quarta-feira, 13 de maio de 2020
terça-feira, 5 de maio de 2020
Acórdão da Relação de Évora de 23.04.2020
Processo n.º 327/14.4TBABF.E1
*
Sumário:
1 – O lesado por tratamento
dentário defeituoso considera-se indemnizado dos danos patrimoniais daí
resultantes se o lesante e a sua seguradora de responsabilidade civil
suportarem o custo de novo tratamento dentário, realizado por terceiro, que
produza o resultado pretendido.
2 – Nessas circunstâncias,
atribuir-se ao lesado, cumulativamente, uma indemnização de montante
equivalente ao preço que ele pagou pelo tratamento defeituoso, bem como às
despesas de deslocação entre a sua residência (na Irlanda) e o consultório do
lesante (em Portugal), violaria o disposto nos artigos 562.º e 566.º, n.º 2, do Código Civil.
*
Mary Brown propôs
a presente acção declarativa comum contra Dr. Anselmo Vinagre, Unipessoal, Lda.
e Anselmo Mateus Vinagre, pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe: A) A
título de danos patrimoniais, a quantia de € 55.700, referentes à remoção e
colocação de novos implantes e de exames efectuados e pagamento de todos os
exames que a autora venha a realizar para controlar o estado dos implantes que
possui e todas as despesas de deslocação e alojamento que efectuou a Portugal; B)
€ 12.500 a título de danos não patrimoniais; C) As despesas que a autora for
obrigada a suportar, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos, que,
por não se encontrarem ainda apuradas, devem ser consideradas em liquidação de
sentença, ou as apresentadas pela autora até ao encerramento da audiência; D) Juros
vencidos e vincendos, à taxa legal.
O réu Anselmo
Mateus Vinagre contestou, concluindo no sentido da sua absolvição do pedido.
Pediu ainda a condenação da autora em multa e indemnização no montante de €
40.000 por litigância de má-fé. Requereu, finalmente, a intervenção acessória
de AXA Portugal, Companhia de Seguros. S.A..
Na réplica, a
autora, além do mais, ampliou o pedido, nos seguintes termos: A) Despesas
médicas e de tratamento após 18.02.2014: € 500; B) Despesas de tratamento
orçamentadas: € 29.800; C) Danos não patrimoniais sofridos após 18.02.2014: €
2.500; D) Valores devidos pela eliminação ou correcção da cicatriz da face da
autora, só quantificável após a sua remoção ou correcção. Esta ampliação do
pedido foi admitida.
Foi proferido
despacho admitindo a intervenção passiva, mas a título principal, da AXA
Portugal, Companhia de Seguros. S.A., actualmente AGEAS PORTUGAL – Companhia de
Seguros, S.A..
A chamada
contestou, concluindo no sentido da sua absolvição do pedido.
Teve lugar
audiência prévia, na qual foi proferido despacho
saneador, com a identificação do objecto do litígio e o enunciado dos temas de
prova.
Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi
proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou:
A) Os réus Dr. Anselmo Vinagre, Unipessoal, Lda. e Anselmo Mateus Vinagre,
solidariamente, a pagarem à autora, por danos patrimoniais, uma indemnização no
montante de € 4.862;
B) A ré AGEAS
PORTUGAL – Companhia de Seguros, S.A., a pagar à autora:
- Por danos patrimoniais,
uma indemnização no montante de € 43.758, acrescida de juros legais após a
citação, além da quantia, a liquidar, necessária à realização de procedimento
de remoção da cicatriz da hemiface direita;
- A título de
danos não patrimoniais, uma indemnização no montante de € 12.500, acrescida de
juros legais contados desde o dia seguinte ao da notificação da sentença.
A ré AGEAS
PORTUGAL – Companhia de Seguros, S.A. recorreu da sentença, tendo formulado as
seguintes conclusões:
A. Entende a ora
recorrente que a Mm.ª Juiz do tribunal a
quo apreciou de forma incorrecta a prova produzida, pelo que não deveria
ter sido considerado provado o facto elencado sobre o número 60.
B. A ora recorrente
não vislumbra como pôde o tribunal a quo
ter considerado que resultou da prova produzida que a ora recorrida tenha gasto
em deslocações e alojamento em Portugal o montante de € 5.000,00, porquanto não
foi feita qualquer prova, nem documental nem testemunhal, nesse sentido.
C. Assim, deve ser
alterada a matéria de facto considerada como provada, designadamente, o supra
referido número 60, considerando-se o mesmo, na parte referente aos gastos da
ora recorrida com deslocações e alojamento em Portugal, como não provado.
