Processo n.º 1395/21.8T8BJA.E1
*
Direito de preferência.
Compropriedade.
Conhecimento da venda.
Conhecimento das condições
da venda.
Renúncia tácita ao direito
de preferência.
Abuso de direito.
Apreciação crítica da prova.
Um meio de prova torna
irrelevantes todos os restantes.
Litigância de má-fé pela
parte vencedora.
*
Autores/recorrentes:
AAA;
BBB.
Rés/recorridas:
CCC;
DDD.
Intervenientes principais, como
associadas dos autores/recorrentes:
Sociedade 1;
Sociedade 2.
Pedidos:
Declarar e condenar as rés a
reconhecerem que o autor, enquanto comproprietário, na proporção de 1/3, dos
imóveis identificados na petição inicial, tem o direito de preferência na
compra e venda de 1/3 dos mesmos realizada pelas rés através da escritura pública
lavrada no Cartório Notarial da Dra. (…) a fls. 24 a 26v do Livro de Notas para
Escrituras Diversas n.º 355-E, nos termos em que foi exarada, e a haver para si
as quotas do direito de compropriedade vendidas, sendo que, pelo menos no que diz
respeito aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob
os n.ºs 194, 153, 162 e 411 da referida freguesia de (…), essa aquisição é
feita em conjunto com a Autora;
Declarar e condenar as rés a
reconhecerem que a autora, enquanto comproprietária na proporção de 1/3 dos
imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 194,
153, 162 e 411 da referida freguesia de (…), tem o direito de preferência na
compra e venda de 1/3 dos mesmos realizada pelas rés através da mencionada
escritura pública, nos termos em que foi efectuada, e a haver para si, em
conjunto com o autor, senão a totalidade, pelo menos, as quotas do direito de
compropriedade vendido relativo a esses quatro imóveis;
Ordenar o cancelamento das inscrições
prediais dos referidos prédios a favor da 2.ª ré (i. é, as efectuadas através
das referidas apresentações 2821 de 2012/04/11, relativamente aos prédios
rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 153, 162,
194, 296, 411, 417 e 418, da freguesia de (...), e 197 de 2013/02/20,
relativamente ao descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o
n.º 53, da mesma freguesia) bem como o cancelamento de qualquer registo que
seja incompatível com o ora peticionado, de modo a que a aquisição deixe de constar
a favor da 2.ª ré e passe a constar a favor de ambos os autores [ou,
supletivamente, a favor do autor relativamente às inscrições feitas a favor da
2.ª ré no que respeita a todos os referidos prédios e também da autora relativamente
às inscrições feitas a favor da 2.ª ré no que respeita aos prédios descritos na
Conservatória do Registo Predial de (...) sob os n.ºs 194, 153, 162 e 411 da
freguesia de (...)];
Ordenar o cancelamento de qualquer
registo que seja incompatível com o ora peticionado.
Sentença recorrida:
Julgou a acção totalmente improcedente,
absolvendo as rés dos pedidos;
Condenou os autores em multa de 3 UC por
litigância de má fé;
Condenou os autores no pagamento, às
rés, de uma indemnização por litigância de má fé, a fixar posteriormente nos
termos do artigo 543.º, n.º 3, do CPC;
Não condenou as rés por litigância de má
fé.
Conclusões do recurso:
1 – O douto tribunal a quo, salvo o devido respeito, não fez
um julgamento correcto no que toca à matéria de facto e de direito, ao não reconhecer
aos autores o exercício do seu direito de preferência, apesar de dos factos
provados resultar claramente que os autores possuem esse direito.
2 – Quanto aos erros em relação ao
julgamento da matéria de facto, o tribunal a
quo julgou provados os factos sob os pontos n.ºs 10 e 12 da matéria de
facto, quando, os mesmos, em face da prova testemunhal apresentada (…),
deveriam ter sido considerados como não provados, uma vez que dos mesmos
resulta claro que em 2020 os autores não tinham conhecimento da venda realizada
pela 1.ª recorrida, CCC, à 2.ª recorrida, DDD.
3 – Existe, aliás, uma manifesta
contradição na consideração desses factos como provados, dado que o tribunal
considerou não provado que os autores soubessem das condições da venda das
quotas de compropriedade acordadas entre as rés, designadamente o preço, modo
de pagamento e data para realização do contrato, antes de Outubro de 2021 –
factos não provados a) e b).
4 – Mesmo com base na matéria de facto
fixada, existe um manifesto erro de direito na sentença recorrida, uma vez que
o conhecimento pelos autores da mera existência da venda, sem conhecimento das
suas condições essenciais, não é suficiente para precludir o exercício efectivo
do direito de preferência, conforme resulta claramente dos artigos 416.º e
1410.º do Código Civil.
5 – A lei exige que o preferente seja
notificado pelo alienante com a comunicação de todas as condições do contrato,
incluindo o preço e demais termos, para que o titular do direito possa exercer
o seu direito de forma consciente e informada, pelo que, não tendo sido
efectuada essa comunicação, tem o preferente direito a recorrer à acção de
preferência.
6 – Não tendo os autores sido
notificados nem tomado conhecimento das condições essenciais da venda antes de
Outubro de 2021, conforme ficou provado nestes autos, estavam em prazo para
instaurar a presente acção de preferência, pelo que a mesma deveria ter sido
julgada procedente.
7 – Mesmo que os autores tivessem tido
conhecimento da venda desde Fevereiro de 2020 (conforme facto provado n.º 10),
tal não permite afastar a obrigação legal de efectuar a comunicação para
preferência, formal e completa, por parte da 1.ª ré, nos termos do artigo
416.º, n.º 1, do Código Civil, pelo que continuariam os autores a poder
recorrer à acção de preferência, nos termos do art. 1410.º, n.º 1, do Código
Civil.
8 – Da participação da autora nas
escrituras públicas de expropriação em Julho de 2020 (facto provado 11) não
resulta o conhecimento da venda e, ainda menos, das condições dessa venda,
especialmente considerando que tais escrituras se referem a actos posteriores e
distintos, não ficando, por isso, prejudicado o recurso à acção de preferência,
nos termos do art. 1410.º, n.º 1, do Código Civil.
9 – A solicitação feita pelo autor em Agosto
de 2021 (facto 12) para a intervenção da 2.ª ré também não comprova o
conhecimento da sua situação enquanto comproprietária, das condições da venda
nem a renúncia ao direito de preferência, não ficando, por isso, prejudicado o recurso
à acção de preferência, nos termos do art. 1410.º, n.º 1, do Código Civil.
