quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Acórdão da Relação de Évora de 14.10.2021

Processo n.º 1422/20.6T8PTM-A.E1

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Sumário:

A condenação em multa nos termos do artigo 41.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, pressupõe que o incumprimento seja culposo e deve ser fundamentada de facto e de direito.

Carlos interpôs recurso de apelação da sentença, proferida na acção de incumprimento das responsabilidades parentais contra si proposta por Cátia, cujo dispositivo é, na parte que interessa, o seguinte:

“1. Julgo verificado o incumprimento do progenitor no montante de € 650 (seiscentos e cinquenta euros) reportado à data de setembro de 2020, montante acrescido de juros à taxa de 4%, desde o início da mora de cada um dos montantes (dia 9) - Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril;

2. Condeno o progenitor em multa de uma UC, € 102 (cento e dois euros) – arts. 27.º, n.º 1, do Regulamentos das Custas Processuais e 41.º do Regime geral do processo tutelar cível; (…)”

As conclusões do recurso são as seguintes:

A) A questão que aqui se reclama restringe-se, à condenação do requerido em multa pelo incumprimento;

B) Desde logo, deve-se aferir se a conduta do requerido no incumprimento da prestação de alimentos à sua filha menor, é culposa.

C) Ora, dos autos não se conclui que existe da parte do requerido qualquer incumprimento culposo, muito pelo contrário, o requerido veio aos autos justificar o seu incumprimento.

D) Por outro lado, da sentença transitada em julgado, em que o recorrente foi condenado em multa pelo incumprimento da prestação de alimentos à sua filha menor é inexistente qualquer justificação para a referida condenação em multa.

E) Posto isto, violou-se expressamente a norma do artigo 41.º do regime Geral do Processo Tutelar Cível.

F) Será de salientar que o facto do tribunal sancionar o requerido com uma multa, não vai por si só conseguir o objectivo dos presentes autos.

G) Pelo contrário, ainda vai empobrecer mais o requerido com tal condenação e criar mais um obstáculo.

H) Deverá por estes motivos ser revogada a decisão recorrida na parte em que condena o requerido em multa.

O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo, uma vez que o seu objecto se restringe à condenação em multa.

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Atento o teor das conclusões do recurso, a única questão a resolver consiste em saber se a sentença recorrida se encontra suficientemente fundamentada, de facto e de direito, no que concerne à condenação do recorrente no pagamento da multa prevista no artigo 41.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC).

Além do dispositivo, acima parcialmente transcrito, o teor da sentença recorrida é o seguinte:

“Incumprimento – fls. 4

Considerando que:

- A progenitora de Mariana veio comunicar o incumprimento da obrigação de pagamento da pensão de alimentos referente aos meses de julho a novembro de 2020, num total de € 650, acrescidos de juros;

- Do acordo de julho de 2020 nos autos principais resulta que o progenitor ficou obrigado a pagar € 100/mês e € 150 desde setembro – fls. 29 desses autos;

- Notificado, o progenitor reconheceu o não pagamento, alegando não ter possibilidades económicas para tal – fls. 21;

- A promoção da Senhora Procuradora é no sentido de vir a julgar verificado o incumprimento – fls. 25”.

Resulta desta transcrição que a sentença recorrida não cumpre o disposto no artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi artigo 33.º, n.º 1, do RGPTC.

Menciona-se, nela, um único facto, julgado provado: o progenitor ficou obrigado a pagar € 100/mês e € 150 desde setembro.

Consignou-se que “A progenitora da Mariana veio comunicar o incumprimento da obrigação de pagamento da pensão de alimentos referente aos meses de julho a novembro de 2020, num total de € 650, acrescidos de juros” e que “o progenitor reconheceu o não pagamento, alegando não ter possibilidades económicas para tal”, mas nenhum destes factos foi enunciado como provado ou não provado.

A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto resume-se a uma referência a fls. 29 do processo principal.

A fundamentação de direito, por seu turno, resume-se à referência, no próprio dispositivo, à Portaria n.º 291/2003, de 08.04, ao artigo 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, e ao artigo 41.º do RGPTC.

O presente recurso tem por objecto apenas a condenação no pagamento da multa prevista no artigo 41.º, n.º 1, do RGPTC.

São pressupostos dessa condenação a verificação de uma situação objectiva de falta de cumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais e a existência de culpa do agente. Tal condenação não poderá ter lugar, nomeadamente, se este último tiver deixado de cumprir a obrigação de alimentos a que se encontra adstrito em consequência de, por facto que não lhe seja imputável, não dispor de meios económicos para o fazer.

Notificado nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 41.º do RGPTC, o recorrente alegou, além do mais, que se encontra desempregado, não tem bens nem aufere qualquer rendimento e, em consequência disso, encontra-se impossibilitado de cumprir a obrigação de prestar alimentos à sua filha Mariana. Ou seja, alegou factos que, a provarem-se, poderiam levar a concluir que o incumprimento não se deve a culpa sua.

Ora, o tribunal a quo não apreciou tais factos, julgando-os provados ou não provados. Daí que a matéria de facto apurada pelo tribunal a quo e vertida na fundamentação de facto da sentença recorrida seja insuficiente para a condenação do recorrente no pagamento da multa prevista no artigo 41.º, n.º 1, do RGPTC. Além do próprio facto objectivo da falta de cumprimento da obrigação de alimentos (a simples referência à posição assumida por cada uma das partes sobre essa matéria é insuficiente, antes se impondo consignar, com clareza, se o facto em causa é julgado provado ou não provado, e porquê), falta a pronúncia do tribunal a quo sobre os factos alegados pelo recorrente com o intuito de justificar a falta de pagamento da pensão de alimentos, bem como outros que o tribunal a quo considere necessários para avaliar se se verificam os pressupostos da condenação do recorrente no pagamento da referida multa e para a fixação do montante desta.

Consequentemente, impõe-se, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, a anulação da sentença recorrida, para que o tribunal a quo proceda à ampliação da matéria de facto em conformidade com o exposto, conhecendo dos factos em questão, com intervenção do Senhora Juíza que proferiu aquela sentença.

A sentença a proferir deverá ainda, em obediência ao disposto no artigo 607.º do CPC, explicitar as razões da convicção do tribunal a quo, analisando criticamente a prova, bem como fundamentar juridicamente uma eventual condenação do recorrente no pagamento de uma multa ao abrigo do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do RGPTC.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, anular a sentença recorrida, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, para que o tribunal a quo proceda à ampliação da matéria de facto em conformidade com o exposto na fundamentação deste acórdão. O tribunal a quo deverá justificar a sua convicção, analisando criticamente a prova, bem como fundamentar juridicamente uma eventual condenação do recorrente no pagamento de uma multa ao abrigo do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do RGPTC.

Não são devidas custas.

Notifique.

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Évora, 14.10.2021

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.º adjunto)

(2.ª adjunta)


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