quarta-feira, 1 de maio de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 11.04.2024

Processo n.º 926/22.0T8PTM.E1

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Subempreitada.

Atraso na execução da obra.

O subempreiteiro tem o dever de verificar, antes da celebração do contrato, a correcção técnica do caderno de encargos?

Condenação com fundamento em causa de pedir não invocada – responsabilidade contratual/enriquecimento sem causa.

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Sumário:

1 – Não é cumprido o ónus previsto no artigo 640.º, n.ºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPC, se o recorrente não indica os meios de prova concretos que, no seu entendimento, impõem decisão diversa sobre os pontos de facto cuja alteração pretende e, em vez disso, invoca, genericamente, a «prova documental apresentada», a «confirmação das testemunhas da existência desses mesmos defeitos» ou a «prova produzida nesse sentido», sem mais.

2 – Invocando o autor, como única causa de pedir, a responsabilidade contratual do réu, decorrente de uma alegadamente culposa inexecução integral de uma obra objecto de um contrato de subempreitada, não pode o tribunal, após concluir que não se verificam os pressupostos daquela responsabilidade, condenar o réu a restituir, ao autor, uma quantia por este entregue àquele a título de adiantamento do pagamento de parte do preço, com fundamento em enriquecimento sem causa.

3 – Resultando do caderno de encargos as características que determinado material a incorporar na obra deve ter, o subempreiteiro não tem o dever de, antes de celebrar o contrato, conferir se aquelas características são as adequadas à execução da obra.

4 – Se a execução da obra tiver de parar devido à inadequação das dimensões previstas no caderno de encargos para determinadas peças, a consequente ultrapassagem do prazo estipulado para aquela execução não será imputável ao subempreiteiro.

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Autora/recorrente:

Sociedade 1.

Ré/recorrida:

Sociedade 2.

Pedido:

Condenação da ré no pagamento, à autora, da quantia de € 55.461,31, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Sentença recorrida:

Julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré do pedido.

Conclusões do recurso:

A) A recorrente interpõe recurso de apelação da sentença proferida pelo tribunal a quo, a qual julgou totalmente improcedente a ação judicial intentada com base no incumprimento do contrato de subempreitada pela recorrida.

B) A decisão do tribunal a quo é sustentada fundamentalmente nas declarações de parte do representante legal da recorrida.

C) No entanto, a sentença proferida pelo tribunal a quo ignora vários aspetos da prova testemunhal, razão pela qual a recorrente impugna a matéria de facto.

D) Acresce que a sentença proferida não se pronunciou sobre a totalidade do pedido da recorrente, razão pela qual existe uma nulidade por via da omissão de pronúncia sobre o pedido do valor do adiantamento, bem como os prejuízos resultantes da resolução do contrato e diferença de orçamentos para posterior conclusão por outro subempreiteiro, multa aplicada pelos atrasos na obra e defeitos na execução da empreitada.

E) A sentença recorrida ignorou a matéria de confissão alegada na contestação pela recorrida, a qual assumiu-se como devedora do valor total do adiantamento efetuado pela recorrente.

F) A recorrida confessou-se devedora do valor do adiantamento, pelo que o tribunal a quo deveria valorar o caráter da confissão, nos termos e para os efeitos do artigo 352.º do Código Civil.

G) O tribunal a quo também ignorou toda a prova produzida pela recorrente que justificou os prejuízos causados com o atraso da obra.

H) A sentença proferida não se pronunciou relativamente aos defeitos invocados pela recorrente com a má execução dos trabalhos, nem tão pouco apreciou os prejuízos que a recorrente teve com a contratação de outro subempreiteiro, juntamente com a aplicação da multa pelo atraso na execução dos trabalhos.

I) Existiu uma clara omissão de pronúncia do tribunal a quo sobre a matéria do adiantamento do montante da empreitada e sobre os prejuízos verificados com a resolução do contrato.

J) Em virtude da omissão de pronúncia verificada a sentença é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

K) Conjugada a prova documental produzida pela recorrente e a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, impõe-se uma nova decisão sobre a matéria de facto.

L) De acordo com as transcrições produzidas, deveria o tribunal a quo ter valorado a prova testemunhal arrolada pela recorrente, a qual ofereceu uma versão dos factos completamente diferente para apreciação dos fundamentos invocados da resolução do contrato de subempreitada.

M) A sentença recorrida não apreciou criticamente as provas produzidas pela recorrente, nomeadamente, a demonstração dos atrasos na obra e, consequentemente, os prejuízos verificados com a falta de execução dos trabalhos.

N) As declarações das testemunhas arroladas pela recorrente demonstram a existência da falha de fornecimento da madeira pela recorrida.

O) Caso o fornecimento tivesse sido encomendado atempadamente, não estaríamos perante uma incapacidade para a conclusão dos trabalhos demonstrada pela recorrida.

P) De acordo com a prova testemunhal produzida pela Recorrente, a obra podia e deveria ter sido executada na sua totalidade e só não foi realizada por culpa da recorrida que não antecipou a vinda de materiais e não analisou corretamente o trabalho a que se propôs realizar com todos os riscos inerentes.

Q) Ficou ainda demonstrado que a encomenda do material foi insuficiente para conclusão da totalidade da obra, facto comprovado pelas testemunhas da recorrente.

R) A recorrida apenas iniciou os trabalhos, a 21 de maio de 2021, ou seja, 18 dias depois do prazo acordado para o início dos mesmos.

S) E apenas encomendou os materiais após o período do início dos trabalhos (maio), em clara violação do contrato de subempreitada.

T) O tribunal também desconsiderou a existência de defeitos verificados na obra pela recorrida, como fundamento da resolução operada pela recorrente.

U) A prova testemunhal arrolada pela recorrente demonstrou que o posterior subempreiteiro que concluiu a obra conseguiu resolver a situação colocando calços que ajudavam a estabilizar a estrutura do passadiço, num curto espaço de tempo.

V) Os testemunhos produzidos permitiram evidenciar que a execução da obra era possível, ao contrário da decisão proferida.

W) Reforçando o entendimento de que a obra poderia ser concluída, mesmo com a diferença na medida da madeira, a testemunha da recorrente, Ana Rita Ribeiro Vieira, foi clara e inequívoca quanto ao modo de execução da obra.

X) E também permitiu constatar que o problema em causa era de fácil antecipação e preparação prévia pela recorrida.

Y) A sentença ignorou o facto de a recorrida ter-se deslocado ao local da empreitada, fazendo medições, tendo oportunidade de questionar as caraterísticas da empreitada e tendo noção do estado do passadiço, a fim de elaborar um orçamento considerando todas as caraterísticas envolvidas.

Z) Por outro lado, a justificação apresentada pela recorrida para não conseguir executar os trabalhos não é apta a produzir os efeitos de uma cláusula de exclusão da responsabilidade.