10 – A ausência de prova do conhecimento
dos autores sobre as condições da venda antes de Outubro de 2021 [facto não
provado a)] torna claro que os autores estão em prazo para o exercício do
direito de preferência, uma vez que, nos termos do art. 1410.º, n.º 1, do
Código Civil, só a partir desse conhecimento se inicia o prazo para instaurar a
acção de preferência.
11 – Também não ficou provado que os autores
anuíram ao negócio ou que renunciaram ao seu direito de preferência [facto não
provado b)], pelo que manifestamente deveria ter sido julgada procedente a acção
de preferência.
12 – Concluindo-se que a 1.ª ré não
cumpriu a obrigação legal de notificar os autores das condições da venda, os
mesmos estavam manifestamente em prazo para poderem exercer o seu direito de preferência,
pelo que o tribunal a quo, ao não
reconhecer esse direito dos autores com base nos factos provados e não
provados, incorreu em erro de julgamento, ao desconsiderar a exigência legal no
art. 1410.º do Código Civil do conhecimento dos elementos essenciais da venda
para o início do prazo para o exercício do direito de preferência.
13 – A argumentação do tribunal a quo de que o mero conhecimento da
venda supriria a obrigação de efectuar a comunicação para preferência contraria
a jurisprudência dos supra referidos tribunais superiores e a melhor doutrina,
que exigem expressamente o cumprimento dessa comunicação para o exercício do
direito de preferência.
14 – Consequentemente, os autores apenas
puderam tomar conhecimento das condições da venda em Outubro de 2021, quando obtiveram
as certidões prediais e a certidão notarial correspondente à venda em causa, só
passando então a ter condições para avaliar o negócio e considerar o exercício
do seu direito.
15 – Deste modo, o prazo para o
exercício do direito de preferência pelos autores não poderia ter começado a
correr antes de Outubro de 2021, conforme o disposto no artigo 1410.º, n.º 1 do
Código Civil, ao contrário do que foi decidido pelo tribunal a quo.
16 – Não se verifica qualquer abuso de
direito a que o Mmo. Juiz a quo
lançou mão, dado que o artigo 334.º do Código Civil exige para esse efeito uma
utilização do direito manifestamente contrária aos fins que a sua concessão
visa realizar, quando neste caso o exercício do direito de preferência está em
plena conformidade com o seu objectivo legal, tendo os autores se limitado a
exercer o direito que lhe é conferido pelo art. 1410.º do Código Civil.
17 – Não existe qualquer fundamento para
condenar os autores como litigantes de má fé, dado que os mesmos não praticaram
nenhuma das condutas proibidas pelo art. 542.º do CPC.
18 – Já as rés usaram os seus
articulados para dirigir insultos aos autores, e actuaram, ao longo do processo,
com manifesto desrespeito por elementares regras processuais, com o fim de os
impedir de exercer o direito de preferência que a lei lhes reconhece no art.
1409.º do Código Civil, tendo assim violado o art. 542.º, n.º 2, al. d), CPC.
19 – A douta sentença recorrida, por
sucessivos erros no julgamento da matéria de facto e da matéria de direito, violou
os arts. 334.º, 416.º, 1409.º e 1410.º do Código Civil e 542.º do Código de
Processo Civil, devendo por isso ser revogada, sendo as rés condenadas integralmente
no pedido e como litigantes de má fé e os autores absolvidos da condenação como
litigantes de má fé.
Questões a decidir:
Impugnação da decisão sobre a matéria de
facto;
Direitos de preferência dos recorrentes;
Litigância de má fé.
Factos julgados provados
pelo tribunal a quo:
1. O prédio misto, denominado Herdade
YYY, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
53/19850801 da freguesia de (...), tem registada a aquisição:
1.1 Por doação, a favor do autor,
solteiro, da 1.ª ré, solteira, e de EEE, solteiro [AP. 4 de 1985/08/01].
1.2 Por compra, a favor da 2.ª ré,
casada com FFF no regime de separação de bens, da quota de um terço da 1.ª ré
[AP. 197 de 2013/02/20].
2. O prédio rústico, denominado ZZZ,
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
296/19880509 da freguesia de (...), tem registada a aquisição:
2.1 Por compra, a favor do autor,
solteiro, da 1.ª ré, casada com GGG no regime de separação de bens, e de EEE,
solteiro [AP. 1 de 2000/09/26].
2.2 Por compra, a favor da 2.ª ré,
casada com FFF no regime de separação de bens, da quota de um terço da 1.ª ré
[AP. 2821 de 2012/04/11].
3. O prédio rústico, denominado TTT,
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
418/19890824 da freguesia de (...), tem registada a aquisição:
3.1 Por compra, a favor do autor,
solteiro, da 1.ª ré, casada com GGG no regime de separação de bens, e de EEE,
solteiro [AP. 2 de 2000/09/26].
3.2 Por compra, a favor da 2.ª ré,
casada com FFF no regime de separação de bens, da quota de um terço da 1.ª ré
[AP. 2821 de 2012/04/11].
4. O prédio rústico, denominado TTT,
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
417/19890818 da freguesia de (...), tem registada a aquisição:
4.1 Por compra, a favor do autor,
solteiro, da 1.ª ré, casada com GGG no regime de separação de bens, e de EEE,
solteiro [AP. 2 de 2000/09/26].
4.2 Por compra, a favor da 2.ª ré,
casada com FFF no regime de separação de bens, da quota de um terço da 1.ª ré
[AP. 2821 de 2012/04/11].
5. O prédio rústico, denominado RRR,
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
194/19870304 da freguesia de (...), tem registada a aquisição:
5.1 Por compra, a favor do autor, casado
com a autora no regime de comunhão de adquiridos, da 1.ª ré, casada com GGG no
regime de separação de bens, e de EEE, casado com HHH no regime de separação de
bens [AP. 3 de 2002/08/08].
5.2 Por compra, a favor da 2.ª ré,
casada com FFF no regime de separação de bens, da quota de um terço da 1.ª ré
[AP. 2821 de 2012/04/11].
6. O prédio rústico, denominado RRR,
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
153/19860625 da freguesia de (...), tem registada a aquisição:
6.1 Por compra, a favor do autor, casado
com a autora no regime de comunhão de adquiridos, da 1.ª ré, casada com GGG no
regime de separação de bens, e de EEE, casado com HHH no regime de separação de
bens [AP. 3 de 2002/08/08].
