sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Acórdão da Relação de Évora de 10.11.2022

Processo n.º 763/16.1T8EVR.E3

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Sumário:

1 – A aplicação do regime, específico do contrato de empreitada, estabelecido nos artigos 1218.º a 1226.º do Código Civil, pressupõe que o empreiteiro conclua e entregue a obra.

2 – Durante a execução da obra e no exercício do seu direito de fiscalização, o dono da obra pode, a todo o tempo, apontar ao empreiteiro os vícios e desconformidades que detecte.

3 – As chamadas de atenção, feitas pelo dono da obra no decurso da execução desta, no exercício do seu direito de fiscalização, não são vinculativas para o empreiteiro; não obstante, se os materiais empregues ou os vícios de que a obra já padecer determinarem a impossibilidade de execução desta em termos adequados, o dono da obra pode, logo nessa fase, resolver o contrato nos termos do artigo 801.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.

4 – Só se verifica o abandono da obra pelo empreiteiro se este manifestar, expressa ou tacitamente, um propósito firme e inequívoco de não a concluir, não sendo, para esse efeito, suficiente uma simples situação de mora na execução da obra, ainda que esta última se traduza numa paragem injustificada dessa execução.

5 – Encontrando-se o empreiteiro em mora na execução da obra, o dono desta pode transformar tal mora em incumprimento definitivo mediante a interpelação admonitória prevista no artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil.

6 – Se, apesar dessa interpelação, o empreiteiro se mantiver na situação de mora e uma vez decorrido o prazo razoável previsto no artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil, a mora transforma-se em incumprimento definitivo; a partir desse momento, o dono da obra pode resolver o contrato, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, 436.º, n.º 1, e 801.º, n.ºs 1 e 2, do CC.

7 – Operada essa resolução, o dono da obra fica livre para contratar outro empreiteiro com vista a concluir a obra e tem o direito de ser indemnizado pelo empreiteiro, a título de responsabilidade contratual, pelos danos resultantes do incumprimento definitivo.

8 – Se, em vez de proceder nos termos descritos em 5 e 6, o dono da obra contratar terceiro para terminar a obra, isso traduzir-se-á numa desistência da empreitada, nos termos do artigo 1229.º do Código Civil.

9 – A desistência da empreitada, por parte do dono da obra, impossibilita o empreiteiro de concluir esta última e de corrigir eventuais defeitos de que a mesma padecesse no momento da desistência.

10 – Tal desistência confere, ao empreiteiro, o direito de ser indemnizado dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra e não permite, ao dono da obra, exigir, àquele, uma indemnização correspondente à quantia que pagou ao novo empreiteiro para terminar a obra e corrigir aqueles defeitos.

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Sociedade 1, Lda., propôs a presente acção declarativa, com processo comum, contra Matilde Vieira, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 15.947,57, acrescida dos juros de mora legais desde a data da citação até integral pagamento. Como fundamento, a autora alegou, em síntese, ter celebrado, com a ré, um contrato de empreitada tendo por objecto o fornecimento e a instalação de um sistema de aquecimento AQS numa moradia, contrato esse que, na qualidade de empreiteira, cumpriu, ao contrário desta última, que, em determinado momento, não lhe permitiu que prosseguisse a execução da obra e contratou terceiro para a conclusão da mesma. A quantia em que a autora pretende que a ré seja condenada corresponde à indemnização prevista no artigo 1229.º do Código Civil.

A ré contestou, alegando, em síntese, o seguinte:

- Pouco depois do início da empreitada, em Agosto de 2012, foram constatados alguns lapsos na sua execução;

- Em meados de 2013, quando a obra estava praticamente concluída, a autora parou a sua execução, invocando várias razões, desde problemas no fornecimento de peças até ao facto de estar sobrecarregada de trabalho;

- Em 14.05.2013, a ré contactou a autora exigindo que esta concluísse rapidamente a obra;

- A autora nunca lhe entregou o projecto do sistema de aquecimento objecto do contrato, apesar de ter sido diversas vezes instada para o fazer;

- Em Maio de 2014, a ré contratou um consultor especialista em sistemas do tipo daquele que constituía o objecto da empreitada, com vista a auxiliá-la na relação com a autora;

- Esse consultor detectou discrepâncias entre os materiais e equipamentos fornecidos e os contratados, bem como graves deficiências na sua instalação;

- Em 11.06.2014, realizou-se uma reunião entre representantes da autora e da ré, na qual:

- Foram comunicadas, à autora, diversas situações irregulares que urgia serem por ela resolvidas;

- Foi reiterada, à autora, a necessidade de conclusão breve da obra;

- Foi transmitido, à autora, que, atendendo a que a ré já havia pago mais de 90% do preço da empreitada, nada mais seria pago até à recepção da obra;

- Em 21.06.2014, um representante da ré enviou um mail à autora, interpelando novamente esta para corrigir imediatamente várias falhas e concluir a obra;

- A autora fez depender a correcção dos defeitos, a conclusão da obra e a entrega da documentação técnica relativa à mesma do pagamento do remanescente do preço, o que a ré não aceitou;

- Logo, não foi a ré quem desistiu da obra, mas sim a autora quem abandonou esta última, recusando-se definitivamente a cumprir as suas obrigações, pelo que a quantia peticionada não é devida.

A ré deduziu ainda reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 102.016,46, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação da reconvenção, alegando, como fundamento, em síntese, o seguinte:

- Não obstante ter sido diversas vezes interpelada, a autora não corrigiu os defeitos da obra executada, não concluiu o comissionamento (ensaios e testes) da instalação e não entregou à ré a documentação técnica necessária para a recepção provisória da obra, assim tendo criado, nesta, a convicção de que tal posição era definitiva e irredutível;

- Em face disso, em Maio de 2015, a ré teve de procurar um terceiro para corrigir os defeitos e concluir a obra, correcção e conclusão essas que tiveram um custo de € 102.016,46;

- Após o incumprimento definitivo pela autora, houve ainda uma revogação tácita do contrato pelas partes, discutindo-se apenas o montante a pagar pela ré para ter acesso aos esquemas e manuais da obra;

- A cessação do contrato de empreitada não impede a ré de reclamar uma indemnização pelo incumprimento definitivo do mesmo por parte da autora, correspondente à referida quantia de € 102.016,46.

A autora replicou, em termos que assim se sintetizam:

- Inexistiram discrepâncias entre os materiais e equipamentos fornecidos e os contratados, ou deficiências na sua instalação;

- Todos os equipamentos instalados pela autora foram aproveitados;

- A autora não é responsável por quaisquer atrasos na obra;

- Os trabalhos nunca foram executados a um ritmo regular devido a constantes alterações promovidas pela ré;

- Os manuais de operação e utilização são sempre entregues após a conclusão da obra, juntamente com toda a informação dos equipamentos instalados;

- Entrega essa que não ocorreu porque a ré impediu a autora de concluir a obra;

- Não obstante, a autora enviou à empresa de fiscalização da obra todos os elementos técnicos que esta lhe solicitou;

- A ré não denunciou à autora os defeitos que alegou nesta acção, sendo certo que o acto de denúncia deve indicar inequivocamente, com o grau de precisão possível, os defeitos detectados na obra;

- A invocação desses defeitos em sede de reconvenção equivale a denúncia; porém, isso aconteceu quando já estava esgotado o prazo de 1 ano estabelecido no artigo 5.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08.04;

- Ainda que não tivesse caducado o exercício dos direitos do dono da obra, este, para exigir do empreiteiro o valor dos trabalhos em falta, tem, primeiro, que obter a condenação deste à prestação de facto, não podendo, antes disso, exigir-lhe o respectivo valor ou aquilo que pagou a terceiro para os eliminar; a lei impõe ao dono da obra com defeitos que, se estes puderem ser suprimidos, exija ao empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono da obra pode exigir nova construção; se os defeitos não puderem ser eliminados ou a obra construída de novo, pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato;

- Ora, não só a ré não alega que os defeitos não podiam ser suprimidos, como invoca que eles vieram a ser eliminados por terceiro, pelo que teria, em primeira linha, de pedir, em reconvenção, a sua eliminação pela autora; nunca poderia peticionar à autora os custos que pagou a terceiro para eliminar tais defeitos.

- Assim, a reconvenção terá de improceder.

Após dispensa da realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com a identificação do objecto do litígio, a indicação dos factos assentes e o enunciado dos factos controvertidos, aos quais foi dada a designação de “temas de prova”. Na sequência de reclamação das partes, foram aditados novos factos assentes e controvertidos.

Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença cujo dispositivo se transcreve:

“1 – Julgo a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condeno a ré no pagamento à autora da quantia de € 15.947,57 (quinze mil, novecentos e quarenta e sete euros e cinquenta e sete cêntimos) a que acrescem, juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação, até efectivo e integral pagamento;

2 – Julgo o pedido reconvencional parcialmente procedente e, em consequência condeno a autora/reconvinda a pagar à ré/reconvinte, o montante gasto por esta, na realização de trabalhos de correcção dos defeitos da obra iniciada pela autora e, respectiva finalização, montante esse, cuja liquidação se relega para momento posterior (cfr. artº 661, nº 2 do CPC), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação, até efectivo e integral pagamento;

3 – Declaro que, por força da condenação referida em 2, a ré, vê o preço da obra reduzido e, consequentemente a sua condenação mencionada em 1) reduzida de acordo com a quantia que se vier a apurar em sede de liquidação desta sentença.”

A autora interpôs recurso de apelação da sentença.

O recurso foi julgado procedente através de acórdão que anulou a sentença recorrida e ordenou que o tribunal a quo, com intervenção da Senhora Juíza que presidiu à audiência final e elaborou aquela sentença, elaborasse nova sentença que:

1 – Sanasse a nulidade decorrente de, ao decretar a redução do preço da obra, em montante a liquidar em execução de sentença, ter condenado a recorrente em objecto diverso do pedido reconvencional, nulidade essa prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC;

2 – Sanasse a nulidade, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC, decorrente de não ter conhecido das questões que se suscitam neste processo, a saber:

A) Se se verificaram discrepâncias entre os materiais e equipamentos fornecidos e os contratados e, na hipótese afirmativa, quais;

B) Se se verificaram deficiências na instalação dos materiais e equipamentos fornecidos e, na hipótese afirmativa, quais;

C) Se a recorrida denunciou as referidas discrepâncias e deficiências dentro do prazo e com observância das formalidades legais, nomeadamente no que concerne ao conteúdo da denúncia, tendo em conta as objecções que a recorrente suscita a esse propósito;

D) Se houve desistência da empreitada por parte da recorrida, nos termos do artigo 1229.º do Código Civil, e, na hipótese afirmativa, quais são as respectivas consequências jurídicas;

E) Se, em vez do referido em D, a recorrente abandonou a obra, incorrendo em incumprimento definitivo do contrato de empreitada; na hipótese afirmativa, quais eram os direitos da recorrida, nomeadamente se esta estava, desde logo, legitimada para contratar terceiro para corrigir os defeitos e concluir a obra, exigindo da recorrente uma indemnização correspondente ao respectivo custo;

F) Se o contrato de empreitada foi tacitamente revogado pelas partes;

3) Ampliasse a matéria de facto de forma a abranger os factos aditados aos “temas de prova” através do despacho proferido na sequência das reclamações das partes sobre o enunciado inicialmente feito, julgando-se os mesmos como provados ou não provados em função da prova já produzida e daquela que o tribunal a quo eventualmente considerasse necessário vir a produzir para esse fim;

4) Fundamentasse a sua convicção relativamente ao conteúdo dos pontos xx) a nnnn) da matéria de facto provada, analisando criticamente a prova produzida, nomeadamente o relatório pericial.

Para os referidos efeitos, determinou esta Relação que o tribunal a quo poderia ordenar a produção da prova suplementar que julgasse necessária, reabrindo a audiência final.

Após a baixa dos autos e sem reabrir a audiência final, o tribunal a quo proferiu nova sentença, decidindo a causa em sentido idêntico ao da sentença anulada por esta Relação.

A autora interpôs recurso de apelação desta sentença, julgado através de acórdão cujo dispositivo se transcreve:

Delibera-se, pelo exposto, anular a sentença recorrida e ordenar que o tribunal a quo, com intervenção da Senhora Juíza que presidiu à audiência final e elaborou aquela sentença, elabore nova sentença que, cumprindo o determinado pelo acórdão anteriormente proferido por esta Relação e que aqui se reitera, proceda à sanação das nulidades acima descritas, amplie a matéria de facto e fundamente devidamente, nomeadamente com referência ao relatório pericial constante dos autos, a sua convicção relativamente ao conteúdo dos pontos xx) a nnnn) da matéria de facto provada, nos termos expostos. Para tanto, o tribunal a quo poderá ordenar a produção da prova suplementar que julgar necessária, reabrindo a audiência final.”

