Processo n.º 2501/22.0T8PTM.E1
*
Sumário:
1 – A escritura pública em
que se consigne que o vendedor declarou já ter recebido do comprador a
totalidade do preço da coisa vendida não faz prova plena desse recebimento.
2 – Tal escritura faz prova plena
de que o vendedor emitiu a declaração, dirigida ao comprador e perante o
oficial público, de que já recebeu a totalidade do preço.
3 – Essa declaração, por seu
turno, constitui uma confissão extrajudicial, por parte do vendedor, de que já
recebeu a totalidade do preço da coisa vendida, pelo que faz prova plena desse
facto.
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Autora: CD, S.A.
Réu: JM
Pedido: Condenação do réu a
pagar, à autora, a quantia de € 7.500, acrescida de juros vencidos,
contabilizados em € 1501,64, e vincendos até integral e efectivo pagamento.
Sentença: Julgou a acção
totalmente improcedente, absolvendo o réu do pedido.
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A autora interpôs recurso de
apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo, ao arrepio do
princípio da livre apreciação das provas e próprias provas, mormente documentos
e declarações das testemunhas, fez incorrecta interpretação dos factos e
errónea aplicação do direito.
2. Os elementos de prova produzidos e
carreados para os autos, mormente os documentos juntos com a petição inicial,
as declarações das testemunhas, em especial de PD, que teve intervenção e
conhecimento directo dos factos, tudo ainda confrontado com as regras de
experiência e ditames da boa fé, impõem a alteração das alíneas a) e b) dos
Factos Não Provados, devendo no respeito por quanto melhor explanado na parte
relativa a II – Da prova [(alíneas a) e b)] ser elevados nos precisos termos à
dignidade de Factos provados, assim:
Alíneas
a) Em razão das dificuldades no
financiamento bancário, surgiu a solução de o Réu apenas posteriormente pagar à
Autora da quantia de € 7500,00;
b) Por acordo entre as partes, o Réu
assinou uma declaração de dívida, no valor de € 7.500,00, em que se comprometia
a pagar o valor em dívida até ao dia 31 de dezembro de 2011 e na qual o Réu
figura como devedor e PD como credor em representação da sociedade Autora, e
não pagou.
3. Os documentos 5 e 7 juntos com a
petição inicial, sendo que este último identifica o valor da totalidade do
negócio, o pagamento do sinal e respectiva quitação, impõe que pelo menos a
matéria constante da primeira parte da al. d) de factos não provados deva ser
elevada à categoria de facto provado, assim:
Alínea d)
A Autora emitiu a factura n.º 4/2009, de
21-12-2009, relativa ao negócio, no valor total de € 120 000,00, e recibo
quanto ao pagamento do sinal, no valor de € 2500,00.
4. O facto de o Réu ter declarado que
não se recorda de ter assinado a declaração de dívida – igualmente o contrato
promessa – tal, por se tratar de facto pessoal, tem como consequência a
confissão do facto, consequentemente e por si só da procedência da acção – cf.
do art.º 574.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil.
5. A Autora considera que foram violados
os artigos 342.º do Cód. Civil e o n.º 3 do art.º 574.º do Cód. Proc. Civil.
O recorrido apresentou
contra-alegações, com as seguintes conclusões:
A) Julgar de facto é um complexo
exercício de interpretação da realidade trazida ao processo pelas partes. Uma
sentença resulta da livre apreciação da prova e da prudente convicção do Juiz,
julgando de acordo com as regras da experiência e critérios de lógica. A prova
é valorada, apreciada, de acordo com as regras da experiência e, como dito, da
livre convicção do julgador, desempenhando um papel de relevo não só a
actividade cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis,
tomando em consideração todas as provas produzidas.
B) A prova testemunhal, e declarações de
parte, são de fulcral importância, pois o julgador está presente, observa a
linguagem corporal das testemunhas e das partes, a entoação da voz podendo
concluir da convicção e verdade das suas declarações.
C) E a realidade trazida a este processo
pelas partes, nomeadamente recorrente e recorrido, foi clara e simples e apenas
uma interpretação era possível, como o foi, e em consequência foi o Recorrido
absolvido do peticionado pela recorrente em sede de causa de pedir.
D) De forma incompreensível, por
irracional, vêm ora recorrer ao Tribunal Superior com ilógicas e absurdas
alegações de que a sentença padece de errônea aplicação do direito, não
especificando, nem fundamenta, nem alegando quaisquer nulidades ou violações e
em que constitui tal errónea aplicação do direito.
