Processo n.º 1422/20.6T8PTM-A.E1
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Sumário:
A
condenação em multa nos termos do artigo
41.º, n.º 1, do Regime
Geral do Processo Tutelar Cível, pressupõe que o incumprimento seja culposo e
deve ser fundamentada de facto e de direito.
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Carlos
interpôs recurso de
apelação da sentença, proferida na acção de incumprimento das responsabilidades
parentais contra si proposta por Cátia, cujo dispositivo é, na parte que
interessa, o seguinte:
“1. Julgo verificado o incumprimento do progenitor no montante de € 650
(seiscentos e cinquenta euros) reportado à data de setembro de 2020, montante acrescido
de juros à taxa de 4%, desde o início da mora de cada um dos montantes (dia 9)
- Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril;
2. Condeno o progenitor em multa de uma UC, € 102 (cento e dois euros) –
arts. 27.º, n.º 1, do Regulamentos das Custas Processuais e 41.º do Regime
geral do processo tutelar cível; (…)”
As conclusões do recurso são as
seguintes:
A) A questão que aqui se reclama
restringe-se, à condenação do requerido em multa pelo incumprimento;
B) Desde logo, deve-se aferir se
a conduta do requerido no incumprimento da prestação de alimentos à sua filha menor,
é culposa.
C) Ora, dos autos não se conclui
que existe da parte do requerido qualquer incumprimento culposo, muito pelo contrário,
o requerido veio aos autos justificar o seu incumprimento.
D) Por outro lado, da sentença
transitada em julgado, em que o recorrente foi condenado em multa pelo
incumprimento da prestação de alimentos à sua filha menor é inexistente
qualquer justificação para a referida condenação em multa.
E) Posto isto, violou-se
expressamente a norma do artigo 41.º do regime Geral do Processo Tutelar Cível.
F) Será de salientar que o facto
do tribunal sancionar o requerido com uma multa, não vai por si só conseguir o objectivo
dos presentes autos.
G) Pelo contrário, ainda vai
empobrecer mais o requerido com tal condenação e criar mais um obstáculo.
H) Deverá por estes motivos ser
revogada a decisão recorrida na parte em que condena o requerido em multa.
O Ministério Público
contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido, com
subida nos próprios autos e efeito suspensivo, uma vez que o seu objecto se
restringe à condenação em multa.
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Atento o teor das conclusões do
recurso, a única questão a resolver consiste em saber se a sentença recorrida se encontra
suficientemente fundamentada, de facto e de direito, no que concerne à
condenação do recorrente no pagamento da multa prevista no artigo 41.º, n.º 1,
do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC).
Além do dispositivo, acima
parcialmente transcrito, o teor da sentença recorrida é o seguinte:
“Incumprimento – fls. 4
Considerando que:
- A progenitora de Mariana veio comunicar o incumprimento da obrigação de
pagamento da pensão de alimentos referente aos meses de julho a novembro de
2020, num total de € 650, acrescidos de juros;
- Do acordo de julho de 2020 nos autos principais resulta que o
progenitor ficou obrigado a pagar € 100/mês e € 150 desde setembro – fls. 29
desses autos;
- Notificado, o progenitor reconheceu o não pagamento, alegando não ter
possibilidades económicas para tal – fls. 21;
- A promoção da Senhora Procuradora é no sentido de vir a julgar
verificado o incumprimento – fls. 25”.
Resulta desta transcrição que a
sentença recorrida não cumpre o disposto no artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi artigo 33.º, n.º 1, do RGPTC.
Menciona-se, nela, um único
facto, julgado provado: o progenitor ficou obrigado a pagar € 100/mês e € 150
desde setembro.
Consignou-se que “A progenitora
da Mariana veio comunicar o incumprimento da obrigação de pagamento da pensão
de alimentos referente aos meses de julho a novembro de 2020, num total de €
650, acrescidos de juros” e que “o progenitor reconheceu o não pagamento,
alegando não ter possibilidades económicas para tal”, mas nenhum destes factos
foi enunciado como provado ou não provado.
A fundamentação da decisão sobre
a matéria de facto resume-se a uma referência a fls. 29 do processo principal.
A fundamentação de direito, por
seu turno, resume-se à referência, no próprio dispositivo, à Portaria n.º
291/2003, de 08.04, ao artigo 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas
Processuais, e ao artigo 41.º do RGPTC.
O presente recurso tem por
objecto apenas a condenação no pagamento da multa prevista no artigo 41.º, n.º 1, do
RGPTC.
São pressupostos dessa
condenação a verificação de uma situação objectiva de falta de cumprimento do
regime de exercício das responsabilidades parentais e a existência de culpa do
agente. Tal condenação não poderá ter lugar, nomeadamente, se este último tiver
deixado de cumprir a obrigação de alimentos a que se encontra adstrito em
consequência de, por facto que não lhe seja imputável, não dispor de meios
económicos para o fazer.
Notificado nos termos da parte
final do n.º 3 do artigo 41.º do RGPTC, o recorrente alegou, além do mais, que
se encontra desempregado, não tem bens nem aufere qualquer rendimento e, em
consequência disso, encontra-se impossibilitado de cumprir a obrigação de
prestar alimentos à sua filha Mariana. Ou seja, alegou factos que, a
provarem-se, poderiam levar a concluir que o incumprimento não se deve a culpa
sua.
Ora, o tribunal a quo não apreciou tais factos,
julgando-os provados ou não provados. Daí que a matéria de facto
apurada pelo tribunal a quo e vertida
na fundamentação de facto da sentença recorrida seja insuficiente para a condenação
do recorrente no pagamento da multa prevista no artigo 41.º, n.º 1, do RGPTC. Além do próprio
facto objectivo da falta de cumprimento da obrigação de alimentos (a simples
referência à posição assumida por cada uma das partes sobre essa matéria é
insuficiente, antes se impondo consignar, com clareza, se o facto em causa é
julgado provado ou não provado, e porquê), falta a pronúncia do tribunal a quo sobre os factos alegados pelo
recorrente com o intuito de justificar a falta de pagamento da pensão de
alimentos, bem como outros que o tribunal a
quo considere necessários para avaliar se se verificam os pressupostos da
condenação do recorrente no pagamento da referida multa e para a fixação do
montante desta.
Consequentemente,
impõe-se, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, a anulação da
sentença recorrida, para que o tribunal a
quo proceda à ampliação da matéria de facto em conformidade com o exposto,
conhecendo dos factos em questão, com intervenção do Senhora Juíza que proferiu
aquela sentença.
A
sentença a proferir deverá ainda, em obediência ao disposto no artigo 607.º do
CPC, explicitar as razões da convicção do tribunal a quo, analisando criticamente a prova, bem como fundamentar
juridicamente uma eventual condenação do recorrente no pagamento de uma multa
ao abrigo do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do RGPTC.
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Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto, anular a sentença recorrida,
nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, para que o tribunal a quo proceda à ampliação da matéria de
facto em conformidade com o exposto na fundamentação deste acórdão. O tribunal a quo deverá justificar a sua convicção,
analisando criticamente a prova, bem como fundamentar juridicamente uma
eventual condenação do recorrente no pagamento de uma multa ao abrigo do
disposto no artigo 41.º, n.º 1, do RGPTC.
Não são devidas custas.
Notifique.
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Évora, 14.10.2021
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
(1.º
adjunto)
(2.ª adjunta)