AA) Alegar genericamente a situação da pandemia, sem demonstrar quaisquer reflexos nas várias etapas do fornecimento de bens e serviços, não é condição para fazer operar a cláusula de força maior prevista no contrato de subempreitada.

BB) A recorrida não clarificou as dificuldades que encontrou na procura da matéria prima, pelo que a sentença recorrida nunca poderia apenas cingir-se à circunstância da desconformidade da medição e deixar de analisar toda a restante prova documental com reflexo nas circunstâncias em que poderia assentar a execução da obra.

CC) Não estamos perante um caso de força maior, dado que o evento – obtenção dos materiais – era previsível e certo, tendo a recorrida aderido às condições do caderno de encargos e verificado todas as dificuldades na execução da obra.

DD) A força maior não poderá ter aqui qualquer aplicabilidade, dado que a não conclusão da obra deve-se a falta de planeamento e antecipação da vinda da madeira para completar a execução da obra por parte da recorrida.

EE) Em consequência, o direito de resolução foi lícito e tem a recorrente o direito de ser ressarcida pelo valor do adiantamento e pelos prejuízos que a recorrida originou com a não execução dos trabalhos por culpa exclusivamente sua.

FF) Nos termos do artigo 799.º do Código Cível, a culpa do subempreiteiro presume-se, pelo que o tribunal a quo, analisando as circunstâncias justificativas alegadas pela recorrida, deveria decidir pela improcedência dos fundamentos invocados.

GG) Acresce que a sentença proferida não apreciou corretamente os requisitos da alteração das circunstâncias previstos no artigo 437.º do Código Civil e os requisitos do artigo 798.º e 799.º do Código Civil, na medida em que a recorrida faltou ao cumprimento das obrigações contidas no contrato de subempreitada.

HH) Consequentemente, demonstrado o incumprimento das obrigações por parte da recorrida, a recorrente terá direito a ser ressarcida pelos danos emergentes, designadamente, o valor do adiantamento, bem comos os prejuízos resultantes da resolução do contrato, conclusão da obra pelo posterior empreiteiro e multa aplicada pelo atraso na execução dos trabalhos, nos termos do artigo 564.º, n.º 1, do Código Civil.

II) Face ao exposto, a sentença proferida pelo tribunal a quo deverá ser alterada e substituída por outra que reconheça o direito da recorrente a ser ressarcida no montante total de € 55.461,31.

Questões a decidir:

1 – Nulidade da sentença recorrida;

2 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

3 – Responsabilidade civil contratual da recorrida.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1) A autora é uma sociedade comercial que se dedica ao aluguer de máquinas para movimentação de terras; comércio de materiais de construção; construção civil e obras públicas; compra de imóveis para revenda e venda dos adquiridos para esse fim; administração de bens imóveis.

2) A ré é uma sociedade comercial que se dedica à produção e prestação de serviços de engenharia e ambiente, construção para jardins, campos de ténis, de golfe, estádios e outras instalações desportivas. Construção de complexos industriais. Divisão e melhoramento de terrenos. Construção civil. Restauro e remodelação de imóveis. Agricultura e pecuária. Comércio, importação e exportação, armazenamento e distribuição de madeira e seus derivados, sucedâneos e complementares, assim como de produtos ligados à área do ambiente.

3) A Câmara Municipal de Faro adjudicou à autora a empreitada de reparação do passadiço na Ilha de Faro – acesso à Barrinha.

4) A 26-03-2021, a autora e a Câmara Municipal de Faro celebraram um acordo através de documento escrito designado como «contrato n.º 12/2021 – empreitada de reparação do passadiço na Ilha de Faro – acesso à Barrinha», do qual consta que a autora tinha 120 dias, a contar desde a data da consignação da obra, para entregar a empreitada completa.

5) Consta do documento identificado em 4, designadamente, o seguinte: A empreitada (…) é adjudicada à autora (…) de acordo com o convite, caderno de encargos e proposta apresentada. «Sempre que ocorra suspensão dos trabalhos não imputável ao empreiteiro, considerar-se-ão automaticamente prorrogados, por período igual as da suspensão, o prazo global de execução da obra e os prazos parciais por ela afetados».

6) A 16-04-2021, autora e ré celebraram um acordo através de documento escrito designado como «contrato de subempreitada», através do qual a autora, na qualidade de empreiteiro, declarou adjudicar à ré, na qualidade de subempreiteiro, a execução dos trabalhos de reparação do passadiço na Ilha de Faro – acesso à Barrinha, que a ré declarou aceitar.

7) Consta do documento identificado em 6), designadamente, o seguinte: «para a execução dos trabalhos na obra o subempreiteiro examinou o local da obra local estando inteirado de todas as dificuldades e exigências associadas à execução da mesma, nomeadamente no que respeita às acessibilidades, às condições de realização da obra e aos materiais, equipamento e mão e obra mão de obra, bem como de quaisquer outras condições e demais fatores que possam interferir ou influencia a execução da subempreitada». (…) O subempreiteiro tem perfeito conhecimento dos elementos que integram o contrato de empreitada, respetivos anexos e demais documentação que o integram e que descrevem os trabalhos a executar e as respetivas condições de execução, obrigando-se na execução da subempreitada a respeitar na íntegra o especificado e pormenorizado em tais elementos (…) Exclui-se da responsabilidade do subempreiteiro o não cumprimento deste contrato por casos de força maior, entendendo-se como tal qualquer evento, facto de terceiro ou facto natural ou situação imprevisível e inevitável que o impeça de cumprir as suas obrigações e que esteja fora do seu controlo e que não pudesse ser impedido por um contraente diligente. Para esse efeito só serão reconhecidos como casos de força maior aqueles que, como tal, forem reconhecidos pelo dono da obra».

8) A título de adiantamento por conta do preço da empreitada, a autora pagou, em 20-04-2021, a quantia de € 25.927,50.

9) De acordo com o documento designado como «Auto de consignação de trabalhos», datado de 26-04-2021, referente a empreitada reparação do passadiço na Ilha de Faro – acesso à Barrinha adjudicada à ora autora, subscrito, ademais pela engenheira Sónia Cardoso, na qualidade de diretor de fiscalização de obra e pela engenheira Tânia Pereira com representante da ré «reconheceu-se que os trabalhos a executar estavam de acordo com o previsto no caderno de encargos, o qual inclui o respetivo projeto de execução».

10) Antes da adjudicação da subempreitada, a ré deslocou-se ao local dos trabalhos com a autora para tomar conhecimento do estado do passadiço e poder fazer o orçamento para a empreitada, tendo antes ainda dessa deslocação tido acesso ao caderno de encargos da empreitada.

11) A data estipulada para a conclusão dos trabalhos era o dia 30-06-2021.

