Processo n.º 3888/16.4T8VFX-F.E1
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Sumário:
1 – Não cumpre os ónus
previstos na als. a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC o recorrente que não
identifica, com precisão, os pontos de facto que considera terem sido
incorrectamente julgados, bem como a decisão que, no seu entendimento, deve ser
proferida sobre cada um desses pontos, e, em vez disso, se reporta, em bloco,
aos factos que constam de 27 pontos do enunciado da matéria de facto provada,
afirma que tais factos foram julgados provados «com uma extensão incompleta ou comprimida», sem especificar em que
medida os mesmos merecem a sua concordância e a sua discordância, e propõe,
também em bloco, 12 pontos de facto que pretende ver inseridos em substituição
dos referidos 27.
2 – Não cumpre o ónus
previsto na al. b) do n.º 1 e na al. a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC o
recorrente que faz, nas suas alegações, aquilo que designou como uma «súmula» de cada um dos depoimentos que
considera terem sido mal valorados pelo tribunal a quo, indica a hora do início e do fim de cada um desses
depoimentos e enuncia, a seguir a cada uma dessas «súmulas», uma lista de factos que, com base nela, pretende ver
acrescentados à matéria de facto provada.
3 – A criança e o jovem, sobretudo a partir do momento em que completem 12
anos de idade, não podem ser vistos como meros sujeitos passivos nos processos
em que esteja em causa a definição da sua situação, quer se trate da aplicação,
revisão, alteração ou extinção de uma medida de promoção e protecção, quer se
trate da fixação, alteração ou extinção de um regime tutelar cível. Em vez
disso, reconhece-se-lhes o direito de intervirem constitutivamente na definição
daquela medida ou deste regime, sendo-lhes atribuídos os direitos processuais
para o efeito necessários.
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Neste processo de promoção e
protecção, por si instaurado, o Ministério Público recorre do acórdão que
decretou, a favor de AAA e de BBB, a medida de apoio junto dos pais, concretamente
da mãe, com apoio económico, em termos a determinar pela Segurança Social, por
um período de 18 meses, mantendo, todavia, a medida de acolhimento residencial
até ao termo do ano lectivo.
As obrigações impostas à mãe
são as seguintes:
- Promover o acompanhamento adequado dos
filhos ao nível da saúde (clínica geral, especialidade, etc.) e ao nível
emocional, afectivo e escolar; neste último, deverá garantir a assiduidade e a
pontualidade dos filhos e proceder à inscrição destes, até ao início do próximo
ano lectivo, numa actividade extracurricular do agrado dos mesmos;
- Promover e manter o acompanhamento pela
EMAT, através de reuniões, entrevistas e visitas domiciliárias;
- Promover e manter o empenhamento na
aquisição de competências pessoais, habitacionais, profissionais e parentais,
designadamente não permitindo que as crianças pernoitem sem a presença de um
adulto responsável em casa;
- Manter acompanhamento psicológico dos
filhos, para o que irão ser sinalizados ao centro de saúde da área de
residência da mãe.
As obrigações impostas a
ambos os progenitores são as seguintes:
- Promover e manter laços afectivos e
convívio regular entre os filhos e o pai, designadamente através de contactos
telefónicos e videochamadas, pelo menos uma vez por semana; devendo os filhos
passar com o pai o último fim-de-semana de cada mês (que será substituído por
qualquer outro fim-de-semana do mês, ao qual imediatamente anteceda ou suceda
um feriado), sendo as deslocações repartidas pelos pais, sendo o pai
responsável por ir buscar os filhos a casa da mãe, e esta por os levar de volta
a casa no termo do fim-de-semana; os filhos passarão ainda com o pai uma semana
nas férias do Natal, e uma semana nas férias da Páscoa, de forma alternada ao
que sucedeu nas últimas férias; por fim, os filhos passarão um mês de férias
com o pai, sendo neste ano o mês de Agosto, alternando com o mês de Julho nas
próximas férias.
- Pagamento, pelo pai, de uma pensão de
alimentos, a favor de cada um dos filhos, no montante mensal de 150 euros, através
de transferência bancária a efectuar até ao dia 8 de cada mês, com início no
mês de Julho.
As obrigações impostas aos
filhos são as seguintes:
- Cumprimento das regras, horários e
rotinas impostas pela mãe;
- Frequência da escola com assiduidade,
pontualidade e sentido de responsabilidade, empenhando-se por obter
aproveitamento;
- Levar para as aulas os materiais
necessários.
As conclusões do recurso são
as seguintes:
1.ª - O Ministério Público vem interpor
recurso do acórdão que aplicou aos menores AAA e BBB a medida protectiva
substitutiva de apoio junto dos pais – mãe, invocando o erro de julgamento de
facto e, consequentemente, de direito em que incorreu o tribunal recorrido.
2.ª - A impugnação da matéria de facto
funda-se na crença da sua errada fixação, no que respeita às condições pessoais
e às competências parentais de cada um dos progenitores — de resto, já
reconhecidas e declaradas em anteriores decisões proferidas em apensos dos
autos, ainda que em diferente sentido.
3.ª - Numa palavra, sustenta-se que a
prova impõe que se conclua, com racional objetividade, que a mãe dos jovens não
tem revelado deter as necessárias capacidades e condições para assegurar o são
desenvolvimento da personalidade dos filhos, o que, em medida exactamente
inversa, se verifica quanto ao pai.
4.ª - Este juízo, tanto quanto
firmemente se crê, é imposto, não por qualquer subjectivo pré-conceito, mas
pelos eventos que têm marcado a vida das crianças, na parte em que cada um dos
progenitores directamente a moldou e tanto quanto se revela seguro reconstituí-los.
5.ª - Impugnam-se, por isso, segmentos
específicos da matéria de facto, visando a sua modificação (que, por vezes,
envolverá a ampliação), nos termos dos artigos 640.º e 662.º do CPC.
6.ª - No caso concreto, a impugnação da
decisão da matéria de facto comporta três dimensões distintas, em função do
motivo da discordância com o julgado:
a) Desde logo, há factos que foram
totalmente omitidos e desconsiderados pelo tribunal, apesar de serem relevantes
para a decisão e de ressaltarem do conteúdo do processo e da sua tramitação;
b) Depois, há um diferenciado bloco de
factos, que o tribunal fixou, mas com uma extensão incompleta, perante o que
ressalta do conteúdo do processo e da sua tramitação, e
c) Por fim, o tribunal não fixou factos
essenciais em divergência com a prova testemunhal produzida.
7.ª - Para não transportar para estas
conclusões uma densidade de texto que não poderia deixar de ser essencialmente
reprodutiva do que se disse na alegação, vai adoptar-se a doutrina do Acórdão
Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023, do STJ, em cujos termos é
admissível convocar o teor da motivação quanto aos factos impugnados e aos
meios de prova que impõem a sua modificação.
8.ª - À luz desta directriz, num
primeiro bloco, impugna-se a omissão, na matéria de facto dada como provada e
não provada, de factos com relevo decisório, discriminados de fls. 5 a 15, sob
os n.ºs 2), 4), 5), 6), 7), 9), 10), 14), 15), 16), 21), 22), 23) e 25).
9.ª - A prova de tais factos resulta dos
documentos e dos elementos constitutivos do processo, que, na alegação, se
concretizaram.
10.ª - No segundo grupo de factos,
igualmente relevantes para a decisão a proferir, integram-se aqueles que o tribunal
recorrido considerou provados, mas de forma insuficiente ou comprimida, usando
formulações que nem sempre retratam, em toda a sua dimensão, os aspetos
relevantes que ressaltam da dinâmica do processo.
11.ª - Concretizando, são os factos que
o tribunal elencou, de forma acanhada, de 4) a 25) dos factos provados, que
correspondem àqueles que atrás enunciámos em 3), 8), 11), 12), 13), 17), 18),
19), 20), 24), 29), 32), 33), 34) e 36), mas de forma completa e com
especificação dos meios probatórios que os suportam.
12.ª- No que respeita, em particular,
aos últimos cinco desses factos, salienta-se a informação social datada de
18.01.2024 (referência 2660201), que permite dar como assentes vários aspectos
significativos dos contactos telefónicos que os progenitores e restantes
familiares mantiveram com as crianças, no centro de acolhimento, bem como às visitas
que aí efectuaram e ainda aos períodos de férias escolares que passaram com
cada um dos progenitores, por ocasião do natal/passagem do ano de 2023 e na Páscoa
de 2024.
13.ª - No terceiro segmento, que se
reporta aos factos essenciais que o tribunal não fixou, em divergência com a
prova testemunhal produzida no debate judicial, impugna-se a decisão da matéria
de facto, considerando que o tribunal recorrido apreciou erradamente a prova
pessoal produzida, porque não deu como provados factos importantes mencionados
pelas crianças, pelos progenitores e pelas testemunhas.
14.ª - Também aqui se remete para o teor
da alegação, no que tange à identificação dos factos que devem ser dados como
assentes e aos meios de prova que os sustentam, a coberto da citada doutrina do
aresto uniformizador.
15.ª - Termos em que se pretende que,
modificada a matéria de facto em conformidade com o alegado, se profira decisão
que, no provimento do recurso, revogue o acórdão recorrido e profira decisão
que aplique aos menores AAA e BBB a medida protectiva substitutiva de apoio
junto dos pais, a executar junto do pai.
Os factos julgados provados
no acórdão recorrido são os seguintes:
1 – AAA nasceu em 12.10.2010 e é filho
de DDD e de EEE.
2 – BBB nasceu em 31.05.2012 e é
filha de DDD e de EEE.
3 – DDD e EEE são igualmente pais de CCC,
nascido em 23.01.2007.
4 – Por sentença judicial definitiva
preferida em 10.01.2017, no processo n.º 3880/16.4T8VFX, foram reguladas as
responsabilidades relativas aos três filhos do casal, AAA, BBB e CCC, tendo a
sua residência sido fixada junto da mãe, na zona de Lisboa.
5 – No entanto, os progenitores, à
margem daquela decisão, estabeleceram um acordo informal, nos termos do qual o CCC
continuaria a residir com a mãe e o AAA e a BBB passariam a residir com o pai,
em Ervidel.
6 – Desde que passaram a residir com o
pai, os menores AAA e BBB deixaram de manter contactos regulares com a mãe e o CCC,
sendo que também este deixou de manter qualquer contacto com o pai.
7 – No ano lectivo de 2019/2020, os
menores frequentaram a Escola Básica de Ervidel, tendo aproveitamento no final
do primeiro período escolar.
8 – Aproveitando uma ida a Lisboa por
ocasião do Natal de 2019, o pai levou o AAA e a BBB consigo, para verem e estarem
com a mãe e o CCC, o que foi do agrado de todos.
9 – A pedido do AAA e da BBB, o pai
permitiu que estes permanecessem mais uns dias em casa da mãe, com o CCC, tendo
acertado, com a mãe, que o AAA e a BBB regressariam a Ervidel decorrido esse
tempo.
10 – Porém, por circunstâncias não
concretamente apuradas, o AAA e a BBB não regressaram a casa na data combinada
com a mãe.