D. De qualquer
forma, mesmo que tal montante tivesse resultado provado dos presentes autos,
tal montante nunca deveria ter sido considerado pelo tribunal a quo como um dano patrimonial.
E. O tribunal a quo, ao decidir condenar a ora recorrente
a pagar à ora recorrida o montante despendido com a realização do primeiro tratamento,
no valor de € 12.500,00, e com as alegadas despesas decorrentes desse mesmo
tratamento, no valor (não provado) de € 5.000,00, não fez uma correcta
aplicação das normas de direto aplicáveis ao caso concreto.
F. Entende a ora recorrente,
com o devido respeito, que o tribunal a
quo não fez uma correta interpretação e aplicação das normas expressamente consagradas
nos artigos 483.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil.
G. De facto, o
valor de € 12.800,00, alegadamente pago pela ora recorrida ao réu Anselmo
Mateus Vinagre, e o valor de € 5.000,00, alegadamente despendido com
deslocações e alojamento em Portugal, não são danos patrimoniais decorrentes do
acto lesivo.
H. Os valores
supra referidos são, tão só e apenas, um custo que a ora recorrida decidiu ter,
não estando a ora recorrente obrigada a reconstituir a situação da ora recorrida
como se o tratamento não tivesse acontecido, mas sim como se os danos não se
tivessem verificado.
I. Assim, a
indemnização a atribuir a título de danos patrimoniais não deve exceder o valor
de € 30.820,00 (correspondente ao montante da condenação inicial subtraído dos
valores de € 12.800,00 e € 5.000,00 – que, insista-se, não são danos
patrimoniais).
J. Relativamente
ao que aos danos não patrimoniais diz respeito, também o montante
indemnizatório atribuído deve ser reduzido, porquanto o mesmo foi fixado
excessivamente e afigura-se manifestamente exagerado perante os danos que
resultaram provados.
K. De facto, deve
ter-se em conta, na atribuição do montante indemnizatório a título de danos não
patrimoniais, um conjunto de factores do caso em concreto e não apenas e tão só
o sofrimento da ora recorrida em termos gerais e a frustração da confiança
depositada no réu médico.
L. Importa
especificar em concreto em que se traduziu o sofrimento da autora.
M. Assim, resta
concluir que o montante atribuído a título de danos não patrimoniais, além de
exagerado, não se encontra devidamente fundamentado.
N. O artigo 496.º
do Cód. Civil estipula no seu nº 1 que “Na fixação da indemnização deve
atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela
do direito.”.
O. Pelo supra
exposto, deverá ser atribuída uma indemnização à ora Recorrida a título de
danos não patrimoniais, mas nunca fixados no valor de € 12.500,00.
P. Face a tudo
quanto ficou exposto, a ora apelante pugna pela alteração da matéria de facto
considerada como provada.
Q. Pugnando
igualmente pela alteração do montante indemnizatório fixado a título de danos
patrimoniais e não patrimoniais, por terem sido atribuídos valores
indemnizatórios excessivos.
A recorrida
contra-alegou, concluindo que:
1 – O recurso
deverá ser rejeitado por extemporaneidade, ao abrigo do disposto no n.º 1 do
artigo 638.º, conjugado com o disposto no n.º 7 do mesmo artigo, bem como com o
disposto no n.º 1 do artigo 640.º, todos do CPC;
2 – Deverá ser
rejeitada toda a impugnação da decisão proferida em 1.ª instância sobre a
matéria de facto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 640.º, por incumprimento do ónus
constante das alíneas a), b) e c) desse preceito legal;
3 – Caso assim não
se entenda, deverá o recurso ser julgado improcedente, por todos os motivos
expostos, quanto ao mérito dos argumentos aduzidos em sede de alegações.
O recurso foi admitido.
Esta Relação proferiu
acórdão que, após julgar o recurso tempestivo, ordenou a baixa dos autos à 1.ª instância para que a Sra. Juíza que
proferiu a sentença recorrida procedesse à reformulação desta indicando o ou os
meios de prova com base nos quais julgou provado que, com deslocações e
alojamento em Portugal, a recorrida despendeu a quantia de € 5.000 (ponto 60 da
matéria de facto provada), analisando-os criticamente nos termos estabelecidos
no n.º 4 do artigo 607.º do mesmo código.
O tribunal a quo procedeu conforme ordenado, tendo
os autos subido novamente ao tribunal ad
quem.