Após a baixa dos autos, o tribunal a quo determinou a audição das partes sobre a necessidade de produção de prova suplementar. A autora pronunciou-se no sentido de que tal necessidade não se verificava. A ré requereu a reabertura da audiência final e que, nesta, prestassem esclarecimentos o perito nomeado pelo tribunal e a testemunha AA.

O tribunal a quo proferiu despacho designando data para a reabertura da audiência final e determinando que, nesta, fossem inquiridos o perito e a testemunha AA, a fim de prestarem esclarecimentos sobre os factos assinalados no segundo acórdão desta Relação.

Na sequência desse despacho, a autora requereu que o tribunal a quo esclarecesse: 1) Quais os esclarecimentos que entendia deverem ser prestados; 2) Qual a razão da inquirição da testemunha AA e da não inquirição das restantes, sendo certo que a mesma não foi indicada sobre a matéria que deveria ser objecto de ampliação; 3) Qual o fundamento para a inquirição do perito nomeado pelo tribunal. A ré pronunciou-se no sentido de que o requerido pela autora não tinha razão de ser. O tribunal a quo indeferiu o requerimento da autora.

Em face de requerimento entretanto apresentado pelo perito nomeado pelo tribunal e da pronúncia de ambas as partes sobre o mesmo, o tribunal a quo fixou a matéria sobre a qual os esclarecimentos daquele, a prestar por escrito, deveriam versar. Mais precisamente, o tribunal a quo decidiu que o perito deveria prestar os esclarecimentos mencionados nos requerimentos das partes.

Na sequência de um pedido de esclarecimento do mesmo perito sobre o alcance daquilo que lhe era solicitado, o tribunal a quo proferiu despacho mandando informar aquele de que os esclarecimentos deveriam ser prestados por todos os peritos que subscreveram o relatório pericial. No mesmo despacho, foi ordenada a notificação de todos os peritos para o referido efeito.

Os peritos prestaram, por escrito, “esclarecimentos complementares ao relatório pericial”.

Foi reaberta a audiência final, na qual foi inquirida a testemunha AA.

O tribunal a quo proferiu nova sentença, cujo dispositivo se transcreve:

“1 – Julgo a acção improcedente e, consequentemente, absolvo a ré do pagamento à autora da quantia de € 15 947,57 (quinze mil, novecentos e quarenta e sete euros e cinquenta e sete cêntimos) a que acrescem, juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação, até efectivo e integral pagamento;

2 – Julgo o pedido reconvencional improcedente e, em consequência absolvo a autora/reconvinda do mesmo.”

A autora interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

A) A factualidade vertida em aaa) e bbb) é vaga, genérica e conclusiva pelo que tal matéria deve ser eliminada dos factos dados como provados.

B) Os factos descritos nas alíneas fff) a xxxx) resultam, de harmonia com a douta decisão recorrida, mais uma vez, do relatório junto aos autos em audiência de julgamento, na última sessão, subscrito por AA e confirmado pelo mesmo e do relatório de fls. 188 e segs. dos autos, na parte não contraditada pelo relatório pericial de fls. 541 a 556 v.

C) O relatório pericial põe em causa, desmente, arrasa os relatórios referidos em sede de fundamentação, nomeadamente o relatório junto aos autos na última sessão de julgamento.

D) Muitas das respostas dadas contêm formulações vagas, genéricas e conclusivas.

E) As respostas a dar às matérias em causa têm que conter as concretas referências feitas, em cada uma delas, pelos peritos, as quais devem ser acrescentadas às respostas dadas e devem ser eliminadas as formulações vagas, genéricas e conclusivas.

F) Respondeu o tribunal ao ponto aaa) dizendo que a ré solicitou à autora, por diversas vezes, que procedesse à correcção das anomalias detectadas na obra e respectiva conclusão da instalação.

G) O acto de denúncia deve indicar inequivocamente, com o grau de precisão possível, os defeitos na obra.

H) Não se refere a forma da solicitação; não se refere qualquer data; não se especificam os defeitos, as “anomalias detectadas”.

I) Tal matéria é assim vaga, genérica e conclusiva pelo que deve ser excluída dos factos dados como provados.

J) O mesmo vale para a resposta dada ao ponto bbb).

K) Existe manifesta contradição entre as respostas dadas aos pontos oooo) e vvvv). E este último contém formulações vagas, genéricas, conclusivas e até incompreensíveis (inúmeros locais; inacessíveis; em outros locais). O ponto vvvv) deve assim ser excluído dos factos dados como provados.

L) A resposta ao ponto rrrr) é contraditória e contém matéria vaga, genérica e conclusiva pelo que deve ser excluída.

M) O ponto yyyy) corresponderia ao que foi alegado pela ré (artigo 22.º da contestação) e pela autora (artigo 32.º da réplica). Como é manifesto, a resposta dada contém matéria de facto não alegada pelas partes, pelo que terá que ser eliminada.

N) Refere-se na douta decisão recorrida que a denúncia dos defeitos foi feita no prazo de trinta dias. Que a dona da obra exigiu ao empreiteiro a respectiva eliminação. E que tal conclusão resulta dos factos assentes.

O) A mera leitura dos factos assentes permite concluir que deles nada resulta em termos de denúncia, forma de denúncia, data de denúncia ou defeitos que tenham sido denunciados.

P) Se a prova resulta da resposta aos pontos aaa) e bbb), tal matéria é vaga, genérica e conclusiva e não permite tal afirmação. Aliás, é sintomático verificar o que, sobre tal matéria foi alegado pela ré no artigo 79.º da contestação: “pese embora ter denunciado atempadamente os diversos defeitos da obra e de ter solicitado inúmeras vezes a sua correcção e a concretização da empreitada, a autora recusou-se sempre a fazê-lo”.

Q) Terá assim que concluir-se que a ré não fez tal denúncia, comunicando à autora os alegados defeitos, que não identifica, limitando-se a alegar matéria conclusiva.

R) O douto acórdão que anulou a decisão anterior fixou, de novo, seis temas da prova e determinou que o tribunal a quo poderia reabrir a audiência final, ordenando a produção de prova suplementar que julgasse necessária.

S) O tribunal a quo reabriu a audiência sem que previamente ordenasse a produção de prova suplementar, sem indicar os factos que julgava necessários esclarecer, destinando-se a mesma a ouvir o perito e a testemunha AA para que “prestassem esclarecimentos”.

T) A inquirição do perito veio a resultar em novo relatório pericial, subscrito por todos os peritos e, como os próprios referem, é “importante esclarecer que algumas questões agora levantadas, especialmente pela ré, são novas questões e não propriamente esclarecimentos aos quesitos iniciais, sendo certo que a prestação de novos esclarecimentos não tem fundamento legal nem foi determinada oficiosamente.

T) Como carece de fundamento legal a nova inquirição da testemunha AA já que o tribunal a quo não indicou previamente qual a razão para o seu depoimento.

U) Quer a prestação de esclarecimentos por parte dos peritos quer o novo depoimento foram requeridos pela ré quando o douto acórdão é claro no sentido de determinar que era ao tribunal e não às partes que competia “ordenar a produção de prova suplementar que julgasse necessária”.

V) O claro desrespeito pelo douto acórdão é ainda mais grave porque o tribunal a quo vem justificar a inquirição da testemunha AA pelos esclarecimentos que este prestou “na última sessão de julgamento ocorrida em 24.09.2021” e sustenta a sua convicção relativamente aos factos provados com base no que resulta do “novo relatório pericial” e da nova inquirição de testemunha, prova suplementar que não “ordenou” nem julgou “necessária”.

W) Face à matéria de facto dada como provada, com as concretas referências feitas pelos peritos, que impõem uma resposta diferente, face às respostas contraditórias, formulações genéricas, de direito ou conclusivas que, como tal, devem ser eliminadas, não pode deixar de concluir-se pela resposta negativa às questões dos temas da prova 1) e 2).

X) Da leitura dos factos assentes conclui-se que nada resulta em termos de denúncia, data da denúncia, defeitos que, em concreto, tenham sido denunciados pelo que forçoso será responder negativamente ao tema da prova 3).

Y) É verdade que equivale à denúncia a propositura da acção pelo dono da obra ou a sua invocação em sede de reconvenção. No entanto, essa acção, ou o exercício dos direitos em sede de reconvenção, deve ser proposta/ deduzida dentro dos prazos estabelecidos para a denúncia dos defeitos.

Z) A ré contratou outra empresa para realizar os trabalhos de conclusão da obra, em Maio de 2015. E, em Maio de 2014, contratou um técnico que elaborou relatório nessa data. Considerando qualquer destas datas, e uma vez que a reconvenção foi deduzida em 20 de Junho de 2016, não tendo a denúncia sido feita no prazo de um ano, após o seu conhecimento, caducou o exercício dos direitos do dono da obra – artigo 1225.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil.

AA) Face à documentação existente nos autos, face à matéria dada como provada no ponto tt) resulta inequivocamente que a autora não abandonou a obra e foi a ré quem desistiu da empreitada, contratando uma outra empresa.

BB) O tribunal a quo não se pronunciou sobre a excepção de caducidade invocada em sede de réplica quando, por força do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, estava obrigado a fazê-lo.

CC) Não tendo a ré feito a denúncia no prazo de um ano após o seu conhecimento, caducou o exercício dos direitos do dono da obra, por força do disposto no artigo 1225.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil.

DD) Como é jurisprudência uniforme, o dono da obra, perante defeitos denunciados, está obrigado a observar a prioridade dos direitos consignados nos artigos 1221.º a 1223.º do Código Civil. Ou seja, deverá, primeiro, exigir a eliminação dos defeitos; depois, nova construção; e, seguidamente a redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato.

EE) A douta decisão recorrida conclui pela improcedência do pedido formulado pela autora com o entendimento que “não pode a autora exigir o pagamento das quantias peticionadas enquanto não corrigir os defeitos da obra, regularmente denunciados pela ré”.

FF) Este raciocínio enferma de dois vícios. Em primeiro lugar, a ré não “denunciou regularmente defeitos da obra”. Se o tribunal a quo conhecesse, como era sua obrigação, a excepção de caducidade, não chegaria a esta conclusão. Em segundo lugar, o tribunal não pode condicionar o pagamento das quantias reclamadas à “correcção dos defeitos da obra” quando admite expressamente que “a ré se substituiu à autora, na eliminação dos defeitos” que, como também admite, não poderia ter feito.

GG) É assim manifesto que nenhum fundamento existe para que o pedido formulado pela autora seja julgado improcedente.

HH) A douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 1220.º, n.º 1, 1221.º, n.º 1, 1222.º, 1225.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, e 485.º, n.º 4, 607.º, n.ºs 1 e 4, 608.º, n.º 2, 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão proferida, julgando-se o pedido formulado pela autora como procedente e condenando-se a ré na quantia peticionada, acrescida de juros legais desde a data da citação até integral pagamento, como é de Justiça.

Também inconformada com a sentença, a ré interpôs, dela, recurso de apelação subordinado, tendo formulado as seguintes conclusões:

A) A ré, ora recorrente, não se conforma com a mui douta sentença na parte em que indeferiu o pedido reconvencional, por entender, salvo o devido respeito – que é muito – que o tribunal recorrido não interpretou correctamente as normas legais que aplicou na referida decisão, bem como, deixou de aplicar outras que seriam de aplicar, tudo como adiante se irá tentar demonstrar;

B) Considerou o tribunal recorrido que a autora não concluiu a obra nem reparou os defeitos da mesma atempadamente denunciados pela ré, designadamente:

Que em meados de 2013, quando a obra já estava praticamente concluída, os trabalhos da autora pararam (ww); que tendo a ré, a partir de Setembro de 2013, solicitado várias vezes ao responsável daquela, Engº BB, para concluir a obra, tendo este invocado várias razões para aquela paragem, desde problemas no fornecimento de peças até ao facto de estarem sobrecarregados de trabalho (xx), que a ré, na pessoa de, CC, no dia 14.05.13 contactou telefonicamente o representante da autora, BB, exigindo que fosse concluída rapidamente a obra (yy); que a autora nunca chegou a fornecer à ré, o projecto, apesar de ter sido instada diversas vezes para o efeito, quer pela ré, quer pela empresa de fiscalização da empreitada geral de ampliação da moradia da ré, a GG (ZZ); que a ré solicitou à autora, por diversas vezes, que procedesse à correcção das anomalias detectadas na obra e respectiva conclusão da instalação (aaa); que a autora não executou as correcções às anomalias detectadas, quer na execução da instalação, quer nos testes iniciais onde se detectaram várias anomalias, alarmes e paragens no funcionamento da instalação (bbb); que a autora não conclui o comissionamento (ensaios e testes) da instalação AVAC (ccc); que a autora não entregou os manuais técnicos da instalação, as telas finais, o relatório de execução de ensaios, os catálogos técnicos e as fichas para manutenção (ddd); que a autora se recusou sempre a fazê-lo enquanto a ré não pagasse as facturas identificadas em j) e k) (ddd).