11 – Em 14.01.2020, o Ministério Público
requereu a alteração das responsabilidades parentais junto deste Juízo de Família
e Menores.
12 – Em 10.02.2020, a BBB foi
transferida para o Agrupamento de Escolas Pedro Jacques Magalhães, de Alverca,
tendo estado ausente de 06.01.2020 até a data da sua transferência, tendo
transitado de ano.
13 – O AAA não foi matriculado na escola
na zona da residência da mãe, não mais tendo frequentado a escola durante esse
ano lectivo, o que determinou que tivesse reprovado.
14 – Em 14.03.2020, creches, escolas e
universidades de todo o país ficaram encerradas, depois de resolução do Conselho
de Ministros, que se seguiu a um parecer do Centro Europeu para Prevenção e Combate
às Doenças, que recomendou, aos Estados-Membros da União Europeia, o
encerramento imediato dos estabelecimentos de todos os graus de ensino.
15 – Em 09.07.2020, em sede de
conferência de pais e após a falta de acordo destes, foi fixado regime
provisório, no qual se fixou a residência das crianças com o pai.
16 – Após a fase de ATE e em sede
de conferência de pais, veio a ser proferida sentença homologatória do acordo destes,
datada de 24.03.2021, ficando o AAA e a BBB a residir com o pai.
17 – Desde sempre, o AAA, a BBB e o
CCC mantêm contactos esporádicos com os progenitores com quem não residem, e
que, na maioria dos casos, se cingem a contactos telefónicos.
18 – No dia 07.02.2023, ao fim da
tarde, o AAA e a BBB, com absoluto desconhecimento do pai, abandonaram a casa
onde residiam com ele, em Beja, tomaram um táxi com destino a São Marcos da Ataboeira,
onde vivia o avô paterno, o qual as transportou para casa da mãe, em Mirandela,
onde chegaram na madrugada do dia seguinte.
19 – No dia 08.02.2023, a mãe
apresentou uma denúncia, na Polícia de Segurança Pública de Mirandela, contra o
pai das crianças, alegando que este as maltratava.
20 – A partir desse dia, o AAA e a BBB
ficaram com a mãe, não mais viram o pai e apenas falavam com ele ao telefone.
21 – A permanência dos menores
junto da mãe foi objecto de apreciação no processo de entrega judicial n.º
112/23.2T8MDL, do Juízo de Competência Genérica de Mirandela – J2 (apenso E),
onde, em 24.04.2023, foi proferida sentença que determinou que a mãe procedesse
à entrega dos filhos ao pai até ao dia 01.05.2023, na residência deste, em Beja,
ou em local a combinar, sob a cominação da prática do crime de desobediência.
22 – Em duas ocasiões, a mãe fez a
entrega das crianças (dias 1 e 2 de Maio) acompanhada da PSP; porém, como as
crianças se recusavam a ficar com o pai, os agentes da PSP de Beja sugeriram
que as crianças regressassem a Mirandela com a mãe e que se desse conta do
sucedido ao tribunal.
23 – No âmbito do processo de
entrega judicial, foi então ordenado que a autoridade policial conduzisse as crianças
a Beja, acompanhadas de técnica da Segurança Social, o que se veio a
concretizar no dia 11.05.2023.
24 – Chegados a Beja, os menores
recusaram categoricamente ficar com o pai, acabando por verbalizar a sua
preferência pelo acolhimento numa instituição.
25 – Perante a decisão irredutível
dos menores, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Beja, que tinha
sido instada, pelo Tribunal de Mirandela, a acompanhar a entrega das crianças
no referido dia 11 de Maio, decidiu despoletar o procedimento de urgência, accionando
a Linha 144 de Emergência Infantil, na sequência do que os menores foram
imediatamente acolhidos no Centro de Apoio Integrado a Crianças (…), sito em
Tavira.
26 – Após o acolhimento, as
crianças, em 15.05.2023, enviaram aos autos cartas manuscritas onde pediam para
sair da casa de acolhimento e viver junto da mãe ou de outros familiares, e
reiteraram não quererem voltar a viver junto do pai.
27 – Em 14.06.2023, o CAIC veio
informar os autos sobre a integração institucional das crianças, referindo-se
que, à chegada, elas demonstraram tristeza e revolta pelo desfecho da
situação. Não obstante, conseguiram adaptar-se às rotinas e funcionamento da
instituição, mantendo relações de qualidade com o grupo de pares e adultos. Apesar
de bem integrados, o AAA e a BBB continuaram a evidenciar tristeza pelo facto
de estarem acolhidos e demonstraram vontade de regressar para o agregado
familiar da mãe ou para a família alargada, mas não para casa do pai.
28 – Desde o início do acolhimento,
ambos os progenitores, todos os dias, contactaram a equipa técnica com o
intuito de perceberem o bem-estar do AAA e da BBB e demonstraram interesse nos
contactos com estes.
29 – O AAA e a BBB recebem visitas de
ambos os progenitores e dos avós paternos na instituição, com quem fazem saídas
ao exterior, manifestando agrado nestes convívios e demonstrando clara
preferência pela presença da mãe.
30 – O AAA e a BBB rejeitam
regressar a casa do pai e permanecer junto dele, tratando-se de uma rejeição
radical, absoluta, não obstante o pai continuar a dispor das mesmas condições
pessoais, habitacionais e materiais.
31 – O AAA e a BBB manifestam
preferência em viver na instituição a regressar a casa do pai em termos
definitivos.
32 – O AAA e a BBB estiveram na
companhia de cada um dos progenitores por ocasião das férias de Natal, passando
5 dias com cada um deles.
33 – O AAA e a BBB passaram as
férias da Páscoa com os progenitores, sendo que se mostraram muito felizes e
entusiasmados com esta notícia. O progenitor foi buscar os filhos ao CAIC no
dia 23.03, pelas 16:30 horas, e foi levá-los no dia seguinte para junto da
progenitora.
34 – As crianças gostaram muito de estar
com o agregado familiar materno, passearam e estiveram com alguns familiares.
35 – A progenitora entregou o AAA e
a BBB ao pai no dia 31.03, em Beja.
36 – O AAA e a BBB também gostaram
de estar com o pai, com quem realizaram actividades (jogar à bola e andar
de bicicleta).
37 – O AAA e a BBB aparentaram estar
bem tratados e demonstraram uma postura tranquila no regresso ao CAIC.
38 – O pai reside sozinho no
apartamento de tipologia T3 sito na Rua (…), n.º (…), em Beja, num imóvel que
dispõe de boas condições de habitabilidade, espaço e conforto.
39 – O pai exerce funções como
motorista da (…), auferindo um vencimento base no valor de € 1.018,49,
exercendo as funções de segunda a sexta-feira, excepcionalmente ao sábado quando
solicitado pela entidade patronal, e apresenta, como despesa mais significativa,
a renda da casa, no valor de € 350.
40 – O pai não mantém
relacionamento com os seus pais e irmã, com quem está de relações cortadas, não
contando com qualquer apoio familiar em Beja.
41 – O pai nunca pagou a pensão de
alimentos ao CCC.
42 – No âmbito da perícia
psicológica e de competências parentais, o pai negou a existência de
antecedentes familiares de violência doméstica, consumo de substâncias,
abandono parental, morte precoce de familiares, suicídio familiar, antecedentes
familiares de doença mental e/ou antecedentes criminais na família (1.º grau).
No que se refere a comportamentos aditivos, o examinando nega o consumo de
drogas.
43 – Quanto à parentalidade, o pai
afirmou, em sede de entrevista realizada no âmbito da perícia, que acredita que
apresenta as competências parentais necessárias para cuidar dos filhos de forma
autónoma. Quando questionado sobre a sua posição sobre as competências
parentais da mãe, afirma que esta «não tem as bases necessárias. Os princípios
e os valores não são os mais indicados.»
44 – No que concerne aos contactos do AAA
e da BBB com a mãe e o desfecho do processo, o pai referiu: não concorda que a progenitora
tenha contacto com os menores, confidenciando que estes só têm acesso ao
telemóvel na sua presença, pelo que o AAA deve ter começado a falar com o avô e
a mãe com os telemóveis dos amigos. Em relação ao processo, verbaliza que tem a
certeza de que «os meus filhos voltam para mim. Ela (progenitora) esteve
desaparecida 1 ano e meio, eles não vão para ela».
45 – Dos questionários realizados
em sede de exame pericial resulta que «o examinando não foi verdadeiro nas
respostas, tendo sentido a necessidade de apresentar uma boa imagem perante o
avaliador, dando respostas socialmente adequadas, negando comportamentos
negativos.»
46 – Quanto à capacidade do
indivíduo avaliado para proporcionar a atenção e o cuidado adequados a uma
pessoa em situação de dependência, surgiram resultados muito abaixo da média
para a população portuguesa nas escalas de altruísmo, abertura, empatia e
sensibilidade aos outros, podendo indicar a presença de um indivíduo com
dificuldade em perceber as necessidades dos outros, não considerando necessário
realizar comportamentos de ajuda (altruísmo), que tende a agir conforme a
tradição, rejeitando mudanças, situações e experiências novas, centrando-se
apenas no que está relacionado com o seu campo de interesses (abertura), que
tem dificuldade em compreender e escutar a perspectiva do outro, tendendo a
avaliar como inadequados os pensamentos e sentimentos dos outros (empatia) e
que se sente pouco afectado pelas necessidades dos outros (sensibilidade aos
outros).
47 – Segundo a perícia, o
examinando parece revelar algumas limitações, em particular no que se refere à
empatia.
48 – Em relação às práticas educativas
utilizadas (escala IPE), o examinando refere utilizar práticas adequadas, tais
como dar conselhos, mandar a criança para o quarto de castigo e elogiar a
criança quando se porta bem, explicar à criança o que fez mal e castigar a
criança retirando-lhe coisas de que gosta. Refere já ter utilizado um tipo de punição
física (bater no rabo com a mão), que considera adequado. Nega a utilização de
maus-tratos físicos, práticas inadequadas, mas não abusivas, comportamentos
potencialmente maltratantes e maus-tratos emocionais. Quanto às suas crenças
sobre a utilização da punição física, embora o examinando tenha revelado
valores inferiores em relação à população portuguesa (escala ECPF), não tendo
legitimado a utilização da punição física pela sua normalidade, centralidade e
necessidade, concordou totalmente com expressão «uma criança não tem quereres, tem
obrigação de obedecer sempre aos seus pais».
49 – Em relação à personalidade, embora
o examinando não tenha sido sincero nas respostas aos questionários, com base
na avaliação clínica e nos restantes dados psicométricos, podemos afirmar que
existem indicadores para levantar a hipótese da presença de traços de
personalidade do cluster A do tipo paranoide, traços de personalidade do cluster
B do tipo narcisista e traços de personalidade do cluster C do tipo obsessivo-compulsivo,
marcados pela presença de suspeita de que os outros o querem enganar e/ou
prejudicar, relutância em confiar nos outros, encontrar humilhações e ameaças
ocultas em acontecimentos inocentes, perceber ataques ao seu carácter e
reputação, não aparentes aos outros, aos quais reage rapidamente com raiva,
guardar persistentemente rancor a quem o ofende, ter um sentimento global de
grandiosidade e de autoimportância, necessidade excessiva em ser admirado,
excessivamente perfeccionista, preocupado com pormenores, regras, listas, ordem,
organização e/ou horários, tendendo a ser excessivamente consciente, escrupuloso
e inflexível sobre assuntos da moral, ética ou valores.