6.2 Por compra, a favor da 2.ª ré,
casada com FFF no regime de separação de bens, da quota de um terço da 1.ª ré
[AP. 2821 de 2012/04/11].
7. O prédio rústico, denominado RRR,
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º 162/19860912
da freguesia de (...), tem registada a aquisição:
7.1 Por compra, a favor do autor, casado
com a autora no regime de comunhão de adquiridos, da 1.ª ré, casada com GGG no
regime de separação de bens, e de EEE, casado com HHH no regime de separação de
bens [AP. 3 de 2002/08/08].
7.2 Por compra, a favor da 2.ª ré,
casada com FFF no regime de separação de bens, da quota de um terço da 1.ª ré
[AP. 2821 de 2012/04/11].
8. O prédio rústico, denominado RRR,
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
411/19890731 da freguesia de (...), tem registada a aquisição:
8.1 Por compra, a favor do autor, casado
com a autora no regime de comunhão de adquiridos, da 1.ª Ré, casada com GGG no
regime de separação de bens, e de EEE, casado com HHH no regime de separação de
bens [AP. 3 de 2002/08/08].
8.2 Por compra, a favor da 2.ª ré,
casada com FFF no regime de separação de bens, da quota de um terço da 1.ª ré
[AP. 2821 de 2012/04/11].
9. Por escritura pública outorgada entre
as rés, em 11 de Abril de 2012, no Cartório Notarial de (…), lavrada de folhas
24 a folhas 26-verso do Livro n.º 355-E [junta à petição inicial como documento
n.º 20 e aqui dada por integralmente reproduzida], a primeira vendeu à segunda
a sua quota de compropriedade de um terço indiviso sobre os prédios supra
aludidos, pelo preço global de sessenta mil euros.
10. Pelo menos desde 17 de Fevereiro de
2020 que os autores têm conhecimento que a 1.ª ré vendeu as suas quotas de
compropriedade sobre os prédios supra aludidos à 2.ª Ré.
11. A autora, por si e em representação
do autor, outorgou com a 2.ª ré as escrituras públicas de expropriação, datadas
de 02 de Julho de 2020, juntas à contestação da 1.ª ré como documento n.º 20 e
aqui dadas por integralmente reproduzidas.
12. Em 16 de Agosto de 2021, o autor
solicitou à 1.ª ré que diligenciasse pela intervenção da 2.ª ré, como
comproprietária dos terrenos supra aludidos, para que houvesse certo pagamento por
parte da EDIA.
13. Os autores depositaram nos presentes
autos o valor de € 64.391,29, em 17 de Novembro de 2021.
Factos julgados não provados
pelo tribunal a quo:
a) Que os autores soubessem das
condições da venda das quotas de compropriedade acordadas entre as rés,
designadamente o preço, modo de pagamento e data para realização do contrato,
antes de Outubro de 2021.
b) Que o autor, antes da venda das
quotas de compropriedade entre as rés, haja dito à 1.ª ré anuir nesse negócio
sem necessidade de cumprimento da notificação para preferência.
*
1 – Impugnação da decisão
sobre a matéria de facto:
Os recorrentes pretendem que
o conteúdo dos n.ºs 10 e 12 do enunciado dos factos provados (EFP) seja julgado
não provado. Consideram que o tribunal a
quo «concedeu uma importância
excessiva e sem adequada cobertura legal às mensagens de WhatsApp apresentadas
pela 1.ª Ré», devido a uma interpretação, parcial, descontextualizada e,
por isso, errada, dessas mensagens. Os recorrentes criticam o tribunal a quo por não ter procedido a «um exame aprofundado das circunstâncias em
que foram trocadas e dos diálogos precedentes e subsequentes», concluindo
que as mensagens em questão não demonstram inequivocamente que, quando as
escreveu e enviou, o recorrente AAA soubesse que a recorrida CCC vendera, à
recorrida DDD, as suas quotas nos direitos de propriedade sobre os prédios dos
autos.
Resulta da fundamentação da
sentença recorrida que, tal como os recorrentes afirmam, a convicção do
tribunal a quo sobre a matéria dos
n.ºs 10 e 12 do EFP se formou com base no teor das mensagens trocadas na «WhatsApp» em 17.02.2020 e 16.08.2021.
Escreveu-se, a esse propósito, na sentença recorrida, que tais mensagens
constituem «um elemento de prova cujo
significado é, em si, tão expresso e claro, que, a ser credibilizado, permite,
admitamo-lo, uma fácil resolução da matéria de facto, sem necessidade de
recurso a raciocínios probatório-presuntivos mais elaborados, com base noutros
indícios, que, conduzindo ao mesmo sentido, não têm, todavia, o mesmo carácter
tão incisivo.» Mais adiante, concluiu-se que «ante a existência das comunicações trocadas por whatsapp no dia 17 de
fevereiro de 2020, nenhum maior esforço probatório é necessário para se
concluir que, nesta data, assim era o seu conhecimento. Tornaram-se algo
irrelevantes, pois, os demais depoimentos prestados sobre o tema.»
Analisemos, então, se o teor
das mensagens em questão, trocadas num grupo da «WhatsApp» denominado «Bros»,
é tão concludente como o tribunal a quo
o considerou, ou se, ao invés, é dúbio, como os recorrentes sustentam. É ele o
seguinte (os sublinhados são da nossa autoria):
17.02.2020:
AAA: Bem, entretanto de regresso tentei
resolver a confusão do assunto das indemnizações da Edia que vocês criaram mas
de facto não vale a pena… Vocês continuam com a mania que sabem tudo e são
muito espertos mas só fazem asneiras. Para que fui eu gastar dinheiro no
advogado por vocês sugerido se já se apressaram a concordar com o pagamento em
nome pessoal?! Não entendem que agora vou pagar IRS e tua amiga Nalu também,
quando se for através da Pedragosa é dinheiro limpo sem impostos que depois
pode sair através de suprimentos da mãe! Tinha avisado logo de início mas têm
sempre que marrar no sentido contrário. Toscos…!
16.08.2021:
AAA: Vai lá ver que é mais prático o
resto é tudo teoria e vai custar caro e eu não entro nessas loucuras novamente.
Entretanto recebam o dinheiro que é a fundo perdido pago pela Edia e fruto de
trabalho honesto. Tu também que estás aí em sintonia, diz lá à Nalu para
assinar. Parem de ser complicados comigo e não sejam burros. Olhem para
trás e tentem ser diferentes desta vez pois anteriormente só deu merda…
Tomás: Já não sei que te diga mais, acho
que já disse tudo.