E) A recorrente não identificada
qualquer erro que manifestamente reconduzisse a errónea aplicação do direito,
mas sim apenas a uma mera discordância da recorrente quanto à interpretação e a
aplicação do direito pelo tribunal recorrido.
F) A verdade é que o Julgador não teve
qualquer necessidade de fundamentar a sua decisão de forma mais elaborada,
fê-lo de forma simples e sucinta como o caso merecia.
G) Bastando-se analisar a prova
produzida pelas testemunhas, a documental e ter somado os valores concedidos
pelo Banco (não só os referidos na escritura, mas os que constam do registo
predial e sobre os quais incidiu hipoteca, mas também, mesmo sem este último),
ao valor liquidado pelo Réu a título de sinal, verificando que a diferença
nunca seria coincidente com o valor aposto na “declaração de dívida”,
alegadamente, de acordo com a recorrente assinada pela recorrido.
H) A recorrente só pode ter andado muito
distraída quando vem alegar e requerer que lhe seja reconhecida a confissão do
Réu, no âmbito do 574º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
I) A Recorrente faz uma má aplicação da
lei no âmbito do ónus da prova, bem como uma má interpretação da impugnação do
recorrido em sede de contestação aos factos que constituíram a causa de pedir
da recorrente em sede de p.i., o que não se compreende, dado que a impugnação
do recorrido é clara, directa e óbvia.
J) Dúvidas não restam que de forma
notória e explícita que, quer no artigo 43, quer em outros tantos da
contestação, o recorrido impugna e nega perentoriamente que devesse o quer que
fosse à recorrente ou a PD ou mesmo que tivesse assinado tal documento de
dívida.
K) Resulta de toda a contestação do recorrido
que, não só impugnou o documento (declaração de dívida) como também a sua
assinatura aposta na mesma.
L) O recorrido nunca aceitou, nem
reconheceu, em contestação ou em julgamento, que tivesse assinado qualquer
declaração de dívida, impugnando-o em sede própria como também a assinatura
alegadamente aposta no documento denominado “Declaração de Dívida, apresentado
pela recorrente e por PD.
M) O recorrido apresentou ainda
queixa-crime, a qual correu termos no DIAP de (…), 1ª Secção criminal, com o
processo n.º 1686/19.8PAPTM, pelo facto de não ser sua assinatura que constava
na declaração de dívida.
N) Diga-se nesta sede, que o recorrido
nunca receou ou temeu ser submetido a qualquer perícia à sua letra que pudesse
vir a ser conclusiva, o que não aconteceu, pois como diz o velho ditado popular
“quem não deve, não teme”.
O) Assim, impugna-se a alegada confissão
pelo recorrido, nos termos alegados e requeridos pela recorrente na presente
peça.
P) Andou bem o Tribunal “a quo” ao
sentenciar como sentenciou e o Recorrido partilha dos mesmos fundamentos de
facto e de direito constantes da douta sentença recorrida, repetimo-nos, no que
ao Recorrido diz respeito pronunciar-se pois no mais não lhe compete.
O recurso foi admitido.
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Questões a decidir:
- Impugnação da decisão sobre a matéria
de facto;
- Se existe fundamento jurídico para
condenar o recorrido no pagamento da quantia que a recorrida afirma que ele lhe
deve.
*
Na sentença recorrida, foram julgados
provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma sociedade comercial
que tem como objeto social a construção civil e obras públicas, compra e venda
de propriedades incluindo a revenda de prédios adquiridos para esse fim.
2. No ano de 2009, a Autora e o Réu
encetaram negociações destinadas a celebração de contrato de compra e venda de
um imóvel, no qual a Autora figuraria como vendedora e o Réu como comprador.
3. As negociações celebradas entre
Autora e Réu foram no sentido de se proceder à venda de um imóvel que a Autora,
à data, era legítima proprietária e possuidora, correspondente à fração
autónoma designada pela letra “X”, destinado a habitação do tipo T2, no quinto
andar do prédio urbano em regime de propriedade horizontal pela AP. 18 de
2008/09/16, sito no (...), (...), Lote 47, (...), descrito na Conservatória do
Registo Predial de (...) sob o n.º 4889.
4. No negócio, o Réu, para pagamento do
preço, ia recorrer a crédito bancário.
5. O negócio teve a intervenção do
mediador imobiliário VP, Lda.