50 – No que se refere às capacidades de o
examinando conseguir gerir as necessidades de atenção e cuidado de um menor
dependente, o mesmo revelou algumas limitações, em particular, dificuldade em
perceber as necessidades dos outros, não considerando necessário realizar
comportamentos de ajuda, tendência para agir conforme a tradição, rejeitando
mudanças, situações e experiências novas, centrando-se apenas no que está
relacionado com o seu campo de interesses, dificuldade em compreender e escutar
a perspectiva do outro, tendendo a avaliar como inadequados os pensamentos e
sentimentos dos outros, e incapacidade em se sentir afectado pelas necessidades
dos outros.
51 – Na resposta aos quesitos
formulados, o perito concluiu da seguinte forma:
1. A personalidade e carácter dos
membros da família:
Em relação ao progenitor, existem indicadores
para levantar a hipótese da presença de traços de personalidade do cluster A do
tipo paranoide, traços de personalidade do cluster B do tipo narcisista e
traços de personalidade do cluster C do tipo obsessivo-compulsivo.
5. Informações relativas à história
familiar:
Devido aos conflitos familiares, o
examinando não mantém actualmente relação de proximidade com nenhum dos membros
da família alargada. Nega antecedentes familiares de violência doméstica, de
consumo de substâncias, abandono parental, morte precoce de familiares,
suicídio familiar, antecedentes familiares de doença mental e/ou antecedentes
criminais na família (1.º grau).
6. Funcionamento da personalidade de
cada um:
O progenitor apresentou um funcionamento
da personalidade com algumas limitações, quer do ponto vista clínico, quer na
capacidade de conseguir gerir as necessidades de atenção e cuidado de um menor
dependente.
9. Se os progenitores se revelam
emocionalmente instáveis; na afirmativa, como se manifesta essa instabilidade,
especialmente na relação que mantém com os filhos:
Não conseguimos identificar
instabilidade emocional.
10. Se os progenitores apresentam traços
de personalidade que comprometam o exercício da parentalidade:
Sim, o progenitor apresenta traços de
personalidade que podem comprometer o exercício da parentalidade.
11. Se os progenitores apresentam traços
de resistência à convivência parental com o outro progenitor ou família alargada:
Sim, o progenitor é totalmente contra a
convivência parental com o outro progenitor e/ou família alargada.
12. Se os progenitores exercem uma
comunicação não violenta entre si e com as crianças:
Com base no perfil de personalidade do
progenitor, é esperado que ocorram episódios de comunicação violenta com o outro
progenitor e com as crianças.
13. Qual a percepção que os progenitores
têm do exercício do seu papel familiar:
Segundo o próprio, «são as melhores, eu
sou sempre pelo melhor, e que eles (filhos) sejam educados».
14. Qual a percepção que os progenitores
têm um do outro:
Segundo o próprio, «derivado às atitudes,
não é uma pessoa com os melhores princípios. Ela (progenitora) devia de falar
comigo. Ela só faz as coisas como quer. Devia pensar melhor as coisas».
52 – Por sentença proferida em 19.06.2014,
transitada em julgado no próprio dia, no âmbito do processo sumaríssimo n.º (…) do 1.º Juízo do Tribunal Judicial do
Montijo, o arguido foi condenado na pena de 1 ano de prisão, substituída por prestação
de trabalho a favor da comunidade, fixada em 360 horas, pela prática de um crime
de tráfico de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1,
al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência aos artigos 14.º e
26.º do Código Penal.
53 – Por sentença proferida em 27.04.2016,
transitada em julgado em 27.05.2016, no âmbito do processo comum singular n.º (…)
da Secção Criminal –J1 da Instância Local do Montijo – Comarca de Lisboa, o arguido
foi condenado na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 6, no montante
global de € 600, pela prática, como autor
material, em 05.09.2014, de um crime de detenção de produtos estupefacientes
para consumo, p. e p. pelo artigo 40.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de
22.01, por referência à tabela 1-C.
54 – A mãe reside em Mirandela,
numa habitação arrendada de tipologia T2, pelo valor de € 250. Vive apenas com
o filho CCC, que tem 16 anos, e mantém uma relação de namoro com FFF, com quem
as crianças têm boa afinidade.
55 – A mãe exerce funções como
auxiliar de acção médica na Unidade (…), registando uma remuneração de € 960,
valor ao qual acresce o subsídio de turno.
56 – Em Mirandela, residem a mãe e
a irmã da progenitora, com quem esta mantém boa relação, e que se constituem
como rede de suporte familiar sempre que necessário.
57 – A mãe nunca pagou
voluntariamente a pensão de alimentos aos filhos AAA e BBB quando estes se
encontravam a residir com o pai, apenas o tendo feito, de forma coerciva, após
ter sido ordenada a cobrança no âmbito do incidente próprio para o efeito.
58 – A mãe sempre manteve, mesmo
após a separação, uma boa relação com os avós paternos do AAA e da BBB.
59 – No âmbito da perícia
psicológica solicitada, e quanto à parentalidade, a mãe referiu: acredita que
apresenta as competências parentais necessárias para cuidar dos filhos de forma
autónoma. Refere que já é cuidadora do filho mais velho, verbalizando que o pai
está há 5 anos sem estar com o filho.
60 – Descreve a relação com o
progenitor dos menores como muito conflituosa, descrevendo alegados episódios
de violência doméstica durante a relação, em particular, social «não podia
trabalhar, ele era super controlador. Deixei de falar com a família e amigos»,
financeira «não tinha dinheiro nem telemóvel», sexual «era sempre quando ele
queria», física, quer contra si, quer contra os filhos «ele bateu uma vez na
cabeça do CCC porque ele errou nas contas», verbal «chamava muitos nomes» e
psicológica «ele era muito desconfiado, fechava sempre os estores antes de sair
de casa. Se eu abria, quando ele chegava a casa, dizia que tinha estado alguém
lá em casa». Quanto ao futuro, apenas deseja poder estar junto dos menores.
61 – Os questionários foram
considerados válidos, tendo a examinanda participado de forma adequada em todos
os momentos da avaliação.
62 – Na avaliação relativa à
capacidade de o indivíduo avaliado proporcionar a atenção e o cuidado adequados
a uma pessoa em situação de dependência, surgiram resultados elevados nas
escalas primárias de altruísmo, equilíbrio emocional, flexibilidade, sociabilidade,
tolerância à frustração e capacidade para estabelecer vínculos afectivos, e nas
escalas de 2.ª ordem de cuidado responsável, cuidado efectivo e sensibilidade
aos outros. Assim, os dados sugerem a presença de um indivíduo que se preocupa
com as necessidades dos outros (altruísmo), com elevado controlo das suas
emoções, não se irritando em situações muito tensas (equilíbrio emocional), que
escuta e aceita com muita naturalidade pontos de vista distintos dos seus (flexibilidade),
que se relaciona com muita facilidade com os outros (sociabilidade), que se
adapta facilmente a uma alteração de planos (tolerância à frustração), que
revela uma vinculação segura (capacidade para estabelecer vínculos afectivos),
e que revela um cuidado responsável, afectivo e preocupado perante os outros (cuidado
responsável, cuidado efectivo e sensibilidade aos outros). Na escala adicional
de irritabilidade, os resultados sugerem a presença de uma pessoa que controla
os impulsos, tranquila, dificilmente irritável, que tolera a frustração de
forma adequada e tem uma capacidade saudável para gerir os conflitos. As
restantes escalas encontram-se em intervalos médios em relação à população
portuguesa.
63 – A examinanda revelou competências
adequadas no sentido do cuidado a um menor dependente.
64 – Em relação às capacidades de a
examinanda conseguir gerir as necessidades de atenção e cuidado de um menor
dependente, a mesma revelou várias competências necessárias para um cuidado
adequado, em particular, boa autoestima, capacidade para resolver problemas,
empatia adequada, boa flexibilidade e sociabilidade, adequada tolerância à
frustração, capacidade para estabelecer vínculos afectivos e capacidade de
resolução de luto. Foi ainda
possível identificar um funcionamento adequado quanto à irritabilidade,
sugerindo os resultados a presença de uma pessoa que controla os impulsos,
tranquila, dificilmente irritável, que tolera a frustração de forma adequada e
tem uma capacidade saudável para gerir os conflitos.
65 – No que se refere aos quesitos formulados, o perito refere
que:
1. A personalidade e carácter dos membros da família:
Em relação à progenitora,
não surgiram indicadores na personalidade e/ou no carácter da examinanda que
possam representar um impedimento para o exercício adequado das
responsabilidades parentais.
5. Informações relativas à história familiar:
Mantém uma relação de proximidade com a família
alargada, em particular a mãe, irmã e sobrinhos. Nega antecedentes familiares
de violência doméstica, de consumo de substâncias, abandono parental, morte
precoce de familiares, suicídio familiar, antecedentes familiares de doença mental
e/ou antecedentes criminais na família (1.º grau).
6. O funcionamento da personalidade de cada um:
Em relação à personalidade, não surgiram alterações
significativas, excluindo-se a presença de patologia grave de personalidade (e.g.
esquizotípico, borderline antissocial ou paranoide).
9. Se os progenitores se revelam emocionalmente instáveis;
na afirmativa, como se manifesta essa instabilidade, especialmente na relação
que mantém com os filhos:
Não conseguimos identificar instabilidade emocional.
10. Se os progenitores apresentam traços de
personalidade que comprometam o exercício da parentalidade:
Não conseguimos identificar traços de personalidade
que comprometam o exercício da parentalidade.
11. Se os progenitores apresentam traços de
resistência à convivência parental com o outro progenitor ou família alargada:
A progenitora não mostrou resistência à convivência
parental com o outro progenitor ou família alargada.
12. Se os progenitores exercem uma comunicação não
violenta, entre si e com as crianças:
Não conseguimos identificar indícios da presença de
uma comunicação violenta com o outro progenitor e/ou com as crianças.
13. Qual a percepção que os progenitores têm do
exercício do seu papel familiar:
Acredita que apresenta as competências necessárias
para cuidar dos filhos de forma autónoma.
14. Qual a percepção que os progenitores têm um
do outro:
Acredita que o progenitor dos menores tende a utilizar
comportamentos agressivos e excessivamente controladores, o que pode ser
prejudicial para o bem-estar das crianças.
66 – À progenitora não são conhecidos antecedentes criminais.
67 – A BBB frequentou o 4.º ano no Agrupamento de Escolas n.º 2 de Beja, tendo
transitado de ano com a classificação de «Muito Bom» a todas as
disciplinas, à excepção de Matemática, em que teve a notação de «Bom».
68 – No decurso do 4.º ano, a BBB faltou à escola 7 dias.