*
As questões a resolver são as seguintes:
1 – Impugnação da decisão
sobre a matéria de facto;
2 – Inclusão, nos danos
patrimoniais, do valor pago pela recorrida ao réu Anselmo Mateus Vinagre como
contrapartida pelo tratamento dentário por este efectuado;
3 – Inclusão, nos danos
patrimoniais, do valor despendido pela recorrida com deslocações e alojamento em Portugal;
4 – Avaliação dos danos
não patrimoniais.
*
Na sentença recorrida,
foram julgados provados os seguintes factos:
Do Dr. Anselmo Mateus Vinagre
e da Dr. Anselmo
Vinagre, Unipessoal, Lda.:
1. Anselmo Mateus Vinagre é médico dentista
com a cédula profissional n.º (…), da Ordem dos Médicos Dentistas, exercendo actividade
na clínica que gira sob o nome comercial de (…).
2. É a Dr. Anselmo Vinagre,
Unipessoal, Lda., gerida pelo réu, seu único sócio, que explora a
clínica (…).
3. A Administração
Regional de Saúde do Algarve, I.P., atribuiu a licença n.º (…) à clínica (…),
tendo como director clínico o Dr. Anselmo Mateus Vinagre, e tem como morada a Rua (…), n.º (…),
8200-276 Albufeira.
4. A Entidade Reguladora
da Saúde, no âmbito das suas competências, identifica como “Prestadores” a
entidade “(…) – Dr.
Anselmo Vinagre, Unipessoal, Lda.”.
5. O réu Anselmo Mateus Vinagre
não controla o processo de fabrico do material usado no exercício da sua actividade.
Da relação entre a autora
e os réus:
6. No dia 19 de Setembro
de 2009, Mary Brown,
a autora, que vive na Irlanda, deslocou-se a Portugal e dirigiu-se à consulta
do Dr. Anselmo
Mateus Vinagre, na Rua (…), 8200-276 Albufeira, na clínica (…), para
obter um esclarecimento especializado sobre os problemas dentários de que
padecia. Este contacto ocorreu na sequência de um seu familiar ter consultado o
mesmo médico dentista e foi também motivado pelo preço mais acessível praticado
em relação aos praticados na Irlanda.
7. Após a consulta de
observação e diagnóstico inicial, onde se efectuou a história clínica da
paciente, o médico dentista requisitou os exames imagiológicos necessários
(ortopantomografia e TAC da maxila e mandíbula com cortes de 1mm).
8. Ao tempo, a autora
tinha na arcada superior os dentes 17 e 26, restaurados, apresentando-se
desdentada a restante arcada superior. Havia perda de osso alveolar, por perda
de periodonto em relação a cada um dos dentes. Na arcada inferior, tinha os
dentes 35, 32, 31, 43, 44 e 47. Os dentes 35, 44, 47, 32 e 31, restaurados; o
dente 35 com perda de osso alveolar e o 47 com alteração na sua posição
intraarcada pela mesialização do mesmo por ausência do dente 46 muito tempo
antes do exame. Usava prótese parcial removível acrílica
superior e inferior.
9. Após analisar a
situação clínica da autora, o médico dentista deu parecer positivo ao que a
mesma lhe solicitara: a colocação de implantes dentários e reabilitação
protética.
10. Os implantes dentários
são dispositivos médicos previamente elaborados (art. 35.º da contestação de Anselmo Mateus Vinagre).
Os implantes escolhidos para o procedimento foram nobel replace. A Nobel Biocare define-se a si própria no site respetivo como
líder mundial no campo das restaurações dentárias implanto-suportadas
inovadoras para todas as indicações, desde um caso unitário até arcadas
completas.
11. O plano de tratamento
de fls. 148 junto pelo réu descreve uma série de procedimentos que terão
incidido (cfr. o tempo verbal usado, em vez do futuro do modo indicativo),
tanto na arcada superior como na arcada inferior, na sua total extensão:
- Não faz menção à
paciente, ora autora, não menciona o nome desta ou qualquer dado identificador
do paciente em causa;
- Não é feita referência à
higiene oral;
- Não tem aposta data nem
está assinado pelo responsável pela sua elaboração;
- Está redigido em língua
portuguesa, idioma que a autora não domina nem percebe.
12. O procedimento de
colocação dos implantes dentários seria sequencial e entre as várias fases a
autora regressaria ao seu país de origem, o que foi explicado à autora.
13. Na mandíbula usaria
uma prótese removível até ao momento da integração, quando se realizaria uma
ponte provisória aparafusada cimentada de arcada inteira como transição para as
pontes definitivas e coroas para os segmentos edentulos na mandibula.
14. O réu também colocaria
uma prótese temporária removível na maxila inicialmente e, à medida que que o
plano de tratamento fosse decorrendo, esta seria rebasada e ajustada, até ao
momento em que fosse possível passar à fase protética, onde seriam então usada
uma prótese provisória retida pelos implantes dentários osteointegrados na
arcada superior.
