quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Acórdão da Relação de Évora de 06.12.2018

Processo n.º 9196/17.1T8STB.E1

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Dano não patrimonial.

Montante da indemnização.

Agressão com faca.

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Relatório

AAA propôs a presente acção declarativa, sob a forma comum, contra BBB, pedindo a condenação deste a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 15.464,60, sendo € 15.000 por danos não patrimoniais e o restante por danos patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

O réu foi citado e não contestou, pelo que foram julgados confessados os factos alegados pelo autor.

Ambas as partes ofereceram alegações.

Em seguida, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o réu a pagar ao autor a quantia de € 3.714,60, acrescida de juros vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento.

O autor recorreu da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. O recorrente instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o recorrido BBB, através da qual peticionou a condenação deste no pagamento da quantia global de € 15.464,60 (quinze mil quatrocentos e sessenta e quatro euros e sessenta cêntimos), dos quais € 15.000,00 (quinze mil euros) por danos não patrimoniais e € 464,50 (quatrocentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) por danos patrimoniais.

2. Apesar de se encontrar devidamente citado, o recorrido não contestou.

3. Face à ausência de contestação, o tribunal recorrido considerou confessados os factos articulados na petição inicial, de acordo com o disposto no art. 567.º, n.º 1 do C.P.C..

4. O tribunal recorrido teve em consideração a prova documental apresentada pelo ora recorrente, nomeadamente: a certidão judicial extraída dos autos de processo comum singular, que correu termos sob o n.º 853/12.0GDSTB, Juízo Local Criminal de Setúbal, J4 do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (sentença condenatória transitada em julgado no dia 11 de Abril de 2016, termo de entrega, relatório de urgência para a polícia, relatório completo de episódio de urgência, relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, relatório médico), factura/recibo, de fls. 43/45, folha terapêutica de fls. 45, consulta externa, de fls. 45v, marcação de consulta externa, de fls. 46 e certidão de fls. 49.

5. O tribunal a quo julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e condenou o recorrido a pagar ao recorrente uma indemnização no montante global de € 3.714,60 (três mil setecentos e catorze euros e sessenta cêntimos), sendo € 214,60 (duzentos e catorze euros e sessenta cêntimos) por danos patrimoniais sofridos e € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais.

6. Considerou o tribunal de primeira instância estarem verificados todos os pressupostos inerentes à verificação da responsabilidade civil, de acordo com o disposto no art. 483.º, n.º 1 do Código Civil.

7. Face à quantia arbitrada pelo tribunal recorrido, a título de danos não patrimoniais, em concreto, € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), por referência ao montante de € 15.000,00 (quinze mil euros) peticionado pelo recorrente, a decisão proferida peca por defeito, porquanto a indemnização arbitrada no que concerne aos danos de natureza não patrimonial deveria ter sido superior à arbitrada.

8. Sem prejuízo de uma discussão anteriormente ocorrida, o recorrido encontrava-se munido de uma navalha, cujas características não foi possível apurar, desferiu 3 (três) facadas no corpo do recorrente (vd. factos provados sob os n.ºs 1 e 2 da sentença recorrida).

9. Tais facadas atingiram o recorrente no braço, por baixo da axila esquerda e na zona abdominal do lado esquerdo (vd. facto provado sob o n.º 2).

10. Na sequência dos golpes de navalha com o que foi atingido pelo recorrido, o recorrente caiu ao chão, tendo ficado imobilizado no local, por não se estar a sentir bem (vd. facto provado sob o n.º 3).

11. Depois da referida agressão, o recorrente caiu ao chão e o recorrido, após lhe ter dirigido a expressão: «Agora vou-te roubar o veículo», introduziu-se no veículo propriedade daquele, e conduzindo-o, abandonou o local (vd. factos provados sob os n.ºs 4, 5 e 6).

12. Face ao seu estado debilitado, o recorrente teve necessidade de ser transportado para o Hospital de São Bernardo, em Setúbal, pelos Bombeiros Voluntários de Palmela, onde ficou registado com o episódio de urgência n.º 12077393 (vd. facto provado sob o n.º 7).

13. Em virtude das agressões sofridas, o recorrente sofreu perda de consciência e traumatismo do tórax e abdómen e feridas corto-perfurantes ao nível do tórax e abdómen (vd. factos provados sob os n.ºs 8 e 9).