69 – No 5.º ano, a BBB continuou a frequentar o mesmo agrupamento
de escolas, tendo, no final do primeiro período, a notação de nível 3 nas
disciplinas de Cidadania e Desenvolvimento e Ciências Naturais, nível 4 nas
disciplinas de Português, Inglês, História e Geografia de Portugal, Educação Física,
Oficina de Leitura e Escrita e Matemática, e nível 5 nas disciplinas de Educação
Visual, Educação Tecnológica e Tecnologias de Informação e Comunicação.
70 – A BBB concluiu o 5.º ano de escolaridade com aproveitamento a todas as
disciplinas.
71 – No âmbito da perícia solicitada, e no que concerne à BBB, no que se
refere ao normal desenvolvimento e consulta social, foram identificados vários
factores protectores no adequado desenvolvimento social e pessoal, tais como
temperamento fácil, boa autoestima, ausência de dificuldades de desenvolvimento,
apresentar uma rede de bons amigos, bom ajustamento no contexto escolar, bom
rendimento escolar e boas competências nas actividades extracurriculares.
72 – A menor descreve o progenitor como uma pessoa agressiva «ele gritava
muito» (sic) que, com frequência, era agressivo com o irmão «ele batia com uma
vara nas mãos do AAA, mas também batia no rabo (sic), referindo que «o pai
estava a ficar melhor, mas depois voltou ao mesmo» (sic). Em relação ao futuro «eu
quero viver com a minha mãe, eu gosto muito dela. Lá (na casa da mãe) tenho
muita família. O meu pai não fala com ninguém da família, ele não se dá com
ninguém» (sic). Quanto à possibilidade de voltar para a casa do pai, «prefiro
ficar na instituição se o tribunal decidir eu ficar com o pai» (sic). A menor recusou
ser entrevistada juntamente com o progenitor.
73 – Na resposta aos quesitos formulados, o perito referiu o seguinte:
2. Grau de credibilidade a atribuir aos depoimentos prestados pelas crianças:
Os depoimentos prestados pelas crianças foram consistentes entre si, não tenho sido
perceptíveis incoerências, tendo sido o vocabulário utilizado o esperado para a
idade.
3. Capacidade para depor com verdade e
consistência sobre os factos objecto dos autos (designadamente sobre alegadas agressões
físicas e psíquicas e episódio de fuga):
Sim, a menor apresenta capacidade para depor
com verdade e consistência sobre os factos objecto dos autos.
4. A dinâmica das suas relações mútuas
com o intuito de despistar qualquer eventual manipulação (entre as crianças,
entre pai e filhos, entre mãe e filhos):
Não foram observados eventuais indícios
da presença de manipulação.
7. As necessidades desenvolvimentais dos
jovens:
Os jovens necessitam de estímulos
compatíveis com a idade, com presença de dinâmicas adequadas quanto às
competências sociais.
8. A natureza e a qualidade da relação
pai/filhos e mãe/filhos:
As crianças recusaram ser entrevistadas
junto com o pai. Na entrevista conjunta com a progenitora, foi possível
identificar uma relação de elevada proximidade afectiva, com clara vinculação
segura.
15. Se as crianças mantêm vínculo afectivo
com ambos os progenitores:
Conseguimos identificar um vínculo afectivo
positivo entre as crianças e a progenitora. Não conseguimos observar as interacções
com o progenitor. Para melhor esclarecimento desde quesito, sugere-se pedido de
informação à casa de acolhimento.
16. Como se caracteriza a relação
afectiva existente entre cada uma das crianças e cada um dos progenitores:
Conseguimos identificar um vínculo afectivo
positivo entre as crianças e a progenitora. Não conseguimos observar as interacções
com o progenitor. Para melhor esclarecimento deste quesito, sugere-se pedido de
informação à casa de acolhimento.
17. A convivência da criança com
qualquer um dos progenitores é-lhe prejudicial e/ou desfavorável? Na afirmativa,
em que termos?
Com base na avaliação do progenitor, os
seus traços de personalidade e a existência de eventuais comportamentos de
instrumentalização, podem ser considerados como prejudicial e/ou desfavoráveis.
74 – O AAA frequentou o 4.º ano no
Agrupamento de Escolas n.º 2 em Beja, tendo transitado de ano com a
classificação de «Muito Bom» à disciplina de Educação Física e de «Bom» nas
restantes disciplinas.
75 – No decurso do 4.º ano, o AAA faltou
à escola 7 dias.
76 – No 5.º ano, o AAA continuou a
frequentar o mesmo agrupamento de escolas, tendo, no final do primeiro período,
a notação de nível 3 a todas as disciplinas, à excepção de Educação Visual, Educação
Tecnológica e Educação Física, em que teve nível 4, e Educação Musical, em que
teve nível 5.
77 – O AAA concluiu o 5.º ano de
escolaridade com aproveitamento a todas as disciplinas.
78 – No âmbito da perícia solicitada, e
no que concerne ao AAA, «no que se refere ao normal desenvolvimento e conduta
social, foram identificados vários factores protectores no adequado
desenvolvimento social e pessoal, tais como temperamento fácil, boa autoestima,
ausência de dificuldades de desenvolvimento, apresentar uma rede de bons amigos,
bom ajustamento no contexto escolar, bom rendimento escolar e boas competências
nas actividades extracurriculares.»
79 – Em entrevista individual, o menor
descreve a presença de episódios de alegada agressão e punição física na casa
do pai «o pai batia com as mãos onde calhava» (sic) como, por exemplo,
no pescoço, tronco, rabo e/ou braços, «puxava as orelhas, e às vezes dizia que
me comia as orelhas à dentada» (sic), afirmando que «ele gritava bué» (sic),
referindo a presença de comportamentos de alegada instrumentalização, tais como
humilhar e rebaixar a progenitora na presença da criança «ele dizia que a mãe
não valia nada, dizia que era prostituta (…) se a vossa mãe gostasse de vocês
não tinha ido viver para Mirandela» (sic), ou
fazer com que a criança sinta que tem de esconder sentimentos positivos para
com a progenitora «eu não
podia dizer que gostava da mãe porque lhe saltava a tampa (sic) (…)
Refere ainda a presença de comportamentos de punição física «ele batia com uma
vara nas mãos» (sic). Este tipo de comportamento punitivo contra o AAA também
foi verbalizado pela menor BBB em entrevista individual, sem que os
menores tivessem ouvido o relato um do outro. Por último, violência verbal «eu
a fazer o TPC ele era agressivo comigo e eu às vezes fazia xixi nas calças» (sic).
Em relação aos contactos com a progenitora, «ele não deixava falar com a mãe,
era raro e só em alta voz» (sic). O menor recusou a ser entrevistado
juntamente com o progenitor.
80 – Em relação à avaliação das
competências sociais e dos problemas de comportamento (questionário CBCL),
surgiram resultados elevados na escala de ansiedade, que, segundo os autores
portugueses, podem indicar a presença de ansiedade, medos e tensão nervosa.
81 – Na resposta aos quesitos
formulados, o perito referiu o seguinte:
2. Grau de credibilidade a atribuir aos
depoimentos prestados pelas crianças:
Os depoimentos prestados pelas crianças
foram consistentes entre si, não tendo sido perceptíveis incoerências, tendo
sido o vocabulário utilizado o esperado para a idade.
3. Capacidade para depor com verdade e
consistência sobre os factos objecto dos autos (designadamente sobre alegadas agressões
físicas e psíquicas; episódio de fuga):
Sim, o menor apresenta capacidade para depor
com verdade e consistência sobre os factos objecto dos autos.
4. A dinâmica das suas relações mútuas
com o intuito de despistar qualquer eventual manipulação (entre as crianças;
entre pai e filhos; entre mãe e filhos):
Não foram observados eventuais indícios
da presença de manipulação.
7. As necessidades desenvolvimentais
dos jovens:
Os jovens necessitam de estímulos
compatíveis com a idade, com presença de dinâmicas adequadas quanto às
competências sociais.
8. A natureza e a qualidade da
relação pai-filhos e mãe-filhos:
As crianças recusaram ser entrevistadas
junto com o pai. Na entrevista conjunta com a progenitora, foi possível
identificar uma relação de elevada proximidade efectiva, com clara vinculação
segura.
15. Se as crianças mantêm vínculo afectivo
com ambos os progenitores:
Conseguimos identificar um vínculo afectivo
positivo entre as crianças e a progenitora. Não conseguimos observar as interacções
com o progenitor. Para melhor esclarecimento deste quesito, sugere-se pedido de
informação à casa de acolhimento.
16. Como se caracteriza a relação afectiva
existente entre cada uma das crianças e cada um dos progenitores:
Conseguimos identificar um vínculo afectivo
positivo entre as crianças e a progenitora. Não conseguimos observar as interacções
com o progenitor. Para melhor esclarecimento deste quesito, sugere-se pedido de
informação à casa de acolhimento.
17. A convivência da criança com qualquer um dos
progenitores é-lhe prejudicial e/ou desfavorável? Na afirmativa, em que
termos?
Com base na avaliação do progenitor, os seus traços de
personalidade e a existência de eventuais comportamentos de instrumentalização,
podem ser considerados com prejudicial e/ou desfavoráveis.
82 – O CCC frequenta o agrupamento de escolas de Mirandela
desde o 2.º período do ano lectivo de 2020/2021, onde frequentou o 6.º ano e transitou
para o 7.º ano, com a classificação de nível 2 à disciplina de Matemática, de
nível 3 às disciplinas de Português, História e Geografia de Portugal, Ciências
Naturais, Educação Visual, Educação Tecnológica e Tecnologias de Informação e Comunicação,
com nível 4 às disciplinas de Inglês, Cidadania e Desenvolvimento e Educação Musical
e nível 5 à disciplina de Educação Física.
83 – No ano lectivo de 2020/2021, o CCC faltou, no conjunto
de todas as disciplinas, um total de 243 vezes, sendo 116 faltas injustificadas.
84 – No ano lectivo de 2021/2022, o CCC frequentou o 7.º ano de escolaridade e
transitou para o 8.º ano, com a classificação de nível 1 à disciplina de Tecnologias
de Informação e Comunicação, de nível 3 às disciplinas de Português, Francês, História,
Geografia, Cidadania e Desenvolvimento, Matemática, Ciências Naturais, Físico-Química
e Educação Tecnológica, de nível 4 nas disciplinas de Inglês, Educação Visual e
Ciências da Terra e de nível 5 na disciplina de Educação Física.
85 – No ano lectivo de 2021/2022, o CCC faltou, no conjunto
de todas as disciplinas, no total 189 vezes, sendo 80 faltas injustificadas.
86 – No ano lectivo de 2022/2023, o CCC frequentou o 8.º ano
de escolaridade e transitou para o 9.º ano, com a classificação de nível 3 às
disciplinas de Francês, História, Geografia, Matemática, Ciências Naturais, Físico-Química
e Educação Visual, nível 4 às disciplinas de Português, Inglês, Tecnologias de Informação
e Comunicação e Educação Tecnológica, e nível 5 nas disciplinas de Cidadania e Desenvolvimento
e Educação Física.
87 – No ano lectivo de 2022/2023, o CCC faltou, no conjunto de todas as
disciplinas, um total de 161 vezes, sendo 5 faltas injustificadas.
