terça-feira, 1 de outubro de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 12.09.2024

 Processo n.º 3888/16.4T8VFX-F.E1

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Sumário:

1 – Não cumpre os ónus previstos na als. a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC o recorrente que não identifica, com precisão, os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, bem como a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre cada um desses pontos, e, em vez disso, se reporta, em bloco, aos factos que constam de 27 pontos do enunciado da matéria de facto provada, afirma que tais factos foram julgados provados «com uma extensão incompleta ou comprimida», sem especificar em que medida os mesmos merecem a sua concordância e a sua discordância, e propõe, também em bloco, 12 pontos de facto que pretende ver inseridos em substituição dos referidos 27.

2 – Não cumpre o ónus previsto na al. b) do n.º 1 e na al. a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC o recorrente que faz, nas suas alegações, aquilo que designou como uma «súmula» de cada um dos depoimentos que considera terem sido mal valorados pelo tribunal a quo, indica a hora do início e do fim de cada um desses depoimentos e enuncia, a seguir a cada uma dessas «súmulas», uma lista de factos que, com base nela, pretende ver acrescentados à matéria de facto provada.

3 – A criança e o jovem, sobretudo a partir do momento em que completem 12 anos de idade, não podem ser vistos como meros sujeitos passivos nos processos em que esteja em causa a definição da sua situação, quer se trate da aplicação, revisão, alteração ou extinção de uma medida de promoção e protecção, quer se trate da fixação, alteração ou extinção de um regime tutelar cível. Em vez disso, reconhece-se-lhes o direito de intervirem constitutivamente na definição daquela medida ou deste regime, sendo-lhes atribuídos os direitos processuais para o efeito necessários.

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Neste processo de promoção e protecção, por si instaurado, o Ministério Público recorre do acórdão que decretou, a favor de AAA e de BBB, a medida de apoio junto dos pais, concretamente da mãe, com apoio económico, em termos a determinar pela Segurança Social, por um período de 18 meses, mantendo, todavia, a medida de acolhimento residencial até ao termo do ano lectivo.

As obrigações impostas à mãe são as seguintes:

- Promover o acompanhamento adequado dos filhos ao nível da saúde (clínica geral, especialidade, etc.) e ao nível emocional, afectivo e escolar; neste último, deverá garantir a assiduidade e a pontualidade dos filhos e proceder à inscrição destes, até ao início do próximo ano lectivo, numa actividade extracurricular do agrado dos mesmos;

- Promover e manter o acompanhamento pela EMAT, através de reuniões, entrevistas e visitas domiciliárias;

- Promover e manter o empenhamento na aquisição de competências pessoais, habitacionais, profissionais e parentais, designadamente não permitindo que as crianças pernoitem sem a presença de um adulto responsável em casa;

- Manter acompanhamento psicológico dos filhos, para o que irão ser sinalizados ao centro de saúde da área de residência da mãe.

As obrigações impostas a ambos os progenitores são as seguintes:

- Promover e manter laços afectivos e convívio regular entre os filhos e o pai, designadamente através de contactos telefónicos e videochamadas, pelo menos uma vez por semana; devendo os filhos passar com o pai o último fim-de-semana de cada mês (que será substituído por qualquer outro fim-de-semana do mês, ao qual imediatamente anteceda ou suceda um feriado), sendo as deslocações repartidas pelos pais, sendo o pai responsável por ir buscar os filhos a casa da mãe, e esta por os levar de volta a casa no termo do fim-de-semana; os filhos passarão ainda com o pai uma semana nas férias do Natal, e uma semana nas férias da Páscoa, de forma alternada ao que sucedeu nas últimas férias; por fim, os filhos passarão um mês de férias com o pai, sendo neste ano o mês de Agosto, alternando com o mês de Julho nas próximas férias.

- Pagamento, pelo pai, de uma pensão de alimentos, a favor de cada um dos filhos, no montante mensal de 150 euros, através de transferência bancária a efectuar até ao dia 8 de cada mês, com início no mês de Julho.

As obrigações impostas aos filhos são as seguintes:

- Cumprimento das regras, horários e rotinas impostas pela mãe;

- Frequência da escola com assiduidade, pontualidade e sentido de responsabilidade, empenhando-se por obter aproveitamento;

- Levar para as aulas os materiais necessários.

As conclusões do recurso são as seguintes:

1.ª - O Ministério Público vem interpor recurso do acórdão que aplicou aos menores AAA e BBB a medida protectiva substitutiva de apoio junto dos pais – mãe, invocando o erro de julgamento de facto e, consequentemente, de direito em que incorreu o tribunal recorrido.

2.ª - A impugnação da matéria de facto funda-se na crença da sua errada fixação, no que respeita às condições pessoais e às competências parentais de cada um dos progenitores — de resto, já reconhecidas e declaradas em anteriores decisões proferidas em apensos dos autos, ainda que em diferente sentido.

3.ª - Numa palavra, sustenta-se que a prova impõe que se conclua, com racional objetividade, que a mãe dos jovens não tem revelado deter as necessárias capacidades e condições para assegurar o são desenvolvimento da personalidade dos filhos, o que, em medida exactamente inversa, se verifica quanto ao pai.

4.ª - Este juízo, tanto quanto firmemente se crê, é imposto, não por qualquer subjectivo pré-conceito, mas pelos eventos que têm marcado a vida das crianças, na parte em que cada um dos progenitores directamente a moldou e tanto quanto se revela seguro reconstituí-los.

5.ª - Impugnam-se, por isso, segmentos específicos da matéria de facto, visando a sua modificação (que, por vezes, envolverá a ampliação), nos termos dos artigos 640.º e 662.º do CPC.

6.ª - No caso concreto, a impugnação da decisão da matéria de facto comporta três dimensões distintas, em função do motivo da discordância com o julgado:

a) Desde logo, há factos que foram totalmente omitidos e desconsiderados pelo tribunal, apesar de serem relevantes para a decisão e de ressaltarem do conteúdo do processo e da sua tramitação;

b) Depois, há um diferenciado bloco de factos, que o tribunal fixou, mas com uma extensão incompleta, perante o que ressalta do conteúdo do processo e da sua tramitação, e

c) Por fim, o tribunal não fixou factos essenciais em divergência com a prova testemunhal produzida.

7.ª - Para não transportar para estas conclusões uma densidade de texto que não poderia deixar de ser essencialmente reprodutiva do que se disse na alegação, vai adoptar-se a doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023, do STJ, em cujos termos é admissível convocar o teor da motivação quanto aos factos impugnados e aos meios de prova que impõem a sua modificação.

8.ª - À luz desta directriz, num primeiro bloco, impugna-se a omissão, na matéria de facto dada como provada e não provada, de factos com relevo decisório, discriminados de fls. 5 a 15, sob os n.ºs 2), 4), 5), 6), 7), 9), 10), 14), 15), 16), 21), 22), 23) e 25).

9.ª - A prova de tais factos resulta dos documentos e dos elementos constitutivos do processo, que, na alegação, se concretizaram.

10.ª - No segundo grupo de factos, igualmente relevantes para a decisão a proferir, integram-se aqueles que o tribunal recorrido considerou provados, mas de forma insuficiente ou comprimida, usando formulações que nem sempre retratam, em toda a sua dimensão, os aspetos relevantes que ressaltam da dinâmica do processo.

11.ª - Concretizando, são os factos que o tribunal elencou, de forma acanhada, de 4) a 25) dos factos provados, que correspondem àqueles que atrás enunciámos em 3), 8), 11), 12), 13), 17), 18), 19), 20), 24), 29), 32), 33), 34) e 36), mas de forma completa e com especificação dos meios probatórios que os suportam.

12.ª- No que respeita, em particular, aos últimos cinco desses factos, salienta-se a informação social datada de 18.01.2024 (referência 2660201), que permite dar como assentes vários aspectos significativos dos contactos telefónicos que os progenitores e restantes familiares mantiveram com as crianças, no centro de acolhimento, bem como às visitas que aí efectuaram e ainda aos períodos de férias escolares que passaram com cada um dos progenitores, por ocasião do natal/passagem do ano de 2023 e na Páscoa de 2024.

13.ª - No terceiro segmento, que se reporta aos factos essenciais que o tribunal não fixou, em divergência com a prova testemunhal produzida no debate judicial, impugna-se a decisão da matéria de facto, considerando que o tribunal recorrido apreciou erradamente a prova pessoal produzida, porque não deu como provados factos importantes mencionados pelas crianças, pelos progenitores e pelas testemunhas.

14.ª - Também aqui se remete para o teor da alegação, no que tange à identificação dos factos que devem ser dados como assentes e aos meios de prova que os sustentam, a coberto da citada doutrina do aresto uniformizador.

15.ª - Termos em que se pretende que, modificada a matéria de facto em conformidade com o alegado, se profira decisão que, no provimento do recurso, revogue o acórdão recorrido e profira decisão que aplique aos menores AAA e BBB a medida protectiva substitutiva de apoio junto dos pais, a executar junto do pai.

Os factos julgados provados no acórdão recorrido são os seguintes:

1 – AAA nasceu em 12.10.2010 e é filho de DDD e de EEE.

2 – BBB nasceu em 31.05.2012 e é filha de DDD e de EEE.

3 – DDD e EEE são igualmente pais de CCC, nascido em 23.01.2007.

4 – Por sentença judicial definitiva preferida em 10.01.2017, no processo n.º 3880/16.4T8VFX, foram reguladas as responsabilidades relativas aos três filhos do casal, AAA, BBB e CCC, tendo a sua residência sido fixada junto da mãe, na zona de Lisboa.

5 – No entanto, os progenitores, à margem daquela decisão, estabeleceram um acordo informal, nos termos do qual o CCC continuaria a residir com a mãe e o AAA e a BBB passariam a residir com o pai, em Ervidel.

6 – Desde que passaram a residir com o pai, os menores AAA e BBB deixaram de manter contactos regulares com a mãe e o CCC, sendo que também este deixou de manter qualquer contacto com o pai.

7 – No ano lectivo de 2019/2020, os menores frequentaram a Escola Básica de Ervidel, tendo aproveitamento no final do primeiro período escolar.

8 – Aproveitando uma ida a Lisboa por ocasião do Natal de 2019, o pai levou o AAA e a BBB consigo, para verem e estarem com a mãe e o CCC, o que foi do agrado de todos.

9 – A pedido do AAA e da BBB, o pai permitiu que estes permanecessem mais uns dias em casa da mãe, com o CCC, tendo acertado, com a mãe, que o AAA e a BBB regressariam a Ervidel decorrido esse tempo.

10 – Porém, por circunstâncias não concretamente apuradas, o AAA e a BBB não regressaram a casa na data combinada com a mãe.