6. A Autora e o Réu em 12 de outubro de
2009, celebraram um contrato de promessa de compra e venda, em que a Autora
prometia vender e o Réu prometia comprar o referido imóvel, pelo preço de €
120.000,00.
7. Aquando da celebração do contrato de
promessa de compra e venda foi entregue pelo Réu à Autora, a título de sinal, a
quantia de € 2.500,00.
8. O remanescente do preço, de acordo
com o contrato referido em 6) no valor de € 117.500,00, deveria ser pago na
data da realização contrato definitivo.
9. No dia 21 de dezembro de 2009, a
Autora e o Réu celebraram o contrato de compra e venda do imóvel, figurando a
Autora como vendedora e o Réu como comprador.
10. O imóvel foi vendido pelo valor
global de € 120 000,00.
11. Na escritura de compra e venda
referida em 9), no documento 3, denominado “Título de Compra e Venda, Mútuo com
Hipoteca”, que foi outorgado na Casa Pronta, pelo aqui Réu e PD, agindo este
último em representação da Autora sociedade é referido que: “(…) vende ao
SEGUNDO, a fração supra identificada, pelo preço de cento vinte mil euros, que
declarou já ter recebido para a sua representada.(…)”.
12. A Autora emitiu a fatura com o n.º
4/2009, de 21 de dezembro de 2009 no valor de € 117.500,00.
13. No negócio, o Réu celebrou um
contrato de mútuo com hipoteca com o Banco, SA, tendo este concedido ao Réu
apenas o valor de € 110.865,00.
14. O Réu foi interpelado por carta de
27 de dezembro de 2018 para proceder ao pagamento do valor de € 7.500,00.
15. O Réu, em sede de embargos de executado,
na ação de processo executivo que correu termos no Tribunal de Execuções de (...),
Juízo de Execução de (...), Juízo 1, na qualidade de executado, alegou não ter
na memória que alguma vez tivesse celebrado contratos de comodato, crédito com
a Autora e tivesse assinado tal declaração de dívida.
16. O Réu apresentou queixa-crime que
correu termos no DIAP de (...), 1ª Secção criminal, com o processo n.º
1686/19.8PAPTM, por considerar que a declaração de dívida dada não foi por si
assinada e pelo uso da cópia dos seus documentos juntos ao requerimento
executivo sem a sua autorização.
17. A Autora e PD apresentaram
queixa-crime contra o Réu, que correu termos no DIAP de (...), Secção de (...),
com o n.º 397/20.6T9SLV pelo crime de falsas declarações e que veio a ser
arquivado.
18. No processo crime referido em 17)
procedeu-se à realização da perícia à assinatura constante da aludida
“declaração de dívida”, donde resultou não ser possível obter resultados
conclusivos.
Na sentença recorrida, foram julgados
não provados os seguintes factos:
a) Em razão das dificuldades no
financiamento bancário, surgiu a solução de o Réu apenas posteriormente pagar à
Autora da quantia de € 7.500,00.
b) Por acordo entre as partes, o Réu
assinou uma declaração de dívida, no valor de € 7.500,00, em que se comprometia
a pagar o valor em dívida até ao dia 31 de dezembro de 2011 e na qual o Réu
figura como devedor e PD como credor em representação da sociedade Autora, e
não pagou.
c) O contrato de promessa de compra e
venda referido nos factos provados foi assinado na presença do mediador
imobiliário.
d) A Autora emitiu fatura relativa ao
valor referido em 7) e entregou o respetivo recibo ao Réu.
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A recorrente pretende que o
conteúdo das alíneas a) e b) dos factos não provados seja julgado provado.
Como ponto de partida para a
análise desta pretensão, tenhamos em consideração que é sobre a recorrente que
recai o ónus da prova dos factos de que, no seu entendimento, resulta o direito
de crédito que se arroga, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do
Código Civil (diploma ao qual pertencem todas as normas adiante referidas sem
indicação da sua proveniência). Entre esses factos, avultam os que constam das
referidas alíneas a) e b).
Decompondo o conteúdo destas
alíneas, estão em causa os seguintes factos:
1 – Devido às dificuldades no
financiamento bancário, recorrente e recorrido acordaram que este pagaria, àquela,
um remanescente de € 7.500,00 do preço do apartamento até ao dia 31.12.2011;
2 – Em execução desse acordo, o
recorrido assinou uma declaração de dívida, mediante a qual se comprometeu a
pagar o valor de € 7.500,00 até ao dia 31.12.2011;
3 – Figura nessa declaração, como
credor, PD, em representação da autora;
4 – O recorrido não pagou o valor
referido na declaração de dívida.