88 – No ano lectivo de 2023/2024, o CCC frequenta o 9.º ano
de escolaridade e, até ao dia 13.03.2024, faltou, no conjunto de todas as
disciplinas, um total de 160 vezes, sendo 26 as faltas injustificadas.
89 – O CCC nunca foi sinalizado à CPCJ de Mirandela.
90 – Em acompanhamento escolar ao filho CCC, a mãe deslocou-se à escola nos dias
27.10.2023, 24.11.2023, 12.01.2024, 08.03.2024 e 15.03.2024.
91 – Em todas as sessões em que a mãe esteve presente, foi
prestada toda a informação relativamente ao aproveitamento, assiduidade, pontualidade
e comportamento do CCC.
92 – Relativamente à assiduidade, foi entregue, pela encarregada
de educação, um atestado médico (de 17 a 23 de Novembro). Foram entregues, pela
encarregada de educação e pelo CCC (assinadas pelo primeira), justificações de
faltas em documentos usados para o efeito no agrupamento e aceites pelo director
de turma, onde se pode ler «o CCC tem estado com períodos de diarreia e
vómitos», «passou a noite com febre», «o CCC esteve bastante debilitado e para
uma melhor recuperação não pode comparecer de 24 a 27 de Novembro», «o CCC tem
andado indisposto. Passou a noite com vómitos», «o CCC esteve com uma
amigdalite, com períodos de febre».
93 – Relativamente à pontualidade e embora do conhecimento da encarregada de
educação, não foi entregue qualquer justificação.
94 – Toda a informação relativa à assiduidade e pontualidade
está disponível, a todos os encarregados de educação, na plataforma digital «Inovar».
95 – Relativamente ao aproveitamento, como o CCC, no final do 1.º período,
apresentava um registo de três níveis inferiores a «três», nas disciplinas de Português,
Físico-Química e Educação Visual, foi feita, pelo Conselho de Turma, a
monitorização da implementação de medidas de suporte à aprendizagem e inclusão
– medidas universais, de onde se pode destacar, nas orientações para o futuro,
que o CCC deve participar mais activamente nas actividades propostas e melhorar
a assiduidade.
96 – No final do segundo período, o CCC apresenta um nível inferior a «três», na
disciplina de Educação Visual, pelo que foi novamente feita, pelo Conselho de
Turma, a monitorização da implementação de medidas de suporte à aprendizagem e
inclusão – medidas universais, que têm sido eficazes e de onde se pode ainda
destacar, nas orientações para o futuro, que o CCC tem de continuar a
participar mais activamente nas actividades propostas e melhorar a
a assiduidade.
97 – Relativamente ao comportamento, o CCC é um aluno com um
comportamento excelente, dentro e fora da sala de aula.
Os factos julgados não provados
no acórdão recorrido são os seguintes:
A) O AAA e a BBB foram agredidos fisicamente pelo
progenitor.
B) A mãe e o avô paterno tiveram parte no planeamento e
na fuga do AAA e da BBB da casa do pai no dia 07.02.2023.
C) A rejeição do AAA e da BBB a regressar a casa do
pai e a permanecer junto deste resulta de uma conduta persistente de instigação
da mãe.
D) A fuga do AAA e da BBB foi motivada ou aconteceu
como consequência da concretização da ordem de desconto judicial emanada do
incidente de incumprimento das responsabilidades parentais (apenso B), através
da qual se passou a garantir a cobrança coerciva dos alimentos devidos pela mãe
aos filhos menores.
E) A mãe nunca revelou a mínima preocupação ou interesse
pelos filhos menores.
*
Sendo consensual que a medida de acolhimento
residencial deve ser substituída pela de apoio junto dos pais, está unicamente
em causa saber se esse apoio deverá ter lugar junto da mãe, como decidido pelo
tribunal a quo, ou junto do pai, como
sustenta o recorrente.
1. O recorrente impugna a decisão proferida sobre a
matéria de facto, pretendendo o aditamento, ao enunciado dos factos provados, de
novos factos, que distingue em três categorias:
- Factos «totalmente
omitidos e desconsiderados» pelo tribunal a quo;
- Factos que completam aqueles que o tribunal a quo julgou provados «com uma extensão incompleta ou comprimida»;
- Factos omitidos pelo tribunal a quo «em divergência com a prova testemunhal proferida».
Passamos a analisar esta pretensão, seguindo a
sistematização adoptada pelo recorrente.
1.1. Os factos que o recorrente considera terem sido «totalmente omitidos e desconsiderados»
pelo tribunal a quo são os seguintes:
A) O casal viveu em união de facto, como se de marido
e mulher se tratasse, durante cerca de dez anos, separando-se em julho de 2016,
tendo os 3 (três) filhos menores ficado a residir com a mãe, que à data morava
em Alverca, enquanto o pai ficou a residir em Ervidel – Aljustrel, na
residência que até aí constituiu a casa de morada de família.
B) Perspectivando a necessidade de vir a ser proferida
decisão provisória, o Tribunal de Vila Franca de Xira solicitou à Comissão de
Proteção de Crianças e Jovens local o envio da informação pertinente a respeito
das crianças, tendo essa entidade confirmado a existência de processos de
promoção e protecção abertos na sequência da sinalização que recebera da Guarda
Nacional Republicana de Aljustrel, por alegada violência doméstica do pai sobre
a mãe, na ocasião em que o casal ainda vivia junto com os filhos, em Ervidel –
Aljustrel.
C) Em 24.11.2016, antes da realização da conferência
de pais no âmbito desse processo tutelar cível de regulação das responsabilidades
parentais, foi fixado, por despacho judicial definitivo, o regime provisório de
regulação das responsabilidades parentais, segundo o qual as 3 (três) crianças
ficaram a residir com a mãe, em Alverca, podendo o pai tê-las na sua companhia,
em fins de semana alternados, devendo recolhê-las à sexta-feira, nos
respectivos equipamentos educativos, para a mãe as ir buscar a casa do pai, ao
domingo, pelas 18h00. O pai poderia ainda ver e conviver com os filhos sempre
que quisesse, sem prejuízo dos seus períodos escolares e de descanso, devendo
avisar a mãe com antecedência. Por outro lado, também se fixou um regime de
convívios para a época de natal, bem como a obrigação do progenitor contribuir
com a prestação de alimentos, no valor de € 90,00 (noventa euros), para cada
filho, a entregar à mãe até ao dia 8 (oito) do mês a que respeitasse.
D) No dia 07.12.2016, depois de ser notificado do
despacho judicial que fixou o regime provisório de regulação das
responsabilidades parentais, o progenitor remeteu um requerimento para o
processo de regulação, a informar que os 3 (três) filhos menores estavam a
residir consigo, em Ervidel – Aljustrel, alegando que «… por sua livre e espontânea vontade, recusando-se determinantemente a
voltar para a casa da mãe.»,
encontrando-se as crianças a
frequentar os respectivos estabelecimentos de ensino nessa zona. Instruiu o
requerimento com documentos emitidos pelo Agrupamento de Escolas de Aljustrel,
a confirmar a matrícula escolar das crianças e o ano lectivo que as mesmas à
data frequentavam.
E) Em 10.01.2017, no âmbito da conferência de pais
realizada no mencionado processo de regulação das responsabilidades parentais,
foi alcançado acordo, que foi judicialmente homologado, nos termos do qual a
residência das 3 (três) crianças foi fixada com a mãe, passando fins de semana
alternados com cada um dos progenitores, podendo ainda os menores estar e ver o
pai sempre que quisessem, desde que fossem respeitados os seus horários de
descanso e os deveres escolares. Repartiam as férias escolares com cada um dos
pais, passando os períodos festivos de natal, ano novo e páscoa,
alternadamente, com cada um deles. Nos dias do aniversário das crianças, estas tomavam
uma refeição com cada um dos pais. Nos dias do aniversário dos pais, passavam o
dia com o progenitor aniversariante, o mesmo sucedendo nos dias do pai e da
mãe, que passariam com cada um deles. Finalmente, o pai pagaria uma prestação
de alimentos, no valor de € 50,00 (cinquenta euros) para cada filho menor, actualizável
anualmente, com início em fevereiro de 2018, de acordo com a taxa de inflação
divulgada pelo INE, e comparticipava também no pagamento de metade das despesas
médicas, medicamentosas e escolares dos filhos menores, bem como no pagamento
de metade das despesas decorrentes das deslocações que os filhos teriam de
fazer para com ele conviver.
F) Com fundamento no retrocesso que a permanência das
crianças em casa da mãe tinha para a vida escolar delas, porque se viam
privadas de prosseguir os estudos na escola em que estavam matriculadas, no
Alentejo, a que se haviam adaptado e onde tinham criado amizades, mas também
pelo facto de estarem privadas de contactar e conviver com o pai e de retomar a
situação de vida a que já se tinham habituado e que lhes era manifestamente
mais favorável comparativamente àquela que tinham enquanto residiram com a
progenitora, o Ministério Público requereu a decretação, a título provisório,
da alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais. Pretendia-se
que as crianças regressassem de imediato a casa do pai, para poderem retomar a
frequência da escola, que era a necessidade mais premente que cumpria ao tribunal
acautelar, ao mesmo tempo que a residência das crianças deveria ser provisoriamente
fixada junto do pai, com quem já residiam há algum tempo, nos termos da
combinação que os progenitores fizeram entre si.
G) O pedido de decretação do regime provisório não foi
acolhido pelo tribunal, primeiro, por se ter considerado territorialmente
incompetente para a acção de alteração da regulação das responsabilidades
parentais [decisão de que o Ministério Público reclamou, tendo a reclamação
sido deferida]; depois, por entender que o processo não continha “… elementos
suficientes para a fixação do regime provisório requerido…”.
H) No dia 26.01.2021, o progenitor deduziu, por
apenso, incidente de incumprimento (Apenso B) contra a mãe das crianças, que à
data já morava em Mirandela, para onde transferira a sua residência e a do
filho menor mais velho (CCC), requerendo a condenação desta, nomeadamente, no
pagamento dos alimentos vencidos e vincendos por ela devidos aos 2 (dois)
filhos menores que consigo residiam e na eventualidade de a mesma não ter
rendimentos que garantissem a cobrança desses montantes, fosse determinada a
intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
I) No âmbito da conferência de pais que se realizou,
em 24.03.2021, no incidente de incumprimento, foi celebrado acordo relativo aos
alimentos vencidos, nos termos do qual a progenitora/requerida se confessou
devedora da quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), que reconheceu não
ter pago aos filhos AAA e BBB, até ao mês de março de 2021, inclusive,
comprometendo-se ainda a efectuar o seu pagamento em prestações mensais,
através de descontos diretos no salário que estava a auferir.