11 – Em 14.01.2020, o Ministério Público requereu a alteração das responsabilidades parentais junto deste Juízo de Família e Menores.

12 – Em 10.02.2020, a BBB foi transferida para o Agrupamento de Escolas Pedro Jacques Magalhães, de Alverca, tendo estado ausente de 06.01.2020 até a data da sua transferência, tendo transitado de ano.

13 – O AAA não foi matriculado na escola na zona da residência da mãe, não mais tendo frequentado a escola durante esse ano lectivo, o que determinou que tivesse reprovado.

14 – Em 14.03.2020, creches, escolas e universidades de todo o país ficaram encerradas, depois de resolução do Conselho de Ministros, que se seguiu a um parecer do Centro Europeu para Prevenção e Combate às Doenças, que recomendou, aos Estados-Membros da União Europeia, o encerramento imediato dos estabelecimentos de todos os graus de ensino.

15 – Em 09.07.2020, em sede de conferência de pais e após a falta de acordo destes, foi fixado regime provisório, no qual se fixou a residência das crianças com o pai.

16 – Após a fase de ATE e em sede de conferência de pais, veio a ser proferida sentença homologatória do acordo destes, datada de 24.03.2021, ficando o AAA e a BBB a residir com o pai.

17 – Desde sempre, o AAA, a BBB e o CCC mantêm contactos esporádicos com os progenitores com quem não residem, e que, na maioria dos casos, se cingem a contactos telefónicos.

18 – No dia 07.02.2023, ao fim da tarde, o AAA e a BBB, com absoluto desconhecimento do pai, abandonaram a casa onde residiam com ele, em Beja, tomaram um táxi com destino a São Marcos da Ataboeira, onde vivia o avô paterno, o qual as transportou para casa da mãe, em Mirandela, onde chegaram na madrugada do dia seguinte.

19 – No dia 08.02.2023, a mãe apresentou uma denúncia, na Polícia de Segurança Pública de Mirandela, contra o pai das crianças, alegando que este as maltratava.

20 – A partir desse dia, o AAA e a BBB ficaram com a mãe, não mais viram o pai e apenas falavam com ele ao telefone.

21 – A permanência dos menores junto  da mãe foi objecto de apreciação no processo de entrega judicial n.º 112/23.2T8MDL, do Juízo de Competência Genérica de Mirandela – J2 (apenso E), onde, em 24.04.2023, foi proferida sentença que determinou que a mãe procedesse à entrega dos filhos ao pai até ao dia 01.05.2023, na residência deste, em Beja, ou em local a combinar, sob a cominação da prática do crime de desobediência.

22 – Em duas ocasiões, a mãe fez a entrega das crianças (dias 1 e 2 de Maio) acompanhada da PSP; porém, como as crianças se recusavam a ficar com o pai, os agentes da PSP de Beja sugeriram que as crianças regressassem a Mirandela com a mãe e que se desse conta do sucedido ao tribunal.

23 – No âmbito do processo de entrega judicial, foi então ordenado que a autoridade policial conduzisse as crianças a Beja, acompanhadas de técnica da Segurança Social, o que se veio a concretizar no dia 11.05.2023.

24 – Chegados a Beja, os menores recusaram categoricamente ficar com o pai, acabando por verbalizar a sua preferência pelo acolhimento numa instituição.

25 – Perante a decisão irredutível dos menores, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Beja, que tinha sido instada, pelo Tribunal de Mirandela, a acompanhar a entrega das crianças no referido dia 11 de Maio, decidiu despoletar o procedimento de urgência, accionando a Linha 144 de Emergência Infantil, na sequência do que os menores foram imediatamente acolhidos no Centro de Apoio Integrado a Crianças (…), sito em Tavira.

26 – Após o acolhimento, as crianças, em 15.05.2023, enviaram aos autos cartas manuscritas onde pediam para sair da casa de acolhimento e viver junto da mãe ou de outros familiares, e reiteraram não quererem voltar a viver junto do pai.

27 – Em 14.06.2023, o CAIC veio informar os autos sobre a integração institucional das crianças, referindo-se que, à chegada, elas demonstraram tristeza e revolta pelo desfecho da situação. Não obstante, conseguiram adaptar-se às rotinas e funcionamento da instituição, mantendo relações de qualidade com o grupo de pares e adultos. Apesar de bem integrados, o AAA e a BBB continuaram a evidenciar tristeza pelo facto de estarem acolhidos e demonstraram vontade de regressar para o agregado familiar da mãe ou para a família alargada, mas não para casa do pai.

28 – Desde o início do acolhimento, ambos os progenitores, todos os dias, contactaram a equipa técnica com o intuito de perceberem o bem-estar do AAA e da BBB e demonstraram interesse nos contactos com estes.

29 – O AAA e a BBB recebem visitas de ambos os progenitores e dos avós paternos na instituição, com quem fazem saídas ao exterior, manifestando agrado nestes convívios e demonstrando clara preferência pela presença da mãe.

30 – O AAA e a BBB rejeitam regressar a casa do pai e permanecer junto dele, tratando-se de uma rejeição radical, absoluta, não obstante o pai continuar a dispor das mesmas condições pessoais, habitacionais e materiais.

31 – O AAA e a BBB manifestam preferência em viver na instituição a regressar a casa do pai em termos definitivos.

32 – O AAA e a BBB estiveram na companhia de cada um dos progenitores por ocasião das férias de Natal, passando 5 dias com cada um deles.

33 – O AAA e a BBB passaram as férias da Páscoa com os progenitores, sendo que se mostraram muito felizes e entusiasmados com esta notícia. O progenitor foi buscar os filhos ao CAIC no dia 23.03, pelas 16:30 horas, e foi levá-los no dia seguinte para junto da progenitora.

34 – As crianças gostaram muito de estar com o agregado familiar materno, passearam e estiveram com alguns familiares.

35 – A progenitora entregou o AAA e a BBB ao pai no dia 31.03, em Beja.

36 – O AAA e a BBB também gostaram de estar com o pai, com quem realizaram actividades (jogar à bola e andar de bicicleta).

37 – O AAA e a BBB aparentaram estar bem tratados e demonstraram uma postura tranquila no regresso ao CAIC.

38 – O pai reside sozinho no apartamento de tipologia T3 sito na Rua (…), n.º (…), em Beja, num imóvel que dispõe de boas condições de habitabilidade, espaço e conforto.

39 – O pai exerce funções como motorista da (…), auferindo um vencimento base no valor de € 1.018,49, exercendo as funções de segunda a sexta-feira, excepcionalmente ao sábado quando solicitado pela entidade patronal, e apresenta, como despesa mais significativa, a renda da casa, no valor de € 350.

40 – O pai não mantém relacionamento com os seus pais e irmã, com quem está de relações cortadas, não contando com qualquer apoio familiar em Beja.

41 – O pai nunca pagou a pensão de alimentos ao CCC.

42 – No âmbito da perícia psicológica e de competências parentais, o pai negou a existência de antecedentes familiares de violência doméstica, consumo de substâncias, abandono parental, morte precoce de familiares, suicídio familiar, antecedentes familiares de doença mental e/ou antecedentes criminais na família (1.º grau). No que se refere a comportamentos aditivos, o examinando nega o consumo de drogas.

43 – Quanto à parentalidade, o pai afirmou, em sede de entrevista realizada no âmbito da perícia, que acredita que apresenta as competências parentais necessárias para cuidar dos filhos de forma autónoma. Quando questionado sobre a sua posição sobre as competências parentais da mãe, afirma que esta «não tem as bases necessárias. Os princípios e os valores não são os mais indicados.»

44 – No que concerne aos contactos do AAA e da BBB com a mãe e o desfecho do processo, o pai referiu: não concorda que a progenitora tenha contacto com os menores, confidenciando que estes só têm acesso ao telemóvel na sua presença, pelo que o AAA deve ter começado a falar com o avô e a mãe com os telemóveis dos amigos. Em relação ao processo, verbaliza que tem a certeza de que «os meus filhos voltam para mim. Ela (progenitora) esteve desaparecida 1 ano e meio, eles não vão para ela».

45 – Dos questionários realizados em sede de exame pericial resulta que «o examinando não foi verdadeiro nas respostas, tendo sentido a necessidade de apresentar uma boa imagem perante o avaliador, dando respostas socialmente adequadas, negando comportamentos negativos.»

46 – Quanto à capacidade do indivíduo avaliado para proporcionar a atenção e o cuidado adequados a uma pessoa em situação de dependência, surgiram resultados muito abaixo da média para a população portuguesa nas escalas de altruísmo, abertura, empatia e sensibilidade aos outros, podendo indicar a presença de um indivíduo com dificuldade em perceber as necessidades dos outros, não considerando necessário realizar comportamentos de ajuda (altruísmo), que tende a agir conforme a tradição, rejeitando mudanças, situações e experiências novas, centrando-se apenas no que está relacionado com o seu campo de interesses (abertura), que tem dificuldade em compreender e escutar a perspectiva do outro, tendendo a avaliar como inadequados os pensamentos e sentimentos dos outros (empatia) e que se sente pouco afectado pelas necessidades dos outros (sensibilidade aos outros).

47 – Segundo a perícia, o examinando parece revelar algumas limitações, em particular no que se refere à empatia.

48 – Em relação às práticas educativas utilizadas (escala IPE), o examinando refere utilizar práticas adequadas, tais como dar conselhos, mandar a criança para o quarto de castigo e elogiar a criança quando se porta bem, explicar à criança o que fez mal e castigar a criança retirando-lhe coisas de que gosta. Refere já ter utilizado um tipo de punição física (bater no rabo com a mão), que considera adequado. Nega a utilização de maus-tratos físicos, práticas inadequadas, mas não abusivas, comportamentos potencialmente maltratantes e maus-tratos emocionais. Quanto às suas crenças sobre a utilização da punição física, embora o examinando tenha revelado valores inferiores em relação à população portuguesa (escala ECPF), não tendo legitimado a utilização da punição física pela sua normalidade, centralidade e necessidade, concordou totalmente com expressão «uma criança não tem quereres, tem obrigação de obedecer sempre aos seus pais».