12) A execução da obra sofreu atrasos.

13) Aquando das negociações e da celebração do contrato de subempreitada entre autora e ré, foi apresentado um caderno de encargos e uma proposta de trabalhos que mencionava uma espessura das madeiras a aplicar no passadiço composta por longarinas em madeira tratada (400X9,5X6cm).

14) Os trabalhos consistiam em arrancar todo o deck de acesso à barrinha de Faro (Ilha de Faro) e fazer o reforço da estrutura com mais duas longarinas ao longo de todo o percurso.

15) A indicação do caderno de encargos e da proposta referia-se a longarinas de 95 mm de altura e por isso as duas novas que teriam que ser instaladas para reforçar a estrutura teriam que ter cerca 100mm.

16) Após a assinatura do contrato, a ré encomendou as longarinas e parte do deck com as medidas que constavam nos documentos apresentados pela autora e ficou a aguardar a sua chegada, o que ocorreu em maio de 2021, quando a ré ficou em condições de iniciar os trabalhos.

17) Ao iniciar os trabalhos, a ré apercebeu-se da desconformidade das medidas entre o que constava do caderno de encargos e o que encontrou no local da obra.

18) A ré viu-se obrigada a cancelar a encomenda já feita de 3.000 ml de ripas-/longarinas de madeira de 100/50 de espessura por 3.000 ml de ripas-/longarinas de madeira de 120x50 de espessura, o que implicou um atraso de cerca de dois meses.

19) Para aproveitar a madeira já em obra, a ré foi fazendo trabalhos de adaptação para a colocação das ripas, através de colocação de calços de 2mm no suporte de cada ripa, o que implicou mais tempo e custos de mão de obra adicionais, tanto mais que uma vez que as tábuas tinham de ser removidas e substituídas de imediato, uma vez que o passadiço dava acesso a casas, pelo que o trabalho tinha de ser feito de modo a assegurar a utilização permanente do mesmo.

20) Em 23-06-2021 (uma semana antes do final do prazo concedido à ré para a execução da obra), o Município de Faro e a autora acordaram na suspensão da empreitada e, consequentemente, da subempreitada.

21) A suspensão mencionada em 20) teve como fundamento a situação pandémica e a alteração das medidas das madeiras a fornecer e a dificuldade de obtenção da madeira certificada.

22) O fim da suspensão mencionada em 20) e 21) ocorreu em 02-09-2022.

23) Ao longo da execução da obra, a ré foi mantendo contactos com a autora, explicando os motivos dos atrasos como: a desconformidade das medidas das longarinas; a corrosão das madeiras e necessidades de substituir varões e parafusos, ao contrário do que estava previsto inicialmente; a necessidade produção de lotes de ripas de 120x50 e de colocação de novos toros de madeira a secar e a tratar; igualmente a escalada de preços e da necessidade de entrega do deck para colocar em conjunto, o que implicava alteração da metodologia inicialmente prevista, os atrasos da saída da mercadoria da Rússia.

24) Como resultado da falta de matéria prima, a ré não pôde prosseguir com a execução da obra.

25) As madeiras e o deck só chegaram a Portugal e à obra no início de outubro de 2021.

26) A autora endereçou uma carta à ré, datada de 16 de setembro de 2021, que veio devolvida com a menção «não atendeu impossível a entrega por faltasse recetáculo postal».

27) Através da carta mencionada em 26), veio a autora proceder à resolução do contrato com a ré, invocando o incumprimento do prazo de execução dos trabalhos e reclamando valores de multas e de reembolso de pagamentos feitos.

28) A ré respondeu através da sua mandatária, explicando os motivos dos atrasos de execução da obra e rejeitando responsabilidades.

29) Em resposta ao contacto referido em 28), a autora fez uma descrição mais circunstanciada sobre o alegado incumprimento quanto ao prazo de execução da obra e reclama sobre o incumprimento relativamente ao fornecimento e montagem do deck e sobre defeitos de execução, designadamente por alegada má colocação dos parafusos e falta de substituição das tábuas velhas.

30) A essas questões a ré respondeu através de e-mail de 15 de outubro de 2021, referindo que: «Sobre os defeitos que são mencionados na vossa carta, somos a informar que face à resolução do contrato por V.Exas, não nos parece que seja necessário recolocar as tábuas antigas que ficaram no deck, visto o valor que foi pago por V.Exas no Auto 1 foi somente o deck novo e efetivamente instalado. Sobre os parafusos que não fixam convenientemente os calços, solicitamos fotos atuais deste situação, visto a mesma já ter sido reportada anteriormente e foi transmitido pela Eng.ª Tânia Pereira que a mesma estava solucionada. Se a mesma ainda não estiver, solicitaremos ao nosso subempreiteiro para avançar com a reparação.»

31) A ré procedeu à realização parcial da subempreitada, tendo despendido da sua mão de obra e de material que colocou em obra.

32) De acordo com o auto de medição, foi deduzido ao valor de adjudicação a quantia de € 4.323,38, tendo a autora resolvido o contrato por carta de 16 de setembro, invocando o incumprimento contratual por parte da subempreiteira.

33) Com base no descrito em 32), a autora emitiu uma fatura em que enuncia valores de prejuízos, multa calculada nos termos da cláusula 11.ª, n.º 2 do contrato de subempreitada e valor correspondente a reembolso da quantia paga na adjudicação, deduzida da percentagem acordada, do valor do auto de medição.

34) À carta com envio da fatura referida em 33), veio a ré responder, devolvendo por carta a fatura, recusando-a por não reconhecer oportunidade, nem legitimidade à autora quer quanto a valores, quer quanto a responsabilidade contratual.

35) A 08 de junho de 2021, a autora liquidou o montante correspondente ao primeiro auto de medição, com dedução de 30% do montante por conta do adiantamento prestado em 20 de abril de 2021, ou seja, liquidou a quantia de € 10.087,88 e abateu ao adiantamento € 4.323,38.

36) A 14 de junho de 2021, a autora comunicou à ré que a obra tinha de estar concluída até ao final desse mês e que as madeiras velhas, que deviam ter sido transportadas para o contentor de resíduos da autora pelos funcionários da ré, não se encontravam no local certo.

37) A 15 de junho de 2021, a autora contactou a ré para denunciar defeitos da execução do contrato.