J) Em março de 2022 começou a ser mensalmente
descontada à progenitora/requerida, por parte da sua entidade patronal, em
Mirandela, a quantia total de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), sendo €
150,00 (cento e cinquenta euros), a título de alimentos vincendos, e € 100,00
(cem euros), por conta dos alimentos vencidos, até perfazer a referida dívida
de € 1.200,00 (mil e duzentos euros). Os descontos prosseguiram e foram
devidamente atualizados de acordo com a actualização anual acordada [€ 2,00
para cada menor, com início em março de 2022]. Em 11.05.2023, perante o
acolhimento urgente das crianças [despoletado pela Comissão de Proteção de
Crianças e Jovens de Beja, como solução de recurso, perante a sua recusa em
ficar com o pai em desrespeito da decisão judicial proferida no Processo de Entrega
Judicial] circunstância que levou a que os referidos descontos prosseguissem,
mas só por conta dos alimentos vencidos em dívida, que foram recalculados e
atualizados para o montante total de € 1.612,00 (mil seiscentos e doze euros). Em
fevereiro de 2024, foi determinado o arquivamento do incidente de incumprimento,
com fundamento no pagamento integral da dívida de alimentos vencidos da
responsabilidade da mãe.
K) Em 13.05.2023, o procedimento de urgência foi
judicialmente confirmado, tendo sido aplicada aos menores, a título provisório,
a medida protectiva de acolhimento residencial, pelo prazo de 6 (seis) meses.
L) Simultaneamente, foi determinada a prossecução dos
autos como processo judicial de promoção e protecção (Apenso C), declarando-se
aberta a fase de instrução, no decurso da qual se procedeu à audição
obrigatória das crianças e dos progenitores, bem como da técnica da Segurança
Social, da técnica da instituição onde os menores foram acolhidos de urgência e
do membro da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Beja responsável pelo
acolhimento das crianças. Procedeu-se ainda à inquirição do avô paterno dos
menores, que os conduziu a casa da mãe, em Mirandela, na noite do dia em que
fugiram da casa do pai, em Beja.
M) Com base na prova pessoal e documental produzida, o
Tribunal determinou a manutenção, a título provisório, em sede de revisão da
medida provisória decretada, da medida de acolhimento residencial anteriormente
aplicada, por considerar que o regresso das crianças a casa do pai ainda não se
mostrava imediatamente exequível, não por falta de condições materiais e
pessoais deste, mas porque as crianças mantinham uma activa resistência a esse
regresso, tornando plausível, pelo menos, a possibilidade de voltarem a fugir
se fossem compelidas a ficar com o pai. A entrega à mãe, por outro lado, não
era uma solução que se mostrasse favorável para as crianças, desde logo,
“…atento o contexto de vida pouco estruturado e consistente para ter os filhos
consigo. ”, além de se ter considerado que “…a conduta adoptada pela
progenitora, a qual se encontra em investigação no âmbito de processo crime por
factos susceptíveis de configurar a prática de um crime de subtracção de menor,
ilustram os perigos a que as crianças foram expostas, e que certamente
voltariam a suceder atenta a postura de alienação relativamente ao pai e à
presença deste na vida dos filhos.”.
N) Em 07.06.2023, durante a pendência do referido
processo judicial de promoção e proteção (Apenso C), a progenitora requereu, no
Juízo de Família e Menores de Beja, a instauração de processo de alteração das
responsabilidades parentais (Apenso D), alegando já dispor de todas as
condições necessárias para que os 2 (dois) filhos menores possam residir
consigo. No processo de alteração considerou-se que deveria aguardar o evoluir
do processo judicial de promoção e proteção, pelo que ainda não foi proferida
qualquer decisão relevante para a vida dos menores.
Cotejando este enunciado com
o dos factos provados constante do acórdão recorrido, facilmente se conclui não
ser exacto que os factos constantes do primeiro hajam sido «totalmente
omitidos e desconsiderados» no segundo.
Concretamente, desse cotejo, resulta o seguinte:
- Os factos referidos em A) constam parcialmente dos
n.ºs 4, 5 e 60 do acórdão recorrido;
- Os factos referidos em B) constam parcialmente do
n.º 60 do acórdão recorrido;
- Os factos referidos em C) constam parcialmente do
n.º 4 do acórdão recorrido;
- Os factos referidos em D) constam parcialmente do
n.º 5 do acórdão recorrido;
- Os factos referidos em E) constam parcialmente do
n.º 4 do acórdão recorrido;
- Os factos referidos em H) a J) constam parcialmente
do n.º 57 do acórdão recorrido.
Na medida em que excedem o conteúdo dos n.ºs 4, 5, 57
e 60, os factos constantes
das referidas alíneas A) a E) e H) a J) não têm relevância para a decisão da
causa. Também os factos constantes das alíneas F), G) e K) a N) carecem de relevância para a decisão da causa. Em face disso, o
tribunal a quo andou bem ao não os
incluir no enunciado da matéria de facto provada.
Diga-se, a propósito, que o
recorrente não justifica, de todo, a sua afirmação de que «O Tribunal recorrido não podia olvidar tais factos!» Não podia
porquê? Qual é a relevância desses factos?
Nomeadamente:
- Que diferença faria descrever
exaustivamente o conteúdo de regimes de exercício das responsabilidades
parentais que já não vigoram, em vez de, como o tribunal a quo acertadamente fez, levar, ao enunciado dos factos provados,
apenas as partes relevantes?
- Que diferença faria, por exemplo, a
descrição dos dias e horas respeitantes aos regimes de visitas aos menores?
- Que diferença faria a genérica
descrição de diligências levadas a cabo, em 2016, pelo Tribunal e pela CPCJ de
Vila Franca de Xira?
- Que diferença faria a parcial
reprodução de um requerimento efectuado pelo pai do AAA e da BBB em 2016?
- Que diferença faria a descrição do
conteúdo de um requerimento de alteração do
regime das responsabilidades parentais apresentado
pelo recorrente, mas indeferido pelo tribunal?
- Que diferença faria a descrição das
decisões, proferidas nestes autos, referidas em K) a N)?
- Que diferença faria a descrição de
outros actos processuais praticados nestes autos, como a inquirição de
determinadas pessoas?
O recorrente não diz. Pela
nossa parte, consideramos evidente a irrelevância de toda essa matéria para a
decisão da causa. Daí, repetimos, que o tribunal a quo tenha procedido correctamente ao não a incluir no enunciado
da matéria de facto provada. Sobrecarregar este enunciado com matéria inútil seria
errado e apenas serviria para dificultar a compreensão do acórdão recorrido.
1.2. Os factos que o recorrente considera terem sido
julgados provados «com uma extensão
incompleta ou comprimida» são os que constam dos n.ºs 4 a 25, 29, 32 a 34 e
36 do respectivo enunciado. Pretende o recorrente, aparentemente, a
reformulação desses números nos seguintes termos:
A) O pai tem mantido contactos telefónicos regulares
em horário e dias definidos (quartas, quintas e domingos) e presenciais,
quinzenalmente, com deslocações ao centro de acolhimento, às quartas feiras,
quando está de folga no trabalho.
B) Desde que foram acolhidas, as saídas das crianças
ao exterior, com o pai, tiveram início no dia 13.08.2023, sendo que o
progenitor as recolhia pela manhã, no centro de acolhimento, entregando-as após
o jantar.
C) As crianças mostravam-se satisfeitas com os
passeios, as idas à praia e ao shopping com o pai, actividades que se repetiram
em datas posteriores (19/08, 27/08, 01/09 e 10/09).
D) Com o início do ano letivo de 2023/2024, o
progenitor passou a recolher os filhos no centro de acolhimento, nas tardes
livres das crianças, o que sucedeu nos dias 11.10.2023 e 29.11.2023, bem como
no feriado de 01.11.2023, entregando os filhos no final do dia.
E) As crianças passaram a passagem do ano de 2023/2024
na casa onde residiam com o pai, em Beja, tendo o mesmo ido buscá-las ao centro
de acolhimento, no dia 29.12.2023, entregando-as no dia 02.01.2024.
F) Desde o acolhimento, foi o primeiro momento que as
crianças passaram sozinhas com o pai, em Beja, na casa onde residiam e têm as
suas referências afectivas e de amizade.
G) As crianças receberam do pai bicicletas de
presente, mostrando-se contentes com a oferta, que lhes permitiu realizar
actividades/passeios juntamente com ele, no exterior.
H) Durante o período de férias junto do pai, a mãe
estabeleceu contacto telefónico com os filhos em dois momentos, através do
telemóvel do pai, assim como o pai contactou telefonicamente com os filhos, na
noite de natal, quando estes se encontravam a passar férias em casa da mãe.
I) Durante o período das férias escolares do natal que
os menores passaram com o pai, este foi o principal cuidador das crianças,
realizando também as tarefas domésticas.
J) No que respeita aos contactos/visitas das crianças
com o pai, durante as férias escolares do natal de 2023 (entre 29.12.2023 e
02.01.2024), a equipa técnica do centro de acolhimento informou que as crianças
mencionaram ter corrido “tudo bem”, salientando ter jogado à bola e andado
muitas vezes de bicicleta.
K) A equipa técnica do centro de acolhimento concluiu
que as saídas com o pai parecem ter sido positivas, pois, as crianças
“mostram-se felizes com as mesmas no regresso à casa de acolhimento”.
L) Relativamente aos contactos com o filho mais velho,
CCC, que reside com a mãe, o progenitor Sr. Celso ainda fez algumas tentativas
para que o jovem passasse alguns dias de férias consigo, por altura do natal,
estabelecendo contacto telefónico com a mãe dos filhos, comunicação que não se
verificava há muito tempo. No entanto, a visita do filho não veio a
concretizar-se por falta de vontade do mesmo.
Mais uma vez, o recorrente não explicita em que medida
considera relevantes os factos que pretende ver aditados ao enunciado da
matéria de facto provada. Limita-se a afirmar, genericamente, que o tribunal a quo usou «formulações que nem sempre retratam, em toda a sua dimensão, os
aspectos relevantes que ressaltam da dinâmica do processo», afirmação esta
cuja aptidão para fundamentar a sua pretensão é nula.
Na realidade, os factos necessários para a decisão da
causa já constam do enunciado da matéria de facto provada. Isto basta para
concluir que a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto deverá manter-se nesta parte.
Independentemente de quanto
acabámos de afirmar, sempre a pretensão do recorrente de ver alterada, nesta
parte, a decisão proferida pelo tribunal a
quo sobre a matéria de facto, estaria votada ao insucesso, devido ao
incumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º do CPC.
O n.º 1 deste artigo
estabelece que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, o
recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os
concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os
concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação
nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto
impugnados diversa da recorrida;
c) A
decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto
impugnadas.
A al.
a) do n.º 2 do mesmo artigo estabelece que, no caso previsto na al. b) do n.º
1, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação
das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata
rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da
gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à
transcrição dos excertos que considere relevantes.
O
recorrente não cumpre qualquer destes ónus.