C) Entendeu o tribunal recorrido que aquele tipo de comportamento por parte da autora configura um claro e inequívoco abandono da obra;

D) Contudo, pese embora ter reconhecido com base na matéria julgada provada e concluído que a autora abandonou a obra, não concluindo a mesma nem eliminando os seus defeitos, contudo, alicerçando-se no entendimento explanado num acórdão do desta Relação de Évora, considerou que no qual se refere que a ré não se podia ter substituído à autora, na eliminação dos defeitos, devendo ter recorrido aos tribunais para obter decisão judicial que condenasse a empreiteira a eliminar ou reparar os defeitos existentes ou, se tal não fosse possível, redução do preço, uma vez que não se estava perante uma situação de urgência, inferindo, assim o pedido reconvencional;

E) Como acima se referiu, não concorda a ré com este entendimento, pelas seguintes razões;

F) O exercício dos direitos conferidos nos artigos 1221.º e 1222.º do Código Civil não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais tal como previsto no artigo 1223.º do Código Civil, independentemente da existência ou não de defeitos na obra ou da possibilidade da sua eliminação e consequente ressarcimento baseado na responsabilidade civil contratual;

G) As normas citadas na douta sentença recorrida referem o regime do cumprimento defeituoso da empreitada, o qual se verifica apenas no caso da obra ter sido concluída, ainda que com defeitos, o que não foi o caso dos presentes autos;

H) Efectivamente, conforme resulta da matéria provada a autora não concluiu a obra, pese embora as solicitações neste sentido da ré (aaa) bbb) ccc) e ddd);

I) Neste sentido, veja-se por todos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 09.12.2008, que se debruça sobre uma situação de abandono da obra pelo empreiteiro, equivalente à dos autos;

J) Conforme, ali se refere, O abandono da obra pela empreiteira representa, em termos práticos, a extinção do contrato, independentemente de não ter sido declarada a sua resolução pela parte contrária;

K) Abandonando os trabalhos iniciados, a autora manifestou tacitamente, e em termos que a lei reputa eficazes (artº 217º, nº 1, do CC), a sua total indisponibilidade para reparar os defeitos, ou para, ainda que só em parte, construir de novo a obra, o que evidencia o seu propósito firme e definitivo de não cumprir, tornando dispensável a interpelação admonitória do artº 808º do CC por parte do dono da obra para o efeito de conversão da mora em incumprimento definitivo;

L) provada também a existência de prejuízos sofridos pela ré, torna-se clara a pertinência da aplicação ao caso em análise das normas dos artºs 798º, 799º e 1223º do CC, que lhe confere o direito a ser indemnizados em consequência do incumprimento da autora/reconvinda;

M) De acordo com o juízo jurídico explanado naquele douto aresto – o qual acompanhamos na íntegra – no caso de abandono de obra não concluída, não é de aplicar o regime previsto nos artºs 1221º e 1222º do Código Civil mas, sim, o disposto nos artºs 798º, 799º e 1223º do CC, que confere à ré o direito a ser indemnizada em consequência do incumprimento da autora;

N) Efectivamente, no caso da empreiteira abandonar a obra antes de a concluir, a hipótese de “salvar” o contrato mediante o recurso aos remédios tipificados na lei (artºs 1221º e 1222º do CC) – eliminação dos defeitos, nova construção ou redução do preço – está liminarmente afastada, já que o abandono representa, em termos práticos, a extinção do contrato, independentemente de não ter sido declarada a sua resolução pela parte contrária;

O) Ao abandonar a obra por si iniciada, a autora manifestou tacitamente, e em termos que a lei reputa eficazes (artº 217º, nº 1, do CC), a sua total indisponibilidade para reparar os defeitos, ou para, ainda que só em parte, construir de novo a obra. E semelhante abandono, corresponde indubitavelmente a uma declaração de igual modo tácita de incumprimento por parte do empreiteiro, equiparável a uma declaração expressa de idêntico conteúdo e sentido negocial; mais precisamente, evidencia o seu propósito firme e definitivo de não cumprir, tornando dispensável a interpelação admonitória do artº 808º do CC por parte do dono da obra para o efeito de conversão da mora em incumprimento definitivo;

P) Deste modo, provada também, como se vê dos factos relatados, a realidade dos prejuízos sofridos pelos recorrentes, torna-se clara, na decorrência do exposto, a pertinência da aplicação ao caso em análise das normas dos artºs 798º, 799º e 1223º do CC, pelo que, salvo o devido respeito, deveria o mui douto tribunal recorrido ter condenado a autora/reconvinda a indemnizar a ré em consequência do seu incumprimento, mais precisamente,

Q) Condenar a autora/reconvinda a pagar à ré/reconvinte o peticionado em sede de reconvenção, i.e., no valor suportado por esta na remoção dos defeitos e conclusão da obra, sendo que,

R) Considerando o tribunal a quo não ter elementos suficientes para fixar já o valor da referida indemnização – como em decisão anterior já considerou não ter – deveria ter relegado a liquidação da mesma para execução de sentença de acordo com o previsto no artº 609º nº 2 do CPC;

S) Assim sendo, e salvo o devido respeito, ao não ter decidido de acordo com o acima explanado, violou a sentença recorrida o disposto nos artºs 217º nº1, 808º, 798º, 799º 434º, 1223º do Código Civil e 609º nº 2 do CPC, por não aplicação dos mesmos ao presente caso, bem como, violou o disposto nos artºs 1221 e 1222º do Código Civil quando considerou que os mesmos eram aplicáveis na situação de abandono da obra e não conclusão da mesma por parte da empreiteira.

Nestes termos e nos que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado total provimento ao presente recurso e, em conformidade, ser parcialmente revogada a mui douta decisão recorrida, substituindo-a nessa parte por outra que condene a autora a pagar à ré o montante suportado por esta na reparação dos defeitos da obra e conclusão da mesma, a liquidar em execução de sentença face à falta de elementos para fixação da mesma, porquanto assim se fará a costumada Justiça.

A ré também apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela autora.

Os recursos foram admitidos.

*

Tendo em conta as conclusões de ambos os recursos, as questões a resolver nesta sede são as seguintes:

1 – Processado anterior à reabertura da audiência final;

2 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

3 – Tempestividade da denúncia de defeitos dos trabalhos executados pela autora e do exercício do direito de acção;

4 – Abandono da obra;

5 – Desistência da empreitada.

*

Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

a) A autora dedica-se ao comércio de equipamentos para hotelaria e similares.

b) Em 2012, a ré solicitou à autora orçamento para fornecimento e instalação de sistema de aquecimento AQS no prédio urbano sito no Monte de São João, freguesia e concelho de Mértola, de que aquela é proprietária.

c) Sistema constituído por aquecimento solar, com 14 painéis solares, aquecimento por piso radiante, sistema de permuta com piscina, sistema de ventilação e recuperadores de calor.

d) A autora forneceu à ré tal orçamento, em 14 de Julho de 2012, sendo o preço de € 110 698,77 (IVA incluído).

e) Foi posteriormente proposto pela autora a alteração na bomba de calor, com a diminuição de € 5 000,00 no preço (€ 6 150,00, com IVA incluído), o que a ré aceitou.

f) A autora forneceu e instalou o aquecimento solar, com 14 painéis solares, titulado pela factura n.º 986, de 16 de Outubro de 2012, no montante de € 23 459,18, e que a ré pagou.

g) Forneceu e instalou o piso radiante até à fronteira entre o vestíbulo e a habitação e o sistema de ventilação, titulado pela factura n.º 613, de 2 de Abril de 2013, no montante de € 26 957,91, e que a ré pagou.

h) Forneceu e instalou um acumulador de 1500 litros e piso radiante até à fronteira entre o vestíbulo e a habitação, titulado pela factura n.º 983, de 7 de Junho de 2013, no montante de € 26 313,14, e que a ré pagou.

i) Forneceu e instalou bomba de calor, acumulador e sistema de ventilação, titulado pela factura n.º 1662, de 24 de Setembro de 2013, no montante de € 22 910,72, e que a ré pagou.

j) A autora forneceu à ré e instalou ventilação da casa técnica, disjuntores de protecção dos fan coils e caixas de piso radiante, permutador para piscina e sistema de ventilação para moradia, titulados pela factura n.º 356, de 26 de Março de 2014, no montante de € 12 977,73.

k) A autora forneceu à ré e instalou acumulador de 1500 litros, fan coil para quarto, fan coil para corredor, fan coil para biblioteca, fan coil para sala e fan coil para hall, titulados pela factura n.º 663, de 6 de Junho de 2014, no montante de € 2 969,84.

l) Nos referidos acumuladores, a autora instalou um isolamento de 30mm de espessura para água fria.

m) A ré não entregou à autora o montante referido na factura referida em j).

n) A ré não entregou à autora o montante referido na factura referida em k).

o) Posteriormente ao orçamento apresentado pela autora e indicado nas als. b) e d), a ré solicitou a realização de trabalhos a mais, que a autora executou.

p) Tendo por objectivo o prosseguimento dos trabalhos e finalização da obra, foi realizada no Monte de São João, em 11 de Junho de 2014, uma reunião na qual estiveram presentes um representante da ré, enquanto dona da obra, o arquitecto responsável pelo projecto de arquitectura, um representante da autora e uma empresa de consultadoria e fiscalização de obras.

q) Tendo havido acordo entre todas as partes para a finalização dos trabalhos e consequente recepção provisória da obra, foi solicitado à autora que apresentasse um planeamento para a conclusão dos trabalhos.

r) Sendo oportunamente marcada uma próxima reunião.

s) Em 21 de Julho de 2014, a autora enviou à ré carta registada com aviso de recepção, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

t) À qual a ré respondeu, através de carta de 28 de Julho de 2014, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

u) Na sequência desta troca de correspondência foi agendada e realizada no Monte de São João uma reunião no dia 6 de Agosto de 2014.

v) A autora ficou então de entregar um plano de trabalhos com vista à finalização da obra de climatização (acordo).

w) O que fez, através de e-mail de 11 de Agosto de 2014, solicitando confirmação para poder iniciar os trabalhos.

x) A autora enviou à ré carta regista com aviso de recepção, datada de 26 de Agosto de 2014, solicitando de novo confirmação, com vista à finalização da obra de climatização.

y) A ré respondeu, através de carta datada de 31 de Outubro de 2014, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

z) À qual a autora respondeu, por carta registada com aviso de recepção datada de 12 de Novembro de 2014, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

aa) A ré respondeu a esta carta, por carta de 1 de Dezembro de 2014, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

bb) Tendo a autora respondido, por carta registada com aviso de recepção datada de 31 de Dezembro de 2014, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

cc) Em 30 de Janeiro de 2015, a autora recebeu do Exm.º Senhor Dr. DD um e-mail no qual, na qualidade de advogado da ré, propunha a realização de uma reunião para abordar “as diversas hipóteses de resolução das questões”.

dd) A autora enviou ao Senhor Dr. DD um e-mail, em 5 de Março de 2015, cujo teor consta a fls. 47 vs. e, se aqui se dá como reproduzido.

ee) Em Maio de 2015, a ré contratou a sociedade AVAC, MIC – Renováveis II, Lda. para realizar os trabalhos de conclusão da obra, o que esta sociedade veio a fazer.

ff) Em 21/06/14 o responsável da empresa de fiscalização HH remeteu ao responsável da autora o e-mail de fls. 81 vs., cujo teor se dá como integralmente reproduzido.

gg) Não entregou os manuais técnicos da instalação, as telas finais, o relatório de execução de ensaios, os catálogos técnicos e as fichas para manutenção.

hh) Recusando-se sempre a fazê-lo enquanto a ré não pagasse as facturas identificadas em j) e k).

ii) Na referida reunião de 11/06/14, além de ter sido transmitido à autora que a percentagem do valor total do orçamento, já pago pela ré, justificava que nada mais fosse pago até à recepção da obra, foi-lhe ainda comunicado diversas situações que urgia serem resolvidas pela autora, designadamente:

- A facturação emitida ao logo do desenvolvimento da obra contemplava itens do orçamento nº 370 e outros que não faziam parte do mesmo;

- Existiam ainda alterações introduzidas nos valores e quantidades de itens do orçamento inicial que não se encontravam suportados por qualquer documento que faça menção a essas mesmas alterações.

jj) Existiam equipamentos cujas marcas não correspondiam às inicialmente descritas no orçamento original e que deveriam ter resultado em menores valias, não reflectidas na facturação emitida.

ll) Foi reiterada novamente à autora a necessidade de conclusão breve da sua empreitada com o argumento de que a restante obra de ampliação da moradia da ré já estava numa fase muito adiantada.

mm) O equipamento “Scrubber” foi uma solução sugerida pela autora à ré já que o marido desta sofria muito com as alergias originadas pelos polens primaveris.

nn) E este equipamento permitia a lavagem do ar novo que era insuflado na habitação, equipamento inexistente nos equipamentos tradicionais.

oo) A ré recebeu as facturas referidas em j) e k) e não apresentou qualquer reclamação escrita.

pp) Na factura n.º 986 foram incluídos, como trabalhos a mais, o fornecimento de tubos de inox, perfuração de betão e pré instalação de tubagem de bomba de calor, no valor de € 2 311,79.

qq) Na factura n.º 983 foram incluídos, como trabalhos a mais, 2 colectores de piso radiante (um de 7 saídas e um de 5 saídas), tendo sido orçamento 420 m2 de piso radiante e realizado 500 m2, ou seja, mais 80 m2, tudo no valor de € 2 189,40.

rr) Na factura n.º 1662 foram incluídos, como trabalhos a mais, a execução de furos em parede de betão, a instalação de sistema de ventilação do ginásio (piso técnico) e fornecimento de tubos em aço inox 316, no valor de € 1 316,00.

ss) E na factura n.º 356 foram incluídos, como trabalhos a mais, a ventilação da casa técnica, a colocação de disjuntores de protecção dos fan coils, permutador de piscina em PVC, serviços técnicos de reparação de válvula de 3 vias e serviço de execução de furos, tudo no valor de € 3 105,75.

tt) A ré actuou da forma referida em ee), não permitindo o prosseguimento da obra pela autora.

uu) Para além do referido em b), a autora foi contactada igualmente para fornecer, instalar, deixar operacional um sistema AVAC (aquecimento, ventilação e ar condicionado) e tratar da própria concepção dos mesmos (respectivo projecto).

vv) A autora iniciou os trabalhos em obra no mês de Agosto de 2012.

ww) Em meados de 2013, quando a obra já estava praticamente concluída, os trabalhos da autora pararam.

xx) Tendo a ré, a partir de Setembro de 2013, solicitado várias vezes ao responsável daquela, Eng.º BB, para concluir a obra, tendo este invocado várias razões para aquela paragem, desde problemas no fornecimento de peças até ao facto de estarem sobrecarregados de trabalho.

yy) A ré, na pessoa de, CC, no dia 14.05.13 contactou telefonicamente o representante da autora, BB, exigindo que fosse concluída rapidamente a obra.

zz) A autora nunca chegou a fornecer à ré, o projecto referido em ll), apesar de ter sido instada diversas vezes para o efeito, quer pela ré, quer pela empresa de fiscalização da empreitada geral de ampliação da moradia da ré, a GG.

aaa) A ré solicitou à autora, por diversas vezes, que procedesse à correcção das anomalias detectadas na obra e respectiva conclusão da instalação.

bbb) A autora não executou as correcções às anomalias detectadas, quer na execução da instalação, quer nos testes iniciais onde se detectaram várias anomalias, alarmes e paragens no funcionamento da instalação.

ccc) Não conclui o comissionamento (ensaios e testes) da instalação AVAC.

ddd) Não entregou os manuais técnicos da instalação, as telas finais, o relatório de execução de ensaios, os catálogos técnicos e as fichas para manutenção.

eee) Recusando-se sempre a fazê-lo enquanto a ré não pagasse as facturas identificadas em j) e k).

fff) Os equipamentos de filtragem e lavagem de ar denominados de “Scruber” pela Teclasul foram substituídos por unidades de ventilação equipadas com 2 níveis de filtragem, pré-filtro G4 e filtro F7.

ggg) Uma electrobomba que alimentava vários circuitos hidráulicos apresentava excessivo ruído e vibração em funcionamento, foi substituída por 2 circuladores idênticos, da mesma marca dos existentes.

hhh) O quadro eléctrico (QE) de aquecimento, ventilação e ar condicionado (AVAC) era de reduzida dimensão e estava complementado e anexado com outras caixas eléctricas equipadas com equipamento eléctrico de protecção e comando e já não dispunha de espaço para a respectiva colocação e montagem.

iii) Por isso, teve que ser substituído por um novo QE AVAC equipado com todo o necessário equipamento de força, potência e controlo para um adequado funcionamento da instalação AVAC.

jjj) Foram realizadas intervenções nos seguintes locais: casa do chiller bomba de calor, CHBC; na caleira de distribuição de redes de tubagem entre a casa do chbc, sala técnica e casa antiga; no interior da sala técnica; nos equipamentos acessíveis e no sistema de colectores solares.

kkk) O Chiller Bomba de Calor, CHBC, teve que ser reinstalado noutra localização no interior do espaço, por não permitir um adequado arrefecimento do condensador, verificando-se curto-circuito de ar no interior do espaço, provocando a paragem do equipamento por insuficiente arrefecimento e por não permitir um fácil e seguro acesso ao quadro eléctrico do equipamento.

lll) Na chapa de identificação do CHBC tinha sido retirada a identificação do respectivo modelo, marca e fabricante.

mmm) Na distribuição de redes de tubagem do chiller bomba calor, CHBC, foi executada uma nova rede de distribuição de água fria/quente, em tubagem Climatherm DN 50, equipada com isolamento Armaflex com espessura 20mmm, montada em caleira técnica executada em betão e equipada com tampa amovível para fácil acesso a manutenção, tendo sido montado em cada tubagem um purgador de ar, localizado no respectivo ponto alto, para a necessária remoção de ar, uma vez que:

nnn) O isolamento instalado tinha uma espessura de 13mm.

ooo) A rede de tubagem existente estava enterrada, sem caleira técnica para acesso e não estava equipada com e purgadores de ar em cada linha, nos pontos altos.

ppp) A cablagem eléctrica de alimentação ao CHBC em cabo H05VV-F 5G2,5 foi removida por ser subdimensionada para a potência absorvida de 10 kW a uma distância superior a 50m de comprimento de cabo e substituída por cabo eléctrico H05VV-F 5G6.

qqq) Foi removido o quadro eléctrico (QE) AVAC e as caixas eléctricas complementares instaladas pela autora e substituído por um novo QE AVAC equipado com todo o necessário equipamento de força, potência e controlo para um adequado funcionamento da instalação AVAC, uma vez que:

rrr) Era de reduzida dimensão e foi posteriormente complementado com caixas eléctricas parciais, para alojar mais equipamento eléctrico.

kkk) O controlador instalado pela autora não permitia o acesso via internet (um dos requisitos solicitado como obrigatório pela ré).

sss) Foram também executadas novas protecções eléctricas individualizadas por equipamento, interligados os relés de comando com o sistema de gestão técnica centralizada (GTC) e executadas as ligações equipotenciais dos elementos metálicos existentes na sala técnica.

ttt) Substitui-se o QE AVAC e as caixas eléctricas parciais por um único QE AVAC, dimensionado para alojar todo o equipamento eléctrico de força, potência, controlo e ainda o sistema de gestão técnica centralizada GTC, com ligação à internet.

uuu) Foram executados novos traçados de caminhos de cabos, ligações eléctricas de força potencia e controlo, com a reutilização de esteiras metálicas existentes.

vvv) A rede de tubagem de distribuição de água fria/quente do CHBC instalada pela autora foi em material PEAD e nos diâmetros DN 40.

www) O CHBC em regime de funcionamento em aquecimento atinge temperaturas de cerca de 50ºC.

xxx) Verificou-se que os depósitos de acumulação térmica instalados pela autora não coincidiam com as características, especificações e requisitos iniciais propostos e acordados com ré, nomeadamente no tipo de material de construção, volumetria e características e número de serpentinas.

yyy) Nenhum dos depósitos de acumulação, estava equipado com a respectiva chapa de identificação, com as características do respectivo fabricante e resultados dos respectivos ensaios sob pressão.

zzz) No depósito de acumulação de água quente, DAQ tiveram que ser executadas novas e distintas ligações hidráulicas e instaladas novas sondas de temperatura para adequar o sistema hidráulico de serpentinas do DAQ a um correcto e adequado funcionamento da instalação de AVAC.

aaaa) Na saída de água quente foi instalada uma válvula termostática para regulação de temperatura.

bbbb) Foi também instalada uma válvula misturadora modulante e reutilizada a caldeira existente na casa antiga como fonte de energia complementar.

cccc) O depósito de acumulação de água fria DAF foi isolado com manta de isolamento térmico flexível de célula fechada da marca Armacell, da gama de produto Armaflex de com a espessura 80mm.

dddd) Os colectores de distribuição de água instalados pela autora não foram reutilizados e tiveram que ser removidos e substituídos por outros de maior dimensão, com um diâmetro de Ø 6, maior comprimento com 1,20 ml e 1,70ml e equipados com termómetros e manómetro e válvulas de despejo, dado que tinham sido incorrectamente calculados, com insuficiente dimensão e comprimento, não terem capacidade para um adequado volume de água de inércia, que permita reduzida velocidade na distribuição de água através bombas de circulação de água associadas a cada colector.

eeee) Foi necessário substituir uma electrobomba de distribuição de caudal aos recuperadores e ventiloconvectores por dois novos circuladores de marca e modelos idênticos aos existentes, em razão de, em funcionamento, se verificar um excessivo ruído e vibração e uma incorrecta distribuição de caudais de água pelos diferentes circuitos de circulação de água, uma vez que não tinham sido instaladas nas respectivas redes de tubagem válvulas de regulação e medição de caudais de água.

ffff) Todas as redes de tubagem hidráulica foram removidas por não estarem com os traçados mais adequados, nomeadamente apresentarem inversões de sentido no percurso e excessivos acessórios e curvas, penalizando as perdas de carga em linha, aumento a pressão de serviço e consequentemente provocando um maior consumo de energia nas bombas de circulação de água.

gggg) Foram executados novos traçados das redes de tubagem, sem inversões de sentido nos respectivos percursos, e foram optimizados os diversos acessórios e curvas.

hhhh) O isolamento instalado nas redes de tubagem foi todo substituído com as espessuras de 20 mm.

iiii) Foram montadas válvulas de retenção de caudal nos diversos circuitos hidráulicos para evitar quaisquer curto circuitos ou inversão de caudal de água.

jjjj)) Foram montados purgadores de ar em todos os pontos altos para evitar a acumulação de ar nas redes de tubagem.

llll)) Para se ter um conhecimento da energia utilizada foram ainda instalados contadores de entalpia.

mmmm) No sistema de admissão de água fria foram ainda instalados um sistema de tratamento de água equipado com cuba de salmoura e descalcificador volumétrico e uma válvula anti-poluição, já prevista inicialmente na instalação de A&E águas e esgotos.

nnnn) Os equipamentos de filtragem e lavagem de ar denominados de “Scruber” e instalados pela autora, um na sala técnica e outro na cobertura, foram substituídos por unidades de ventilação equipadas com 2 níveis de filtragem, pré-filtro G4 e filtro F7.

oooo) Os ventiloconvectores estão instalados em pleno tecto falso em pladur mas são acessíveis por alçapão amovível.

pppp) Mantiveram-se todos estes equipamentos procedendo-se apenas à correcção das ligações de tubagem hidráulica, kit de válvulas de seccionamento e de 3 vias e de ligações eléctricas, que foram incorrectamente instaladas pela autora.

qqqq) Substituíram-se os troços de tubagem flexível por troços de tubagem em multicamada, isolaram-se todos os troços com isolamento Armaflex e corrigiram-se as ligações eléctricas.

rrrr) Os termóstatos de controlo e comando foram todos reprogramados pois parte deles estavam incorrectamente programados.

ssss) Ocorreu uma rotura num dos depósitos de acumulação de água quente, pelo que teve que se proceder à respectiva substituição.