49 – Em relação à personalidade, embora o examinando não tenha sido sincero nas respostas aos questionários, com base na avaliação clínica e nos restantes dados psicométricos, podemos afirmar que existem indicadores para levantar a hipótese da presença de traços de personalidade do cluster A do tipo paranoide, traços de personalidade do cluster B do tipo narcisista e traços de personalidade do cluster C do tipo obsessivo-compulsivo, marcados pela presença de suspeita de que os outros o querem enganar e/ou prejudicar, relutância em confiar nos outros, encontrar humilhações e ameaças ocultas em acontecimentos inocentes, perceber ataques ao seu carácter e reputação, não aparentes aos outros, aos quais reage rapidamente com raiva, guardar persistentemente rancor a quem o ofende, ter um sentimento global de grandiosidade e de autoimportância, necessidade excessiva em ser admirado, excessivamente perfeccionista, preocupado com pormenores, regras, listas, ordem, organização e/ou horários, tendendo a ser excessivamente consciente, escrupuloso e inflexível sobre assuntos da moral, ética ou valores.

50 – No que se refere às capacidades de o examinando conseguir gerir as necessidades de atenção e cuidado de um menor dependente, o mesmo revelou algumas limitações, em particular, dificuldade em perceber as necessidades dos outros, não considerando necessário realizar comportamentos de ajuda, tendência para agir conforme a tradição, rejeitando mudanças, situações e experiências novas, centrando-se apenas no que está relacionado com o seu campo de interesses, dificuldade em compreender e escutar a perspectiva do outro, tendendo a avaliar como inadequados os pensamentos e sentimentos dos outros, e incapacidade em se sentir afectado pelas necessidades dos outros.

51 – Na resposta aos quesitos formulados, o perito concluiu da seguinte forma:

1. A personalidade e carácter dos membros da família:

Em relação ao progenitor, existem indicadores para levantar a hipótese da presença de traços de personalidade do cluster A do tipo paranoide, traços de personalidade do cluster B do tipo narcisista e traços de personalidade do cluster C do tipo obsessivo-compulsivo.

5. Informações relativas à história familiar:

Devido aos conflitos familiares, o examinando não mantém actualmente relação de proximidade com nenhum dos membros da família alargada. Nega antecedentes familiares de violência doméstica, de consumo de substâncias, abandono parental, morte precoce de familiares, suicídio familiar, antecedentes familiares de doença mental e/ou antecedentes criminais na família (1.º grau).

6. Funcionamento da personalidade de cada um:

O progenitor apresentou um funcionamento da personalidade com algumas limitações, quer do ponto vista clínico, quer na capacidade de conseguir gerir as necessidades de atenção e cuidado de um menor dependente.

9. Se os progenitores se revelam emocionalmente instáveis; na afirmativa, como se manifesta essa instabilidade, especialmente na relação que mantém com os filhos:

Não conseguimos identificar instabilidade emocional.

10. Se os progenitores apresentam traços de personalidade que comprometam o exercício da parentalidade:

Sim, o progenitor apresenta traços de personalidade que podem comprometer o exercício da parentalidade.

11. Se os progenitores apresentam traços de resistência à convivência parental com o outro progenitor ou família alargada:

Sim, o progenitor é totalmente contra a convivência parental com o outro progenitor e/ou família alargada.

12. Se os progenitores exercem uma comunicação não violenta entre si e com as crianças:

Com base no perfil de personalidade do progenitor, é esperado que ocorram episódios de comunicação violenta com o outro progenitor e com as crianças.

13. Qual a percepção que os progenitores têm do exercício do seu papel familiar:

Segundo o próprio, «são as melhores, eu sou sempre pelo melhor, e que eles (filhos) sejam educados».

14. Qual a percepção que os progenitores têm um do outro:

Segundo o próprio, «derivado às atitudes, não é uma pessoa com os melhores princípios. Ela (progenitora) devia de falar comigo. Ela só faz as coisas como quer. Devia pensar melhor as coisas».

52 – Por sentença proferida em 19.06.2014, transitada em julgado no próprio dia, no âmbito do processo sumaríssimo n.º  (…) do 1.º Juízo do Tribunal Judicial do Montijo, o arguido foi condenado na pena de 1 ano de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, fixada em 360 horas, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência aos artigos 14.º e 26.º do Código Penal.

53 – Por sentença proferida em 27.04.2016, transitada em julgado em 27.05.2016, no âmbito do processo comum singular n.º (…) da Secção Criminal –J1 da Instância Local do Montijo – Comarca de Lisboa, o arguido foi condenado na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 6, no montante global de € 600,  pela prática, como autor material, em 05.09.2014, de um crime de detenção de produtos estupefacientes para consumo, p. e p. pelo artigo 40.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência à tabela 1-C.

54 – A mãe reside em Mirandela, numa habitação arrendada de tipologia T2, pelo valor de € 250. Vive apenas com o filho CCC, que tem 16 anos, e mantém uma relação de namoro com FFF, com quem as crianças têm boa afinidade.

55 – A mãe exerce funções como auxiliar de acção médica na Unidade (…), registando uma remuneração de € 960, valor ao qual acresce o subsídio de turno.

56 – Em Mirandela, residem a mãe e a irmã da progenitora, com quem esta mantém boa relação, e que se constituem como rede de suporte familiar sempre que necessário.

57 – A mãe nunca pagou voluntariamente a pensão de alimentos aos filhos AAA e BBB quando estes se encontravam a residir com o pai, apenas o tendo feito, de forma coerciva, após ter sido ordenada a cobrança no âmbito do incidente próprio para o efeito.

58 – A mãe sempre manteve, mesmo após a separação, uma boa relação com os avós paternos do AAA e da BBB.

59 – No âmbito da perícia psicológica solicitada, e quanto à parentalidade, a mãe referiu: acredita que apresenta as competências parentais necessárias para cuidar dos filhos de forma autónoma. Refere que já é cuidadora do filho mais velho, verbalizando que o pai está há 5 anos sem estar com o filho.

60 – Descreve a relação com o progenitor dos menores como muito conflituosa, descrevendo alegados episódios de violência doméstica durante a relação, em particular, social «não podia trabalhar, ele era super controlador. Deixei de falar com a família e amigos», financeira «não tinha dinheiro nem telemóvel», sexual «era sempre quando ele queria», física, quer contra si, quer contra os filhos «ele bateu uma vez na cabeça do CCC porque ele errou nas contas», verbal «chamava muitos nomes» e psicológica «ele era muito desconfiado, fechava sempre os estores antes de sair de casa. Se eu abria, quando ele chegava a casa, dizia que tinha estado alguém lá em casa». Quanto ao futuro, apenas deseja poder estar junto dos menores.

61 – Os questionários foram considerados válidos, tendo a examinanda participado de forma adequada em todos os momentos da avaliação.

62 – Na avaliação relativa à capacidade de o indivíduo avaliado proporcionar a atenção e o cuidado adequados a uma pessoa em situação de dependência, surgiram resultados elevados nas escalas primárias de altruísmo, equilíbrio emocional, flexibilidade, sociabilidade, tolerância à frustração e capacidade para estabelecer vínculos afectivos, e nas escalas de 2.ª ordem de cuidado responsável, cuidado efectivo e sensibilidade aos outros. Assim, os dados sugerem a presença de um indivíduo que se preocupa com as necessidades dos outros (altruísmo), com elevado controlo das suas emoções, não se irritando em situações muito tensas (equilíbrio emocional), que escuta e aceita com muita naturalidade pontos de vista distintos dos seus (flexibilidade), que se relaciona com muita facilidade com os outros (sociabilidade), que se adapta facilmente a uma alteração de planos (tolerância à frustração), que revela uma vinculação segura (capacidade para estabelecer vínculos afectivos), e que revela um cuidado responsável, afectivo e preocupado perante os outros (cuidado responsável, cuidado efectivo e sensibilidade aos outros). Na escala adicional de irritabilidade, os resultados sugerem a presença de uma pessoa que controla os impulsos, tranquila, dificilmente irritável, que tolera a frustração de forma adequada e tem uma capacidade saudável para gerir os conflitos. As restantes escalas encontram-se em intervalos médios em relação à população portuguesa.

63 – A examinanda revelou competências adequadas no sentido do cuidado a um menor dependente.

64 – Em relação às capacidades de a examinanda conseguir gerir as necessidades de atenção e cuidado de um menor dependente, a mesma revelou várias competências necessárias para um cuidado adequado, em particular, boa autoestima, capacidade para resolver problemas, empatia adequada, boa flexibilidade e sociabilidade, adequada tolerância à frustração, capacidade para estabelecer vínculos afectivos e capacidade de resolução de luto. Foi ainda possível identificar um funcionamento adequado quanto à irritabilidade, sugerindo os resultados a presença de uma pessoa que controla os impulsos, tranquila, dificilmente irritável, que tolera a frustração de forma adequada e tem uma capacidade saudável para gerir os conflitos.

65 – No que se refere aos quesitos formulados, o perito refere que:

1. A personalidade e carácter dos membros da família:

Em relação à progenitora, não surgiram indicadores na personalidade e/ou no carácter da examinanda que possam representar um impedimento para o exercício adequado das responsabilidades parentais.

5. Informações relativas à história familiar:

Mantém uma relação de proximidade com a família alargada, em particular a mãe, irmã e sobrinhos. Nega antecedentes familiares de violência doméstica, de consumo de substâncias, abandono parental, morte precoce de familiares, suicídio familiar, antecedentes familiares de doença mental e/ou antecedentes criminais na família (1.º grau).

6. O funcionamento da personalidade de cada um:

Em relação à personalidade, não surgiram alterações significativas, excluindo-se a presença de patologia grave de personalidade (e.g. esquizotípico, borderline antissocial ou paranoide).

9. Se os progenitores se revelam emocionalmente instáveis; na afirmativa, como se manifesta essa instabilidade, especialmente na relação que mantém com os filhos:

Não conseguimos identificar instabilidade emocional.

10. Se os progenitores apresentam traços de personalidade que comprometam o exercício da parentalidade:

Não conseguimos identificar traços de personalidade que comprometam o exercício da parentalidade.

11. Se os progenitores apresentam traços de resistência à convivência parental com o outro progenitor ou família alargada:

A progenitora não mostrou resistência à convivência parental com o outro progenitor ou família alargada.

12. Se os progenitores exercem uma comunicação não violenta, entre si e com as crianças:

Não conseguimos identificar indícios da presença de uma comunicação violenta com o outro progenitor e/ou com as crianças.

13. Qual a percepção que os progenitores têm do exercício do seu papel familiar:

Acredita que apresenta as competências necessárias para cuidar dos filhos de forma autónoma.

14. Qual a percepção que os progenitores têm um do outro:

Acredita que o progenitor dos menores tende a utilizar comportamentos agressivos e excessivamente controladores, o que pode ser prejudicial para o bem-estar das crianças.

66 – À progenitora não são conhecidos antecedentes criminais.

67 – A BBB frequentou o 4.º ano no Agrupamento de Escolas n.º 2 de Beja, tendo transitado de ano com a classificação de «Muito Bom» a todas as disciplinas, à excepção de Matemática, em que teve a notação de «Bom».