Não
cumpre os ónus previstos na als. a) e c) do n.º 1 porquanto não identifica, com
precisão, os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados
e a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre cada um desses
pontos. Em vez disso, reporta-se, em bloco, aos factos que constam de 27 pontos
do enunciado da matéria de facto provada, afirma que tais factos foram julgados
provados «com uma extensão incompleta ou
comprimida», sem especificar em que medida os mesmos merecem a sua
concordância e a sua discordância, e propõe, também em bloco, 12 pontos de
facto que pretende ver inseridos em substituição dos referidos 27. É evidente
que isto não cumpre as exigências de concretização estabelecidas nas als. a) e
c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
Não
cumpre o ónus previsto na al. b) do n.º 1 deste artigo porquanto não especifica
os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou
gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de
facto impugnados diversa da recorrida. O recorrente limita-se a invocar que «Relativamente a eles, o Tribunal dispõe no
processo de informações sociais, nomeadamente a datada de 18.01.2024
(referência 2660201), que lhe permitem dar como assentes mais aspetos
significativos relativos aos contactos telefónicos que os progenitores e
restantes familiares mantiveram com as crianças, no centro de acolhimento, bem
como às visitas que aí efetuaram e ainda aos períodos de férias escolares que
passaram com cada um dos progenitores, por ocasião do natal/passagem do ano de
2023 e na páscoa de 2024». Para cumprir aquele ónus, o recorrente tinha de identificar
cada um dos «concretos meios probatórios»
em que funda a sua pretensão de alteração da decisão sobre a matéria de facto,
o que não se faz referindo, genericamente, as informações sociais constantes
dos autos e identificando apenas uma delas a título exemplificativo.
1.3. Relativamente
ao terceiro grupo de factos, ou seja, aos factos alegadamente omitidos pelo
tribunal a quo «em divergência com a
prova testemunhal proferida», é, desde logo, evidente o incumprimento do
ónus previsto na al. b) do n.º 1 e na al. a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC.
Resulta
desta última norma, acima transcrita, que, no caso previsto na al. b) do n.º 1,
quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das
provas tiverem sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata
rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da
gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à
transcrição dos excertos que considere relevantes. Portanto, o recorrente pode
optar entre «indicar com exactidão as
passagens da gravação em que se funda o seu recurso» e «proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
Ora, o
recorrente não fez, nem uma coisa, nem a outra. Em vez disso, fez, nas suas
alegações, aquilo que designou como uma «súmula»
de cada um dos depoimentos que considera terem sido mal valorados pelo tribunal
a quo, indicou a hora do início e do
fim de cada um desses depoimentos e enunciou, a seguir a cada uma dessas «súmulas», uma lista de factos que, com
base nela, pretende ver acrescentados à matéria de facto provada.
É
evidente que este procedimento não cumpre as exigências decorrentes da al. b)
do n.º 1 e da al. a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC. Consequentemente, também
aqui, está vedado, ao tribunal ad quem,
proceder a qualquer alteração da decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto.
2. O
recorrente considera que a medida de promoção e protecção de apoio junto dos
pais deve ser executada atribuindo a guarda do AAA e da BBB ao pai. Argumenta
que é este quem apresenta melhores condições pessoais e materiais para ter os
filhos consigo sem os expor a factores de risco, porquanto:
- As
situações de perigo por que o AAA e a BBB passaram deveram-se, única e
exclusivamente, à mãe;
-
Durante o período, de Julho de 2020 a 07.02.2023, em que o AAA e a BBB
estiveram à guarda do pai, em Beja, não houve conhecimento da existência de
qualquer situação que lhes fosse desfavorável;
- A
falta de assiduidade do CCC à escola é demonstrativa da incapacidade da mãe
para cuidar dos filhos;
- As
condições materiais e habitacionais do pai são claramente mais favoráveis que
as da mãe;
- O
horário laboral do pai é mais adequado ao acompanhamento diário e próximo do AAA
e da BBB que o da mãe;
- A
mãe manifestou desinteresse relativamente ao AAA e à BBB durante o período em
que estes residiram com o pai;
- Nos
últimos tempos, o AAA e a BBB alteraram a sua atitude de obstinada oposição a
estarem junto do pai.
Analisemos
cada um destes argumentos.
2.1. O
recorrente aponta duas situações em que considera que o AAA e a BBB estiveram
em perigo por causa exclusivamente imputável à mãe.
A
primeira teria sido a descrita nos n.ºs 8 a 10, 12 e 13 do enunciado dos factos
provados. Acompanhamos o recorrente na censura por este dirigida à mãe do AAA e
da BBB. Efectivamente, esta foi negligente ao não providenciar, em tempo útil,
pela matrícula do AAA numa escola de Alverca, facto que determinou que ele não
frequentasse a escola durante esse ano lectivo e tivesse reprovado. Contudo, a
situação, inédita, descrita no n.º 14, mitiga significativamente a culpa da
mãe. Esta não foi, seguramente, a única pessoa a não conseguir lidar
correctamente com uma situação tão grave e excepcional como essa, para a qual
ninguém se encontrava preparado.
A
segunda situação de perigo teria sido a descrita nos n.ºs 18 a 20 do enunciado
dos factos provados. O recorrente censura a mãe por não ter avisado o pai sobre
o paradeiro do AAA e da BBB, nem ter providenciado pela transferência da
matrícula destes ou pela operacionalização do ensino à distância. Aqui, há que
distinguir. Por um lado, é verdade que a mãe demonstrou, de novo, negligência
no que concerne à frequência da escola por parte dos filhos. Todavia, não
acompanhamos o recorrente quando este considera que a não comunicação, ao pai,
do paradeiro dos filhos, tenha colocado estes em risco. A mãe devia ter
efectuado aquela comunicação, mas não há fundamento para concluir que, ao
omiti-la, tenha criado uma situação de perigo para os filhos. Tal omissão em
nada os afectou.
2.2. O
recorrente afirma que, durante o período, de Julho de 2020 a 07.02.2023, em que
o AAA e a BBB estiveram à guarda do pai, em Beja, não houve conhecimento da
existência de qualquer situação que lhes fosse desfavorável.
Isto
corresponde à verdade, mas apenas até à última das referidas datas. Em
07.02.2023, ocorreu um facto gravíssimo, que colocou o AAA e a BBB numa
situação de grande risco, que foi a sua fuga de casa do pai sem o conhecimento
deste, nos termos descritos nos n.ºs 18 a 20 do enunciado dos factos provados.
Não se
provou que essa fuga tenha sido determinada pela mãe ou pelo avô paterno, pelo
que é forçoso concluir que, em casa do pai, se passou algo suficientemente
grave para levar duas crianças, então com 12 e 10 anos de idade, a
aventurarem-se a fugir, num fim de tarde de Fevereiro, tomarem um táxi e
dirigirem-se para casa do avô paterno, sita numa povoação localizada a cerca de
40 km de distância de Beja, num local quase desértico. Não consta do enunciado
da matéria de facto provada o concreto motivo que determinou o AAA e a BBB a
encetarem essa fuga, mas dispomos dos relatos que eles fizeram ao perito que os
avaliou, sintetizados nos n.ºs 72 e 79 daquele enunciado.
Não
corresponde, assim, à realidade que tudo tenha corrido pelo melhor enquanto o AAA
e a BBB residiram com o pai. Muito pelo contrário, a situação, de longe, de
maior risco em que eles estiveram, ocorreu precisamente nesse período.
2.3. O
recorrente sustenta que a falta de assiduidade do CCC à escola é demonstrativa
da incapacidade da mãe para cuidar dos filhos.
Não
iremos tão longe. A mãe é, efectivamente, negligente no que concerne à
frequência da escola pelos filhos, sendo essa, sem dúvida, a sua maior
limitação em matéria parental. Contudo, cuidar dos filhos é um conceito muito
mais amplo que o de garantir que eles frequentem a escola com assiduidade e
pontualidade. Ora, em tudo o mais, não nos parece haver fundamento para
considerar a mãe incapaz para cuidar dos filhos.
2.4. É
verdade que as condições materiais e habitacionais do pai são mais favoráveis
que as da mãe, atento o que consta dos n.ºs 38, 39, 54 e 55 do enunciado dos
factos provados. Não obstante, qualquer deles tem condições materiais e
habitacionais suficientes para ter o AAA e a BBB consigo.
2.5. Nenhum
dos progenitores tem um horário laboral incompatível com a prestação, aos
filhos, dos cuidados de que estes necessitam. As pessoas que têm de trabalhar,
assim ganhando honestamente a vida, sujeitam-se aos mais variados horários, sem
que isso ponha em causa a sua aptidão para cuidar dos filhos. Desde que
encontrem soluções que garantam a segurança e o bem-estar destes durante o
tempo em que se encontram a trabalhar, nenhuma razão existirá para que o Estado
se intrometa na sua vida familiar.
2.6.
Não é verdade que a mãe haja manifestado desinteresse relativamente ao AAA e à BBB
durante o período em que estes residiram com o pai. Para sustentar esta
afirmação, o recorrente faz uma leitura francamente enviesada da matéria de
facto provada, salientando o que é favorável e omitindo o que é desfavorável à
solução que pretende.
Consta
dos n.ºs 6 e 17 do enunciado dos factos provados que «Desde que passaram a residir com o pai, os menores AAA e BBB deixaram
de manter contactos regulares com a mãe e o CCC, sendo que também este deixou
de manter qualquer contacto com o pai», e que, desde sempre, o AAA, a BBB e
o CCC mantêm contactos esporádicos com os progenitores com quem não residem, contactos
esses que, na maioria dos casos, são telefónicos. No que aos contactos entre a
mãe, de um lado, e o AAA e a BBB, do outro, porque acontecerá isto? Responde o
n.º 44, relativamente ao qual o recorrente nada diz: «No que concerne aos contactos do AAA e da BBB com a mãe (…), o pai
referiu (ao perito): não concorda que a progenitora tenha contacto com os
menores, confidenciando que estes só têm acesso ao telemóvel na sua presença,
pelo que o AAA deve ter começado a falar com o avô e a mãe com os telemóveis
dos amigos.» Portanto, era o pai quem impedia ou, quando menos, dificultava
aqueles contactos. A circunstância de a mãe residir em Mirandela e estes dois
filhos em Beja certamente terá desempenhado algum papel no que concerne às
visitas.
Comprova
o interesse da mãe sobre a sorte do AAA e da BBB o que consta do n.º 28 do
enunciado dos factos provados, ao qual o recorrente também não se refere: «Desde o início do acolhimento, ambos os
progenitores, todos os dias, contactaram a equipa técnica com o intuito de
perceberem o bem-estar do AAA e da BBB e demonstraram interesse nos contactos
com estes.»
2.7.
Afirma o recorrente, finalmente, que, nos últimos tempos, o AAA e a BBB
alteraram a sua atitude de «obstinada
oposição (…) a estarem junto do pai», uma vez que «já passaram com ele períodos de férias por ocasião do natal de 2023 e
páscoa de 2024, sem que se tenha registado qualquer dificuldade ou incidente.
Aliás, quando o pai os visita, regularmente, no centro de acolhimento e os leva
a passear, esse convívio tem-se revelado muito positivo, conforme atestam as
próprias crianças.»
Mais
uma vez, o recorrente confunde realidades diversas. Uma coisa é passar algumas
horas, ou dias, na companhia do pai, e outra, muito diferente, é residir com o
pai em permanência. Aquilo que o recorrente qualifica como «obstinada oposição» do AAA e da BBB não é a «estarem junto do pai», mas
sim a residirem permanentemente com o pai. Ora, essa recusa dos menores a
residirem permanentemente com o pai mantém-se, conforme n.ºs 26, 27, 30, 31 e
72.
2.8.