Perante o teor da primeira
das mensagens que acabamos de transcrever, é seguro que, no dia 17.02.2020, o
recorrente AAA produziu, no grupo da «WhatsApp»
acima referido, uma afirmação que demonstra que ele sabia que a recorrida DDD,
a quem se refere pelo diminutivo «Nalu»,
era comproprietária dos prédios abrangidos pela expropriação. Só tendo esse
conhecimento seria possível concluir, como o recorrente AAA concluiu, que, à
semelhança de si próprio, a recorrida DDD teria de pagar IRS pelo recebimento
de uma indemnização paga pela EDIA.
Ao contrário do que os
recorrentes argumentam, não se justifica qualquer dúvida a este respeito. Por
si só, a mensagem em questão demonstra que o recorrente AAA sabia que a
recorrida DDD era comproprietária dos prédios abrangidos pela expropriação. Não
há outra interpretação possível da referida mensagem.
O mesmo se diga em relação à
mensagem de 16.08.2021. Ainda a propósito do recebimento da indemnização a
pagar pela EDIA, o recorrente AAA solicita, à recorrida CCC, que proceda como é
descrito no n.º 12 do EFP. A única explicação possível para o recorrente AAA ter
escrito isto é a de ele, nesse momento, saber que a recorrida DDD era
comproprietária dos prédios abrangidos pela expropriação.
Saliente-se que os
recorrentes põem em causa a interpretação feita pelo tribunal a quo, mas não fornecem outra que, em
face do texto de cada uma das mensagens, seja plausível. Afirmam que as
mensagens não têm o sentido que o tribunal a
quo lhes atribuiu, mas não explicitam qual é o seu verdadeiro sentido.
Sendo certo que o recorrente AAA quis dizer alguma coisa, não basta enunciar o
que ele não quis dizer. Para poder ser convincente, a argumentação dos
recorrentes também teria de explicitar o que o recorrente AAA quis, na
realidade, dizer.
Esquematicamente, não basta
argumentar que, ao dizer-se A, não se quis significar B. Além disso, tem de se
explicitar que, ao dizer-se A, se quis significar C. É isto que os recorrentes
não fazem. Procuram suscitar dúvidas sobre se, de A, pode inferir-se B, mas
nunca afirmam que, ao dizer-se A, se quis, na realidade, significar C.
A circunstância, salientada
pelos recorrentes, de as duas mensagens em questão serem «separadas por um intervalo temporal significativo», é irrelevante,
pois cada uma delas vale por si. Lendo cada uma delas, isoladamente, chega-se a
conclusão idêntica à do tribunal a quo.
Os recorrentes salientam
ainda que nenhuma das mensagens «é clara
em relação à demonstração do conhecimento específico do autor sobre a
existência de uma venda entre a 1.ª e a 2.ª requeridas». Prosseguem os
recorrentes: «Mesmo que se pudesse
concluir por essa troca de mensagens que o recorrente tivesse indícios de que
algum negócio estivesse a ocorrer, tal não significaria que soubesse, em
concreto, tratar-se de uma venda. Dada a natureza de tais negócios jurídicos,
poderia muito bem tratar-se de uma doação, arrendamento ou outro tipo de
negócio que não uma venda, e, nesse caso, já não lhe assistiria qualquer
direito de preferência.»
Já criticámos esta forma de
argumentar. Estamos a interpretar uma declaração do próprio recorrente AAA, não
de um terceiro. Não faz sentido que o recorrente AAA, acompanhado pelo seu
cônjuge, venha alvitrar meras hipóteses de interpretação de declarações por si
produzidas. Repetimos: Se o recorrente AAA produziu as declarações em questão
sem saber que a recorrida CCC vendera os seus direitos sobre os prédios à
recorrida DDD, o que é que ele, na realidade sabia e em que medida esse
conhecimento se compagina com o teor das mesmas declarações? Uma argumentação
honesta tem de responder a esta questão. Não pode ficar-se por meras
lucubrações, por um mero enunciado de hipóteses abstractamente possíveis.
O recorrente AAA afirmou
desconhecer, em 17.02.2020 e, até mesmo, em 16.08.2021, que a recorrida DDD
fosse comproprietária dos prédios, sem explicar como se compagina esse alegado
desconhecimento com o teor das mensagens. Ao argumentar nos termos que agora
refutamos, o recorrente AAA pretende dizer o quê? Que, afinal, sabia que a
recorrida DDD era comproprietária dos prédios, mas supunha que por efeito de
uma doação da recorrida CCC? Não podemos ficar nesta indefinição. Repetimos: Se
o tribunal a quo interpretou mal as
mensagens, o que é que o seu autor quis, na realidade, dizer, e por que razão o
disse daquela forma? É esta resposta, a todos os títulos exigível, que os
recorrentes nunca dão.
Secundamos, assim, o
tribunal a quo na conclusão de que
resulta da mensagem de 17.02.2020 que, nesta data, o recorrente AAA sabia que a
recorrida DDD era comproprietária dos prédios. Secundamo-lo, ainda, na
conclusão de que ambos os recorrentes sabiam que a recorrida DDD adquiriu esse
direito através de um contrato de compra e venda, de longe a forma mais
frequente de aquisição de direitos por via contratual, e de que esse contrato
abrangeu a totalidade dos prédios dos autos. A fundamentação da sentença
recorrida sobre essa matéria é certeira e os recorrentes não conseguiram pô-la
em causa com uma argumentação minimamente credível.
Resultando da mensagem de
17.02.2020, sem margem para dúvidas, que, nesta data, os recorrentes sabiam que
a recorrida DDD era comproprietária dos prédios dos autos, por efeito de um
contrato de compra e venda, torna-se irrelevante a prova testemunhal e por
depoimento de parte, produzida sobre esse facto, que aqueles invocaram.
Consequentemente, aquilo que os recorrentes designam como «uma análise efectiva das discrepâncias e contradições existentes entre
os depoimentos das diversas testemunhas acerca dos factos em discussão» não
passaria de um exercício estéril. Em nada ficaria prejudicada a prova
resultante das mensagens trocadas na «WhatsApp».
No fundo, os recorrentes pretendem que se proceda a uma análise da prova
testemunhal e por depoimento de parte que referem como se aquelas mensagens não
existissem, o que, obviamente, não faz sentido. As mensagens existem e retiram
qualquer utilidade à análise que os recorrentes propõem.