A recorrente alega que, ao
afirmar não se recordar de ter assinado a declaração de dívida que constitui o
documento junto à petição inicial sob o n.º 2, o recorrido confessou tê-lo
feito, atento o disposto no artigo 574.º, n.º 3, do CPC.
Seria assim, ao menos em
princípio, se o recorrido nada mais tivesse afirmado relativamente àquele
facto, dada a natureza pessoal deste. Todavia, a posição assumida pelo
recorrido na contestação e reafirmada no seu depoimento de parte não foi essa.
Nos artigos 46 e 47 da
contestação, o recorrido impugnou a alegação da recorrente segundo a qual ele
assinou a declaração de dívida e afirmou não ter qualquer memória de o ter
feito, “nem do dia, nem da hora, nem em que local e muito menos na presença de
quem quer que fosse”. No artigo 51 do mesmo articulado, o recorrente afirmou
ter, inclusivamente, apresentado queixa-crime contra PD porque a declaração de
dívida não foi por si assinada.
No seu depoimento de parte,
o recorrido reafirmou não se lembrar de ter assinado a declaração de dívida,
mas de imediato frisou que, se tivesse assinado, lembrar-se-ia, e que sabe que
nada deve à recorrente.
Perante tudo isto, a posição
assumida pelo recorrido não pode ser considerada uma confissão de que assinou a
declaração de dívida. O recorrido impugnou expressamente a alegação da
recorrente segundo a qual ele assinou a declaração de dívida, tendo sido nesse contexto
que afirmou não se recordar de o ter feito. Trata-se, afinal, de uma forma de
dizer que não o fez.
A recorrente salienta, por
outro lado, que PD, ouvido na qualidade de testemunha, declarou ter estado
presente, com o recorrido, no acto de assinatura da declaração de dívida,
declaração essa que se mostra em consonância com o facto de aquela declaração
se mostrar assinada por ambos.
Este argumento não procede. A
assinatura da declaração de dívida pelo recorrido constitui o facto que carece
de ser provado, pelo que não pode, logicamente, servir de facto corroborador de
um meio de prova, nomeadamente testemunhal, de si próprio, sob pena de petição
de princípio. Ora, por si só, o depoimento da testemunha PD é insuficiente para
criar a convicção de que o recorrido assinou a declaração de dívida, pois é
evidente o interesse desta testemunha no desfecho da causa, atenta a sua
ligação à recorrente.
A perícia efectuada no
processo criminal não contribui para esclarecer se o recorrido assinou a declaração
de dívida, pois foi inconclusiva. A recorrente afirma que o resultado da
perícia foi inconclusivo por culpa do recorrido, na medida em que, por se
tratar de rubrica, não permite melhores resultados. Não é assim. Como qualquer
outra pessoa, o recorrido tem a assinatura que escolheu. Se uma perícia não
consegue concluir que uma determinada assinatura foi feita pelo recorrido, mas
também não consegue excluir essa hipótese, é a perícia que falha, não o
recorrido.
A recorrente apela a que o
próprio tribunal ad quem compare a
assinatura aposta na declaração de dívida que atribui ao recorrido com as que
constam da cópia do documento de identificação deste, do contrato-promessa e do
contrato de compra e venda. Tal comparação não nos proporciona resultado melhor
que o da perícia efectuada no processo criminal, o que não é de estranhar,
atendendo a que não possuímos conhecimentos técnicos para efectuar uma perícia
de escrita manual. As assinaturas são parecidas, mas não nos permitem concluir,
com o grau de certeza exigível para a formulação de um juízo de prova, que
aquela que, na declaração de dívida, é atribuída ao recorrido, tenha sido
efectivamente feita por este.
Da circunstância de a
recorrente ter junto ao processo a declaração de dívida acompanhada por cópia
dos documentos de identificação do recorrido nada resulta em termos
probatórios. No seu depoimento de parte, o recorrido deu uma explicação
plausível para o facto de a recorrente ter em seu poder cópia daqueles
documentos: ele próprio entregou essa cópia a PD, no escritório da imobiliária,
para que esta pudesse dar seguimento ao pedido de financiamento bancário e à
realização da escritura.