Factos julgados não provados pelo tribunal a quo:

a) A autora despendeu a quantia de € 5.628,12 correspondente ao aumento de custos pela contratação de terceira entidade para a execução dos trabalhos.

b) A autora despendeu a quantia de € 3.805,40 correspondente a contratação de terceira entidade para a reparação dos defeitos dos trabalhos.

c) A ré abandonou a obra.

d) A ré recusou recebeu a carta de 16 de setembro de 2021, remetida pela autora.

e) A autora emitiu uma fatura com valores que imputa à ré, sem que esta pagasse ou nada dissesse.

f) Em consequência da resolução contratual, a ré não devolveu os montantes adiantados.

g) O facto de se ter invocado o erro na medição das longarinas para obter a suspensão dos trabalhos junto da dona da obra, não implica qualquer admissão de que o mesmo era uma desculpa válida para, no final de junho de 2021, a obra ainda não estar concluída, antes foi uma tentativa de justificar os atrasos da ré junto da dona da obra, e permitir, de certa forma, salvaguardar a relação contratual de subempreitada estabelecida.

h) A parte da obra executada pela ré apresentava defeitos.

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1 – Nulidade da sentença recorrida:

A recorrente sustenta que a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC, por não se ter pronunciado sobre:

- Os valores que a recorrente pagou, a título de adiantamento, à recorrida;

- Os restantes prejuízos sofridos pela recorrente em consequência da não execução da totalidade da obra;

- As penalidades que a recorrente aplicou à recorrida com fundamento nos atrasos na execução da obra;

- Os defeitos da parte da obra que a recorrida executou;

- Os documentos juntos pela recorrente.

A análise desta arguição de nulidade da sentença requer dois esclarecimentos preliminares.

Em primeiro lugar, o de que a única causa de pedir invocada pela recorrente é a responsabilidade contratual da recorrida, decorrente de uma alegadamente culposa inexecução integral da obra. A recorrente não invoca como causa de pedir, ainda que subsidiária, o enriquecimento sem causa da recorrida em consequência da cessação do contrato sem a devolução, por esta, da quantia recebida a título de adiantamento. Os pressupostos da obrigação de restituição fundada em enriquecimento sem causa, diversos dos da obrigação de indemnização por responsabilidade contratual, não se encontram alegados na petição inicial.

Em segundo lugar, o de que a omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, não se confunde com o erro de julgamento. A recorrente incorre nessa confusão, ao fundamentar a arguição da referida nulidade nos termos em que o faz. A confusão é de tal ordem que, em sede de arguição da suposta nulidade, a recorrente vai ao ponto de impugnar a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto, transcrevendo, para o efeito, parte do depoimento de uma testemunha.

Daí a necessidade de colocar alguma ordem nas questões suscitadas pela recorrente. É o que procuraremos fazer em seguida, sob pena de não ser viável o conhecimento dessas questões de forma sistematizada.

O tribunal a quo pronunciou-se sobre os valores que a recorrente pagou, a título de adiantamento, à recorrida. Julgou provado que, a título de adiantamento por conta do preço da subempreitada, a recorrente pagou, em 20.04.2021, a quantia de € 25.927,50 (n.º 8). Julgou igualmente provado que, em 08.06.2021, a recorrente «liquidou o montante correspondente ao primeiro auto de medição, com dedução de 30% do montante por conta do adiantamento prestado em 20 de abril de 2021, ou seja, liquidou a quantia de € 10.087,88 e abateu ao adiantamento € 4.323,38» (n.º 35). Em sede de fundamentação de direito, o tribunal a quo começou por colocar a questão que lhe competia resolver nos precisos termos em que devia fazê-lo, atenta a causa de pedir invocada pela recorrente: impunha-se-lhe apreciar se a actuação da recorrida permitia que lhe fosse imputado o incumprimento contratual invocado pela recorrente. Após analisar o problema, concluiu – bem ou mal, é indiferente para a questão da nulidade da sentença – que a inexecução integral da obra não se deveu a culpa da recorrida. Assim ficou afastada a responsabilidade contratual da recorrida e, em consequência, prejudicada, por inutilidade, a análise dos prejuízos invocados pela recorrente, nomeadamente daqueles que teriam decorrido do adiantamento por conta do preço da subempreitada. Daí que a omissão dessa análise por parte do tribunal a quo não determine a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC.

Aquilo que acabamos de afirmar vale para todos os prejuízos invocados pela recorrente. Tendo o tribunal a quo considerado demonstrada a ausência de culpa da recorrida pela inexecução integral da obra (assim ficando ilidida a presunção estabelecida no artigo 799.º, n.º 1, do CC), ficou excluída a responsabilidade contratual daquela. Em face disso, era inútil a análise dos restantes pressupostos desta responsabilidade, nomeadamente dos prejuízos hipoteticamente sofridos pela recorrente. Ou seja, o conhecimento da questão dos prejuízos invocados pela recorrente ficou prejudicada pela forma como o tribunal a quo resolveu uma questão logicamente anterior. Daí a sentença recorrida não ser nula por omissão de pronúncia.

Na petição inicial (artigos 48.º e 60.º), a recorrente configura a falta de pagamento das penalidades que aplicou à recorrida com fundamento nos atrasos na execução da obra como parte do prejuízo resultante da inexecução, que considera culposa, da obra por parte da recorrida. Sendo assim, o êxito da sua pretensão de obter esse pagamento nesta acção depende, além do mais, da demonstração da responsabilidade contratual que ela imputa à recorrida. Tendo o tribunal a quo concluído no sentido da inexistência de culpa da recorrida pela inexecução integral da obra e, em consequência, de responsabilidade contratual, ficou, naturalmente, prejudicado o conhecimento da questão da verificação daquele suposto prejuízo.

O tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão dos supostos defeitos da parte da obra que a recorrida executou, pois julgou não provado que «A parte da obra executada pela Ré apresentava defeitos» [al. h)]. Tendo sido esta a convicção do tribunal a quo, nada mais este tinha de se pronunciar acerca desta questão para além de fundamentar a referida convicção.

Finalmente, a recorrente considera que a sentença recorrida é nula porquanto não se pronunciou sobre os documentos por si juntos ao processo. Mais uma vez, a recorrente confunde a omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, com o erro de julgamento. Se o tribunal a quo tiver formado a sua convicção erradamente devido a não ter atentado no teor de determinados documentos, terá cometido um erro de julgamento, mas a sentença não será nula por omissão de pronúncia.

Concluímos, assim, que a sentença recorrida não padece da nulidade arguida pela recorrente.

2 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

2.1. A recorrente pretende que o conteúdo da al. h) dos factos não provados seja julgado provado. Está em causa a seguinte matéria: «A parte da obra executada pela ré apresentava defeitos».

A recorrente não cumpre o ónus previsto no artigo 640.º, n.ºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPC, pois não indica meios de prova concretos que imponham decisão diversa sobre a matéria em questão. Em vez disso, a recorrente invoca genericamente a «prova documental apresentada» e a «confirmação das testemunhas da existência desses mesmos defeitos», sem mais. Só por si, isto inviabiliza a reapreciação da matéria em causa pelo tribunal ad quem.