Por último, os recorrentes
argumentam que se verifica «uma manifesta
contradição» na consideração do conteúdo dos n.ºs 10 e 12 do EFP como
provado, «dado que o tribunal considerou
não provado que os autores soubessem das condições da venda das quotas de
compropriedade acordadas entre as rés, designadamente o preço, modo de
pagamento e data para realização do contrato, antes de Outubro de 2021 – factos
não provados a) e b)».
Ao assim argumentarem, os
recorrentes tentam induzir-nos a cometer o infantil erro de confundir o
conhecimento da venda, julgado provado, com o conhecimento das condições da
venda, julgado não provado. A diferença é óbvia. Inexiste, pois, a contradição
que os recorrentes invocam.
Concluindo, o tribunal a quo julgou acertadamente a matéria
constante dos n.ºs 10 e 12 do EFP, inexistindo fundamento para a julgar não
provada.
2 – Direitos de
preferência dos recorrentes:
A fundamentação jurídica da
sentença recorrida é, esquematicamente, a seguinte:
a) Com a venda das quotas de
compropriedade da recorrida CCC sobre os prédios dos autos à recorrida DDD,
verificaram-se os pressupostos do exercício dos direitos de preferência dos
recorrentes;
b) Não se verificou a caducidade dos
direitos de preferência, nos termos do n.º 1 do artigo 1410.º do CC, porquanto
não ficou provado que os recorrentes conhecessem as concretas condições da
venda antes de Outubro de 2021;
c) Verificou-se uma renúncia antecipada
ao exercício dos direitos de preferência por parte dos recorrentes, porquanto
estes tiveram conhecimento da venda, pelo menos, desde 17.02.2020, e
reconheceram a recorrida DDD como comproprietária dos prédios;
d) Ainda que o comportamento dos
recorrentes não configurasse uma renúncia antecipada ao exercício dos direitos
de preferência, estaríamos perante uma situação de abuso de direito, entre as
modalidades de venire contra factum
proprium e de suppressio;
e) Pelo que ficam impedidos os direitos
de preferência dos recorrentes.
A esta fundamentação, os
recorrentes opõem, também esquematicamente, a seguinte argumentação:
f) A notificação para preferência deve
conter os elementos essenciais da venda e a identificação do comprador; os
recorrentes não receberam uma notificação nesses termos, apenas tendo tomado
conhecimento dos elementos essenciais da venda em 21.10.2021;
g) Não foi produzida prova de que os
recorrentes tenham sido informados de forma clara sobre a venda; sem essa prova,
não é legítimo presumir que os recorrentes tivessem pleno conhecimento da
venda; ao fazer essa presunção judicial, a sentença recorrida inverteu
indevidamente o ónus da prova do cumprimento das obrigações, atribuindo aos
recorrentes a responsabilidade de provar que não tinham conhecimento de uma
comunicação para preferência que, na verdade, cabia às recorridas demonstrar;
h) Mesmo na hipótese de o n.º 10 do EFP
não ser alterado, o simples conhecimento da celebração da venda pelos recorrentes
não seria suficiente para iniciar a contagem do prazo estabelecido no n.º 1 do
artigo 1410.º do CC para o exercício do direito de preferência, uma vez que
esta norma exige o conhecimento dos elementos essenciais da alienação, sem o
que nenhum preferente estará em condições de exercer o seu direito de
preferência;
i) Tendo os recorrentes tomado
conhecimento dos elementos essenciais da venda em Outubro de 2021 e proposto
esta acção em 02.11.2021, fizeram-no dentro do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo
1410.º do CC;
j) Ao negar o direito de preferência aos
recorrentes, ao mesmo tempo que julga não provado que estes tivessem
conhecimento das condições essenciais da venda, a sentença recorrida viola
fragrantemente as normas legais que regem o exercício daquele direito;
k) A participação dos recorrentes em
escrituras de expropriação não implica uma renúncia tácita ao exercício do
direito de preferência; inexistiu qualquer declaração ou comportamento
concludente de que pudesse resultar a intenção de renunciar àquele direito;
l) As recorridas não invocaram a
excepção peremptória do abuso de direito;
m) O exercício do direito de preferência
por parte dos recorrentes não constitui um abuso de direito, nomeadamente na
modalidade de venire contra factum proprium,
pois em momento algum aqueles abdicaram da possibilidade daquele exercício, ou
criaram nas recorridas tal convicção.
Do simples cotejo dos dois
resumos a que acabamos de proceder, resulta que os argumentos dos recorrentes
referidos em f) a j) improcedem por falta de objecto. A sentença recorrida é
claríssima na afirmação do que é referido em a) e b). Ou seja, o fundamento da
improcedência da acção não foi a caducidade do direito de preferência.
Interessam-nos, sim, os
argumentos dos recorrentes que resumimos em k), l) e m).
O argumento resumido em k)
visa o seguinte trecho da sentença recorrida:
«Na
verdade, provou-se que, pelo menos desde 17 de fevereiro de 2020, os Autores
tinham conhecimento da venda das quotas de compropriedade entre as Rés, e com a
2.ª Ré intervieram na outorga das escrituras públicas de expropriação amigável,
que se vieram a celebrar em 02 de julho de 2020 [juntas à contestação da 1.ª Ré
como documento n.º 20 e aqui dadas por integralmente reproduzidas].
Significa
isto, muito diretamente, que os Autores reconheceram a 2.ª Ré como
comproprietária dos terrenos em causa ante a venda efetuada pela 1.ª Ré, pois
caso contrário teriam logo ressalvado o seu direito de preferência e
exercê-lo-iam de imediato ou a curto prazo, podendo, desde logo, eles próprios
receber o dinheiro advindo da expropriação [ante a retroatividade dos efeitos
da substituição na venda operada pelo direito de preferência à data da venda];
mas não; não só não o ressalvaram expressamente perante as Rés, como acordam
com a 2.ª Ré a expropriação amigável de parte dos terrenos, sentando-se consigo
à mesa do cartório notarial e realizando as escrituras em causa.
Ora,
tal consubstancia, uma manifesta declaração tácita por comportamento
concludente de renúncia ao exercício do direito de preferência [artigo 217.º,
n.º 1, do C.C.].
E
ainda que se entendesse que, aí, não haveria ocorrido tal ato concludente de
renúncia, sempre sucederia, no mínimo, quando, decorridos já ano e meio, em 16
agosto de 2021, solicitaram à 1.ª Ré que diligenciasse pela intervenção da 2.ª
Ré para que houvesse certo pagamento por parte da E.D.I.A.