15. No dia 9 de Novembro
de 2009, a autora veio a Portugal para colocar 6 implantes endoósseos
osteointegrados na maxila.
16. No dia 16 de Dezembro
foi realizada a segunda cirurgia, com a colocação de 5 implantes endósseos
osteointegrados na mandíbula.
17. O réu não planeou as
posições anatómicas da colocação dos implantes, não tendo
sido apresentadas pelo mesmo as guias cirúrgicas para a colocação dos implantes
de acordo com as respetivas posições anatómicas superior e inferior. O tempo inicialmente previsto de 18 meses para a reabilitação
intraoral com implantes endoósseos é excessivo, segundo a leges artis.
18. A distribuição dos
implantes em ambas as arcadas não obedeceram a um critério biológico de forma a
respeitar este princípio na reabilitação protética, tendo em conta que a autora
possuía dentes em ambas as arcadas dentárias. O implante colocado na posição
alveolar compatível com o dente 23 foi colocado numa posição muito para
vestibular no sentido vestíbulo-palatino o qual contribui, por si só, para uma
perda de osteointegração.
19. As moldagens iniciais
ou preliminares são efectuadas para obtenção das próteses provisórias que iriam
ser colocadas no procedimento cirúrgico, por forma a estabelecer a função e
estética adequadas. Estas próteses dentárias são elaboradas pelo técnico de
prótese dentária, com base no molde obtido, e depois colocadas em boca.
20. Anselmo Mateus Vinagre
enviou o molde da dentição (modelos de estudo em gesso) da autora para o
laboratório de próteses para este criar as próteses. Contudo, o talhe não
obedecia aos critérios de preparação dentária para reabilitações fixas –
ausência de critérios de preparo incluindo ausência de convergência do talhe
para oclusal e ausência de critérios de preparo a nível oclusal.
21. Houve nova consulta no
dia 10 de Fevereiro de 2010 para seguimento higienização – controlo de
cicatrização e higiene oral; moldagem em silicone de adição para próteses fixa
superior implantodentosuportada. Nessa altura, o autor detetou nos implantes na
região dos dentes 13 e 23 alterações na osteointegração. De facto, pelo menos
num dos implantes da arcada superior havia ausência de osteointegração. Ainda assim, mantiveram-se as
próteses prostodônticas.
22. No dia 24 de Fevereiro
de 2010, houve nova consulta para higienização – controlo de cicatrização e
higiene. Entrega e colocação em boca de prótese temporária fixa superior, tendo
o réu anotado que os implantes 13 e 23 ainda não apresentavam o mesmo nível de
osteointegração e por isso não foram colocados em carga nesta fase. Não houve tratamento perante o diagnóstico de ausência de
osteointegração.
23. As próteses dentárias
provisórias necessitaram de ajustes oclusais e no rebordo vestibular.
24. Foi devido a uma
discrepância de cerca de 1,5mm na oclusão (modo como a arcada superior encaixa
na arcada inferior) e que motivou o desgaste que foi feito nas próteses com o
objectivo de ficarem em consonância anatómica.
25. Foi realizada nova
consulta de controlo no dia 2 de Março de 2010.
26. Foi marcada nova
consulta de avaliação para o dia 19 de Abril de 2010.
27. Como previsto, no dia
19 de Abril de 2010, a autora voltou a Portugal para consulta.
28. Realizaram-se novas
impressões para as próteses provisórias, que iriam fazer a transição para as
definitivas.
29. A autora retornou a
Dublin e no dia 27 de abril, veio a Portugal
para ajuste em boca e cimentação de prótese fixa implantodentosuportada
inferior e ajuste de oclusal de próteses fixa superior. Usou-se uma ponte (…)
acrílica fixa suportada pelos implantes e pilares (…) e ponte implantosuportada
metaloacrílica. Tratou-se de colocação das próteses provisórias de transição
das removíveis para as próteses definitivas. Não ficou marcada outra consulta,
constituindo acto de omissão deixar dependente da paciente a marcação de novas
consultas quando, segundo o réu, ainda estaria na fase provisória.
30. As duas reabilitações
protéticas superior e inferior de resina acrílica não apresentam os critérios
de estética adequados.
31. A autora deixou de
passar diariamente o fio dental.
32. Desde a consulta em 27
de Abril de 2010 até 5 de Abril de 2011, não houve mais qualquer contacto com a
paciente, nem foi marcada qualquer consulta.