Acresce que a matéria constante da al. h) dos factos não provados é puramente conclusiva. Factos propriamente ditos são os concretos vícios ou desconformidades que a obra eventualmente apresente, não o mero enunciado de que «a obra tem defeitos». Daí que, além de tecnicamente errada, a inclusão do conteúdo da al. h) no elenco dos factos provados fosse inócua.

2.2. A recorrente pretende que o conteúdo das als. a) e b) dos factos não provados seja julgado provado. Está em causa a seguinte matéria: «A autora despendeu a quantia de € 5.628,12 correspondente ao aumento de custos pela contratação de terceira entidade para a execução dos trabalhos»; «b) A autora despendeu a quantia de € 3.805,40 correspondente a contratação de terceira entidade para a reparação dos defeitos dos trabalhos».

A recorrente não cumpre o ónus previsto no artigo 640.º, n.ºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPC, pois não indica meios de prova concretos que imponham decisão diversa sobre a matéria em questão. Em vez disso, a recorrente invoca genericamente a suposta «prova produzida nesse sentido», o que, obviamente, é o mesmo que nada. É, por isso, impossível a reapreciação da matéria em causa pelo tribunal ad quem.

2.3. A recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado da matéria de facto provada, que «A autora, por força da resolução contratual, teve prejuízos no valor total de € 4.800,00».

Além de se tratar de matéria puramente conclusiva, mais uma vez a recorrente não cumpre o ónus previsto no artigo 640.º, n.ºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPC.

2.4. A recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado da matéria de facto provada, que «A autora, por força dos atrasos existentes na obra, por culpa exclusiva da ré, aplicou o montante total de € 17.825,00, a título de multa prevista no contrato».

Também aqui, a recorrente não indica os meios de prova concretos que, no seu entendimento, impõem decisão diversa, assim incumprindo o ónus previsto no artigo 640.º, n.ºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPC.

2.5. A recorrente pretende que, em vez do que consta do n.º 16 do enunciado dos factos provados, seja julgado provado que «A ré apenas contactou o fornecedor do material para execução da empreitada no mês de maio de 2021».

A redacção do n.º 16 é a seguinte: «Após a assinatura do contrato, a ré encomendou as longarinas e parte do deck com as medidas que constavam nos documentos apresentados pela autora e ficou a aguardar a sua chegada, o que ocorreu em maio de 2021, quando a ré ficou em condições de iniciar os trabalhos».

Nenhum meio de prova sustenta a pretensão da recorrente. As testemunhas Tânia Pereira e Sónia Cardoso não se pronunciaram sobre essa matéria. Atenta a função que cada uma delas desempenhou na obra, é natural que não tivessem conhecimento dos contactos entre a recorrida e os seus fornecedores. Aquilo que resultou das declarações de parte do legal representante da recorrida foi precisamente o contrário daquilo que a recorrente pretende ver julgado provado.

2.6. A recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado da matéria de facto provada, que «A execução da obra sofreu atrasos, em consequência da falta de antecipação da vinda de material por parte da Ré».

Aqui, a recorrente cumpre o ónus previsto no artigo 640.º, n.ºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPC, pois invoca as declarações de parte do legal representante da recorrida e indica as concretas passagens da gravação que considera relevantes para a sustentação da sua pretensão. Todavia, não tem razão.

Que a execução da obra sofreu atrasos, já consta do n.º 12 do enunciado dos factos provados. Está apenas em causa a prova da causa desses atrasos.

Resulta dos pontos 13 a 21, 24 e 25 do enunciado dos factos provados que a causa do atraso na execução da obra foi um grave erro do caderno de encargos elaborado pelo dono da obra. Como é natural, o caderno de encargos serviu de referência à elaboração do contrato de subempreitada, nomeadamente no que concerne às características dos materiais a incorporar na obra, que tinham de ser respeitadas, quer pela recorrente (perante o dono da obra), quer pela recorrida (perante a recorrente).

A obra consistia em arrancar todo o deck de acesso à barrinha de Faro e fazer o reforço da estrutura com mais duas longarinas ao longo de todo o percurso (n.º 14). É evidente o papel fundamental que as longarinas tinham nesta obra. Era através da sua aplicação que se reforçaria a estrutura do passadiço.

O caderno de encargos especificava que as longarinas, em madeira tratada, a aplicar no passadiço, deveriam ter as seguintes dimensões: 400 x 9,5 x 6 cm (n.º 13). A indicação do caderno de encargos e da proposta referia-se a longarinas de 95 mm de altura, pelo que as duas novas, que teriam que ser instaladas para reforçar a estrutura, deveriam ter cerca de 100mm (n.º 15).

Após a assinatura do contrato, a recorrida encomendou as longarinas e parte do deck, com as medidas que constavam nos documentos apresentados pela recorrente, e ficou a aguardar a sua chegada, o que ocorreu em Maio de 2021, quando a primeira ficou em condições de iniciar os trabalhos (n.º 16).

Porém, ao iniciar os trabalhos, a recorrida apercebeu-se da desconformidade das medidas entre o que constava do caderno de encargos e o que encontrou no local da obra (n.º 17). Por causa dessa desconformidade, a recorrida viu-se obrigada a cancelar a encomenda, já feita, de 3.000 metros lineares de ripas/longarinas de madeira de 100/50 de espessura, e a fazer outra encomenda, de 3.000 metros lineares de ripas/longarinas de madeira de 120x50 de espessura, o que implicou um atraso de cerca de dois meses (n.º 18).

Para aproveitar a madeira já em obra, a recorrida foi fazendo trabalhos de adaptação para a colocação das ripas, através de colocação de calços de 2mm no suporte de cada ripa, o que implicou mais tempo e custos de mão de obra adicionais, tanto mais que, uma vez que as tábuas tinham de ser removidas e substituídas de imediato por o passadiço dar acesso a casas, o trabalho tinha de ser feito de modo a assegurar a utilização permanente do mesmo (n.º 19).

Devido à falta de matéria prima, que só chegou no início de Outubro de 2021, a recorrida não pôde prosseguir com a execução da obra (n.ºs 24 e 25).

Esta matéria de facto, que se encontra consolidada, demonstra à saciedade que a causa do atraso na execução da obra foi um erro clamoroso do caderno de encargos, que previu a aplicação de longarinas com altura 2 cm inferior àquela que era necessária, tendo em conta que as longarinas pré-existentes tinham uma altura de 12 cm. Não foi, como a recorrente pretende, qualquer falta de antecipação da vinda de material por parte da recorrida. Esta encomendou o material necessário à execução da obra em devido tempo, mas teve de cancelar essa encomenda e de fazer nova encomenda devido ao descrito erro do caderno de encargos.

Sintomaticamente, em 23.06.2021 (uma semana antes do final do prazo concedido à recorrida para a execução da obra), o dono da obra e a recorrente acordaram na suspensão da empreitada e, consequentemente, da subempreitada, com fundamento na situação pandémica, na alteração das medidas das madeiras a fornecer e na dificuldade de obtenção da madeira certificada (n.ºs 20 e 21).