Não
pode ter esse comportamento outro significado, neste concreto contexto de
diálogo estabelecido entre as partes, bem evidenciado na comunicação entre
elas.
É
o único sentido apreensível por qualquer destinatário comum, ao lhe ser dado o
acordo para ser parte num procedimento em que se pressupõe a qualidade de
comproprietário.»
Analisemos a questão.
O n.º 1 do artigo 217.º do
CC estabelece que a declaração negocial pode ser expressa ou tácita. É expressa
quando é feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de
manifestação da vontade. É tácita quando se deduz de factos que, com toda a
probabilidade, a revelam.
O tribunal a quo atribuiu o valor de renúncia
tácita aos seus direitos de preferência, por parte dos recorrentes, ao facto de
estes, com conhecimento, pelo menos desde 17.02.2020, de que a recorrida DDD
adquirira a posição de comproprietária dos prédios dos autos, terem outorgado,
em 02.07.2020, conjuntamente com esta, em escrituras públicas de expropriação
amigável. Considerou o tribunal a quo
que, ao actuarem dessa forma, em vez de ressalvarem o seu direito de
preferência e o exercerem de imediato ou a curto prazo, podendo, desde logo,
receber, eles próprios, a indemnização que cabia à recorrida DDD, os
recorrentes reconheceram esta última como comproprietária dos prédios, por
compra à recorrida CCC.
Discordamos.
Não há fundamento para
concluir que o facto de a recorrente BBB, por si e em representação do
recorrente AAA, ter outorgado, conjuntamente com a recorrida DDD, nas
escrituras públicas de expropriação amigável, implique uma renúncia tácita aos
direitos de preferência.
Ao contrário do que a
sentença recorrida sugere, um acordo de expropriação amigável não é celebrado
entre expropriados, que acordem entre si a expropriação de determinado prédio.
É, sim, um negócio celebrado entre uma entidade expropriante e um ou vários
expropriados. Cada um destes abdica do seu direito sobre o prédio expropriado
e, em contrapartida, recebe, da entidade expropriante, uma indemnização. O
negócio opera entre a entidade expropriante e cada um dos expropriados.
Sendo assim, ao facto de os
recorrentes terem outorgado nas escrituras de expropriação amigável ao lado da
recorrida DDD não pode ser atribuído qualquer significado que transcenda o
estrito âmbito da expropriação, nomeadamente o de renúncia tácita ao direito de
preferência relativo a um outro negócio, concretamente ao contrato de compra e
venda celebrado entre as duas recorridas. Em termos práticos, os recorrentes
limitaram-se a «ir buscar» as
indemnizações a que tinham direito, sem, com isso, abdicarem de qualquer
direito que tivessem contra os outros expropriados e não tivesse a ver com a
expropriação.
Nestas circunstâncias, nem
sequer se alcança o que se pretende significar quando, na sentença recorrida,
se fala numa hipotética ressalva, por parte dos recorrentes, do seu direito de
preferência, nas escrituras de expropriação amigável, ou no imediato exercício
desse direito por forma a serem eles próprios a receberem a indemnização que
cabia à recorrida DDD.
Em termos práticos, aquela
ressalva traduzir-se-ia em quê? Em fazer constar das escrituras que os
recorrentes tinham a intenção exercer o seu direito de preferência contra as
recorridas? A que propósito, tendo em conta que a contraparte era uma entidade
expropriante, que nada tinha a ver com a questão do direito de preferência, e
que a finalidade das escrituras também era absolutamente estranha à mesma
questão? E se a entidade expropriante, compreensivelmente, recusasse introduzir
tal adenda ao texto das escrituras, qual deveria ser a atitude a tomar pelos
recorrentes para afastar um entendimento como o do tribunal a quo? Recusarem-se a outorgar nas
escrituras, inviabilizando as expropriações amigáveis, devido a uma questão que
nada tinha a ver com estas? Não nos parece que isto fizesse qualquer sentido.
Ainda mais dificilmente se
alcança o que o tribunal a quo
pretende significar quando fala na possibilidade de imediato exercício do
direito de preferência por parte dos recorrentes, por forma a serem eles
próprios a receberem a indemnização que cabia à recorrida DDD. Concretamente,
isso traduzir-se-ia em quê? Não encontramos resposta para esta questão na
sentença recorrida.
Considerou-se ainda, na
sentença recorrida, que também a solicitação, feita em 16.08.2021 pelo
recorrente AAA à recorrida CCC, de que esta diligenciasse pela intervenção da
recorrida DDD, como comproprietária dos terrenos objecto de expropriação, para
que houvesse certo pagamento por parte da EDIA, deve ser considerado, por si
só, como uma renúncia ao direito de preferência.
Mais uma vez, não vemos
porquê. Nem, aliás, o tribunal a quo
justifica. Tal como a outorga conjunta nas escrituras de expropriação amigável,
uma mera solicitação, feita por interposta pessoa, para que a recorrida DDD praticasse
determinado acto com vista à recepção, por todos os comproprietários, das
indemnizações que lhes cabiam, não pode ser interpretada como renúncia ao
direito de preferência. Mais uma vez, tratava-se, meramente, de conjugarem
esforços para receberem as indemnizações a que tinham direito. Nada mais que
isso.
Por outras palavras, nenhum
dos actos dos recorrentes que acabamos de analisar constitui um facto que, com
toda a probabilidade, revele a vontade de os recorrentes renunciarem ao seu
direito de preferência na venda dos direitos da recorrida CCC. Longe disso.
Procede, assim, o argumento
dos recorrentes que resumimos sob a al. k).
Segundo a sentença
recorrida, ainda que se concluísse, como acabamos de concluir, que não existe
fundamento para considerar que os recorrentes renunciaram ao seu direito de
preferência na venda dos direitos da recorrida CCC, sempre a pretensão que os
recorrentes pretendem fazer valer nesta acção teria de improceder, uma vez que
consubstancia um abuso de direito.
Os recorrentes
contra-argumentam nos termos resumidos nas als. l) e m).
O argumento referido na al.
l) não procede, porquanto a excepção peremptória do abuso de direito é de
conhecimento oficioso. Concentremos a nossa atenção no da al. m).