68 – No decurso do 4.º ano, a BBB faltou à escola 7 dias.

69 – No 5.º ano, a BBB continuou a frequentar o mesmo agrupamento de escolas, tendo, no final do primeiro período, a notação de nível 3 nas disciplinas de Cidadania e Desenvolvimento e Ciências Naturais, nível 4 nas disciplinas de Português, Inglês, História e Geografia de Portugal, Educação Física, Oficina de Leitura e Escrita e Matemática, e nível 5 nas disciplinas de Educação Visual, Educação Tecnológica e Tecnologias de Informação e Comunicação.

70 – A BBB concluiu o 5.º ano de escolaridade com aproveitamento a todas as disciplinas.

71 – No âmbito da perícia solicitada, e no que concerne à BBB, no que se refere ao normal desenvolvimento e consulta social, foram identificados vários factores protectores no adequado desenvolvimento social e pessoal, tais como temperamento fácil, boa autoestima, ausência de dificuldades de desenvolvimento, apresentar uma rede de bons amigos, bom ajustamento no contexto escolar, bom rendimento escolar e boas competências nas actividades extracurriculares.

72 – A menor descreve o progenitor como uma pessoa agressiva «ele gritava muito» (sic) que, com frequência, era agressivo com o irmão «ele batia com uma vara nas mãos do AAA, mas também batia no rabo (sic), referindo que «o pai estava a ficar melhor, mas depois voltou ao mesmo» (sic). Em relação ao futuro «eu quero viver com a minha mãe, eu gosto muito dela. Lá (na casa da mãe) tenho muita família. O meu pai não fala com ninguém da família, ele não se dá com ninguém» (sic). Quanto à possibilidade de voltar para a casa do pai, «prefiro ficar na instituição se o tribunal decidir eu ficar com o pai» (sic). A menor recusou ser entrevistada juntamente com o progenitor.

73 – Na resposta aos quesitos formulados, o perito referiu o seguinte:

2. Grau de credibilidade a atribuir aos depoimentos prestados pelas crianças:

Os depoimentos prestados pelas crianças foram consistentes entre si, não tenho sido perceptíveis incoerências, tendo sido o vocabulário utilizado o esperado para a idade.

3. Capacidade para depor com verdade e consistência sobre os factos objecto dos autos (designadamente sobre alegadas agressões físicas e psíquicas e episódio de fuga):

Sim, a menor apresenta capacidade para depor com verdade e consistência sobre os factos objecto dos autos.

4. A dinâmica das suas relações mútuas com o intuito de despistar qualquer eventual manipulação (entre as crianças, entre pai e filhos, entre mãe e filhos):

Não foram observados eventuais indícios da presença de manipulação.

7. As necessidades desenvolvimentais dos jovens:

Os jovens necessitam de estímulos compatíveis com a idade, com presença de dinâmicas adequadas quanto às competências sociais.

8. A natureza e a qualidade da relação pai/filhos e mãe/filhos:

As crianças recusaram ser entrevistadas junto com o pai. Na entrevista conjunta com a progenitora, foi possível identificar uma relação de elevada proximidade afectiva, com clara vinculação segura.

15. Se as crianças mantêm vínculo afectivo com ambos os progenitores:

Conseguimos identificar um vínculo afectivo positivo entre as crianças e a progenitora. Não conseguimos observar as interacções com o progenitor. Para melhor esclarecimento desde quesito, sugere-se pedido de informação à casa de acolhimento.

16. Como se caracteriza a relação afectiva existente entre cada uma das crianças e cada um dos progenitores:

Conseguimos identificar um vínculo afectivo positivo entre as crianças e a progenitora. Não conseguimos observar as interacções com o progenitor. Para melhor esclarecimento deste quesito, sugere-se pedido de informação à casa de acolhimento.

17. A convivência da criança com qualquer um dos progenitores é-lhe prejudicial e/ou desfavorável? Na afirmativa, em que termos?

Com base na avaliação do progenitor, os seus traços de personalidade e a existência de eventuais comportamentos de instrumentalização, podem ser considerados como prejudicial e/ou desfavoráveis.

74 – O AAA frequentou o 4.º ano no Agrupamento de Escolas n.º 2 em Beja, tendo transitado de ano com a classificação de «Muito Bom» à disciplina de Educação Física e de «Bom» nas restantes disciplinas.

75 – No decurso do 4.º ano, o AAA faltou à escola 7 dias.

76 – No 5.º ano, o AAA continuou a frequentar o mesmo agrupamento de escolas, tendo, no final do primeiro período, a notação de nível 3 a todas as disciplinas, à excepção de Educação Visual, Educação Tecnológica e Educação Física, em que teve nível 4, e Educação Musical, em que teve nível 5.

77 – O AAA concluiu o 5.º ano de escolaridade com aproveitamento a todas as disciplinas.

78 – No âmbito da perícia solicitada, e no que concerne ao AAA, «no que se refere ao normal desenvolvimento e conduta social, foram identificados vários factores protectores no adequado desenvolvimento social e pessoal, tais como temperamento fácil, boa autoestima, ausência de dificuldades de desenvolvimento, apresentar uma rede de bons amigos, bom ajustamento no contexto escolar, bom rendimento escolar e boas competências nas actividades extracurriculares.»

79 – Em entrevista individual, o menor descreve a presença de episódios de alegada agressão e punição física na casa do pai «o pai batia com as mãos onde calhava» (sic) como, por exemplo, no pescoço, tronco, rabo e/ou braços, «puxava as orelhas, e às vezes dizia que me comia as orelhas à dentada» (sic), afirmando que «ele gritava bué» (sic), referindo a presença de comportamentos de alegada instrumentalização, tais como humilhar e rebaixar a progenitora na presença da criança «ele dizia que a mãe não valia nada, dizia que era prostituta (…) se a vossa mãe gostasse de vocês não tinha ido viver para Mirandela» (sic), ou fazer com que a criança sinta que tem de esconder sentimentos positivos para com a progenitora «eu não podia dizer que gostava da mãe porque lhe saltava a tampa (sic) (…) Refere ainda a presença de comportamentos de punição física «ele batia com uma vara nas mãos» (sic). Este tipo de comportamento punitivo contra o AAA também foi verbalizado pela menor BBB em entrevista individual, sem que os menores tivessem ouvido o relato um do outro. Por último, violência verbal «eu a fazer o TPC ele era agressivo comigo e eu às vezes fazia xixi nas calças» (sic). Em relação aos contactos com a progenitora, «ele não deixava falar com a mãe, era raro e só em alta voz» (sic). O menor recusou a ser entrevistado juntamente com o progenitor.

80 – Em relação à avaliação das competências sociais e dos problemas de comportamento (questionário CBCL), surgiram resultados elevados na escala de ansiedade, que, segundo os autores portugueses, podem indicar a presença de ansiedade, medos e tensão nervosa.

81 – Na resposta aos quesitos formulados, o perito referiu o seguinte:

2. Grau de credibilidade a atribuir aos depoimentos prestados pelas crianças:

Os depoimentos prestados pelas crianças foram consistentes entre si, não tendo sido perceptíveis incoerências, tendo sido o vocabulário utilizado o esperado para a idade.

3. Capacidade para depor com verdade e consistência sobre os factos objecto dos autos (designadamente sobre alegadas agressões físicas e psíquicas; episódio de fuga):

Sim, o menor apresenta capacidade para depor com verdade e consistência sobre os factos objecto dos autos.

4. A dinâmica das suas relações mútuas com o intuito de despistar qualquer eventual manipulação (entre as crianças; entre pai e filhos; entre mãe e filhos):

Não foram observados eventuais indícios da presença de manipulação.

7. As necessidades desenvolvimentais dos jovens:

Os jovens necessitam de estímulos compatíveis com a idade, com presença de dinâmicas adequadas quanto às competências sociais.

8. A natureza e a qualidade da relação pai-filhos e mãe-filhos:

As crianças recusaram ser entrevistadas junto com o pai. Na entrevista conjunta com a progenitora, foi possível identificar uma relação de elevada proximidade efectiva, com clara vinculação segura.

15. Se as crianças mantêm vínculo afectivo com ambos os progenitores:

Conseguimos identificar um vínculo afectivo positivo entre as crianças e a progenitora. Não conseguimos observar as interacções com o progenitor. Para melhor esclarecimento deste quesito, sugere-se pedido de informação à casa de  acolhimento.

16. Como se caracteriza a relação afectiva existente entre cada uma das crianças e cada um dos progenitores:

Conseguimos identificar um vínculo afectivo positivo entre as crianças e a progenitora. Não conseguimos observar as interacções com o progenitor. Para melhor esclarecimento deste quesito, sugere-se pedido de informação à casa de acolhimento.

17. A convivência da criança com qualquer um dos progenitores é-lhe prejudicial e/ou desfavorável? Na afirmativa, em que termos?

Com base na avaliação do progenitor, os seus traços de personalidade e a existência de eventuais comportamentos de instrumentalização, podem ser considerados com prejudicial e/ou desfavoráveis.

82 – O CCC frequenta o agrupamento de escolas de Mirandela desde o 2.º período do ano lectivo de 2020/2021, onde frequentou o 6.º ano e transitou para o 7.º ano, com a classificação de nível 2 à disciplina de Matemática, de nível 3 às disciplinas de Português, História e Geografia de Portugal, Ciências Naturais, Educação Visual, Educação Tecnológica e Tecnologias de Informação e Comunicação, com nível 4 às disciplinas de Inglês, Cidadania e Desenvolvimento e Educação Musical e nível 5 à disciplina de Educação Física.

83 – No ano lectivo de 2020/2021, o CCC faltou, no conjunto de todas as disciplinas, um total de 243 vezes, sendo 116 faltas injustificadas.

84 – No ano lectivo de 2021/2022, o CCC frequentou o 7.º ano de escolaridade e transitou para o 8.º ano, com a classificação de nível 1 à disciplina de Tecnologias de Informação e Comunicação, de nível 3 às disciplinas de Português, Francês, História, Geografia, Cidadania e Desenvolvimento, Matemática, Ciências Naturais, Físico-Química e Educação Tecnológica, de nível 4 nas disciplinas de Inglês, Educação Visual e Ciências da Terra e de nível 5 na disciplina de Educação Física.

85 – No ano lectivo de 2021/2022, o CCC faltou, no conjunto de todas as disciplinas, no total 189 vezes, sendo 80 faltas injustificadas.

86 – No ano lectivo de 2022/2023, o CCC frequentou o 8.º ano de escolaridade e transitou para o 9.º ano, com a classificação de nível 3 às disciplinas de Francês, História, Geografia, Matemática, Ciências Naturais, Físico-Química e Educação Visual, nível 4 às disciplinas de Português, Inglês, Tecnologias de Informação e Comunicação e Educação Tecnológica, e nível 5 nas disciplinas de Cidadania e Desenvolvimento e Educação Física.