Também da ausência de
resposta do recorrido à carta que constitui o documento junto com a petição
inicial sob o n.º 8 nada resulta em termos probatórios. Nessa carta, datada de
27.12.2018, um advogado, actuando em representação de PD (e não da recorrente,
note-se), interpelou o recorrido para pagar uma dívida de € 7.500 ao seu
cliente, titulada por declaração de dívida. No seu depoimento de parte, o
recorrido deu uma explicação plausível para o seu silêncio: perante uma
interpelação feita vários anos depois de ter comprado o imóvel, pensou que
houvesse algum engano e nem sequer se deu ao trabalho de responder. Seja como
for, da simples omissão de resposta a uma carta como a descrita não é possível
inferir que o destinatário confesse ou, em alguma medida, se conforme com o seu
conteúdo – cfr., a este propósito, o disposto no artigo 218.º.
O depoimento de RD, irmão de
PD e, à semelhança deste, accionista da recorrente, não tem qualquer préstimo
para a prova do conteúdo dos factos constantes das alíneas a) e b), uma vez que,
como ele próprio afirmou, não interveio no negócio dos autos.
As considerações tecidas
pela recorrente sobre os valores do preço da venda, do sinal, do empréstimo
concedido pelo banco e da alegada confissão de dívida assentam em meras
hipóteses, carecendo de comprovação. Ou seja, nada demonstram.
Portanto, a recorrente não
logrou provar que acordou, com o recorrido, que este lhe pagaria um
remanescente de € 7.500,00 do preço do apartamento até ao dia 31.12.2011 e que,
em execução desse suposto acordo, o recorrido assinou uma declaração de dívida
mediante a qual se comprometeu a pagar-lhe aquele valor até à referida data.
Cabendo-lhe o ónus da prova desses factos, sempre teriam eles de ser julgados
não provados.
É, assim, irrelevante o que
as testemunhas arroladas pelo recorrido afirmaram na audiência final. O
recorrido não precisava de provar que não assinou a declaração de venda.
Ainda assim, não deixaremos
de notar que outras razões existem para considerar não provado o conteúdo das
alíneas a) e b).
A suposta declaração de
dívida tem a seguinte redacção:
“JM
(…) declara que deve na data abaixo indicada, a PD (…), a quantia de € 7.500,00
(…), que lhe foram cedidos a título de contrato de comodato. O declarante
compromete-se a pagar a dívida até ao final do ano de 2011, acrescida dos juros
à taxa legal convencionada, para os empréstimos ao consumo pela Caixa Geral de
Depósitos e em caso de mora acrescida de mais 3% até efectivo e integral
pagamento.
(...),
12 de Outubro de 2009”
Independentemente da questão
da falta de prova de que o recorrido assinou tal declaração, o texto desta não
ajuda a demonstrar a tese que a recorrente sustenta.
Ao contrário daquilo que
consta da al. b) dos factos não provados, é PD quem figura como credor.
Entenda-se, em nome próprio. Não é a recorrente que figura como credora,
representada por PD. Portanto, tratar-se-ia de uma dívida do recorrido a PD e
não à recorrente. Tenha-se em mente que esta declaração foi elaborada pelo
advogado de PD, como este afirmou na audiência final. Certamente um advogado
não iria cometer um erro técnico numa matéria tão elementar como é a da
distinção entre a actuação em nome próprio e em nome alheio. Aquilo que objectivamente
resulta da declaração é que o recorrido deve € 7.500 a PD, não à recorrente.
Isto, claro, se a tivesse assinado.
Por outro lado, no documento
que analisamos, é dito que os € 7.500 foram cedidos ao recorrido “a título de
contrato de comodato”. Certamente se quis dizer “a título de contrato de
mútuo”, atento o disposto nos artigos 1129.º e 1142.º. Independentemente da
qualificação do contrato a que a declaração de dívida se refere, certo é que
não se trata, nem do contrato-promessa, nem do contrato de compra e venda
celebrados entre recorrente e recorrido. Tal como não se trata de uma
estipulação de um prazo mais dilatado para o recorrido pagar uma parte do preço
do imóvel. De acordo com a declaração de dívida, os € 7.500 são uma quantia que
foi entregue ao recorrido por PD, para que aquele a restituísse até ao final do
ano de 2011, com juros remuneratórios e, verificados os respectivos
pressupostos, também moratórios.
Em terceiro lugar, o prazo
para o cumprimento da obrigação de restituição que é indicado na declaração de
dívida não coincide com aquele que foi fixado no contrato-promessa de compra e
venda para a celebração do contrato prometido e para o pagamento da parte do
preço que excedeu o valor do sinal. Se, como PD afirmou, a declaração de dívida
foi assinada em simultâneo com a celebração do contrato-promessa de compra e
venda, não se compreende a referida divergência.