14. No tórax, o recorrente apresentava as seguintes sequelas: cicatriz nacarada, com sinais de sutura, na face lateral esquerda do tórax, na linha axilar anterior e a nível mamilar horizontal, que mede 2 com de comprimento (vd. facto provado sob o n.º 10).

15. No abdómen, o recorrente apresentava cicatriz avermelhada, com sinais de sutura, no quadrante esquerdo, oblíqua para baixo e para a direita, que mede 4 cm de comprimento, com ligeira depressão no terço proximal da cicatriz (vd. facto provado sob o n.º 11).

16. As lesões referidas causaram ao recorrente 50 (cinquenta) dias de doença, com igual tempo de incapacidade para o trabalho geral, mas sem afectação da capacidade de trabalho profissional (vd. facto provado sob o n.º 12).

17. Ao agir do modo indicado, o recorrido agiu voluntária e conscientemente, sabendo que atingia o corpo do autor, com um objecto corto-perfurante, aproveitando-se da surpresa da sua actuação, querendo esse resultado, pelo que agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo o carácter proibido das suas condutas (vd. facto provado sob o n.º 13 e 14).

18. Em consequência das lesões mencionadas, o recorrente teve necessidade de ser assistido no Centro Hospitalar de Setúbal, onde lhe foram prestados cuidados médicos (vd. facto provado sob o n.º 16).

19. O recorrido abandonou o veículo automóvel de marca Rover, que sabia ser propriedade do Recorrente, no Bairro dos Marinheiros, junto à Rua das Faias, pelo que houve necessidade de a Guarda Nacional Republicana proceder ao reboque da mesma para o parque de reboques Quintajense, o qual veio a ser entregue à mãe do recorrente no dia 6 de Agosto de 2012 (vd. facto provado sob o n.º 17, 18 e 19).

20. O recorrente era seguido no Instituto Português de Oncologia, em data anterior à da ocorrência dos factos, por neoplasia testicular e tinha uma cirurgia marcada para o dia 07 de Agosto de 2012, que devido à permanência de foco infeccioso a nível do abdómen, teve que ser remarcada (vd. factos provados sob os n.ºs 21 e 22).

21. Sem prejuízo de, entretanto, o recorrente ter sido tratado cirurgicamente à neoplasia, houve necessidade de o médico assistente do I.P.O. fazer limpeza da lesão do autor tendo-lhe colocado um dreno, que se manteve mais de 3 (três) semanas (vd. Factos provados sob os n.ºs 23 e 24).

22. Ainda assim, o recorrente foi novamente referenciado ao Hospital do Barreiro para tratamento da lesão abdominal, uma vez que não poderia iniciar a quimioterapia, com aquele foco infeccioso e por não poder iniciar os tratamentos de quimioterapia no I.P.O. enquanto não tivesse a cicatrização completa da ferida, houve necessidade de lhe ser efectuada no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar do Barreiro, excisão do granuloma e do trajecto fistuloso que atingia o plano muscular intercostal (vd. factos provados sob os n.ºs 25 e 26).

23. O recorrente necessitou de ser medicado com antibiótico e anti-inflamatório; foi seguido em consulta externa de cirurgia geral até Outubro de 2012 e teve que se deslocar ao Centro de Saúde, com frequência, para realização de penso diário (vd. factos provados sob os n.ºs 27, 28 e 29).

24. Somente no dia 29 de Outubro de 2012, o recorrente obteve cicatrização completa, tendo tido alta clínica na referida data (vd. facto provado sob o n.º 30).

25. Em consequência das lesões sofridas, a cirurgia a que o recorrente se iria submeter, teve que ser remarcada (vd. facto provado sob o n.º 31).

26. O recorrente sentiu muitas dores e necessitou de ser medicado para que terminasse a infecção (vd. factos provados sob os n.ºs 32 e 33).

27. O tumor que o recorrente tinha no testículo espalhou-se, em consequência de todo o tempo de espera e entretanto decorrido até que fosse operado (vd. facto provado sob o n.º 36).

28. Também em consequência das lesões provocadas pelo recorrido, o recorrente passou a queixar-se, frequentemente, de dores agudas; passou a sentir-se muito entristecido e com um aspecto mais frágil e bastante preocupado, por força do atraso da cirurgia a que necessitava de ser submetido (vd. factos provados sob os n.ºs 37, 38 e 39).