87 – No ano lectivo de 2022/2023, o CCC faltou, no conjunto de todas as disciplinas, um total de 161 vezes, sendo 5 faltas injustificadas.

88 – No ano lectivo de 2023/2024, o CCC frequenta o 9.º ano de escolaridade e, até ao dia 13.03.2024, faltou, no conjunto de todas as disciplinas, um total de 160 vezes, sendo 26 as faltas injustificadas.

89 – O CCC nunca foi sinalizado à CPCJ de Mirandela.

90 – Em acompanhamento escolar ao filho CCC, a mãe deslocou-se à escola nos dias 27.10.2023, 24.11.2023, 12.01.2024, 08.03.2024 e 15.03.2024.

91 – Em todas as sessões em que a mãe esteve presente, foi prestada toda a informação relativamente ao aproveitamento, assiduidade, pontualidade e comportamento do CCC.

92 – Relativamente à assiduidade, foi entregue, pela encarregada de educação, um atestado médico (de 17 a 23 de Novembro). Foram entregues, pela encarregada de educação e pelo CCC (assinadas pelo primeira), justificações de faltas em documentos usados para o efeito no agrupamento e aceites pelo director de turma, onde se pode ler «o CCC tem estado com períodos de diarreia e vómitos», «passou a noite com febre», «o CCC esteve bastante debilitado e para uma melhor recuperação não pode comparecer de 24 a 27 de Novembro», «o CCC tem andado indisposto. Passou a noite com vómitos», «o CCC esteve com uma amigdalite, com períodos de febre».

93 – Relativamente à pontualidade e embora do conhecimento da encarregada de educação, não foi entregue qualquer justificação.

94 – Toda a informação relativa à assiduidade e pontualidade está disponível, a todos os encarregados de educação, na plataforma digital «Inovar».

95 – Relativamente ao aproveitamento, como o CCC, no final do 1.º período, apresentava um registo de três níveis inferiores a «três», nas disciplinas de Português, Físico-Química e Educação Visual, foi feita, pelo Conselho de Turma, a monitorização da implementação de medidas de suporte à aprendizagem e inclusão – medidas universais, de onde se pode destacar, nas orientações para o futuro, que o CCC deve participar mais activamente nas actividades propostas e melhorar a assiduidade.

96 – No final do segundo período, o CCC apresenta um nível inferior a «três», na disciplina de Educação Visual, pelo que foi novamente feita, pelo Conselho de Turma, a monitorização da implementação de medidas de suporte à aprendizagem e inclusão – medidas universais, que têm sido eficazes e de onde se pode ainda destacar, nas orientações para o futuro, que o CCC tem de continuar a participar mais activamente nas actividades propostas e melhorar a a assiduidade.

97 – Relativamente ao comportamento, o CCC é um aluno com um comportamento excelente, dentro e fora da sala de aula.

Os factos julgados não provados no acórdão recorrido são os seguintes:

A) O AAA e a BBB foram agredidos fisicamente pelo progenitor.

B) A mãe e o avô paterno tiveram parte no planeamento e na fuga do AAA e da BBB da casa do pai no dia 07.02.2023.

C) A rejeição do AAA e da BBB a regressar a casa do pai e a permanecer junto deste resulta de uma conduta persistente de instigação da mãe.

D) A fuga do AAA e da BBB foi motivada ou aconteceu como consequência da concretização da ordem de desconto judicial emanada do incidente de incumprimento das responsabilidades parentais (apenso B), através da qual se passou a garantir a cobrança coerciva dos alimentos devidos pela mãe aos filhos menores.

E) A mãe nunca revelou a mínima preocupação ou interesse pelos filhos menores.

*

Sendo consensual que a medida de acolhimento residencial deve ser substituída pela de apoio junto dos pais, está unicamente em causa saber se esse apoio deverá ter lugar junto da mãe, como decidido pelo tribunal a quo, ou junto do pai, como sustenta o recorrente.

1. O recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, pretendendo o aditamento, ao enunciado dos factos provados, de novos factos, que distingue em três categorias:

- Factos «totalmente omitidos e desconsiderados» pelo tribunal a quo;

- Factos que completam aqueles que o tribunal a quo julgou provados «com uma extensão incompleta ou comprimida»;

- Factos omitidos pelo tribunal a quo «em divergência com a prova testemunhal proferida».

Passamos a analisar esta pretensão, seguindo a sistematização adoptada pelo recorrente.

1.1. Os factos que o recorrente considera terem sido «totalmente omitidos e desconsiderados» pelo tribunal a quo são os seguintes:

A) O casal viveu em união de facto, como se de marido e mulher se tratasse, durante cerca de dez anos, separando-se em julho de 2016, tendo os 3 (três) filhos menores ficado a residir com a mãe, que à data morava em Alverca, enquanto o pai ficou a residir em Ervidel – Aljustrel, na residência que até aí constituiu a casa de morada de família.

B) Perspectivando a necessidade de vir a ser proferida decisão provisória, o Tribunal de Vila Franca de Xira solicitou à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens local o envio da informação pertinente a respeito das crianças, tendo essa entidade confirmado a existência de processos de promoção e protecção abertos na sequência da sinalização que recebera da Guarda Nacional Republicana de Aljustrel, por alegada violência doméstica do pai sobre a mãe, na ocasião em que o casal ainda vivia junto com os filhos, em Ervidel – Aljustrel.

C) Em 24.11.2016, antes da realização da conferência de pais no âmbito desse processo tutelar cível de regulação das responsabilidades parentais, foi fixado, por despacho judicial definitivo, o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, segundo o qual as 3 (três) crianças ficaram a residir com a mãe, em Alverca, podendo o pai tê-las na sua companhia, em fins de semana alternados, devendo recolhê-las à sexta-feira, nos respectivos equipamentos educativos, para a mãe as ir buscar a casa do pai, ao domingo, pelas 18h00. O pai poderia ainda ver e conviver com os filhos sempre que quisesse, sem prejuízo dos seus períodos escolares e de descanso, devendo avisar a mãe com antecedência. Por outro lado, também se fixou um regime de convívios para a época de natal, bem como a obrigação do progenitor contribuir com a prestação de alimentos, no valor de € 90,00 (noventa euros), para cada filho, a entregar à mãe até ao dia 8 (oito) do mês a que respeitasse.

D) No dia 07.12.2016, depois de ser notificado do despacho judicial que fixou o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, o progenitor remeteu um requerimento para o processo de regulação, a informar que os 3 (três) filhos menores estavam a residir consigo, em Ervidel – Aljustrel, alegando que «… por sua livre e espontânea vontade, recusando-se determinantemente a voltar para a casa da mãe.», encontrando-se as crianças a frequentar os respectivos estabelecimentos de ensino nessa zona. Instruiu o requerimento com documentos emitidos pelo Agrupamento de Escolas de Aljustrel, a confirmar a matrícula escolar das crianças e o ano lectivo que as mesmas à data frequentavam.

E) Em 10.01.2017, no âmbito da conferência de pais realizada no mencionado processo de regulação das responsabilidades parentais, foi alcançado acordo, que foi judicialmente homologado, nos termos do qual a residência das 3 (três) crianças foi fixada com a mãe, passando fins de semana alternados com cada um dos progenitores, podendo ainda os menores estar e ver o pai sempre que quisessem, desde que fossem respeitados os seus horários de descanso e os deveres escolares. Repartiam as férias escolares com cada um dos pais, passando os períodos festivos de natal, ano novo e páscoa, alternadamente, com cada um deles. Nos dias do aniversário das crianças, estas tomavam uma refeição com cada um dos pais. Nos dias do aniversário dos pais, passavam o dia com o progenitor aniversariante, o mesmo sucedendo nos dias do pai e da mãe, que passariam com cada um deles. Finalmente, o pai pagaria uma prestação de alimentos, no valor de € 50,00 (cinquenta euros) para cada filho menor, actualizável anualmente, com início em fevereiro de 2018, de acordo com a taxa de inflação divulgada pelo INE, e comparticipava também no pagamento de metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares dos filhos menores, bem como no pagamento de metade das despesas decorrentes das deslocações que os filhos teriam de fazer para com ele conviver.

F) Com fundamento no retrocesso que a permanência das crianças em casa da mãe tinha para a vida escolar delas, porque se viam privadas de prosseguir os estudos na escola em que estavam matriculadas, no Alentejo, a que se haviam adaptado e onde tinham criado amizades, mas também pelo facto de estarem privadas de contactar e conviver com o pai e de retomar a situação de vida a que já se tinham habituado e que lhes era manifestamente mais favorável comparativamente àquela que tinham enquanto residiram com a progenitora, o Ministério Público requereu a decretação, a título provisório, da alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais. Pretendia-se que as crianças regressassem de imediato a casa do pai, para poderem retomar a frequência da escola, que era a necessidade mais premente que cumpria ao tribunal acautelar, ao mesmo tempo que a residência das crianças deveria ser provisoriamente fixada junto do pai, com quem já residiam há algum tempo, nos termos da combinação que os progenitores fizeram entre si.

G) O pedido de decretação do regime provisório não foi acolhido pelo tribunal, primeiro, por se ter considerado territorialmente incompetente para a acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais [decisão de que o Ministério Público reclamou, tendo a reclamação sido deferida]; depois, por entender que o processo não continha “… elementos suficientes para a fixação do regime provisório requerido…”.

H) No dia 26.01.2021, o progenitor deduziu, por apenso, incidente de incumprimento (Apenso B) contra a mãe das crianças, que à data já morava em Mirandela, para onde transferira a sua residência e a do filho menor mais velho (CCC), requerendo a condenação desta, nomeadamente, no pagamento dos alimentos vencidos e vincendos por ela devidos aos 2 (dois) filhos menores que consigo residiam e na eventualidade de a mesma não ter rendimentos que garantissem a cobrança desses montantes, fosse determinada a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.

I) No âmbito da conferência de pais que se realizou, em 24.03.2021, no incidente de incumprimento, foi celebrado acordo relativo aos alimentos vencidos, nos termos do qual a progenitora/requerida se confessou devedora da quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), que reconheceu não ter pago aos filhos AAA e BBB, até ao mês de março de 2021, inclusive, comprometendo-se ainda a efectuar o seu pagamento em prestações mensais, através de descontos diretos no salário que estava a auferir.