Sobre o tema do abuso de
direito, escreveu-se o seguinte na sentença recorrida:
«Mas
ainda que não fosse tal comportamento equacionável como declaração tácita de
renúncia ao direito de preferir, sempre seria também admissível o seu
enquadramento como abuso de direito: então os Autores têm conhecimento de que
entre as Rés ocorreu uma venda das quotas de compropriedade sobre cuja
transmissão pretendem preferir, e, em vez de agirem em conformidade num curto
prazo, ou, pelo menos, questionado, então, as Rés sobre tanto, a fim de
conhecerem os demais elementos do negócio, deixam-se ficar com tal informação
guardada, para, quando e se pretenderem da mesma vir a fazer uso, aí sim,
procurarem conhecer dos demais contornos da venda?
Neste
caso, não poderia o ordenamento jurídico tutelar tal inércia dos Autores [e
correlativamente, admitir que ficassem as Rés, ad aeternum, sujeitas à intenção
dos Autores, quando entendessem e, portanto, a seu bel-prazer, colocarem em
causa a eficácia de tal transmissão do direito, quando, frise-se bem, podiam
ter confiado de que os mesmos, nada dizendo e praticando os atos
suprarreferidos, haviam aceitado o negócio em causa e reconhecido a 2.ª Ré como
comproprietária].
Abuso
de direito por quebra da boa-fé objetiva na vertente da tutela da confiança,
entre as modalidades de venire contra factum proprium e de suppressio, criada
ante os atos praticados pelos Autores, decurso do tempo e silêncio concomitante
(…)»
Não acompanhamos esta argumentação,
pelas razões que passamos a apresentar.
Não obstante o contrato de
compra e venda entre as recorridas ter sido celebrado em 11.04.2012, não se
provou que os recorrentes hajam tido conhecimento dessa celebração logo nessa
data. Apenas é seguro que os recorrentes já sabiam da existência dessa venda em
17.02.2020. Dos elementos essenciais da venda, não se apurou quando souberam.
Menos de dois anos depois de terem tomado conhecimento da celebração da venda,
mais precisamente em 02.11.2021, esta acção foi proposta.
Atento o curto período
decorrido entre estas duas datas, não se justifica o juízo formulado pelo tribunal a quo sobre a actuação dos
recorrentes. No fundo, apesar de ter julgado que apenas é seguro que os
recorrentes já tinham conhecimento da celebração do contrato de compra e venda
em 17.02.2020, o tribunal a quo
parece raciocinar como se, na realidade, esse conhecimento existisse desde a
época daquela celebração, cerca de oito anos antes. É também esse o pressuposto
da argumentação que as recorridas desenvolvem nas contra-alegações acerca desta
matéria, mas de forma assumida.
Porém, tal ideia tem de ser
afastada. Apenas se provou que os recorrentes sabiam que a recorrida DDD é
comproprietária dos prédios em 17.02.2020. Não antes dessa data. Logo, é nesta
base que a causa deve ser decidida.
Sendo assim, a situação não
é configurável nos termos em que o tribunal a
quo o fez. Não se verificou um protelamento injustificado, por parte dos
recorrentes, da reacção à violação do seu direito de preferência e da prática
das diligências necessárias ao apuramento dos elementos essenciais da venda, de
que necessitavam para a propositura da acção de preferência. Nem houve tempo
suficiente para que as recorridas adquirissem, fundadamente, a convicção de que
os recorridos não exerceriam o seu direito de preferência, de forma a criar-se
uma situação de confiança digna de tutela jurídica.
A realidade é que as
recorridas celebraram um contrato de compra e venda entre si sem que a
recorrida CCC tivesse cumprido o seu dever de notificar os recorrentes nos
termos dos artigos 416.º, n.º 1, e 1409.º, n.º 2, do CC. Violaram, assim, o
direito de preferência dos recorrentes relativo a cada um dos prédios em
questão, ficando, consequentemente, sujeitas a que estes o exercessem nos
termos previstos no n.º 1 do artigo 1410.º do CC. Apenas na hipótese de se
provar uma situação de exercício abusivo do referido direito teria justificação
a paralisação dessa pretensão. Contudo, a matéria de facto apurada nestes autos
não configura uma situação desse tipo. A conduta dos recorrentes não foi
contraditória com qualquer outra que tivessem adoptado em momento anterior, nem
idónea para criar, nas recorridas, uma justificada convicção de que eles não
exerceriam o seu direito de preferência ao abrigo do disposto no n.º 1 do
artigo 1410.º do CC.
Não se verifica, pois, uma
situação de abuso de direito que justifique a paralisação do exercício, pelos
recorrentes, dos seus direitos de preferência. Em face disso, a acção deverá
ser julgada procedente.
3 – Litigância de má fé:
3.1. Os recorrentes foram
condenados em multa e indemnização por litigância de má fé, com a seguinte
fundamentação:
«(…)
é notória a litigância de má fé dos Autores.
É
que não se trata de falta de prova; não se trata de não terem os Autores convencido
o Tribunal do mérito da sua preferência.
Foi-se
bem além disso: provou-se, positivamente, que os Autores tinham conhecimento da
venda operada entre as Rés, pelo menos desde 17 de fevereiro de 2020, quando os
mesmos, ao invés, haviam alegado só o terem desde outubro de 2021.
Mais:
após junção aos autos das mensagens trocadas via «whatsapp» entre Autor e 1.ª
Ré, vieram os mesmos invocar a falsidade das mesmas, quando, se veio a provar,
eram reais as mensagens em causa.
Não
há como negar terem os Autores alterado a verdade dos factos alegados [para
efeitos da alínea b) do citado artigo legal], devendo notar-se que, na sua
petição, os Autores não diziam apenas terem desconhecido os termos do negócio,
mas sim terem desconhecido a transmissão do direito, em si [ponto 5.º da
petição]; sendo comportamento [ultrapassando a fronteira da negligência, que já
bastaria] doloso posto que os factos são imputados aos mesmos [é o seu
conhecimento da venda], não sendo alheios, pois, a essa realidade.»
A esta fundamentação, os
recorrentes opõem a seguinte argumentação:
«(…)
a mera discordância quanto à interpretação dos factos e a contestação da
autenticidade das provas apresentadas não configuram, por si só, um
comportamento doloso ou gravemente negligente dos Recorrentes.
Efectivamente,
o artigo 542.º, n.º 2, do Código de Processo Civil exige que a má fé seja manifesta
e evidente, o que não se verifica no caso em apreço. Pelo contrário, os Autores
exerceram o seu direito de acção e o subsequente procedimento com inteira
boa-fé, com base na sua interpretação dos factos e do direito aplicável.