29. O atraso da referida cirurgia acarretou perigo para o estado de saúde do recorrente, podendo, inclusive, acarretar-lhe perigo para a vida (vd. factos provados sob os n.ºs 40 e 41).

30. O recorrente sofreu um dano temporário, nomeadamente até à data da consolidação médico-legal das lesões, tendo ficado sujeito a dores, físicas e psíquicas, desde a data em que foi agredido.

31. Em consequências das agressões sofridas, o recorrente foi obrigado a sujeitar-se a vários tipos de tratamentos, ao adiamento da cirurgia por neoplasia, inicialmente agendada, tendo que fazer constantes deslocações para as diversas unidades hospitalares – vd. sentença recorrida.

32. Em consequência das facadas infligidas pelo recorrido, o recorrente sofreu dores e ficou com cicatrizes no braço e por baixo da axila.

33. A indemnização fixada pelo tribunal a quo, no que se refere aos danos não patrimoniais, e fixada em € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), afigura-se manifestamente insuficiente.

34. A acção objecto deste recurso ser julgada totalmente procedente, na parte referente aos danos não patrimoniais, e o recorrido deve ser condenado a pagar ao recorrente a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), em detrimento do montante de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), fixado pelo tribunal a quo.

35. Foram violadas as normas constantes dos arts. 483.º e 496.º do Código Civil.

Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e a douta sentença proferida, revogada, apenas na parte de que se recorre e substituída por decisão que julgue a acção totalmente procedente, no que se refere ao valor a ser fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais, peticionado em € 15.000,00. Por ser da mais elementar Justiça.

O recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

A) O recurso interposto pelo recorrente resulta do facto deste não se conformar com a sentença proferida pelo tribunal a quo no segmento relativo aos danos não patrimoniais;

B) A sentença em causa não merece qualquer reparo;

C) A decisão consubstanciada na sentença está devidamente fundamentada;

D) A quantia indemnizatória que o Meritíssimo Juiz a quo entendeu fixar resulta de um prudente juízo;

E) O Código de Processo Civil regula, claramente, os aspectos relevantes com vista à fixação da indemnização neste tipo de situações;

F) O Meritíssimo Juiz a quo teve em atenção, na fixação da sentença, o princípio da equidade;

G) Na elaboração da sentença o Juiz a quo ponderou todos os elementos necessários relativos às circunstâncias envolventes do caso;

H) A indemnização alcançada foi equacionada com objetividade e respeitou a conjugação do princípio da equidade com o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica, a do lesado e todos os aspetos relativos ao caso sub judice;

I) A filosofia que preside ao ressarcimento dos danos morais, no nosso ordenamento jurídico, é de que esta funciona como uma compensação e não em termos de indemnização propriamente dita;

J) A sentença fez uma correta análise do caso em crise valorizando conveniente e corretamente os aspetos relativos ao quantum doloris, nomeadamente no que pode ser considerado como o dano estético com respeito do artigo 563.º do Código Civil.

Termos em que deverá o presente recurso ser considerado improcedente por não provado e, como tal, manter-se a douta sentença ora recorrida com o que se fará a costumada Justiça.

O recurso foi admitido.

Objecto do recurso

Tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, que definem o objecto deste e delimitam o âmbito da intervenção do tribunal de recurso, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, a única questão a resolver consiste em saber se a indemnização por danos não patrimoniais deve fixada em montante superior a € 3.500.

Factualidade apurada

Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. Na madrugada ou manhã do dia 02.08.2012, a hora não concretamente apurada, mas antes das 09:30h, junto ao café sito na Quinta da Marquesa III, em Palmela, autor e réu circulavam no veículo de marca Rover, matrícula XX-XX-XX, quando no decurso de uma discussão resolveram sair para a via pública;

2. De imediato, o réu, porque se encontrava munido de uma navalha, cujas características não foi possível apurar, desferiu 3 (três) facadas no corpo do autor, que o atingiram no braço, por baixo da axila esquerda e ainda na zona abdominal do lado esquerdo;

3. Na sequência dos golpes de navalha com o que foi atingido pelo réu, o autor caiu ao chão, tendo ficado imobilizado no local, por não se estar a sentir bem.

