momento, a ré
poderia resolver o contrato de empreitada, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1,
436.º, n.º 1, e 801.º, n.ºs 1 e 2, do CC.
Operada
a resolução, a ré ficaria livre para contratar outro empreiteiro para concluir
a obra e teria direito a ser indemnizada pela autora pelos danos resultantes do
incumprimento definitivo, que incluiriam a quantia paga ao segundo empreiteiro
para eliminar os vícios e desconformidades da parte da obra realizada pela
autora. Note-se, a este propósito, que a ré apenas teria direito a ser
indemnizada pela autora do custo por si suportado com a eliminação daquilo que
pudesse ser considerado como vício ou desconformidade na obra realizada pela
autora, tendo em conta a configuração com esta contratada, excluindo-se,
portanto, as alterações que apenas decorressem de uma diferente forma de
executar a obra por parte do segundo empreiteiro.
Porém,
foi aqui que a ré actuou em desconformidade com a lei e, do ponto de vista do
seu interesse, deitou tudo a perder. Não efectuou a interpelação admonitória
prevista no artigo 808.º, n.º 1, do CC, que faria cessar a situação de mora da
autora, ou porque esta retomasse a execução da obra, purgando a mora e
reentrando na situação de cumprimento contratual, ou porque, persistindo a
mesma na sua recusa de retomar a execução da obra, incorresse em incumprimento
definitivo. Logicamente, a ré também não resolveu o contrato de empreitada que
celebrou com a autora, resolução essa que apenas poderia ter lugar validamente
após a realização da interpelação admonitória e na hipótese de, na sequência
desta, ocorrer incumprimento definitivo por banda da autora.
Da
inobservância das formalidades anteriormente descritas por parte da ré resultou
que o contrato de empreitada que esta celebrou com a autora permaneceu em
vigor, com a segunda na situação de mora. E foi neste circunstancialismo que,
em Maio de 2015, a ré celebrou novo contrato de empreitada, com terceiro, para
concluir a obra, o que este fez.
A
contratação de um terceiro para concluir a obra não se traduziu numa violação
da ordem por que devem ser exercidos os direitos do dono da obra se esta tiver
defeitos, nos termos dos artigos 1220.º a 1223.º do CC. Como vimos
anteriormente, este regime jurídico, privativo do contrato de empreitada, não é
aplicável ao caso dos autos porquanto a autora não chegou a concluir a obra e a
entregá-la à ré. Todas as vicissitudes descritas ocorreram durante a fase de
execução da obra. Daí que sejamos reconduzidos, antes, à figura da desistência
da empreitada por parte da ré.
O
artigo 1229.º do CC estabelece que o dono da obra pode desistir da empreitada a
todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que
indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia
tirar da obra.
Foi
isto que a ré fez, nos termos descritos. Perante a mora da autora, não
concedeu, a esta, uma derradeira oportunidade para reiniciar a execução da obra
contratada, nos termos do artigo 808.º, n.º 1, do CC. Logicamente, a mora nunca
se transformou em incumprimento definitivo, nem o contrato de empreitada
celebrado entre autora e ré foi por esta validamente resolvido. Em vez disso, a
ré, ainda com este contrato em vigor, celebrou novo contrato de empreitada,
visando a conclusão da mesma obra, com terceiro, não permitindo o
prosseguimento da obra pela autora. Dessa forma, a ré impossibilitou a autora
de concluir a obra, sendo certo que, nos termos daquela norma legal, tinha de
lhe conceder uma derradeira oportunidade para o fazer.
O
artigo 1229.º do CC permite a desistência da empreitada pelo dono da obra, como
vimos. Porém, com consequências muito diversas das de uma válida resolução do
contrato com fundamento em incumprimento definitivo por parte do empreiteiro. O
contrato de empreitada celebrado com entre a ré e a autora extinguiu-se. E esta,
além de ter ficado desonerada da obrigação de executar a parte restante da
obra, incluindo de corrigir defeitos existentes na parte desta que executou, por
impossibilidade que não lhe é imputável (artigo 790.º, n.º 1, do CC), adquiriu
o direito de ser indemnizada dos seus gastos e trabalho, bem como do proveito
que poderia tirar da obra (artigo 1229.º do CC).
Ora,
é precisamente esta a pretensão da autora nesta acção: ser indemnizada pelos
gastos e trabalho descritos nas facturas referidas nas alíneas j) e k), sendo
certo que se provou que aquela forneceu e instalou o material em causa. Esta
pretensão tem fundamento legal, pelo que o recurso interposto pela autora
deverá proceder.
Já
a ré, ao actuar nos termos descritos, além de ficar com o dever de indemnizar a
autora nos termos estabelecidos no artigo 1229.º do CC, perdeu o direito a que
esta concluísse a obra e eliminasse os defeitos da parte desta que executou.
Como referimos, a ré impossibilitou que a autora o fizesse ao contratar um terceiro
para concluir a obra. E não há fundamento legal para condenar a autora a pagar
à ré a quantia que esta, por sua vez, pagou ao terceiro que concluiu a obra.
Pelo contrário, tal condenação contrariaria o próprio princípio que aflora no
artigo 1221.º, n.º 1, do CC: mesmo após a conclusão e entrega da obra, é ao
próprio empreiteiro que a realizou com defeitos que o dono da obra pode exigir
a sua reparação, apenas se admitindo, excepcionalmente, o recurso a terceiro
para esse efeito se aquele não responder à solicitação com a prontidão que a
urgência da situação exija. Não faria sentido, numa hipótese de desistência da
obra, que o dono desta pudesse mandá-la executar por terceiro à custa do
primeiro empreiteiro, ainda que houvesse trabalhos efectuados por este último
que apresentassem defeitos.
Consequentemente,
o recurso interposto pela ré terá de improceder.
*
Dispositivo:
Pelo exposto,
delibera-se:
- Julgar procedente o
recurso interposto pela autora, condenando a ré a pagar, a
esta, a quantia de € 15.947,57, acrescida dos juros de mora legais, contados
desde a data da citação até integral pagamento;
- Julgar improcedente o recurso interposto pela ré.
Custas
de ambos os recursos a cargo da ré.
Notifique.
*
Évora, 10.11.2022
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
(1.º
adjunto)
(2.ª adjunta)
[1] PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra
e Venda e na Empreitada, Livraria Almedina, 1994, páginas 387 e 388.
[2]
JOÃO CURA MARIANO, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro
pelos Defeitos da Obra, 7.ª edição revista e aumentada, Edições Almedina,
2020, página 114.
[3]
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, Edições
Almedina, 2018, vol. XII, páginas 888 a 891.
[4] Obra citada, página 865.
[5] Obra citada, página 955; cfr., ainda, página 961.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 02.11.2006 (CUSTÓDIO MONTES).