Analisadas as razões invocadas pelo recorrente para que se decida que o AAA e a
BBB fiquem a residir com o pai e reduzidas as mesmas à sua real dimensão, que
se resume na incapacidade, revelada pela mãe, de garantir que os filhos
frequentem a escola com assiduidade e pontualidade, cumpre analisar a situação
na sua globalidade.
Quer o
AAA, quer a BBB, recusam-se a voltar a viver com o pai. Ambos pretendem viver
com a mãe e afirmam que preferem continuar sujeitos à medida de acolhimento
residencial a voltar a viver com o pai. Poderá esta recusa ser ignorada, ou
menosprezada, como o recorrente pretende que aconteça?
Parece-nos
evidente que não pode. Atentemos nas circunstâncias relevantes para a valoração
da recusa do AAA e da BBB a voltarem a viver com o pai.
O AAA
fará 14 anos dentro de um mês. A BBB tem 12 anos. A vontade manifestada pelas
crianças e pelos jovens, sobretudo após terem completado 12 anos de idade, é
considerada relevante para a definição da sua situação, quer no âmbito da
LPCJP, quer no do RGPTC, nos termos que passamos a expor.
O
artigo 4.º, al. j), da LPCJP, consagra, como um dos princípios orientadores da
intervenção para a promoção dos direitos da criança e do jovem em perigo, o da
audição obrigatória e participação, nos termos do qual «a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa
por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a
sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos actos e na
definição da medida de promoção dos direitos e de protecção». Na parte que
agora nos interessa, resulta desta norma que a criança e o jovem tem os
direitos de: a) Ser ouvido; b) Praticar actos processuais; c) Participar na
definição da medida de promoção e protecção; d) Escolher se pretende intervir
em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida; e) Nesta
última hipótese, escolher a pessoa em cuja companhia pretende intervir.
O n.º
1 do artigo 10.º da LPCJP estabelece que a intervenção das entidades com
competência em matéria de infância e juventude e das comissões de protecção de
crianças e jovens depende da não oposição da criança ou do jovem com idade
igual ou superior a 12 anos. O n.º 2 do mesmo artigo estabelece que a oposição
da criança com idade inferior a 12 anos é considerada relevante de acordo com a
sua capacidade para compreender o sentido da intervenção.
O artigo 84.º da LPCJP estabelece que as crianças e os jovens
são ouvidos pela comissão de protecção ou pelo juiz sobre as situações que
deram origem à intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de
medidas de promoção e protecção, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do
RGPTC.
O n.º 1 do artigo 104.º da LPCJP estabelece, na parte que nos
interessa, que a criança ou o jovem tem o direito de requerer diligências e
oferecer meios de prova.
O n.º 2 do artigo 105.º da LPCJP estabelece, na parte que nos
interessa, que a criança ou o jovem com idade superior a 12 anos pode requerer
a intervenção do tribunal no caso previsto na al. g) do n.º 1 do artigo 11.º
(decurso de seis meses, após o conhecimento da situação pela comissão de
protecção, sem que seja proferida decisão).
A al. a) do n.º 1 do artigo 107.º da LPCJP estabelece que, declarada
aberta a instrução, o juiz designa data para a audição obrigatória da criança
ou do jovem.
O artigo 112.º da LPCJP impõe a convocação, para a
conferência destinada à obtenção de acordo de promoção e protecção ou tutelar
cível adequado, da criança ou do jovem com mais de 12 anos.
O n.º 1 do artigo 114.º da LPCJP estabelece, na parte que
interessa, que, se não tiver sido possível obter acordo de promoção e protecção
ou tutelar cível adequado, ou quando estes se mostrem manifestamente
improváveis, o juiz notifica a criança ou o jovem com mais de 12 anos para
alegar, por escrito, querendo, e apresentar prova no prazo de 10 dias.
A al. c) do n.º 1 do artigo 4.º do RGPTC estabelece, como
princípio orientador dos processos tutelares cíveis regulados por este diploma
legal, o da audição e participação da criança, por força do qual esta, se tiver
capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua
idade e maturidade, será sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam
respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal,
sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto
da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.
O n.º 1 do artigo 5.º do RGPTC estabelece que a criança tem
direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração, pelas
autoridades judiciárias, na determinação do seu superior interesse.
O n.º 1 do artigo 17.º do RGPTC estabelece, na parte que nos
interessa, que a iniciativa processual pode ser da criança com idade superior a
12 anos.
Deste
conjunto de normas legais resulta, à saciedade, que a criança e o jovem,
sobretudo a partir do momento em que completem 12 anos de idade, não podem ser
vistos como meros sujeitos passivos nos processos em que esteja em causa a
definição da sua situação, quer se trate da aplicação, revisão, alteração ou
extinção de uma medida de promoção e protecção, quer se trate da fixação,
alteração ou extinção de um regime tutelar cível. Em vez disso, reconhece-se-lhes
o direito de intervirem constitutivamente na definição daquela medida ou deste
regime, sendo-lhes atribuídos os direitos processuais para o efeito
necessários.
Portanto, a
vontade manifestada pelo AAA e pela BBB não pode ser encarada da forma
displicente com que o recorrente o faz, como se fosse uma mera birra de duas crianças.
Ao contrário, essa vontade constitui um importante elemento a ter em conta para
a definição da sua situação.
A ponderação das características pessoais do AAA e da BBB e das
circunstâncias em que eles manifestam a sua vontade de não voltarem a viver com
o pai reforça o valor a atribuir a essa manifestação.
No relatório pericial, quer o AAA, quer a BBB, são descritos
como tendo «vários factores protectores no adequado
desenvolvimento social e pessoal, tais como temperamento fácil, boa autoestima,
ausência de dificuldades de desenvolvimento, apresentar uma rede de bons
amigos, bom ajustamento no contexto escolar, bom rendimento escolar e boas
competências nas actividades extracurriculares» (n.ºs
71 e 78). O comportamento de ambos ao chegarem, em circunstâncias muito
difíceis (n.ºs 22 a 25), à instituição onde foram acolhidos de emergência,
confirma aquela descrição: «à chegada, os
irmãos demonstraram tristeza e revolta pelo desfecho da situação. Não obstante,
conseguiram adaptar-se às rotinas e funcionamento da instituição, mantendo
relações de qualidade com o grupo de pares e adultos. Apesar de bem integrados,
o AAA e a BBB continuaram a evidenciar tristeza pelo facto de estarem acolhidos
e demonstraram vontade de regressar para o agregado familiar da mãe ou para a
família alargada, mas não para casa do progenitor» (n.º 27). Perante isto, é lícito concluir que nos
encontramos perante dois jovens com personalidades bem estruturadas,
temperamento fácil e boa capacidade de adaptação a circunstâncias adversas.
Visivelmente, não são duas crianças birrentas e caprichosas que se recusem «obstinadamente» a viver com o pai só porque
sim.
Que a
recusa do AAA e da BBB em voltarem a viver com o pai corresponde a uma vontade
firme e ponderada, é demonstrado, quer pelo facto de eles terem fugido de casa do
pai nas circunstâncias descritas no n.º 18, quer pela sua reiterada resistência
a ficarem com o pai nas circunstâncias descritas nos n.ºs 21 a 25, quer, ainda,
pela reiteração dessa recusa ao longo de um ano de acolhimento residencial, não
obstante a tristeza que sempre sentiram por se encontrarem sujeitos a esta
medida de promoção e protecção. Ainda hoje, eles afirmam que, se a opção for voltarem
a viver com o pai, preferem ficar em acolhimento residencial (n.ºs 30 e 31).
Perante
tudo isto, não há como ignorar ou menosprezar a vontade do AAA e da BBB.
Imaginemos,
contudo, que o fazíamos. Quais seriam as consequências previsíveis de uma
decisão que determinasse a execução da medida decretada junto do pai? Com
enorme probabilidade, repetir-se-ia a situação descrita nos n.ºs 22 a 25,
acabando o AAA e a BBB novamente acolhidos de emergência numa instituição. Isso
seria devastador para estes dois jovens. Há que poupá-los a mais esse drama. Já
sofreram demasiado, nomeadamente ao longo do último ano. É altura de
encontrarem alguma estabilidade nas suas vidas.
Independentemente
da vontade manifestada pelo AAA e pela BBB, os factos julgados provados
demonstram que, apesar das suas limitações, a mãe é, sem sombra de dúvida, quem
se encontra nas melhores condições para ficar com aqueles à sua guarda, pelas
razões que se seguem.
Ao
contrário do pai, a mãe conseguiu criar, com o AAA e a BBB, «uma relação de elevada proximidade
afectiva, com clara vinculação segura» (n.ºs 73 e 81). Sintomaticamente, nas
visitas que tiveram lugar durante o período em que vigorou a medida de
acolhimento residencial, o AAA e a BBB demonstraram clara preferência pela
presença da mãe (n.º 29).
O pai
não mantém relacionamento com os seus pais e irmã, com quem está de relações
cortadas, não contando com qualquer apoio familiar em Beja (n.ºs 40 e 51). A
própria BBB se queixou deste facto no decurso da perícia (n.º 72).
Já a
mãe conta com um sólido apoio familiar. Mantém um bom relacionamento com as
suas mãe e irmã, que residem, tal como ela, em Mirandela, e que se constituem
como rede de suporte familiar sempre que necessário (n.º 56). Mesmo após a
separação, a mãe manteve uma boa relação com os avós paternos do AAA e da BBB
(n.º 58). Até um bom relacionamento entre estes e o namorado da mãe se encontra
assegurado (n.º 54).
Por
vontade do pai, o AAA e a BBB não teriam qualquer contacto com a mãe e a
família alargada (n.ºs 44 e 51). Já a mãe, além de proporcionar o contacto do AAA
e da BBB com a família alargada, com quem mantém um bom relacionamento, não coloca
qualquer obstáculo ao contacto entre eles e o pai (n.º 65).
O pai
apresenta traços de personalidade, descritos nos n.ºs 46 a 51, que levam a
questionar seriamente a sua aptidão para o exercício das funções parentais. Já
a mãe aparenta possuir as qualidades necessárias para o exercício destas
funções, apesar das limitações já apontadas, que deverão ser colmatadas (n.ºs
62 a 65).
Por
este conjunto de razões, concluímos, como o tribunal a quo, que apenas a mãe reúne as condições necessárias para ter o AAA
e a BBB consigo.
Os
riscos decorrentes da incapacidade, até agora demonstrada pela mãe, de zelar
pela frequência assídua e pontual da escola por parte dos filhos, foram
devidamente acautelados no acórdão recorrido, pois uma das obrigações àquela
impostas foi a de promover o adequado acompanhamento destes ao nível escolar,
garantindo a sua assiduidade e pontualidade e procedendo à sua inscrição, até
ao início do próximo ano lectivo, numa actividade extracurricular no agrado dos
mesmos.
Concluímos,
assim, que o recurso não merece provimento, devendo o acórdão recorrido ser
confirmado.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto,
julgar o recurso improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.
Sem custas, nos termos do
artigo 4.º, n.º 1, al. a), do RCP.
Notifique.
*
Évora, 12.09.2024
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
(1.ª
adjunta)
(2.ª
adjunta)