4. Após a agressão, o autor caiu no chão, altura em que o réu lhe dirigiu a seguinte expressão: «Agora vou-te roubar o veículo»;

5. Seguidamente, o réu introduziu-se no interior do descrito veículo, de marca Rover, com a matrícula XX-XX-XX e abandonou o local, conduzindo o mesmo;

6. O referido veículo automóvel, de marca Rover, matrícula XX-XX-XX, era propriedade do autor;

7. Por se encontrar muito debilitado, o autor teve necessidade de ser transportado para o Hospital de São Bernardo, em Setúbal, pelos Bombeiros Voluntários de Palmela, onde ficou registado com o episódio de urgência n.º (…);

8. Em consequência das agressões sofridas, o autor sofreu perda de consciência e traumatismo do tórax e abdómen e,

9. Feridas corto-perfurantes ao nível do tórax e abdómen;

10. No tórax o autor apresentava as seguintes sequelas: cicatriz nacarada, com sinais de sutura, na face lateral esquerda do tórax, na linha axilar anterior e a nível mamilar horizontal, que mede 2 cm de comprimento;

11. E, no abdómen, o autor apresentava cicatriz avermelhada, com sinais de sutura, no quadrante esquerdo, oblíqua para baixo e para a direita, que mede 4 cm de comprimento, com ligeira depressão no terço proximal da cicatriz;

12. Tais lesões causaram ao autor 50 (cinquenta) dias de doença, com igual tempo de incapacidade para o trabalho geral, mas sem afectação da capacidade de trabalho profissional;

13. Ao agir da forma supra descrita, o réu agiu voluntária e conscientemente, sabendo que atingia o corpo do autor, com um objecto corto-perfurante, aproveitando-se da surpresa da sua actuação, querendo esse resultado;

14. O réu bem sabia que o veículo automóvel supra referido era propriedade do autor;

15. O réu agiu livre, voluntária conscientemente, conhecedor do carácter proibido das suas condutas;

16. Em virtude das lesões descritas, o autor foi assistido no Centro Hospitalar de Setúbal, onde lhe foram prestados cuidados médicos;

17. O réu abandonou o veículo automóvel de marca Rover no Bairro dos Marinheiros, junto à Rua das Faias;

18. A Guarda Nacional Republicana procedeu ao reboque da mesma para o parque de reboques Quintajense;

19. O veículo automóvel foi entregue à mãe do autor no dia 6 de Agosto de 2012;

20. Pelo reboque do veículo automóvel, o autor suportou o custo de € 73,80 (setenta e três euros e oitenta cêntimos);

21. Em data anterior à da ocorrência dos factos, o autor era seguido no I.P.O. (Instituto Português de Oncologia) de Lisboa, por neoplasia testicular;

22. O A. tinha cirurgia marcada para o dia 07 de Agosto de 2012, remarcada devido à permanência de foco infeccioso a nível do abdómen;

23. O médico assistente do I.P.O. fez limpeza da lesão do autor tendo-lhe colocado um dreno, que se manteve mais de 3 (três) semanas;

24. O autor foi, entretanto, tratado cirurgicamente à neoplasia;

25. No entanto, o autor foi referenciado novamente ao Hospital do Barreiro para tratamento da lesão abdominal, uma vez que não poderia iniciar a quimioterapia, com aquele foco infeccioso;

26. Em virtude de o não poder iniciar os tratamentos de quimioterapia no I.P.O. enquanto não tivesse a cicatrização completa da ferida, teve que lhe ser efectuada no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar do Barreiro, excisão do granuloma e do trajecto fistuloso que atingia o plano muscular intercostal;

27. O autor foi medicado com antibiótico e anti-inflamatório;

28. E foi seguido em consulta externa de cirurgia geral até Outubro de 2012;

29. E teve que se deslocar ao centro de saúde, com frequência, para realização de penso diário;

30. Apenas em 29 de Outubro 2012 obteve cicatrização completa, tendo tido alta clínica na referida data;

31. Em virtude das lesões sofridas, a cirurgia a que o autor se iria submeter, foi remarcada;

32. O autor sentiu muitas dores;

33. Necessitou de ser medicado, para que terminasse a infecção;

34. Com a medicação que teve que adquirir, o autor despendeu, pelo menos, € 50,00 (cinquenta euros);

35. O autor suportou o custo inerente a todas as despesas de deslocação efectuadas para o Centro Hospitalar do Barreiro, para o I.P.O e para o Centro de Saúde da Quinta da Lomba em montante não inferior a € 50,00 (cinquenta euros);

36. Em consequência de todo o tempo de espera, e decorrido até que fosse que operado, o tumor que o autor tinha no testículo, espalhou-se.