tttt) Terá, ainda, que se realizar uma intervenção correctiva e alterar o sistema drain-back para um sistema tradicional pressurizado, de circulação forçada, sendo que para execução desta alteração foi orçamentado o valor de €2.410,00 + IVA, num total de €2.964,30.

uuuu) A ré suportou custos com a reparação dos sistemas montados pela autora. Estes custos reportam-se à fase inicial de desmontagem, ao facto de as instalações não estarem identificadas, bem com as redes de tubagem e de cablagem eléctrica, haver necessidade de interligação às instalações existentes e de difícil acesso e, ter que ser executada por fases.

vvvv) Inúmeros locais eram inacessíveis sem a remoção do tecto ou abertura de parede e, em outros locais, não foi colocado equipamento.

wwww) Uma vez que os restantes trabalhos de construção civil e de outras especialidades, estavam já concluídos, e por forma a minimizar custos, optou-se numa primeira fase por intervir parcialmente e apenas em locais com os equipamentos à vista, sala técnica do piso -1, casa do chiller bomba de calor (CHBC) e nos equipamentos de fácil acesso montados em plenos de tectos falsos equipados com alçapão amovível.

xxxx) Foi ainda opção numa primeira fase de intervenção correctiva parcial manter todos os equipamentos principais, nomeadamente chiller bomba de calor (CHBC), ventiloconvectores (VC’s), electrobombas de circulação de água (BC), depósito de acumulação de água fria (DAF) e quente (DAQ), de custos mais significativos e remover e substituir as necessárias redes de tubagem de água, respectivos diâmetros, traçados, acessórios, válvulas, colectores de distribuição e redes de cablagem eléctrica.

yyyy) Inicialmente, não foi acordado prazo para a execução da obra, mas em 21.07.2014, a autora comprometeu-se a finalizar a obra no prazo de sessenta dias após definição escrita dos trabalhos a efectuar.

zzzz) Relativamente aos trabalhos a realizar pela autora, foram igualmente feitas várias alterações a pedido da ré, nomeadamente no traçado das condutas, na quantidade de metros de piso radiante.

aaaaa) Em Janeiro de 2014, os carpinteiros, no decurso dos trabalhos de remoção e instalação de carpintarias furaram um dos tubos de piso radiante, na sequência de alterações constantes nos tectos, paredes, madeiras, escadas, promovidas pela ré.

bbbbb) A autora enviou à empresa de fiscalização vários desenhos em “autocad”, com traçados de condutas, mapa de potências para o electricista, com traçado hidráulico do piso radiante, localização das unidades fancoils, recuperadores de calor, termostatos, colectores do piso radiante.

ccccc) Os seguintes equipamentos instalados pela autora foram aproveitados: colectores solares, bomba de calor, ventiloconvectores, redes de distribuição hidráulica nas paredes para os ventiloconvectores, termostatos, recuperadores de calor, depósitos acumuladores, equipamentos do piso radiante, tubagens de distribuição de ar.

A sentença recorrida julgou não provados os seguintes factos:

1) A ré nada comunicou à autora no que toca à factualidade vertida em ee) e ll).

2) Inicialmente, o prazo previsto para a concretização da obra era de 3 meses (incluindo já o prazo para ensaios de 3 semanas).

3) Sem a instalação dos sistemas AVAC e AQS não era possível à ré e ao seu cônjuge habitarem a sua moradia.

4) Foi a autora que procedeu à acção descrita em mmm).

5) O material da rede de tubagem de distribuição de água fria/quente do CHBC instalada pela Autora (PEAD nos diâmetros DN 40) não é aconselhável nem adequado para funcionamento com temperaturas superiores a 30ºC.

6) Devido ao incorrecto dimensionamento e à reduzida dimensão do QE AVAC a autora optou por proteger por disjuntores mais que um equipamento não permitindo funcionamento individualizado nem regulamentar protecção adequada.

7) Todos os trabalhos acima referidos foram necessários devido à deficiente projecção e concretização da obra pela autora e indispensáveis para que os sistemas AVAC e AQS funcionassem correctamente e de acordo com as necessidades da ré.

8) Com a reparação da instalação AVAC e AQS a ré suportou o custo total de: = 99 052,16 € (80 530,21 € + IVA (23%) 18 521,95 €).

9) A restante obra de ampliação da moradia da ré estava terminada.

10) Os manuais de operação e utilização são sempre entregues após a conclusão da obra, juntamente com toda a informação dos equipamentos instalados.

11) O depósito de água quente tem as características constantes do orçamento e dos catálogos enviados com o mesmo.

12) Veio a ser colocado também um depósito de água fria, o que não estava previsto no orçamento nem tão pouco foi facturado à ré.

13) Quanto aos disjuntores de protecção dos fancoils, foi acordado que seria o electricista a colocá-los nos quadros eléctricos parciais de piso.

14) Todos os atrasos se ficaram a dever à ré, a qual procedeu a inúmeras alterações, tendo sido contratados, sucessivamente, 3 arquitectos, 4 engenheiros responsáveis da obra e 5 empresas de fiscalização.

15) Só em Fevereiro de 2014, e na sequência de várias alterações promovidas pela ré, ficaram finalizados parte dos tectos falsos.

16) CC telefonou a BB, na manhã do dia 14 de Maio de 2014 e não 2013, exigindo que este fosse ligar o sistema de frio porque queria, já nesse dia, dormir no seu quarto, independentemente de o resto da habitação estar pronta – nesse momento decorriam trabalhos de tectos falsos, pinturas e trabalhos de construção civil.

17) O representante da autora informou que nesse dia não era possível deslocar trabalhadores porque já tinham saído para outros trabalhos, mas que, no dia seguinte, colocaria o sistema em frio a funcionar.

18) No dia seguinte, CC, impediu o representante da autora de entrar na obra.

19) A ré e a sua equipa técnica nunca decidiu e comunicou os tipos de equipamento que pretendia.

20) A autora insistiu para que fossem colocadas caixas de visita no percurso entre a zona técnica da habitação e a bomba de calor mas a ré sempre rejeitou tal pretensão, argumentando que não queria ver buracos no jardim.

21) Inicialmente houve uma transmissão de ruído no funcionamento da bomba, situação que foi resolvida, logo que detectada, com a introdução de sino-blocos (anti- vibradores).

22) Todos os equipamentos instalados pela autora foram aproveitados.

23) Não era possível entregar manuais e telas finais de uma obra que sofreu tantas e sucessivas alterações.

24) O quadro eléctrico (QE) de aquecimento, ventilação e ar condicionado (AVAC) ficou apertado porque, ao ser instalado em obra, os trabalhadores da autora foram confrontados com o facto de o electricista não ter colocado as protecções dos ventiloconvectores nos quadros principais de piso, conforme tinha sido acordado e escrito no orçamento n.º 370.

25) Com os cabos eléctricos pendurados na parede junto ao quadro eléctrico, os trabalhadores da autora foram obrigados a efectuar as ligações e a colocar os equipamentos de protecção dos ventiloconvectores no quadro eléctrico, ao contrário do que tinha sido inicialmente acordado.

26) Como o quadro eléctrico foi previsto com alguma folga, foi possível colocar todos os equipamentos de protecção eléctrica no mesmo e até iniciar os testes de arranque do sistema.

27) O técnico da autora já tinha alertado que a bomba de calor não estava na posição correcta, mas a situação pior nem era a relatada – arrefecimento do condensador.

28) No modo de condensador, o ar quente produzido pela bomba de calor, quando trabalha em frio, ou seja, quando arrefece a água, tem tendência a subir e existia uma grelha superior, na zona técnica da bomba de calor que deixava o ar quente sair, arrefecendo o espaço.

29) O pior sucedia no funcionamento em modo quente, ou seja, ao aquecer a água, em que o frio produzido pela bomba de calor no espaço onde estava localizada não tinha possibilidade de sair, uma vez que o ar frio tem tendência a baixar.

30) O técnico da autora já tinha alertado a ré e os seus técnicos na obra sobre este posicionamento da bomba de calor, pretendendo executar alterações no espaço, nomeadamente executando a alteração referida no art. 101.º da contestação.

31) Mas a ré e os seus técnicos na obra argumentaram que já tinha sido construída uma grelha superior e não iriam cortar as portas que escondiam o espaço onde estava a bomba de calor porque esteticamente era feio.

32) A tubagem em PEAD reduz a resistência mecânica para temperaturas altas, mas quando se trata de temperaturas acima de 85ºC a 16 bar.

33) A rede não tinha purgadores porque, a ré não queria ver caixas no jardim e, para evitar o problema da acumulação de ar, foi instalado um separador de microbolhas.

34) O cabo eléctrico que foi instalado foi o de H05VV-F 5G4,0, com uma distância de 27 metros.

35) A bomba de calor é constituída por 2 compressores de 4,1 kw e os mesmos nunca arrancam ao mesmo tempo, sendo que o pico máximo de corrente seria de 23 amperes.

36) O quadro eléctrico tinha um controlador/autómato, que é programado.

37) O controlador instalado era da marca Eliwel, modelo free smart, empresa multinacional a trabalhar no ramo desde 1980 e, com a aplicação de acessórios, era possível ser controlado via internet.

38) A colocação de uma válvula termo estática à saída do depósito acumulador é um equipamento opcional, não solicitado pela ré, mas uma vez que o acumulador produz água quente instantânea, não é usual a sua colocação.

39) Se a rede estiver equilibrada pelas válvulas de 3 vias dos ventiloconvectores, o sistema pode operar sem necessidade destas válvulas de regulação.

40) As válvulas de regulação dos caudais instalam-se normalmente em sistemas complexos e com vários equipamentos.

41) No caso do sistema instalado pela autora, tratava-se de uma pequena instalação e de fácil afinação pelo que não se justificava a introdução de válvulas de regulação.

42) A autora, de modo a evitar rupturas na rede hidráulica em multi-camada, executou linhas completas, sem uniões ou curvas, desde o piso técnico até cada um dos equipamentos.

43) Este procedimento garantia que não iriam ficar embutidas nas paredes acessórios que são susceptíveis de rupturas ao longo do tempo e, ao mesmo tempo, perdas de carga na distribuição hidráulica.

44) Dada a dificuldade em instalar portas de visita de acesso ao tecto falso, porque a ré não queria ver o tecto cheio de “tampas”, e as constantes alterações no posicionamento dos ventiloconvectores e dos tectos falsos, decidiu a autora instalar um separador de microbolhas na zona técnica, de modo a separar o ar que a instalação poderia ter.

45) O contador de energia é um dispositivo que pode ser instalado, a qualquer momento, por qualquer consumidor, em qualquer instalação, seja ela de aquecimento, iluminação ou outra, desde que assim o entenda.

46) A autora sugeriu então que poderiam ser construídas e instaladas umas caixas de lavagem do ar (Scrubber), que levam ao abatimento dos polens por pulverização de humidade, fazendo com que os mesmos se separassem do ar, assim evitando que entrassem no sistema de renovação de ar.

47) O marido da ré comunicou então à autora que pretendia que fossem instaladas tais caixas.

48) O facto de os ventiloconvectores estarem acessíveis, por porta de visita, foi alvo de várias conversas entre a autora e as equipas de projectistas e arquitectos contratados pela ré, uma vez que estes queriam executá-las com dimensões muito reduzidas, o que prejudicava a execução de trabalhos de manutenção.

49) Só se garante o retorno do líquido solar ao depósito acumulador se o colector solar for construído em forma de harpa, como foi o caso, e não o contrário (em serpentina).

50) O rendimento do sistema “drain back” é igual ao de circulação forçada, uma vez que o colector solar é o mesmo; o rendimento do colector não aumenta ou diminui em função do tipo de sistema de circulação.

51) A autora colocou equipamentos em todos os locais indicados pela ré, com excepção do piso inferior, no qual seriam colocados mais tarde, após o licenciamento da habitação estar concluído (o que ainda não ocorrido).