Por
isso, a sentença recorrida, ao condenar os Recorrentes como litigantes de má fé,
nem sequer se baseia numa fundamentação suficiente que demonstrasse
inequivocamente o dolo ou a negligência grosseira exigida por lei para a
condenação por litigância de má fé, que ’in casu’, pura e simplesmente, não
existe.»
Como é bom de ver, esta
argumentação não invalida as razões que levaram o tribunal a quo a condenar os recorrentes por litigância de má fé. A primeira
foi a de se ter provado a falsidade da sua alegação de que apenas souberam da
venda em Outubro de 2021. A segunda foi a de, após a junção aos autos das
mensagens trocadas na «WhatsApp»,
cuja veracidade veio a provar-se posteriormente, os recorrentes terem invocado
a sua falsidade.
Não se tratou, pois, de mera
discordância quanto à interpretação de factos, nem de mera contestação de meios
de prova apresentados. Tratou-se, sim, da alegação de dois factos pessoais cuja
falsidade ficou demonstrada: o desconhecimento da celebração da venda em data
anterior a Outubro de 2021 e o não envio de mensagens que efectivamente se
enviou. Qualquer destas duas alegações se enquadra na al. b) do n.º 2 do artigo
542.º do CPC, justificando, assim, a condenação dos recorrentes como litigantes
de má fé.
A tanto não obsta a
procedência da acção, a declarar em sede de recurso, pois a mesma não põe em
causa a verificação daqueles dois fundamentos. Ainda que sem influência na
decisão da causa, os recorrentes, desnecessariamente, alteraram dolosamente a
verdade de factos que estiveram em discussão.
3.2. Os recorrentes pediram
a condenação das recorridas por litigância de má fé invocando, como fundamento,
que estas deduziram oposição cuja falta de fundamento não deviam ignorar, assim
fazendo um uso manifestamente reprovável dos meios processuais.
O tribunal a quo não
condenou as recorridas por litigância de má fé, com a seguinte fundamentação:
«No
que concerne à litigância de má-fé das Rés, não se verifica a mesma, tendo-se
provado a veracidade e fundamento da respetiva defesa.
Por
respeito ao tipo de expressões utilizadas nas respetivas contestações, é
matéria que extravasa a sede do artigo 542.º, n.º 2 do C.P.C.»
A esta fundamentação, os
recorrentes opõem a seguinte argumentação:
«(…)
a sentença absolveu os Réus da acusação de litigância de má fé, apenas com o
singelo argumento de que o seu comportamento não se enquadra no art. 542º do
CPC, fundamentação que não tem qualquer cabimento. Efectivamente, o art. 542º,
nº2, d), do CPC considera litigante de má fé aquele que “tiver feito do
processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim
de conseguir um objetivo ilegal". É o que manifestamente se verifica
quando os recorridos usam os articulados para dirigir insultos aos recorrentes,
com o fim de os impedir de exercer o direito de preferência que a lei lhes
reconhece ou se socorrem de provas testemunhais inexistentes (caso de ‘’Luís
Filipe Vieira’’, ‘’Bruno de Carvalho’’, ‘’Rúben Semedo’’, ‘’Pedro Coelho’’ vide
página n.º 5 da Contestação), para poderem mais tarde serem substituídas por
outras testemunhas com vista a obter uma decisão não favorável, nem ao direito,
nem à justiça.»
Ou seja, os recorrentes não
se conformam com o segmento da sentença recorrida em análise por duas razões:
uso dos articulados para «dirigir
insultos aos recorrentes» e arrolamento de testemunhas inexistentes com a
finalidade de as substituir posteriormente.
Porém, os recorrentes não
concretizam as palavras, escritas pelas recorridas nos seus articulados, que
consideram insultuosas, nem demonstram a veracidade da segunda acusação que
àquelas dirigem.
Sendo assim, inexiste
fundamento para alterar a sentença recorrida nesta parte.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto:
1. Julgar o recurso procedente no que
concerne ao exercício do direito de preferência pelos recorrentes, revogando a
sentença recorrida nessa parte;
2. Julgar a acção procedente:
2.1. Declarando que o recorrente AAA tem
um direito de preferência na compra de uma quota de compropriedade de um terço
indiviso de cada um dos seguintes prédios:
2.1.1. Prédio misto, denominado Herdade
YYY, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
53/19850801 da freguesia de (...);
2.1.2. Prédio rústico, denominado ZZZ,
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
296/19880509 da freguesia de (...);
2.1.3. Prédio rústico, denominado TTT,
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
418/19890824 da freguesia de (...);
2.1.4. Prédio rústico, denominado TTT,
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
417/19890818 da freguesia de (...);
2.2. Declarando que os recorrentes, AAA e
BBB, têm, em conjunto, um direito de preferência na compra de uma quota de
compropriedade de um terço indiviso de cada um dos seguintes prédios:
2.2.1. Prédio rústico, denominado RRR,
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
194/19870304 da freguesia de (...);
2.2.2. Prédio rústico, denominado RRR,
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
153/19860625 da freguesia de (...);
2.2.3. Prédio rústico, denominado RRR,
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
162/19860912 da freguesia de (...);
2.2.4. Prédio rústico, denominado RRR,
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha n.º
411/19890731 da freguesia de (...);
2.3. Determinando a substituição da
compradora, a recorrida DDD, pelo recorrente AAA, na quota de compropriedade de
um terço indiviso sobre os prédios identificados em 2.1.1, 2.1.2, 2.1.3 e 2.1.4
que aquela comprou à recorrida CCC;
2.4. Determinando a substituição da
compradora, a recorrida DDD, por ambos os recorrentes, em conjunto, na quota de
compropriedade de um terço indiviso sobre os prédios identificados em 2.2.1,
2.2.2, 2.2.3 e 2.2.4 que aquela comprou à recorrida CCC;
2.5. Ordenando o cancelamento das
inscrições prediais que, sobre os prédios identificados em 2.1.1, 2.1.2, 2.1.3,
2.1.4, 2.2.1, 2.2.2, 2.2.3 e 2.2.4, existam a favor da recorrida DDD.
3. Julgar o recurso improcedente no que
concerne à apreciação da litigância de má-fé por parte dos recorrentes e das
recorridas, mantendo a sentença recorrida nessa parte.
Custas, em ambas as
instâncias, a cargo dos recorrentes e das recorridas na proporção do seu
decaimento, que se fixa em ¼ para os primeiros e ¾ para as segundas.
Notifique.
*
Évora, 30.01.2025
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
(1.º adjunto)
(2.º adjunto)