37. Em consequência das lesões provocadas pelo réu, o autor passou a queixar-se, frequentemente, de dores agudas;

38. Passou a sentir-se muito entristecido e com um aspecto mais frágil;

39. E bastante preocupado, por força do atraso da cirurgia a que necessitava de ser submetido;

40. O atraso da referida cirurgia acarretava perigo para o estado de saúde do autor;

41. Podendo, inclusive, acarretar-lhe perigo de vida.

Fundamentação

O recorrente sustenta que a indemnização atribuída pelo tribunal a quo para compensação dos danos não patrimoniais, no montante de € 3.500, é insuficiente, pretendendo que a mesma seja aumentada para € 15.000.

O n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil estabelece que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito. A primeira parte do n.º 4 do mesmo artigo dispõe que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, a saber, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

O caso sub judice apresenta particularidades que, ressalvando naturalmente o devido respeito por entendimento diverso, justificam a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais superior a € 3.500.

Tenha-se em conta, desde logo, o grau de culpabilidade do agente. Não estamos perante uma hipótese em que as lesões tenham sido causadas por negligência, como vulgarmente acontece em acidentes de viação. Em vez disso, estamos perante a prática, pelo recorrido, de um crime violento contra a integridade física do recorrente, mediante a utilização de um meio especialmente perigoso, como é uma navalha, para o atingir no tórax e no abdómen, onde se localizam órgãos vitais. O recorrido agiu com dolo directo e muito intenso, que subsistiu para lá da própria consumação do crime de ofensa à integridade física, já que, mesmo depois de o recorrente, em consequência das navalhadas, estar caído no chão, imobilizado, aquele não se deu por satisfeito, anunciando que, em seguida, iria «roubar» o veículo deste último e conduzindo efectivamente esse veículo para outro local. Portanto, em matéria de culpabilidade do agente, temos de concluir que estamos perante uma situação bastante grave.

Em si mesmas, as lesões causadas pelo recorrido foram muito significativas, pois resultaram de três navalhadas no tórax e no abdómen. Não estamos, pois, a falar de meros encontrões, bofetadas, socos ou, mesmo, pontapés, como normalmente acontece em situações de agressão corporal. Comprovam a gravidade das lesões os efeitos que as mesmas provocaram: o recorrente caiu no chão, tendo ficado imobilizado no local, por não se estar a sentir bem; por se encontrar muito debilitado, o recorrente teve de ser transportado para o hospital; o recorrente sofreu feridas corto-perfurantes no tórax e no abdómen e perda de consciência; o recorrente sofreu 50 dias de doença, com igual tempo de incapacidade para o trabalho geral, embora sem afectação da capacidade de trabalho profissional.

As lesões causadas pelo recorrido deixaram sequelas: Cicatriz nacarada, com sinais de sutura, na face lateral esquerda do tórax, na linha axilar anterior e a nível mamilar horizontal, com 2 cm de comprimento; no abdómen, cicatriz avermelhada, com sinais de sutura, no quadrante esquerdo, oblíqua para baixo e para a direita, que mede 4 cm de comprimento, com ligeira depressão no terço proximal da cicatriz.

O sofrimento físico e psicológico que o recorrido causou ao recorrente, potenciado pelos graves problemas de saúde de que este último já padecia, foi intenso e prolongado, como resulta dos n.ºs 21 a 33 e 36 a 41 da matéria de facto provada.

Por tudo isto, justifica-se a atribuição, ao recorrente, de uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 8.000.

Decisão

Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente, alterando a sentença recorrida no sentido de fixar a indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente no montante de € 8.000 (oito mil euros).

Custas por recorrente e recorrido na proporção do decaimento de cada um deles.

Notifique.

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Évora, 6 de Dezembro de 2018

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.º adjunto)

(2.ª adjunta)


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