Refira-se ainda que o excerto das declarações de parte do legal representante da recorrida que a recorrente transcreve nas suas alegações se encontra descontextualizado. O depoente foi muito claro a identificar o erro do caderno de encargos sobre a altura das longarinas como a causa do atraso na execução da obra, explicando convincentemente porquê. Ao contrário do que a recorrente sugere nas suas alegações, ao censurar o tribunal a quo por ter formado a sua convicção unicamente com base nas declarações de parte do legal representante da recorrida, tais declarações não foram contrariadas pelos depoimentos das testemunhas Tânia Pereira e Sónia Cardoso. Qualquer destas testemunhas demonstrou pouca memória de pormenores importantes do que se passou com a obra dos autos, sendo, assim, compreensível que o tribunal a quo tenha secundarizado os seus depoimentos. O pouco de que se lembravam não contraria a versão da recorrida. Nomeadamente, é pacífico que, tal como as testemunhas afirmaram, a execução da obra parou devido à falta do material para o efeito necessário. Sobre a causa dessa falta de material, nenhuma das testemunhas demonstrou conhecimento. Tânia Pereira afirmou muito claramente que não se recordava, sequer, se o caderno de encargos continha algum erro, o que evidencia a sua falta de memória sobre esta matéria.

Concluindo este ponto, carece de fundamento a alteração pretendida pela recorrente.

2.7. A recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado da matéria de facto provada, que «A recorrida, não obstante a diferença de medida da madeira, podia concluir a obra adaptando a solução de um calço por baixo da peça de 10 para subi-la 2 cm». Cremos que a recorrente pretende dizer «adoptando» e não «adaptando», sob pena de a frase não fazer sentido.

Estamos perante matéria conclusiva, pois pressupõe a determinação, em função do disposto na lei e do estipulado no contrato de subempreitada, do conteúdo da prestação principal a cuja realização a recorrida se vinculou. Ou seja, apenas poderá concluir-se que a recorrida «podia» executar a obra através da colocação de calços sob as longarinas, de forma a subi-las 2 cm, mediante a interpretação da lei e do contrato de subempreitada. Isto evidencia que não estamos perante factos, mas sim perante uma conclusão, dependente da análise jurídica da causa. Daí que tal matéria não possa ser levada, nem ao enunciado dos factos provados, nem ao dos factos não provados.

2.8. A recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado da matéria de facto provada, que «A suspensão da obra teve como principal fundamento a tolerância dada à ré para concluir a obra, de forma a não lhe causar ainda mais prejuízos».

A prova produzida não sustenta, de todo, esta pretensão da recorrente. Nomeadamente, nenhuma das testemunha se pronunciou, sequer, sobre as razões da suspensão da obra.

2.9. A recorrente pretende que seja aditado, ao enunciado da matéria de facto provada, que «As madeiras e o deck só chegaram a Portugal e à obra no início de outubro de 2021, em virtude dos atrasos na vinda do material motivados pela ré».

A falta de prova da correspondência desta alegação com a realidade já ficou demonstrada em 2.5 e 2.6. Para aí remetemos.

2.10. Concluindo, a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto deverá manter-se na íntegra.

3 – Responsabilidade civil contratual da recorrida:

Com vista a sustentar a sua tese de que a recorrida devia ter sido condenada a pagar-lhe a quantia peticionada, a recorrente invoca uma multiplicidade de argumentos, que passamos a analisar.

3.1. Segundo a recorrente, a recorrida devia ter sido condenada, além do mais, a restituir-lhe o valor do adiantamento, por si efectuado, referido nos n.ºs 8 e 35 da matéria de facto provada, por duas razões: 1) Estando provado que a recorrida executou apenas uma parte da obra, a não restituição daquele valor à recorrente determinaria um enriquecimento sem causa da primeira; 2) No artigo 92.º da contestação, a recorrida confessa-se devedora do mesmo valor, o que tem de ser valorado nos termos e para os efeitos do artigo 352.º do CC.

Recordamos o que, no ponto 1 da presente fundamentação, afirmámos acerca da causa de pedir desta acção. A única causa de pedir invocada pela recorrente é a responsabilidade contratual da recorrida, decorrente de uma alegadamente culposa inexecução integral da obra. A recorrente não invoca como causa de pedir, ainda que subsidiária, o enriquecimento sem causa da recorrida em consequência da cessação do contrato sem a devolução, por esta, da quantia recebida a título de adiantamento. Os pressupostos da obrigação de restituição fundada em enriquecimento sem causa, diversos dos da obrigação de indemnização por responsabilidade contratual, não se encontram alegados na petição inicial.

Ao delimitar a causa de pedir nos termos expostos, a recorrente circunscreveu, em igual medida, os poderes de cognição do tribunal a quo. Este apenas podia condenar a recorrida com fundamento em responsabilidade civil contratual, pelo que, não se verificando os pressupostos desta, a acção tinha de improceder, ainda que, no plano substantivo, existisse outro título jurídico para uma deslocação patrimonial da esfera jurídica da recorrida para a da recorrente. Se o tribunal a quo tivesse condenado a recorrida a restituir qualquer quantia à recorrente a título de enriquecimento sem causa, estaria a violar o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, com a consequente nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia, nos termos da 2.ª parte da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do mesmo código.

Portanto, em caso algum o tribunal a quo poderia ter condenado a recorrida a restituir qualquer quantia à recorrente a título de enriquecimento sem causa, com ou sem confissão, fosse de que facto fosse, por parte da primeira.

3.2. A recorrente sustenta que a divergência entre a altura das longarinas prevista no caderno de encargos e a das longarinas pré-existentes não justifica o atraso na execução da obra, porquanto ficou «claramente demonstrado através da prova testemunhal produzida que a empreitada podia ser concluída com a diferença de medida da madeira».

Aquilo que ficou demonstrado é o que consta do enunciado dos factos provados. Releva o conteúdo dos n.ºs 13, 15, 16 a 19, 23 e 24. Resumidamente: o caderno de encargos previa que as longarinas a instalar tivessem a altura de cerca de 10 cm; a recorrida encomendou o material necessário para a execução da obra de acordo com o estabelecido no caderno de encargos; ao iniciar a execução da obra, a recorrida apercebeu-se da desconformidade entre a altura das longarinas constante do caderno de encargos e a das longarinas pré-existentes; em face dessa desconformidade, a recorrida viu-se obrigada a cancelar a encomenda, já feita, de 3.000 metros lineares de longarinas com 10 cm de altura, substituindo-a por uma encomenda de 3.000 metros lineares de longarinas com 12 cm de altura; para aproveitar a madeira já em obra, a recorrente foi fazendo trabalhos de adaptação para a colocação das ripas, através da colocação de calços de 2 mm no suporte de cada ripa, o que implicou mais tempo e custos de mão de obra adicionais; devido à falta de material, a recorrida não pôde prosseguir com a execução da obra; ao longo da execução da obra, a recorrida foi mantendo contactos com a recorrente, explicando os motivos dos atrasos.