J) Em março de 2022 começou a ser mensalmente descontada à progenitora/requerida, por parte da sua entidade patronal, em Mirandela, a quantia total de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), sendo € 150,00 (cento e cinquenta euros), a título de alimentos vincendos, e € 100,00 (cem euros), por conta dos alimentos vencidos, até perfazer a referida dívida de € 1.200,00 (mil e duzentos euros). Os descontos prosseguiram e foram devidamente atualizados de acordo com a actualização anual acordada [€ 2,00 para cada menor, com início em março de 2022]. Em 11.05.2023, perante o acolhimento urgente das crianças [despoletado pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Beja, como solução de recurso, perante a sua recusa em ficar com o pai em desrespeito da decisão judicial proferida no Processo de Entrega Judicial] circunstância que levou a que os referidos descontos prosseguissem, mas só por conta dos alimentos vencidos em dívida, que foram recalculados e atualizados para o montante total de € 1.612,00 (mil seiscentos e doze euros). Em fevereiro de 2024, foi determinado o arquivamento do incidente de incumprimento, com fundamento no pagamento integral da dívida de alimentos vencidos da responsabilidade da mãe.

K) Em 13.05.2023, o procedimento de urgência foi judicialmente confirmado, tendo sido aplicada aos menores, a título provisório, a medida protectiva de acolhimento residencial, pelo prazo de 6 (seis) meses.

L) Simultaneamente, foi determinada a prossecução dos autos como processo judicial de promoção e protecção (Apenso C), declarando-se aberta a fase de instrução, no decurso da qual se procedeu à audição obrigatória das crianças e dos progenitores, bem como da técnica da Segurança Social, da técnica da instituição onde os menores foram acolhidos de urgência e do membro da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Beja responsável pelo acolhimento das crianças. Procedeu-se ainda à inquirição do avô paterno dos menores, que os conduziu a casa da mãe, em Mirandela, na noite do dia em que fugiram da casa do pai, em Beja.

M) Com base na prova pessoal e documental produzida, o Tribunal determinou a manutenção, a título provisório, em sede de revisão da medida provisória decretada, da medida de acolhimento residencial anteriormente aplicada, por considerar que o regresso das crianças a casa do pai ainda não se mostrava imediatamente exequível, não por falta de condições materiais e pessoais deste, mas porque as crianças mantinham uma activa resistência a esse regresso, tornando plausível, pelo menos, a possibilidade de voltarem a fugir se fossem compelidas a ficar com o pai. A entrega à mãe, por outro lado, não era uma solução que se mostrasse favorável para as crianças, desde logo, “…atento o contexto de vida pouco estruturado e consistente para ter os filhos consigo. ”, além de se ter considerado que “…a conduta adoptada pela progenitora, a qual se encontra em investigação no âmbito de processo crime por factos susceptíveis de configurar a prática de um crime de subtracção de menor, ilustram os perigos a que as crianças foram expostas, e que certamente voltariam a suceder atenta a postura de alienação relativamente ao pai e à presença deste na vida dos filhos.”.

N) Em 07.06.2023, durante a pendência do referido processo judicial de promoção e proteção (Apenso C), a progenitora requereu, no Juízo de Família e Menores de Beja, a instauração de processo de alteração das responsabilidades parentais (Apenso D), alegando já dispor de todas as condições necessárias para que os 2 (dois) filhos menores possam residir consigo. No processo de alteração considerou-se que deveria aguardar o evoluir do processo judicial de promoção e proteção, pelo que ainda não foi proferida qualquer decisão relevante para a vida dos menores.

Cotejando este enunciado com o dos factos provados constante do acórdão recorrido, facilmente se conclui não ser exacto que os factos constantes do primeiro hajam sido «totalmente omitidos e desconsiderados» no segundo.

Concretamente, desse cotejo, resulta o seguinte:

- Os factos referidos em A) constam parcialmente dos n.ºs 4, 5 e 60 do acórdão recorrido;

- Os factos referidos em B) constam parcialmente do n.º 60 do acórdão recorrido;

- Os factos referidos em C) constam parcialmente do n.º 4 do acórdão recorrido;

- Os factos referidos em D) constam parcialmente do n.º 5 do acórdão recorrido;

- Os factos referidos em E) constam parcialmente do n.º 4 do acórdão recorrido;

- Os factos referidos em H) a J) constam parcialmente do n.º 57 do acórdão recorrido.

Na medida em que excedem o conteúdo dos n.ºs 4, 5, 57 e 60, os factos constantes das referidas alíneas A) a E) e H) a J) não têm relevância para a decisão da causa. Também os factos constantes das alíneas F), G) e K) a N) carecem de relevância para a decisão da causa. Em face disso, o tribunal a quo andou bem ao não os incluir no enunciado da matéria de facto provada.

Diga-se, a propósito, que o recorrente não justifica, de todo, a sua afirmação de que «O Tribunal recorrido não podia olvidar tais factos!» Não podia porquê? Qual é a relevância desses factos?

Nomeadamente:

- Que diferença faria descrever exaustivamente o conteúdo de regimes de exercício das responsabilidades parentais que já não vigoram, em vez de, como o tribunal a quo acertadamente fez, levar, ao enunciado dos factos provados, apenas as partes relevantes?

- Que diferença faria, por exemplo, a descrição dos dias e horas respeitantes aos regimes de visitas aos menores?

- Que diferença faria a genérica descrição de diligências levadas a cabo, em 2016, pelo Tribunal e pela CPCJ de Vila Franca de Xira?

- Que diferença faria a parcial reprodução de um requerimento efectuado pelo pai do AAA e da BBB em 2016?

- Que diferença faria a descrição do conteúdo de um requerimento de alteração do regime das responsabilidades parentais apresentado pelo recorrente, mas indeferido pelo tribunal?

- Que diferença faria a descrição das decisões, proferidas nestes autos, referidas em K) a N)?

- Que diferença faria a descrição de outros actos processuais praticados nestes autos, como a inquirição de determinadas pessoas?

O recorrente não diz. Pela nossa parte, consideramos evidente a irrelevância de toda essa matéria para a decisão da causa. Daí, repetimos, que o tribunal a quo tenha procedido correctamente ao não a incluir no enunciado da matéria de facto provada. Sobrecarregar este enunciado com matéria inútil seria errado e apenas serviria para dificultar a compreensão do acórdão recorrido.

1.2. Os factos que o recorrente considera terem sido julgados provados «com uma extensão incompleta ou comprimida» são os que constam dos n.ºs 4 a 25, 29, 32 a 34 e 36 do respectivo enunciado. Pretende o recorrente, aparentemente, a reformulação desses números nos seguintes termos:

A) O pai tem mantido contactos telefónicos regulares em horário e dias definidos (quartas, quintas e domingos) e presenciais, quinzenalmente, com deslocações ao centro de acolhimento, às quartas feiras, quando está de folga no trabalho.

B) Desde que foram acolhidas, as saídas das crianças ao exterior, com o pai, tiveram início no dia 13.08.2023, sendo que o progenitor as recolhia pela manhã, no centro de acolhimento, entregando-as após o jantar.

C) As crianças mostravam-se satisfeitas com os passeios, as idas à praia e ao shopping com o pai, actividades que se repetiram em datas posteriores (19/08, 27/08, 01/09 e 10/09).

D) Com o início do ano letivo de 2023/2024, o progenitor passou a recolher os filhos no centro de acolhimento, nas tardes livres das crianças, o que sucedeu nos dias 11.10.2023 e 29.11.2023, bem como no feriado de 01.11.2023, entregando os filhos no final do dia.

E) As crianças passaram a passagem do ano de 2023/2024 na casa onde residiam com o pai, em Beja, tendo o mesmo ido buscá-las ao centro de acolhimento, no dia 29.12.2023, entregando-as no dia 02.01.2024.

F) Desde o acolhimento, foi o primeiro momento que as crianças passaram sozinhas com o pai, em Beja, na casa onde residiam e têm as suas referências afectivas e de amizade.

G) As crianças receberam do pai bicicletas de presente, mostrando-se contentes com a oferta, que lhes permitiu realizar actividades/passeios juntamente com ele, no exterior.

H) Durante o período de férias junto do pai, a mãe estabeleceu contacto telefónico com os filhos em dois momentos, através do telemóvel do pai, assim como o pai contactou telefonicamente com os filhos, na noite de natal, quando estes se encontravam a passar férias em casa da mãe.

I) Durante o período das férias escolares do natal que os menores passaram com o pai, este foi o principal cuidador das crianças, realizando também as tarefas domésticas.

J) No que respeita aos contactos/visitas das crianças com o pai, durante as férias escolares do natal de 2023 (entre 29.12.2023 e 02.01.2024), a equipa técnica do centro de acolhimento informou que as crianças mencionaram ter corrido “tudo bem”, salientando ter jogado à bola e andado muitas vezes de bicicleta.

K) A equipa técnica do centro de acolhimento concluiu que as saídas com o pai parecem ter sido positivas, pois, as crianças “mostram-se felizes com as mesmas no regresso à casa de acolhimento”.

L) Relativamente aos contactos com o filho mais velho, CCC, que reside com a mãe, o progenitor Sr. Celso ainda fez algumas tentativas para que o jovem passasse alguns dias de férias consigo, por altura do natal, estabelecendo contacto telefónico com a mãe dos filhos, comunicação que não se verificava há muito tempo. No entanto, a visita do filho não veio a concretizar-se por falta de vontade do mesmo.

Mais uma vez, o recorrente não explicita em que medida considera relevantes os factos que pretende ver aditados ao enunciado da matéria de facto provada. Limita-se a afirmar, genericamente, que o tribunal a quo usou «formulações que nem sempre retratam, em toda a sua dimensão, os aspectos relevantes que ressaltam da dinâmica do processo», afirmação esta cuja aptidão para fundamentar a sua pretensão é nula.

Na realidade, os factos necessários para a decisão da causa já constam do enunciado da matéria de facto provada. Isto basta para concluir que a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto deverá manter-se nesta parte.

Independentemente de quanto acabámos de afirmar, sempre a pretensão do recorrente de ver alterada, nesta parte, a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, estaria votada ao insucesso, devido ao incumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º do CPC. 

O n.º 1 deste artigo estabelece que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

A al. a) do n.º 2 do mesmo artigo estabelece que, no caso previsto na al. b) do n.º 1, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

O recorrente não cumpre qualquer destes ónus.

Não cumpre os ónus previstos na als. a) e c) do n.º 1 porquanto não identifica, com precisão, os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados e a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre cada um desses pontos. Em vez disso, reporta-se, em bloco, aos factos que constam de 27 pontos do enunciado da matéria de facto provada, afirma que tais factos foram julgados provados «com uma extensão incompleta ou comprimida», sem especificar em que medida os mesmos merecem a sua concordância e a sua discordância, e propõe, também em bloco, 12 pontos de facto que pretende ver inseridos em substituição dos referidos 27. É evidente que isto não cumpre as exigências de concretização estabelecidas nas als. a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.