*

1 – Processado anterior à reabertura da audiência final:

A autora considera que o processado anterior à reabertura da audiência final não cumpriu o ordenado no acórdão anteriormente proferido por esta Relação. A sua argumentação é, esquematicamente, a seguinte:

- O acórdão determinou que o tribunal a quo poderia reabrir a audiência final, ordenando a produção da prova suplementar que julgasse necessária; porém, o tribunal a quo reabriu a audiência sem ordenar previamente a produção de prova suplementar e sem indicar os factos que julgava necessário esclarecer; em vez disso, determinou que, nessa audiência, fossem ouvidos o perito nomeado pelo tribunal e a testemunha AA para que prestassem esclarecimentos;

- A inquirição do perito nomeado pelo tribunal veio a resultar num novo relatório pericial, subscrito por todos os peritos e, como os próprios referem, é importante esclarecer que algumas questões agora levantadas, especialmente pela ré, são novas questões e não propriamente esclarecimentos aos quesitos iniciais, sendo certo que a prestação de novos esclarecimentos não tem fundamento legal nem foi determinada oficiosamente;

- Carece de fundamento legal a reinquirição da testemunha AA, já que o tribunal a quo não indicou previamente qual a razão para o seu depoimento;

- Quer a prestação de esclarecimentos por parte dos peritos, quer o novo depoimento da testemunha AA, foram requeridos pela ré quando o acórdão é claro no sentido de determinar que era ao tribunal e não às partes que competia ordenar a produção da prova suplementar que julgasse necessária;

- Tanto mais que o tribunal a quo sustentou a sua convicção relativamente aos factos provados com base no que resulta do “novo relatório pericial” e da nova inquirição de testemunha, prova suplementar que não “ordenou” nem julgou “necessária”.

Note-se, em primeiro lugar, que o processado que a autora critica se corporizou em diversos despachos proferidos pelo tribunal a quo, descritos no relatório do presente acórdão. Ora, a autora não interpôs apelação autónoma de qualquer desses despachos, nem incluiu algum deles no objecto daquela que agora apreciamos [cfr. o disposto no artigo 644.º, n.º 2, al. d), e n.º 3, do CPC]. O recurso interposto pela autora tem por objecto apenas a sentença. Logo, todos os referidos despachos transitaram em julgado, não podendo ser alterados neste recurso.

Não obstante aquilo que acabámos de concluir arrumar a questão em análise, não deixaremos de observar que a crítica feita pela autora ao processado anterior à reabertura da audiência final não tem razão de ser. O sentido do acórdão anteriormente proferido não é o de o tribunal a quo ordenar apenas a produção da prova que ele próprio, por sua exclusiva iniciativa, julgasse necessária para ficar esclarecido. Muito pelo contrário, o tribunal a quo cumpriu, acertadamente, aquele segmento do acórdão em conformidade com o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, dando às partes oportunidade para se pronunciarem sobre a necessidade de produção de prova suplementar e a selecção desta. Ouvidas as partes, o tribunal a quo decidiu, ordenando a produção da prova que considerou necessária para ficar esclarecido.

A inquirição do perito nomeado pelo tribunal veio a resultar num novo relatório pericial, subscrito por todos os peritos, na sequência dos requerimentos por aquele apresentados em 12.10.2020 e em 24.12.2020, que obrigaram o tribunal a quo a adaptar o processado às circunstâncias com que foi confrontado. Realce-se que as partes foram sempre ouvidas previamente. Importa ainda lembrar o disposto nos artigos 6.º, n.º 1 (dever de gestão processual), e 411.º (princípio do inquisitório) do CPC, que dão respaldo legal à actuação processual do tribunal a quo. Nomeadamente, se o tribunal a quo o antevia como útil para a decisão da causa, nada obstava à reinquirição de uma testemunha já ouvida ou à prestação de novos esclarecimentos pelos peritos.

Finalmente, não encontramos fundamento legal para obrigar o tribunal a quo a fixar, através de despacho anterior à reabertura da audiência final, quais os factos que julgava necessário esclarecer. O objecto da prova encontrava-se delimitado, pelo que, dentro desse âmbito, o tribunal e as partes eram livres de solicitarem os esclarecimentos que entendessem.

Concluindo este ponto, a actuação processual do tribunal a quo que antecedeu a reabertura da audiência final não é merecedora de qualquer crítica.

2 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

A autora começa por considerar confusa a forma como o tribunal a quo enunciou a matéria de facto provada. Ainda que assim seja, é indiferente. A sentença recorrida não fica inquinada por essa razão.

Em seguida, a autora analisa o relatório pericial, concluindo que o seu conteúdo deve prevalecer sobre o do depoimento da testemunha AA e o relatório por este elaborado e, consequentemente, “as respostas a dar às matérias supra indicadas têm que conter as concretas referências feitas, em cada uma delas, pelos peritos, as quais devem ser acrescentadas às respostas dadas e devem ser eliminadas as formulações vagas, genéricas e conclusivas”.

Uma manifestação de discordância relativamente à decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto formulada nos termos descritos não cumpre a exigência constante do artigo 640.º, n.º 1, al. c), do CPC. Nos termos desta norma, quando impugne a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Analisemos esta questão mais pormenorizadamente.

A autora especifica os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados: alíneas ffff), ggg), eeee), mmm), vvv), www), ppp), uuu), kkk), sss), aaaa), bbbb), dddd), iiii), jjjj), llll, mmmm), pppp), qqqq), ssss) e tttt). Assim cumpre a exigência decorrente do artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC.

A autora também identifica o meio de prova em que funda a sua discordância: o relatório pericial. Assim cumpre a exigência decorrente do artigo 640.º, n.º 1, al. b), do CPC.

Porém, a autora não indica qual é o teor da decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre cada um daqueles pontos. A afirmação de que “as respostas a dar às matérias supra indicadas têm que conter as concretas referências feitas, em cada uma delas, pelos peritos, as quais devem ser acrescentadas às respostas dadas e devem ser eliminadas as formulações vagas, genéricas e conclusivas” é, para o efeito estabelecido no artigo 640.º, n.º 1, al. c), do CPC, claramente insuficiente. Esta norma legal exige expressamente que o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto especifique qual é a redacção de cada um dos pontos mencionados na al. a) que considera ser a correcta. Não basta dizer que tais pontos devem ser alterados de acordo com o teor de determinado meio de prova e de forma a eliminar formulações vagas, genéricas e conclusivas. Sendo assim, não poderá proceder-se a qualquer alteração dos referidos pontos da matéria de facto provada.

Por outro lado, a autora pretende a eliminação das alíneas aaa), bbb) e vvv) da matéria de facto provada com o argumento de que o seu conteúdo é vago, genérico e conclusivo. Ainda que assim fosse, tal deficiente formulação não constituiria fundamento para a eliminação dos referidos pontos da matéria de facto provada. As consequências de uma menos precisa descrição de factos relevantes para a decisão da causa fazem-se sentir noutra sede, a saber, na aplicação do direito aos factos. Sairá, naturalmente, prejudicada a parte a quem tais factos aproveitariam, onerada com o ónus da sua alegação e prova.

Adiante veremos se poderá ser atribuída alguma relevância ao conteúdo das alíneas aaa), bbb) e vvvv). Seguro é que não existe fundamento legal para a sua eliminação. Quando muito, o seu conteúdo poderá ser considerado total ou parcialmente irrelevante para a determinação do direito aplicável e, por essa via, para a decisão da causa.

A autora sustenta que se verifica uma contradição entre as alíneas oooo) e vvvv). Não tem razão. Aquilo que deve concluir-se é que o local referido na alínea oooo) não é um dos “inúmeros locais” a que a alínea vvvv) alude.

Relativamente à matéria constante da alínea rrrr), não se encontra demonstrado que se verifique a contradição invocada pela autora. Os termóstatos de controlo e comando são elementos de um sistema, pelo que não é, à partida, de excluir a hipótese de a deficiente programação de alguns tornar necessária a reprogramação de todos. Se tal hipótese corresponde ou não à realidade, é questão diversa. Porém, acerca dela, a autora não indica qualquer meio de prova que permita concluir que se verificou um erro de julgamento pelo tribunal a quo.

Na conclusão M), a autora suscita uma questão, relativa à alínea yyyy) da matéria de facto provada, relativamente à qual o corpo das alegações é omisso. Importa determinar as consequências desta actuação processual.

O n.º 1 do artigo 639.º do CPC estabelece que as conclusões do recurso têm a função de sintetizar as alegações, nelas se devendo indicar os fundamentos por que é pedida a alteração ou a anulação da decisão recorrida.

Daqui resultam dois corolários.

Por um lado, as conclusões não podem ter o mesmo grau de generalidade das alegações, maxime reproduzindo-as, ainda que com uma diferente apresentação gráfica e/ou alterando uma palavra ou outra, como tantas vezes acontece (embora não no caso dos autos, sublinhe-se). Em vez disso, devem sintetizar a argumentação desenvolvida no corpo das alegações.

Por outro lado, as conclusões só o são verdadeiramente na medida em que versem sobre questões suscitadas no corpo das alegações. Uma conclusão referente a uma questão não suscitada no corpo das alegações não conclui coisa alguma, é um nada em termos processuais, inexiste enquanto tal. É o que acontece na conclusão M) do recurso interposto pela autora, pelo que a mesma deverá considerar-se não escrita.

3 – Tempestividade da denúncia de defeitos dos trabalhos executados pela autora e do exercício do direito de acção:

Na contestação, a ré alegou que os trabalhos executados pela autora apresentavam aquilo que designou, sucessivamente, por “anomalias”, “falhas”, “lapsos”, “alterações e diferenças”, “deficiências”, “graves deficiências”, “situações irregulares”, “erros” e “defeitos”.

Na réplica, a autora alegou, por seu turno, que a ré não denunciou os defeitos que invocou com o grau de precisão necessário e dentro do prazo de 1 ano após o seu conhecimento, pelo que se verificou a caducidade dos seus eventuais direitos, nos termos dos artigos 1225.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil (CC), e 5.º-A, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003.

Na sentença recorrida, entendeu-se que resulta da matéria de facto provada que a ré denunciou os defeitos dentro do prazo de 30 dias a que alude o artigo 1220.º, n.º 1, do CC, e exigiu à autora a respectiva eliminação nos termos exigidos pelo artigo 1221.º, n.º 1, do mesmo código.

Em sede de recurso, a autora sustenta que, da matéria de facto provada, nada resulta em termos de denúncia, data da denúncia e defeitos que, em concreto, tenham sido denunciados, carecendo, portanto, de fundamento a conclusão, a que o tribunal a quo chegou, de que a ré denunciou os defeitos no prazo de 30 dias e exigiu a sua eliminação.

Nas contra-alegações, a ré respondeu que: 1) Denunciou atempadamente alguns defeitos (visíveis) da obra e a não conclusão desta; 2) Não estava obrigada a denunciar, especificadamente, equipamento a equipamento e material a material, que a instalação não estava conforme, o que fazia com que esta tivesse paragens e desse erros; 3) As falhas que constam do relatório subscrito pelo Engenheiro AA que se encontra junto aos autos só foram detectadas, apuradas e por si conhecidas em Agosto de 2015. Logo, conclui a ré, a denúncia dos defeitos foi feita dentro do prazo de 1 ano previsto na lei.

Importa analisar a pertinência da questão da tempestividade da denúncia de defeitos da obra e do exercício do correspondente direito de acção nos termos em que a mesma foi colocada pelas partes e decidida pelo tribunal a quo.

Resulta das alíneas p) a ee), ll), tt) e aaa) da matéria de facto provada que a autora não concluiu a obra. Esta circunstância determina um enquadramento jurídico diverso daquele que vem sendo discutido entre as partes e foi feito pelo tribunal a quo. A aplicação do regime, específico do contrato de empreitada, estabelecido nos artigos 1218.º a 1226.º do CC, pressupõe que o empreiteiro conclua a obra e a entregue ao dono desta.

A situação dos autos é diversa. O dono da obra detectou defeitos na execução desta enquanto a mesma decorria. Ou seja, detectou esses defeitos no exercício do seu direito de fiscalização da execução da obra. Logo, é aplicável, não o regime dos artigos 1218.º a 1226.º do CC, mas sim o do artigo 1209.º do mesmo código. O n.º 1 deste artigo estabelece que o dono da obra pode fiscalizar, à sua custa, a execução dela, desde que não perturbe o andamento ordinário da empreitada. O n.º 2 estabelece que a fiscalização feita pelo dono da obra, ou por comissário, não impede aquele, findo o contrato, de fazer valer os seus direitos contra o empreiteiro, embora sejam aparentes os vícios da coisa ou notória a má execução do contrato, excepto se tiver havido da sua parte concordância expressa com a obra executada.

Decorre do regime jurídico do exercício do direito de fiscalização da execução da empreitada pelo dono da obra que, no decurso daquela execução, este último pode, a todo o tempo, apontar ao empreiteiro os defeitos que detecte. Inexiste norma legal que, nessa fase, imponha, ao dono da obra, prazos para advertir o empreiteiro de que a mesma está a ser mal executada. O n.º 2 do artigo 1209.º do CC, acima transcrito, até vai mais longe, ao permitir que, não obstante o seu direito de fiscalização, o dono da obra não fica impedido de, findo o contrato, exercer os seus direitos contra o empreiteiro, ainda que sejam aparentes os vícios da coisa ou notória a má execução do contrato, ressalvando apenas a hipótese de ele ter concordado expressamente com a obra executada.