Em face desta matéria de facto, é evidente que a tese da recorrente segundo a qual a recorrida podia ter executado a totalidade da obra com longarinas de 10 cm de altura não faz sentido.

A compensação da diferença de 2 cm entre a altura das longarinas encomendadas em conformidade com o caderno de encargos (10 cm) e aquela que seria a altura correcta (12 cm), através da colocação de calços, foi uma solução de recurso, visando aproveitar a madeira já em obra, e implicou o dispêndio de mais tempo e custos de mão de obra adicionais. Não era exigível, à recorrida, executar a totalidade da obra dessa forma, ao menos sem alterar o contrato de subempreitada em conformidade, para cobrir o acréscimo dos custos a cargo daquela. Por outras palavras, não era exigível, à recorrida, executar a obra de forma diversa da prevista, mais onerosa para si, devido a um erro de materiais que, por ter tido origem na deficiente elaboração do caderno de encargos, não lhe era imputável.

Por outro lado, a posição agora assumida pela recorrente, no sentido de censurar a recorrida por não ter continuado a executar a obra pelo método acima descrito, constitui um verdadeiro venire contra factum proprium. Ao longo da execução da obra, a recorrida foi mantendo contactos com a recorrente, explicando os motivos dos atrasos na execução da obra. Em momento algum a recorrente sugeriu à recorrida que executasse a obra com longarinas de 10 cm de altura e calços para compensar a diferença de 2 cm em relação à altura das longarinas pré-existentes. Em momento algum a recorrente se mostrou disponível para renegociar o contrato de forma a compensar o acréscimo de custos que essa solução acarretava para a recorrida. Se a recorrente pretendia que a obra fosse executada pela forma descrita, era a si que cabia a iniciativa de o propor à recorrida, pois o erro não foi desta. Não o tendo feito, não pode, agora, censurar a recorrida por não ter executado a obra com longarinas de 10 cm de altura por sua própria iniciativa. Repetimos, o contrato de subempreitada não vinculava a recorrida a executar a obra nos termos agora reclamados pela recorrente.

3.3. Argumenta a recorrente que, mediante o exame que fez ao local da obra, a recorrida pôde examinar todas as condicionantes desta. Nomeadamente, a recorrida teve oportunidade para efectuar medições e para verificar o material de que necessitava. Não obstante, mostrou-se disponível para executar a obra. Daí que, na tese da recorrente, a desconformidade entre a altura das longarinas primeiramente encomendadas e aquela que era necessária para a boa execução da obra, bem como o atraso nessa execução que daí resultou, sejam imputáveis à recorrida.

Este argumento não procede.

O caderno de encargos, ao qual, de acordo com o «considerando» c) e a cláusula 1.ª do contrato de subempreitada, a recorrida devia estrita obediência, foi elaborado pelo dono da obra e apresentado à recorrida pela recorrente, atenta a posição que cada uma destas ocupava naquele contrato.

Ao contrário do que a recorrente sustenta, não cabia à recorrida confirmar a exactidão do conteúdo do caderno de encargos, nomeadamente no que concerne às características dos materiais necessários para a execução da obra. Devendo o caderno de encargos ser elaborado por pessoas com capacidade técnica para o fazerem, os seus destinatários, nomeadamente um subempreiteiro, não podem ser censurados por confiarem que o mesmo não contenha erros, para mais numa matéria absolutamente fundamental para a execução da obra como era a altura das longarinas.

É evidente que, se o erro do caderno de encargos fosse ostensivo, a recorrida teria o dever, decorrente do princípio da boa fé (artigo 227.º, n.º 1, do CC), de alertar a recorrente para o mesmo, em vez de encomendar material manifestamente inadequado para a realização da obra e, depois, escudar-se na conformidade deste com o caderno de encargos para justificar atrasos. Todavia, a desconformidade da altura das longarinas que se verificou no caso dos autos não era ostensiva. Estamos a falar de uma diferença de apenas 2 cm, ou seja, de 20% da altura das longarinas. Tratava-se de uma diferença suficientemente grande para inviabilizar a execução da obra nos termos previstos, mas demasiadamente pequena para poder ser considerada ostensiva. Só se, durante o exame prévio ao local da obra, quem representou a recorrida andasse, de fita métrica na mão, a confirmar todas as medidas constantes dos documentos elaborados pelo dono da obra, nomeadamente do caderno de encargos, poderia aperceber-se daquela diferença de 2 cm. Não nos parece que isso fosse exigível. Pelo contrário, seria até caricato. Nessa ordem de ideias, até a extensão do passadiço teria de ser medida nessa ocasião.

Nada disto faria sentido. A recorrida confiou, justificadamente, que o caderno de encargos não contivesse um erro tão grosseiro como uma diferença de 20% na altura das longarinas. Daí que careça de fundamento assacar-lhe culpa pela existência daquela divergência e pelo atraso na execução da obra que a mesma causou.

3.4. A recorrente argumenta que a recorrida não demonstrou em que medida a desconformidade entre a altura das longarinas consignada no caderno de encargos e aquela que era requerida para a correcta execução da obra retardou a execução desta.

A matéria de facto provada desmente categoricamente esta afirmação.

Resulta dos n.ºs 16 a 18 que, após a assinatura do contrato, a recorrida encomendou longarinas e parte do deck com as medidas que constavam nos documentos apresentados pela recorrente; esse material chegou em Maio de 2021; ao iniciar a execução da obra, a recorrida apercebeu-se da desconformidade da altura das longarinas; essa desconformidade obrigou a recorrida a cancelar a encomenda, já feita, de 3.000 metros lineares de longarinas com 10 cm de altura e a substituí-la por uma nova encomenda, de 3.000 metros lineares de longarinas com 12 cm de altura; isto implicou um atraso de cerca de dois meses.

Está, assim, demonstrado em que medida o erro constante do caderno de encargos sobre a altura das longarinas retardou a execução da obra. Erro esse que, novamente salientamos, não é imputável à recorrida.

3.5. A recorrente sustenta que a alegação genérica da situação de pandemia que se viveu na época da realização da obra, sem a demonstração de quaisquer reflexos nas várias etapas do fornecimento de bens e serviços, não é apta a fazer operar a cláusula de força maior prevista no contrato de subempreitada.

Não vemos pertinência na invocação desta questão no presente recurso, pois não foi com fundamento na cláusula 7.ª do contrato de subempreitada que o tribunal a quo julgou a acção improcedente. Não existe, na sentença recorrida, qualquer referência a esta cláusula.