Não cumpre o ónus previsto na al. b) do n.º 1 deste artigo porquanto não especifica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. O recorrente limita-se a invocar que «Relativamente a eles, o Tribunal dispõe no processo de informações sociais, nomeadamente a datada de 18.01.2024 (referência 2660201), que lhe permitem dar como assentes mais aspetos significativos relativos aos contactos telefónicos que os progenitores e restantes familiares mantiveram com as crianças, no centro de acolhimento, bem como às visitas que aí efetuaram e ainda aos períodos de férias escolares que passaram com cada um dos progenitores, por ocasião do natal/passagem do ano de 2023 e na páscoa de 2024». Para cumprir aquele ónus, o recorrente tinha de identificar cada um dos «concretos meios probatórios» em que funda a sua pretensão de alteração da decisão sobre a matéria de facto, o que não se faz referindo, genericamente, as informações sociais constantes dos autos e identificando apenas uma delas a título exemplificativo.

1.3. Relativamente ao terceiro grupo de factos, ou seja, aos factos alegadamente omitidos pelo tribunal a quo «em divergência com a prova testemunhal proferida», é, desde logo, evidente o incumprimento do ónus previsto na al. b) do n.º 1 e na al. a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC.

Resulta desta última norma, acima transcrita, que, no caso previsto na al. b) do n.º 1, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tiverem sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Portanto, o recorrente pode optar entre «indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso» e «proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».

Ora, o recorrente não fez, nem uma coisa, nem a outra. Em vez disso, fez, nas suas alegações, aquilo que designou como uma «súmula» de cada um dos depoimentos que considera terem sido mal valorados pelo tribunal a quo, indicou a hora do início e do fim de cada um desses depoimentos e enunciou, a seguir a cada uma dessas «súmulas», uma lista de factos que, com base nela, pretende ver acrescentados à matéria de facto provada.

É evidente que este procedimento não cumpre as exigências decorrentes da al. b) do n.º 1 e da al. a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC. Consequentemente, também aqui, está vedado, ao tribunal ad quem, proceder a qualquer alteração da decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto.

2. O recorrente considera que a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais deve ser executada atribuindo a guarda do AAA e da BBB ao pai. Argumenta que é este quem apresenta melhores condições pessoais e materiais para ter os filhos consigo sem os expor a factores de risco, porquanto:

- As situações de perigo por que o AAA e a BBB passaram deveram-se, única e exclusivamente, à mãe;

- Durante o período, de Julho de 2020 a 07.02.2023, em que o AAA e a BBB estiveram à guarda do pai, em Beja, não houve conhecimento da existência de qualquer situação que lhes fosse desfavorável;

- A falta de assiduidade do CCC à escola é demonstrativa da incapacidade da mãe para cuidar dos filhos;

- As condições materiais e habitacionais do pai são claramente mais favoráveis que as da mãe;

- O horário laboral do pai é mais adequado ao acompanhamento diário e próximo do AAA e da BBB que o da mãe;

- A mãe manifestou desinteresse relativamente ao AAA e à BBB durante o período em que estes residiram com o pai;

- Nos últimos tempos, o AAA e a BBB alteraram a sua atitude de obstinada oposição a estarem junto do pai.

Analisemos cada um destes argumentos.

2.1. O recorrente aponta duas situações em que considera que o AAA e a BBB estiveram em perigo por causa exclusivamente imputável à mãe.

A primeira teria sido a descrita nos n.ºs 8 a 10, 12 e 13 do enunciado dos factos provados. Acompanhamos o recorrente na censura por este dirigida à mãe do AAA e da BBB. Efectivamente, esta foi negligente ao não providenciar, em tempo útil, pela matrícula do AAA numa escola de Alverca, facto que determinou que ele não frequentasse a escola durante esse ano lectivo e tivesse reprovado. Contudo, a situação, inédita, descrita no n.º 14, mitiga significativamente a culpa da mãe. Esta não foi, seguramente, a única pessoa a não conseguir lidar correctamente com uma situação tão grave e excepcional como essa, para a qual ninguém se encontrava preparado.

A segunda situação de perigo teria sido a descrita nos n.ºs 18 a 20 do enunciado dos factos provados. O recorrente censura a mãe por não ter avisado o pai sobre o paradeiro do AAA e da BBB, nem ter providenciado pela transferência da matrícula destes ou pela operacionalização do ensino à distância. Aqui, há que distinguir. Por um lado, é verdade que a mãe demonstrou, de novo, negligência no que concerne à frequência da escola por parte dos filhos. Todavia, não acompanhamos o recorrente quando este considera que a não comunicação, ao pai, do paradeiro dos filhos, tenha colocado estes em risco. A mãe devia ter efectuado aquela comunicação, mas não há fundamento para concluir que, ao omiti-la, tenha criado uma situação de perigo para os filhos. Tal omissão em nada os afectou.

2.2. O recorrente afirma que, durante o período, de Julho de 2020 a 07.02.2023, em que o AAA e a BBB estiveram à guarda do pai, em Beja, não houve conhecimento da existência de qualquer situação que lhes fosse desfavorável.

Isto corresponde à verdade, mas apenas até à última das referidas datas. Em 07.02.2023, ocorreu um facto gravíssimo, que colocou o AAA e a BBB numa situação de grande risco, que foi a sua fuga de casa do pai sem o conhecimento deste, nos termos descritos nos n.ºs 18 a 20 do enunciado dos factos provados.

Não se provou que essa fuga tenha sido determinada pela mãe ou pelo avô paterno, pelo que é forçoso concluir que, em casa do pai, se passou algo suficientemente grave para levar duas crianças, então com 12 e 10 anos de idade, a aventurarem-se a fugir, num fim de tarde de Fevereiro, tomarem um táxi e dirigirem-se para casa do avô paterno, sita numa povoação localizada a cerca de 40 km de distância de Beja, num local quase desértico. Não consta do enunciado da matéria de facto provada o concreto motivo que determinou o AAA e a BBB a encetarem essa fuga, mas dispomos dos relatos que eles fizeram ao perito que os avaliou, sintetizados nos n.ºs 72 e 79 daquele enunciado.

Não corresponde, assim, à realidade que tudo tenha corrido pelo melhor enquanto o AAA e a BBB residiram com o pai. Muito pelo contrário, a situação, de longe, de maior risco em que eles estiveram, ocorreu precisamente nesse período.

2.3. O recorrente sustenta que a falta de assiduidade do CCC à escola é demonstrativa da incapacidade da mãe para cuidar dos filhos.

Não iremos tão longe. A mãe é, efectivamente, negligente no que concerne à frequência da escola pelos filhos, sendo essa, sem dúvida, a sua maior limitação em matéria parental. Contudo, cuidar dos filhos é um conceito muito mais amplo que o de garantir que eles frequentem a escola com assiduidade e pontualidade. Ora, em tudo o mais, não nos parece haver fundamento para considerar a mãe incapaz para cuidar dos filhos.

2.4. É verdade que as condições materiais e habitacionais do pai são mais favoráveis que as da mãe, atento o que consta dos n.ºs 38, 39, 54 e 55 do enunciado dos factos provados. Não obstante, qualquer deles tem condições materiais e habitacionais suficientes para ter o AAA e a BBB consigo.

2.5. Nenhum dos progenitores tem um horário laboral incompatível com a prestação, aos filhos, dos cuidados de que estes necessitam. As pessoas que têm de trabalhar, assim ganhando honestamente a vida, sujeitam-se aos mais variados horários, sem que isso ponha em causa a sua aptidão para cuidar dos filhos. Desde que encontrem soluções que garantam a segurança e o bem-estar destes durante o tempo em que se encontram a trabalhar, nenhuma razão existirá para que o Estado se intrometa na sua vida familiar.

2.6. Não é verdade que a mãe haja manifestado desinteresse relativamente ao AAA e à BBB durante o período em que estes residiram com o pai. Para sustentar esta afirmação, o recorrente faz uma leitura francamente enviesada da matéria de facto provada, salientando o que é favorável e omitindo o que é desfavorável à solução que pretende.

Consta dos n.ºs 6 e 17 do enunciado dos factos provados que «Desde que passaram a residir com o pai, os menores AAA e BBB deixaram de manter contactos regulares com a mãe e o CCC, sendo que também este deixou de manter qualquer contacto com o pai», e que, desde sempre, o AAA, a BBB e o CCC mantêm contactos esporádicos com os progenitores com quem não residem, contactos esses que, na maioria dos casos, são telefónicos. No que aos contactos entre a mãe, de um lado, e o AAA e a BBB, do outro, porque acontecerá isto? Responde o n.º 44, relativamente ao qual o recorrente nada diz: «No que concerne aos contactos do AAA e da BBB com a mãe (…), o pai referiu (ao perito): não concorda que a progenitora tenha contacto com os menores, confidenciando que estes só têm acesso ao telemóvel na sua presença, pelo que o AAA deve ter começado a falar com o avô e a mãe com os telemóveis dos amigos.» Portanto, era o pai quem impedia ou, quando menos, dificultava aqueles contactos. A circunstância de a mãe residir em Mirandela e estes dois filhos em Beja certamente terá desempenhado algum papel no que concerne às visitas.

Comprova o interesse da mãe sobre a sorte do AAA e da BBB o que consta do n.º 28 do enunciado dos factos provados, ao qual o recorrente também não se refere: «Desde o início do acolhimento, ambos os progenitores, todos os dias, contactaram a equipa técnica com o intuito de perceberem o bem-estar do AAA e da BBB e demonstraram interesse nos contactos com estes.»

2.7. Afirma o recorrente, finalmente, que, nos últimos tempos, o AAA e a BBB alteraram a sua atitude de «obstinada oposição (…) a estarem junto do pai», uma vez que «já passaram com ele períodos de férias por ocasião do natal de 2023 e páscoa de 2024, sem que se tenha registado qualquer dificuldade ou incidente. Aliás, quando o pai os visita, regularmente, no centro de acolhimento e os leva a passear, esse convívio tem-se revelado muito positivo, conforme atestam as próprias crianças.»

Mais uma vez, o recorrente confunde realidades diversas. Uma coisa é passar algumas horas, ou dias, na companhia do pai, e outra, muito diferente, é residir com o pai em permanência. Aquilo que o recorrente qualifica como «obstinada oposição» do AAA e da BBB não é a «estarem junto do pai», mas sim a residirem permanentemente com o pai. Ora, essa recusa dos menores a residirem permanentemente com o pai mantém-se, conforme n.ºs 26, 27, 30, 31 e 72.