Aquilo que se discute é se, perante uma chamada de atenção – evitamos o uso do termo “denúncia”, reservando-o para a comunicação, ao empreiteiro, da existência de defeitos da obra, por parte do dono desta, após a sua conclusão e entrega, com vista a deixar clara a diferença entre as duas situações –, feita pelo dono da obra ao empreiteiro, para a deficiente execução desta, o segundo tem o dever de proceder à correcção do defeito antes de entregar a obra.

A este propósito, PEDRO ROMANO MARTINEZ entende que “Se, aquando da fiscalização, o comitente detectar vícios na execução da obra, deve indicá-los ao empreiteiro, mas não tem o direito a exigir a imediata eliminação de tais defeitos. De facto, a exigência de eliminação dos defeitos, durante a fase de execução da obra, implicaria uma dependência do empreiteiro em relação à contraparte, que não se coaduna com a estrutura deste contrato. Contudo, se se verificar que, em razão dos materiais empregues, ou pelos vícios de que a obra já padece, há uma impossibilidade de execução da mesma em termos adequados, o comitente pode resolver o contrato, antes da conclusão da obra, por força do disposto no art.º 801.º, n.º 2”[1].

Idêntico entendimento é sustentado por JOÃO CURA MARIANO, nos seguintes termos: “Durante os actos de realização da obra, apesar do dono desta dispor de poderes de fiscalização, o que lhe permitirá advertir o empreiteiro da existência de defeitos que se forem revelando, não tem ainda o direito de exigir a sua eliminação, uma vez que não existe entre eles uma relação de subordinação que admita interferências na actividade do empreiteiro, a qual ainda não foi dada como concluída”[2].

Entendimento diverso é o de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO. Segundo este autor, “A presença de fiscalização deixa antever, pelo menos, um certo poder de correcção ou de direcção. O Direito Civil é substancialista. A essa luz, mal se compreenderia que o dono da obra, apercebendo-se do mau andamento de uma obra, tivesse de aguardar estoicamente até ao fim para, então, poder denunciar os defeitos. Por certo que, até por um elementar dever ex bona fide de lealdade, em tal hipótese, ele deve avisar o empreiteiro do sucedido. Este, por seu turno – que até poderia nem se ter apercebido – ficará com o dever redobrado de não prosseguir com uma má execução que, no termo, só poderá ampliar os danos. A lei permite que, em certos moldes (1216.º), o dono da obra altere unilateralmente o próprio plano acordado. A fortiori, permitirá que, verificando-se, na fiscalização, uma má execução, o dono dê instruções ao empreiteiro para que emende o decurso da execução. (…) Tudo aponta para que a presença, no Código, de um poder de fiscalização na esfera do dono da obra pressuponha, na esfera deste, um poder de ordenar a correcção de vícios e defeitos. (…) Se não for ‘obedecido’, temos o incumprimento do contrato, a gerir, na falta de regras explícitas para a empreitada, de acordo com as regras gerais: interpelação, mora (804.º), interpelação admonitória (808.º/1, 1.ª parte) ou perda do interesse do credor (808.º/1, 2.ª parte), seguido de incumprimento definitivo. E este permite a resolução (…)”[3]

Em qualquer dos entendimentos expostos, verifica-se uma constante: Durante a execução da obra e no exercício do seu direito de fiscalização desta, o dono da obra pode comunicar ao empreiteiro a existência de defeitos nessa execução. A comunicação pode ter lugar a todo o tempo, não se aplicando, nomeadamente, os prazos legais de denúncia de defeitos detectados após a conclusão e entrega da obra.

No caso dos autos, a ré, dona da obra, detectou anomalias no decurso da execução desta e solicitou, diversas vezes, à autora, que procedesse à sua correcção. Tal como a autora salienta, a matéria de facto provada não especifica que anomalias lhe foram, em concreto, comunicadas. Seja como for, por aquilo que anteriormente afirmámos, a questão perdeu interesse. Não estamos perante uma denúncia de defeitos da obra nos termos do artigo 1220.º do CC, pelo que a questão da caducidade dos direitos da ré por eventual incumprimento do prazo estabelecido nesta norma nem sequer se coloca. O mesmo se diga em relação à questão do cumprimento do prazo estabelecido no artigo 1224.º do CC. A decisão a proferir passa, sim, pela análise das duas questões seguintes.

4 – Abandono da obra:

Entendeu-se, na sentença recorrida, que a autora abandonou a obra porquanto: 1) Em meados de 2013, quando a obra já se encontrava praticamente concluída, os trabalhos pararam; 2) A partir de Setembro de 2013, a ré solicitou várias vezes à autora que esta concluísse a obra; 3) A autora invocou várias razões para a paragem dos trabalhos, desde problemas no fornecimento de peças até ao facto de se encontrar sobrecarregada com trabalho; 4) Em 14.05.2013, a ré contactou a autora exigindo que fosse concluída rapidamente a obra; 5) A autora nunca chegou a fornecer, à ré, o projecto referido em ll), apesar de ter sido instada diversas vezes para o efeito, quer pela ré, quer pela empresa de fiscalização da empreitada geral de ampliação da moradia da ré; 6) A ré solicitou diversas vezes à autora que procedesse à correcção das anomalias detectadas na obra e à conclusão desta; 7) A autora não corrigiu as anomalias detectadas, quer na execução da instalação, quer nos testes iniciais, nos quais foram detectadas várias anomalias, alarmes e paragens de funcionamento; 8) A autora não concluiu o comissionamento (ensaios e testes) da instalação AVAC; 9) A autora não entregou os manuais técnicos da instalação, as telas finais, o relatório de execução de ensaios, os catálogos técnicos e as fichas para manutenção, recusando-se sempre a fazê-lo enquanto a ré não pagasse as facturas identificadas em j) e k).

Com base no entendimento de que se verificou o abandono da obra por parte da autora e de que os defeitos da obra foram denunciados atempadamente, concluiu-se, na sentença recorrida, que “não pode a autora, sob pena de abuso de direito (art.º 334.º do CC), exigir qualquer pagamento, sonegando o projecto da obra e manuais do equipamento instalado, elementos absolutamente essenciais, quer para a fiscalização dos trabalhos efectuados, quer para assegurar a manutenção futura dos equipamentos em causa.”

Analisemos se se verificou, efectivamente, um abandono da obra por parte da autora.

Recorrendo ao ensinamento de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “o abandono da obra, pelo empreiteiro, constitui uma violação grave, evidenciando um propósito firme e definitivo de não cumprir.”[4] Pressupõe a manifestação, pelo empreiteiro, de “um desinteresse objectivo e final” pela obra[5].

A autora iniciou os trabalhos em obra no mês de Agosto de 2012. Porém, em meados do ano de 2013, quando a obra já se encontrava praticamente concluída, a autora parou a sua execução. A partir de Setembro de 2013, a ré solicitou várias vezes à autora que concluísse a obra, tendo a segunda invocado diversas razões para a referida paragem, desde problemas no fornecimento de peças até ao facto de estar sobrecarregada com trabalho. Portanto, apesar da referida paragem na execução da obra, não existe fundamento factual para concluir que a autora tenha, de alguma forma, manifestado um propósito firme e definitivo de não cumprir o contrato de empreitada. Pelo contrário, quando instada pela ré, repetidamente, no sentido de concluir a obra, a autora tentou sempre justificar-se, invocando razões que, segundo ela, a impossibilitavam temporariamente de prosseguir, nunca tendo afirmado que não concluiria a obra nem demonstrado, de forma inequívoca, através do seu comportamento, que não tinha a intenção de concluir a obra.

Não se provou a estipulação, no contrato de empreitada, de um prazo para a conclusão da obra. Não obstante, deve entender-se que a referida paragem na execução da obra e a sua persistência não obstante as solicitações da ré para que tal execução fosse retomada se traduziram numa violação, por parte da autora, dos seus deveres contratuais. Isto porque a autora se encontrava obrigada a cumprir aquele contrato com a diligência de um bom pai de família e em conformidade com as exigências da boa-fé (artigos 487.º, n.º 2, 762.º, n.º 2, e 799.º, n.º 2, do CC), sendo a paragem prolongada e injustificada (os reais motivos da paragem não foram demonstrados) da execução da obra incompatível com tal padrão de conduta. A referida violação contratual traduziu-se num retardamento injustificado da realização da prestação principal a que a autora se vinculou, pelo que deve entender-se que esta caiu, então, numa situação de mora, nos termos do artigo 804.º, n.º 2, do CC.

A mora da autora na realização da prestação principal a que se vinculou através do contrato de empreitada nunca se transformou em incumprimento definitivo. A ré nunca perdeu, objectivamente, interesse na conclusão da obra pela autora, nem fixou um prazo razoável para esta concluir a obra sob pena de a mora se transformar em incumprimento definitivo, nos termos do artigo 808.º do CC.

A autora, por seu turno, apesar de se encontrar em mora, nunca comunicou à ré que não tinha a intenção de concluir a obra, nem o demonstrou, de forma inequívoca, através do seu comportamento.

A actuação posterior das partes confirma o que acabámos de afirmar. A autora demonstrou que tinha a intenção, não de abandonar a obra, deixando-a incompleta, mas sim de a terminar, e a ré manifestou vontade de que tal acontecesse.

Assim, em 11.06.2014, realizou-se uma reunião, com a presença de um representante da ré, do arquitecto responsável pelo projecto de arquitectura, de um representante da autora e de uma empresa de consultadoria e fiscalização de obras, tendo como objectivo o prosseguimento dos trabalhos e a finalização da obra. Nessa reunião, houve um acordo entre as partes para a finalização dos trabalhos e consequente recepção provisória da obra e foi solicitado, à autora, que apresentasse um planeamento para a breve conclusão dos trabalhos, sendo oportunamente marcada uma próxima reunião. Seguiu-se uma troca de correspondência entre autora e ré, na sequência da qual foi agendada nova reunião, que se realizou em 06.08.2014. A autora ficou, então, de entregar um plano de trabalhos com vista à finalização da obra de climatização, o que fez através de mail de 11.08.2014, solicitando confirmação para poder iniciar os trabalhos. Posteriormente, a autora enviou à ré carta registada com aviso de recepção, datada de 26.08.2014, solicitando de novo confirmação, com vista à finalização da obra de climatização, à qual a ré respondeu, através de carta datada de 31.10.2014. Seguiu-se mais troca de correspondência, até 05.03.2015. Porém, em Maio de 2015, a ré contratou outro empreiteiro, que concluiu a obra, não permitindo o prosseguimento desta pela autora.

Decorre dos factos descritos que em momento algum a autora abandonou a obra e que a própria ré demonstrou interesse, até pouco antes da contratação de outro empreiteiro, em que aquela concluísse a obra. Por outras palavras, o contrato de empreitada esteve em vigor desde a sua celebração até à contratação de outro empreiteiro pela ré e à não permissão, por esta, de prosseguimento da obra pela autora.

Em síntese: a matéria de facto provada não permite configurar um abandono da obra por parte da autora.

5 – Desistência da empreitada:

Como vimos no ponto anterior, a autora caiu, em 2013, numa situação de mora na execução da obra, nos termos do artigo 804.º, n.º 2, do CC. A autora parou de executar esta última durante um longo período sem demonstrar a existência de uma impossibilidade de prosseguir que não lhe fosse imputável.

Mais, a autora não corrigiu os erros de execução da obra que a ré, no exercício do seu direito de fiscalização da obra, lhe comunicou, nomeadamente na reunião realizada em 11.06.2014. Coloca-se a questão de saber se, também por isso, a autora se encontrava em mora.

Na contenda doutrinária que reportámos a propósito da 3.ª questão, seríamos, numa primeira abordagem, tentados a alinhar com a posição de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO. A análise de uma questão jurídica sob uma perspectiva funcional permite soluções materialmente mais adequadas à justa composição dos interesses em jogo que uma análise que se baseie na mera dedução das consequências jurídicas de um conceito.

Concretizando, a questão da necessidade de o empreiteiro acatar os reparos sobre a execução da obra que o dono desta, por si ou através de comissário, lhe fizer, não pode ser resolvida com base numa argumentação meramente conceptual, que negue aquela necessidade com fundamento na inexistência de um nexo de subordinação jurídica do empreiteiro ao dono da obra. Em vez disso, parece dever prevalecer uma visão funcional do contrato de empreitada, mais precisamente da prestação principal do empreiteiro, que é a realização da obra. Esta é executada com vista a satisfazer um interesse do dono da obra. A esta luz, parece, à partida, não fazer sentido que, perante um reparo feito pelo dono da obra sobre a forma de execução desta, o empreiteiro insista em prosseguir tal execução “à sua maneira”, assim avançando para uma quase certa confrontação com aquele no final.