3.6. A recorrente sustenta que não é aplicável ao caso dos autos o instituto da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, consagrado nos artigos 437.º a 439.º do CC.

Não vemos pertinência na invocação desta questão no presente recurso, porquanto também não foi com fundamento naquele instituto que o tribunal a quo julgou a acção improcedente.

3.7. A recorrente argumenta que a recorrida «não clarificou as dificuldades que encontrou na procura da matéria prima, pelo que a sentença recorrida nunca poderia apenas cingir-se à circunstância da desconformidade da medição e deixar de analisar toda a restante prova documental com reflexo nas circunstâncias em que poderia assentar a execução da obra».

Mais uma vez, a recorrente perde-se em questões sem relevância para a decisão do recurso. O tribunal a quo absolveu a recorrida do pedido com fundamento no erro do caderno de encargos sobre a altura das longarinas, erro esse que teve as consequências anteriormente descritas. A sentença recorrida mencionou a conjuntura pandémica que na época se vivia como um mero factor suplementar de dificuldade na resolução da situação de falta de material adequado para a execução da obra, o que pode, sem esforço, ser considerado um facto notório. A generalidade das pessoas recorda-se bem dos enormes constrangimentos que a pandemia provocou a todos os níveis da vida económica e social, nomeadamente no comércio internacional de mercadorias. Transcrevemos a parte pertinente da sentença recorrida, que não podia ser mais clara:

«(…) a obra a cargo da autora foi atrasada na sua execução em razão da desconformidade do conteúdo do caderno de encargos que a Ré se obrigou a respeitar.

Com efeito, a elaboração do caderno de encargos e a sua conformidade com a realidade da obra é circunstância que escapa totalmente ao controlo e domínio da Ré.

Não é a Ré quem tem de se certificar de que o caderno de encargos está de acordo com as necessidades da obra.

A Ré somente tem o dever de cumprir o que está determinado no caderno de encargos.

Ora, constatando-se um erro nas menções constantes do caderno de encargos, não pode imputar-se à Ré a responsabilidade pelos transtornos e atrasos daí decorrentes.

Em 23-06-2021 (uma semana antes do final do prazo concedido à Ré para a execução da obra), o Dono da Obra (Município de Faro) e a Autora (Empreiteiro), acordaram na suspensão da empreitada e, consequentemente, da subempreitada, com fundamento na situação pandémica, na alteração das medidas das madeiras a fornecer e na dificuldade de obtenção da madeira certificada.

Ora, a Ré manteve a preocupação em contornar as dificuldades encontradas, iniciando a obra, fazendo ajustes ao programa inicialmente definido, até ao ponto em que não lhe foi possível mais continuar por falta da matéria prima que só veio a receber em outubro de 2021.

Tudo isto teve uma só origem que recai na desconformidade do caderno de encargos com a realidade existente no terreno em associação com as razões conjunturais invocadas aquando do acordo de suspensão da obra operada em 23-06-2021 (situação pandémica, dificuldade de obtenção de matérias primas).

(…)

Posto isto, considerando tudo o que resultou provado nos autos, somente resta concluir que, por razões não imputáveis à Ré, esta ficou impossibilitada de realizar os trabalhos na obra.»

Nada mais há a «clarificar», com utilidade para a decisão do recurso, sobre as dificuldades que a recorrida encontrou na procura da matéria prima. À semelhança do tribunal a quo, consideramos que a matéria de facto provada impõe a conclusão de que a causa do atraso na execução da obra foi a necessidade de, em consequência do erro que constava do caderno de encargos, a recorrida se ter visto obrigada a cancelar a encomenda que em devido tempo fizera e a fazer nova encomenda. Tudo indica que, se aquele erro não tivesse existido, a recorrida teria executado a obra sem qualquer problema.

3.8. É irrelevante saber se a obra foi concluída por outro subempreiteiro «num curto espaço de tempo». Desde logo, a recorrente não especifica o que entende por «curto espaço de tempo». Por outro lado, desconhecemos as circunstâncias em que esse subempreiteiro se encontrava quando entrou na obra, nomeadamente se tinha o material necessário para a execução desta em armazém. Seja como for, os factos que se provaram sobre a forma como a subempreitada dos autos decorreu bastam para concluir que o atraso verificado não é imputável à recorrida.

3.9. A recorrente suscita a questão de a recorrida apenas ter iniciado a execução da obra 18 dias depois do que fora acordado, o que constituiria, por si só, um incumprimento do contrato de subempreitada e determinaria a aplicação do n.º 4 da sua cláusula 2.ª, segundo a qual, «Em caso de atraso na execução dos trabalhos deste contrato, levando a risco de incumprimento dos respetivos prazos de execução e/ou dos prazos de execução da Empreitada, deverá o subempreiteiro reforçar os meios empregues em obra ou aumentar o período de duração diária da sua utilização e ainda, a laborar a sábados, domingos e feriados, sem que por esse facto resulte aumento de encargos ou assunção de quaisquer outras responsabilidade para o primeiro contratante». A recorrente censura a recorrida por nunca ter diligenciado no sentido de reforçar os meios empregues de modo a cumprir os prazos acordados.

É evidente a falta de razão da recorrente. A razão do atraso na execução da obra, que determinou a paragem desta durante um longo período, foi a falta de material adequado, não de mão-de-obra. Daí que carecesse de sentido «reforçar os meios empregues de modo a cumprir com os prazos acordados».

3.10. A recorrente invoca uma «ineficiente» execução da obra por parte da recorrida, decorrente de a madeira que iria ser fornecida não ser ranhurada e de os parafusos não apanharem os sítios dos calços. Trata-se de matéria que não consta do enunciado dos factos provados, o que, por si só, determina a improcedência deste argumento.

3.11. A recorrente insurge-se contra a não condenação da recorrida a pagar-lhe a quantia de € 17.825, correspondente a uma multa contratual que lhe aplicou com fundamento em atraso culposo na execução da obra. A recorrente engloba essa quantia nos prejuízos cujo ressarcimento pretende.

Como vimos anteriormente, o atraso na execução da obra não se deveu a culpa da recorrida, o que tem efeitos a dois níveis: 1) A aplicação da referida multa contratual carece de fundamento, pelo que a referida quantia não é devida; 2) A recorrida não incorreu em responsabilidade contratual, pelo que não se encontra obrigada a indemnizar os prejuízos que para a recorrente tenham resultado do atraso na execução da obra.

3.12. Concluindo, a sentença recorrida não merece censura, devendo o recurso ser julgado improcedente.

*

Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Notifique.

*

Évora, 11.04.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.ª adjunta)

(2.º adjunto)


Acórdão da Relação de Évora de 23.05.2024

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