2.8. Analisadas as razões invocadas pelo recorrente para que se decida que o AAA e a BBB fiquem a residir com o pai e reduzidas as mesmas à sua real dimensão, que se resume na incapacidade, revelada pela mãe, de garantir que os filhos frequentem a escola com assiduidade e pontualidade, cumpre analisar a situação na sua globalidade.

Quer o AAA, quer a BBB, recusam-se a voltar a viver com o pai. Ambos pretendem viver com a mãe e afirmam que preferem continuar sujeitos à medida de acolhimento residencial a voltar a viver com o pai. Poderá esta recusa ser ignorada, ou menosprezada, como o recorrente pretende que aconteça?

Parece-nos evidente que não pode. Atentemos nas circunstâncias relevantes para a valoração da recusa do AAA e da BBB a voltarem a viver com o pai.

O AAA fará 14 anos dentro de um mês. A BBB tem 12 anos. A vontade manifestada pelas crianças e pelos jovens, sobretudo após terem completado 12 anos de idade, é considerada relevante para a definição da sua situação, quer no âmbito da LPCJP, quer no do RGPTC, nos termos que passamos a expor.

O artigo 4.º, al. j), da LPCJP, consagra, como um dos princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos da criança e do jovem em perigo, o da audição obrigatória e participação, nos termos do qual «a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e de protecção». Na parte que agora nos interessa, resulta desta norma que a criança e o jovem tem os direitos de: a) Ser ouvido; b) Praticar actos processuais; c) Participar na definição da medida de promoção e protecção; d) Escolher se pretende intervir em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida; e) Nesta última hipótese, escolher a pessoa em cuja companhia pretende intervir.

O n.º 1 do artigo 10.º da LPCJP estabelece que a intervenção das entidades com competência em matéria de infância e juventude e das comissões de protecção de crianças e jovens depende da não oposição da criança ou do jovem com idade igual ou superior a 12 anos. O n.º 2 do mesmo artigo estabelece que a oposição da criança com idade inferior a 12 anos é considerada relevante de acordo com a sua capacidade para compreender o sentido da intervenção.

O artigo 84.º da LPCJP estabelece que as crianças e os jovens são ouvidos pela comissão de protecção ou pelo juiz sobre as situações que deram origem à intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e protecção, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do RGPTC.

O n.º 1 do artigo 104.º da LPCJP estabelece, na parte que nos interessa, que a criança ou o jovem tem o direito de requerer diligências e oferecer meios de prova.

O n.º 2 do artigo 105.º da LPCJP estabelece, na parte que nos interessa, que a criança ou o jovem com idade superior a 12 anos pode requerer a intervenção do tribunal no caso previsto na al. g) do n.º 1 do artigo 11.º (decurso de seis meses, após o conhecimento da situação pela comissão de protecção, sem que seja proferida decisão).

A al. a) do n.º 1 do artigo 107.º da LPCJP estabelece que, declarada aberta a instrução, o juiz designa data para a audição obrigatória da criança ou do jovem.

O artigo 112.º da LPCJP impõe a convocação, para a conferência destinada à obtenção de acordo de promoção e protecção ou tutelar cível adequado, da criança ou do jovem com mais de 12 anos.

O n.º 1 do artigo 114.º da LPCJP estabelece, na parte que interessa, que, se não tiver sido possível obter acordo de promoção e protecção ou tutelar cível adequado, ou quando estes se mostrem manifestamente improváveis, o juiz notifica a criança ou o jovem com mais de 12 anos para alegar, por escrito, querendo, e apresentar prova no prazo de 10 dias.

A al. c) do n.º 1 do artigo 4.º do RGPTC estabelece, como princípio orientador dos processos tutelares cíveis regulados por este diploma legal, o da audição e participação da criança, por força do qual esta, se tiver capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, será sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.

O n.º 1 do artigo 5.º do RGPTC estabelece que a criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração, pelas autoridades judiciárias, na determinação do seu superior interesse.

O n.º 1 do artigo 17.º do RGPTC estabelece, na parte que nos interessa, que a iniciativa processual pode ser da criança com idade superior a 12 anos.

Deste conjunto de normas legais resulta, à saciedade, que a criança e o jovem, sobretudo a partir do momento em que completem 12 anos de idade, não podem ser vistos como meros sujeitos passivos nos processos em que esteja em causa a definição da sua situação, quer se trate da aplicação, revisão, alteração ou extinção de uma medida de promoção e protecção, quer se trate da fixação, alteração ou extinção de um regime tutelar cível. Em vez disso, reconhece-se-lhes o direito de intervirem constitutivamente na definição daquela medida ou deste regime, sendo-lhes atribuídos os direitos processuais para o efeito necessários.

Portanto, a vontade manifestada pelo AAA e pela BBB não pode ser encarada da forma displicente com que o recorrente o faz, como se fosse uma mera birra de duas crianças. Ao contrário, essa vontade constitui um importante elemento a ter em conta para a definição da sua situação.

A ponderação das características pessoais do AAA e da BBB e das circunstâncias em que eles manifestam a sua vontade de não voltarem a viver com o pai reforça o valor a atribuir a essa manifestação.

No relatório pericial, quer o AAA, quer a BBB, são descritos como tendo «vários factores protectores no adequado desenvolvimento social e pessoal, tais como temperamento fácil, boa autoestima, ausência de dificuldades de desenvolvimento, apresentar uma rede de bons amigos, bom ajustamento no contexto escolar, bom rendimento escolar e boas competências nas actividades extracurriculares» (n.ºs 71 e 78). O comportamento de ambos ao chegarem, em circunstâncias muito difíceis (n.ºs 22 a 25), à instituição onde foram acolhidos de emergência, confirma aquela descrição: «à chegada, os irmãos demonstraram tristeza e revolta pelo desfecho da situação. Não obstante, conseguiram adaptar-se às rotinas e funcionamento da instituição, mantendo relações de qualidade com o grupo de pares e adultos. Apesar de bem integrados, o AAA e a BBB continuaram a evidenciar tristeza pelo facto de estarem acolhidos e demonstraram vontade de regressar para o agregado familiar da mãe ou para a família alargada, mas não para casa do progenitor» (n.º 27). Perante isto, é lícito concluir que nos encontramos perante dois jovens com personalidades bem estruturadas, temperamento fácil e boa capacidade de adaptação a circunstâncias adversas. Visivelmente, não são duas crianças birrentas e caprichosas que se recusem «obstinadamente» a viver com o pai só porque sim.

Que a recusa do AAA e da BBB em voltarem a viver com o pai corresponde a uma vontade firme e ponderada, é demonstrado, quer pelo facto de eles terem fugido de casa do pai nas circunstâncias descritas no n.º 18, quer pela sua reiterada resistência a ficarem com o pai nas circunstâncias descritas nos n.ºs 21 a 25, quer, ainda, pela reiteração dessa recusa ao longo de um ano de acolhimento residencial, não obstante a tristeza que sempre sentiram por se encontrarem sujeitos a esta medida de promoção e protecção. Ainda hoje, eles afirmam que, se a opção for voltarem a viver com o pai, preferem ficar em acolhimento residencial (n.ºs 30 e 31).

Perante tudo isto, não há como ignorar ou menosprezar a vontade do AAA e da BBB.

Imaginemos, contudo, que o fazíamos. Quais seriam as consequências previsíveis de uma decisão que determinasse a execução da medida decretada junto do pai? Com enorme probabilidade, repetir-se-ia a situação descrita nos n.ºs 22 a 25, acabando o AAA e a BBB novamente acolhidos de emergência numa instituição. Isso seria devastador para estes dois jovens. Há que poupá-los a mais esse drama. Já sofreram demasiado, nomeadamente ao longo do último ano. É altura de encontrarem alguma estabilidade nas suas vidas.

Independentemente da vontade manifestada pelo AAA e pela BBB, os factos julgados provados demonstram que, apesar das suas limitações, a mãe é, sem sombra de dúvida, quem se encontra nas melhores condições para ficar com aqueles à sua guarda, pelas razões que se seguem.

Ao contrário do pai, a mãe conseguiu criar, com o AAA e a BBB, «uma relação de elevada proximidade afectiva, com clara vinculação segura» (n.ºs 73 e 81). Sintomaticamente, nas visitas que tiveram lugar durante o período em que vigorou a medida de acolhimento residencial, o AAA e a BBB demonstraram clara preferência pela presença da mãe (n.º 29).

O pai não mantém relacionamento com os seus pais e irmã, com quem está de relações cortadas, não contando com qualquer apoio familiar em Beja (n.ºs 40 e 51). A própria BBB se queixou deste facto no decurso da perícia (n.º 72).

Já a mãe conta com um sólido apoio familiar. Mantém um bom relacionamento com as suas mãe e irmã, que residem, tal como ela, em Mirandela, e que se constituem como rede de suporte familiar sempre que necessário (n.º 56). Mesmo após a separação, a mãe manteve uma boa relação com os avós paternos do AAA e da BBB (n.º 58). Até um bom relacionamento entre estes e o namorado da mãe se encontra assegurado (n.º 54).

Por vontade do pai, o AAA e a BBB não teriam qualquer contacto com a mãe e a família alargada (n.ºs 44 e 51). Já a mãe, além de proporcionar o contacto do AAA e da BBB com a família alargada, com quem mantém um bom relacionamento, não coloca qualquer obstáculo ao contacto entre eles e o pai (n.º 65).

O pai apresenta traços de personalidade, descritos nos n.ºs 46 a 51, que levam a questionar seriamente a sua aptidão para o exercício das funções parentais. Já a mãe aparenta possuir as qualidades necessárias para o exercício destas funções, apesar das limitações já apontadas, que deverão ser colmatadas (n.ºs 62 a 65).

Por este conjunto de razões, concluímos, como o tribunal a quo, que apenas a mãe reúne as condições necessárias para ter o AAA e a BBB consigo.

Os riscos decorrentes da incapacidade, até agora demonstrada pela mãe, de zelar pela frequência assídua e pontual da escola por parte dos filhos, foram devidamente acautelados no acórdão recorrido, pois uma das obrigações àquela impostas foi a de promover o adequado acompanhamento destes ao nível escolar, garantindo a sua assiduidade e pontualidade e procedendo à sua inscrição, até ao início do próximo ano lectivo, numa actividade extracurricular no agrado dos mesmos.

Concluímos, assim, que o recurso não merece provimento, devendo o acórdão recorrido ser confirmado.

*

Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.

Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. a), do RCP.

Notifique.

*

Évora, 12.09.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.ª adjunta)

(2.ª adjunta)


Acórdão da Relação de Évora de 30.01.2025

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