Fica, assim, demonstrado que
o texto da suposta declaração de dívida contraria a versão factual alegada pela
recorrente.
Finalmente, ficou provado (n.º
11) que, na escritura pública mediante a qual foi celebrado o contrato de
compra e venda do imóvel, a recorrente, aí sim, representada por PD, declarou,
ao recorrido, já ter recebido os € 120.000 correspondentes ao preço acordado.
Tal como a recorrente sustenta, este segmento da escritura pública não prova
directamente que ela recebeu a totalidade do preço, pois esse recebimento não
foi presenciado pelo oficial público que a realizou. Todavia, prova que a
recorrente, por intermédio de PD, emitiu a declaração de que já recebera a
totalidade do preço, pois trata-se de um facto percepcionado pelo oficial
público que a elaborou. Mais precisamente, a escritura pública, como documento
público que é, tem o valor de prova plena de que a recorrente emitiu a
declaração de que já recebera a totalidade do preço – artigos 363.º, n.º 2, e
371.º, n.º 1.
Estando plenamente provado
que a recorrente emitiu a declaração de que recebera do recorrido a totalidade
do preço do imóvel, segue-se a operação de qualificação dessa declaração para
efeitos probatórios. Através dela, a recorrente reconheceu a realidade de um
facto que lhe é desfavorável e favorece o recorrido, pelo que estamos perante
uma confissão – artigo 352.º. O artigo 358.º, n.º 2, estabelece que a confissão
extrajudicial, em documento autêntico ou particular, se considera provada nos
termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a
quem a represente, tem força probatória plena.
Sendo assim, encontra-se
plenamente provado, quer a emissão, pela recorrente, da declaração segundo a
qual, no momento em que a escritura pública de compra e venda foi celebrada, já
recebera a totalidade do preço, quer, por via da valoração dessa declaração
como confissão extrajudicial, que, naquele momento, o recorrido já pagara a
totalidade do preço.
Decorre do exposto que a
decisão do tribunal a quo de julgar
não provado todo o conteúdo das alíneas a) e b) foi correcta.
A recorrente também pretende
que o conteúdo da alínea d) seja julgado provado. Mais precisamente, pretende
que o tribunal ad quem julgue provado
que ela “emitiu a factura n.º 4/2009, de 21.12.2009, relativa ao negócio, no
valor total de € 120 000,00, e recibo quanto ao pagamento do sinal, no valor de
€ 2500,00.”
Tendo em conta tudo o que
anteriormente referimos, mormente que não ficou provado que o recorrido haja
assinado a declaração de dívida invocada pela recorrente e que, em contraponto,
se encontra plenamente provado que o recorrido pagou a totalidade do preço do
imóvel, parece-nos evidente a irrelevância do conteúdo da alínea d) para a
decisão da causa. Com efeito, ainda que se julgasse provado que a recorrente
emitiu a factura e o recibo acima referidos, continuaria a não existir
fundamento para condenar o recorrido e, portanto, para julgar o recurso
procedente. Daí que a reapreciação desta matéria redundasse na prática de um
acto inútil e, por isso, legalmente inadmissível – artigo 130.º do CPC.
A recorrente sustenta que,
mesmo mantendo-se a matéria de facto provada e não provada, a mesma impõe
decisão diferente da do tribunal a quo.
Porém, em vez de, como era de esperar, propor um enquadramento jurídico
alternativo àquele a que o tribunal a quo
procedeu, a recorrente afirma que aquela decisão diversa da do tribunal a quo é imposta pelas declarações do
recorrido. Somos, pois, novamente remetidos para a reapreciação dos meios de
prova, não para um enquadramento jurídico alternativo ao do tribunal a quo.
Assim, mais uma vez a
recorrente discorre sobre o valor probatório da perícia, os depoimentos das
testemunhas PD, EM e DD, a relação entre os valores do sinal, do empréstimo
concedido pelo banco e do preço e a alegada confissão, pelo recorrido, de que
teria assinado a declaração de dívida.
Sobre tudo isto, já nos
pronunciámos. Não demonstrando a recorrente que, mercê de um diferente
enquadramento jurídico, os factos provados impunham uma decisão diversa daquela
que o tribunal a quo proferiu, resta
confirmar esta última, julgando o recurso improcedente.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto,
julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da
recorrente.
Notifique.
*
Évora, 07.12.2023
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
1.º adjunto
2.ª adjunta