Porém, a ponderação de todas as consequências deste entendimento demonstra a sua inviabilidade prática, pois abriria a porta a intermináveis conflitos entre empreiteiro e dono da obra no decurso da execução desta e, no limite, à inviabilização do fim do contrato, com prejuízos para ambas as partes.

Imaginemos que o dono da obra faz um reparo ao empreiteiro sem razão de ser e que a forma de execução da obra que ele pretende contraria as legis artis. Esta hipótese nada tem de académico. O dono da obra pode ser um perfeito ignorante sobre a(s) técnica(s) que a execução da obra envolve e não ter consciência disso. Pior, pode ter uma infundada convicção de que sabe mais que o empreiteiro. Tenha-se em conta que, numa empreitada civil, é vulgar o dono da obra ser um leigo na matéria e não solicitar os serviços de um terceiro para fiscalizar a execução da obra, contrastando com o empreiteiro, que é, desejavelmente, um profissional com conhecimentos técnicos suficientes para a execução da obra. Perante um reparo feito pelo dono da obra sobre o modo como esta é executada e em cumprimento do dever de actuação das partes de acordo com os cânones da boa-fé no cumprimento do contrato, o empreiteiro que considere que tal reparo não tem razão de ser deverá, na medida do razoável, procurar esclarecer o dono da obra, demonstrando a falta de razão deste.

Suponhamos, porém, que, apesar desse esclarecimento, o dono da obra não fica convencido de que é ele quem está errado. Nessa hipótese, não seria razoável impor, ao empreiteiro, a execução da obra em violação das legis artis. A execução de uma obra não constitui apenas uma fonte de rendimento para o empreiteiro, que ele possa levar a cabo maquinalmente. Há outros interesses em jogo, até mesmo, em certo tipo de obras, de natureza pública. Poderá estar em causa a segurança do empreiteiro, dos colaboradores deste ou de terceiros. Além de que uma obra bem feita constituirá o melhor cartão de visita do empreiteiro, ao passo que uma obra mal feita manchará, com grande probabilidade, a sua reputação no mercado.

Ficaríamos, então, num impasse, com o dono da obra a instar o empreiteiro no sentido de este executar a obra de determinada maneira e o segundo a tentar demonstrar ao primeiro de que aquilo que ele pretende é tecnicamente errado. Não é esta, seguramente, a finalidade do direito de fiscalização da execução da obra que o artigo 1209.º do CC atribui ao dono da obra. O n.º 1 estabelece que o exercício daquele direito não pode perturbar o andamento ordinário da empreitada, donde decorre que, por via daquele exercício, o local onde a obra está a ser executada não pode transformar-se num palco de permanentes disputas entre as partes ou quem as represente. O n.º 2, por seu turno, salvaguarda a posição do dono da obra, compensando-o por não lhe ter sido permitido dar instruções vinculativas ao empreiteiro no decurso da execução da obra: pode denunciar vícios ou desconformidades de que se tenha apercebido no exercício do direito de fiscalização, o que é particularmente importante quando os mesmos sejam ocultos, sem prejuízo de o poder fazer também relativamente a vícios aparentes ou a desconformidades notórias. Mal se compreenderia, aliás, que o dono da obra que exercesse o seu direito de fiscalização pudesse dar ao empreiteiro instruções vinculativas no decurso da execução da obra e, após a conclusão e entrega desta, pudesse denunciar vícios aparentes ou desconformidades notórias.

Por outro lado, permanece a salvaguarda, referida por PEDRO ROMANO MARTINEZ que acima referimos: se se verificar que, em razão dos materiais empregues, ou pelos vícios de que a obra já padece, há uma impossibilidade de execução da mesma em termos adequados, o dono da obra pode resolver o contrato, antes da conclusão desta, por via do disposto no art.º 801.º, n.ºs 1 e 2, do CC. Aquilo que não faz sentido é admitir que o direito de fiscalização se convole num poder de direcção do dono da obra sobre o modo de execução desta, não previsto no regime jurídico do contrato de empreitada civil.

Concluindo, a autora não se encontrava em mora por não corrigir as deficiências na execução da obra que a ré lhe apontou. Contudo, encontrava-se nessa situação porque parou de executar a obra durante um período muito alargado sem demonstrar a existência de uma impossibilidade de prosseguir que não lhe fosse imputável.

Apesar de se encontrar em mora, a autora exigiu à ré o pagamento das quantias mencionadas nas duas facturas referidas nas alíneas j) e k) da matéria de facto provada. Não podia fazê-lo. Nada se provou sobre o momento do pagamento de preço da empreitada. Logo, é aplicável o regime supletivo estabelecido no artigo 1211.º, n.º 2, do CC: a ré só tinha de efectuar o pagamento do preço no acto da aceitação da obra, que ainda não tinha ocorrido. O não pagamento das quantias mencionadas nas duas referidas facturas não justificava a recusa da autora em retomar a execução da empreitada enquanto tal pagamento não fosse efectuado, nomeadamente invocando a excepção de não cumprimento do contrato (artigos 428.º a 431.º do CC). Antes de exigir o pagamento das quantias mencionadas nas facturas em causa, a autora tinha de concluir e entregar a obra.

A ré podia ter transformado a mora da autora em incumprimento definitivo mediante a interpelação admonitória prevista no artigo 808.º, n.º 1, do CC. Esta interpelação teria de conter: 1) A intimação para o cumprimento; 2) A fixação de um prazo razoável, mas peremptório, para o cumprimento; 3) A admonição ou cominação de que a obrigação seria considerada definitivamente não cumprida se a prestação em falta não fosse realizada dentro daquele prazo[6]. Se, apesar dessa interpelação, a autora persistisse na sua posição de não concluir a obra enquanto não recebesse as quantias mencionadas nas facturas referidas nas alíneas j) e k) da matéria de facto provada, e uma vez decorrido o prazo razoável previsto naquela norma legal, a mora da autora transformar-se-ia em incumprimento definitivo e, a partir desse momento, a ré poderia resolver o contrato de empreitada, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, 436.º, n.º 1, e 801.º, n.ºs 1 e 2, do CC.

Operada a resolução, a ré ficaria livre para contratar outro empreiteiro para concluir a obra e teria direito a ser indemnizada pela autora pelos danos resultantes do incumprimento definitivo, que incluiriam a quantia paga ao segundo empreiteiro para eliminar os vícios e desconformidades da parte da obra realizada pela autora. Note-se, a este propósito, que a ré apenas teria direito a ser indemnizada pela autora do custo por si suportado com a eliminação daquilo que pudesse ser considerado como vício ou desconformidade na obra realizada pela autora, tendo em conta a configuração com esta contratada, excluindo-se, portanto, as alterações que apenas decorressem de uma diferente forma de executar a obra por parte do segundo empreiteiro.

Porém, foi aqui que a ré actuou em desconformidade com a lei e, do ponto de vista do seu interesse, deitou tudo a perder. Não efectuou a interpelação admonitória prevista no artigo 808.º, n.º 1, do CC, que faria cessar a situação de mora da autora, ou porque esta retomasse a execução da obra, purgando a mora e reentrando na situação de cumprimento contratual, ou porque, persistindo a mesma na sua recusa de retomar a execução da obra, incorresse em incumprimento definitivo. Logicamente, a ré também não resolveu o contrato de empreitada que celebrou com a autora, resolução essa que apenas poderia ter lugar validamente após a realização da interpelação admonitória e na hipótese de, na sequência desta, ocorrer incumprimento definitivo por banda da autora.

Da inobservância das formalidades anteriormente descritas por parte da ré resultou que o contrato de empreitada que esta celebrou com a autora permaneceu em vigor, com a segunda na situação de mora. E foi neste circunstancialismo que, em Maio de 2015, a ré celebrou novo contrato de empreitada, com terceiro, para concluir a obra, o que este fez.

A contratação de um terceiro para concluir a obra não se traduziu numa violação da ordem por que devem ser exercidos os direitos do dono da obra se esta tiver defeitos, nos termos dos artigos 1220.º a 1223.º do CC. Como vimos anteriormente, este regime jurídico, privativo do contrato de empreitada, não é aplicável ao caso dos autos porquanto a autora não chegou a concluir a obra e a entregá-la à ré. Todas as vicissitudes descritas ocorreram durante a fase de execução da obra. Daí que sejamos reconduzidos, antes, à figura da desistência da empreitada por parte da ré.

O artigo 1229.º do CC estabelece que o dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra.

Foi isto que a ré fez, nos termos descritos. Perante a mora da autora, não concedeu, a esta, uma derradeira oportunidade para reiniciar a execução da obra contratada, nos termos do artigo 808.º, n.º 1, do CC. Logicamente, a mora nunca se transformou em incumprimento definitivo, nem o contrato de empreitada celebrado entre autora e ré foi por esta validamente resolvido. Em vez disso, a ré, ainda com este contrato em vigor, celebrou novo contrato de empreitada, visando a conclusão da mesma obra, com terceiro, não permitindo o prosseguimento da obra pela autora. Dessa forma, a ré impossibilitou a autora de concluir a obra, sendo certo que, nos termos daquela norma legal, tinha de lhe conceder uma derradeira oportunidade para o fazer.

O artigo 1229.º do CC permite a desistência da empreitada pelo dono da obra, como vimos. Porém, com consequências muito diversas das de uma válida resolução do contrato com fundamento em incumprimento definitivo por parte do empreiteiro. O contrato de empreitada celebrado com entre a ré e a autora extinguiu-se. E esta, além de ter ficado desonerada da obrigação de executar a parte restante da obra, incluindo de corrigir defeitos existentes na parte desta que executou, por impossibilidade que não lhe é imputável (artigo 790.º, n.º 1, do CC), adquiriu o direito de ser indemnizada dos seus gastos e trabalho, bem como do proveito que poderia tirar da obra (artigo 1229.º do CC).

Ora, é precisamente esta a pretensão da autora nesta acção: ser indemnizada pelos gastos e trabalho descritos nas facturas referidas nas alíneas j) e k), sendo certo que se provou que aquela forneceu e instalou o material em causa. Esta pretensão tem fundamento legal, pelo que o recurso interposto pela autora deverá proceder.

Já a ré, ao actuar nos termos descritos, além de ficar com o dever de indemnizar a autora nos termos estabelecidos no artigo 1229.º do CC, perdeu o direito a que esta concluísse a obra e eliminasse os defeitos da parte desta que executou. Como referimos, a ré impossibilitou que a autora o fizesse ao contratar um terceiro para concluir a obra. E não há fundamento legal para condenar a autora a pagar à ré a quantia que esta, por sua vez, pagou ao terceiro que concluiu a obra. Pelo contrário, tal condenação contrariaria o próprio princípio que aflora no artigo 1221.º, n.º 1, do CC: mesmo após a conclusão e entrega da obra, é ao próprio empreiteiro que a realizou com defeitos que o dono da obra pode exigir a sua reparação, apenas se admitindo, excepcionalmente, o recurso a terceiro para esse efeito se aquele não responder à solicitação com a prontidão que a urgência da situação exija. Não faria sentido, numa hipótese de desistência da obra, que o dono desta pudesse mandá-la executar por terceiro à custa do primeiro empreiteiro, ainda que houvesse trabalhos efectuados por este último que apresentassem defeitos.

Consequentemente, o recurso interposto pela ré terá de improceder.

*

Dispositivo:

Pelo exposto, delibera-se:

- Julgar procedente o recurso interposto pela autora, condenando a ré a pagar, a esta, a quantia de € 15.947,57, acrescida dos juros de mora legais, contados desde a data da citação até integral pagamento;

- Julgar improcedente o recurso interposto pela ré.

Custas de ambos os recursos a cargo da ré.

Notifique.

*

Évora, 10.11.2022

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.º adjunto)

(2.ª adjunta)



[1] PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Livraria Almedina, 1994, páginas 387 e 388.

[2] JOÃO CURA MARIANO, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7.ª edição revista e aumentada, Edições Almedina, 2020, página 114.

[3] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, Edições Almedina, 2018, vol. XII, páginas 888 a 891.

[4] Obra citada, página 865.

[5] Obra citada, página 955; cfr., ainda, página 961.

[6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.11.2006 (CUSTÓDIO MONTES).

Acórdão da Relação de Évora de 11.04.2024

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