33. No dia 5 de Abril de 2011,
a autora apresentou-se para consulta apenas motivada pela fractura de dentes da
prótese.
34. Foi constatado que o
nível de higiene oral era muito pobre, devido ao facto de as próteses colocadas
serem fixas e não permitirem a sua higienização As próteses provisórias foram
removidas e reparadas. Segundo o réu, mantinha-se a perimplantite. O réu fixara
as próteses, apesar dos sinais clínicos de perimplantite.
35. A autora ficou com a
ideia de que de que as próteses que colocara eram definitivas e sempre esteve presente em todas as consultas pedidas pelo
réu.
36. Durante o procedimento
acompanhado pelo réu: a paciente nunca ficou sem dentes em boca; a autora não
informou de dores, sofrimento ou desconforto, ou que tivesse efectuado qualquer
tipo de medicação anti-inflamatória ou analgésica. Não houve qualquer tipo de
informação da toma de antidepressivos.
37. Uma das advertências
que os dentistas devem fazer aquando da colocação de implantes dentários é a
necessidade da limpeza diária da boca com fio dental.
38. Um dos pontos-chave da
reabilitação com implantes prende-se com a higiene oral, e uma condição
saudável do aparelho estomatognatico.
39. Outro ponto
importante, e que no caso de pacientes residentes no estrangeiro, é a
possibilidade do paciente estar disponível para ser observado e tratado nos
prazos que se considerem exigíveis no contexto futuro. E que, poderia haver
mais visitas do que as previstas, caso surgissem alterações no decorrer da
reabilitação oral.
40. Desde Abril de 2011
que a paciente não voltou a ser atendida no consultório do Dr. Anselmo Mateus Vinagre,
por a mesma se ter recusado a fazê-lo, dadas as vicissitudes ocorridas em
consequência do tratamento de que teve conhecimento total quando foi assistida
na Irlanda por médico dentista, em Julho de 2011.
41. Em Julho de 2011,
alguns dentes da prótese haviam-se partido, acabando mesmo por cair.
42. Após se verificarem as
consequências da intervenção do réu, a autora ficou sem qualquer dente.
Das comunicações:
43. Perante a situação, a
autora enviou diversas mensagens por correio electrónico para o réu nos dias
11, 17 e 29 de Julho de 2011.
44. Por email de 2 de Agosto
de 2011, a 1.ª ré respondeu à autora, propondo melhorar os seus dentes acima
dos implantes da Solidex Acrylic para Ceramics, de um laboratório diferente e
independente e sem custos, trataremos a situação dos implantes com a garantia
Nobel, pagaremos as suas despesas com o voo e alojamento e, se desejar,
providenciaremos um especialista diferente, também um conhecido professor
universitário com uma pós-graduação na UCLA e doutoramento pela Universidade de
Michigan. Também ficaríamos felizes de poder pagar pelas suas consultas e
trabalhos na ponte que temporariamente solucionaram o seu problema,
proposta que a autora recusou, por email de 15 de Agosto, alegando que devido à
dor e sofrimento que eu enfrentei e à incompetência do vosso staff, não há
maneira possível de eu voltar à vossa clínica ou alguma outra em Portugal para
algum tipo de serviço que eu precise. Pediu o reembolso dos € 12 800
despendidos em Portugal. Em caso de recusa, adiantou que pediria em tribunal o montante
de € 5 000, montante que custará colocar a minha boca saudável outra vez. Sem resposta, a autora voltou a enviar email no dia 4 de Setembro de 2011, de que obteve resposta o de dia 5 no qual a 1.ª ré solicitava que
apresentasse a proposta por carta registada, a que não houve resposta da parte
da primeira ré.
45. No dia 26 de Julho de
2011, a autora foi consultada na Clínica Blackrock, na Irlanda, tendo sido
acompanhada pelo médico dentista e docente universitário na área, o Professor
David Harris e, numa segunda fase, pelo Dr. Seamus Sharkey.
Da apreciação do trabalho
do réu:
46. Na arcada superior,
dois implantes tinham ausência de função e 5 com ausência de osteointegração;
na arcada inferior, um com ausência de função e 2 com ausência de
osteointegração.
47. Na arcada superior, os
dentes 17 (hemiarcada direita) e 26 (hemiarcada esquerda) apresentavam
patologia cárie cavitada de envolvimento da totalidade da coroa anatómica e com
tradução clínica ao nível da polpa dentária. Na arcada
inferior, os dentes 47, 44, 43 (hemiarcada inferior direita) e 35 (hemiarcada
inferior esquerda). O dente 47 apresentava cárie coronária
por mesial. O dente 35 apresentava reação inflamatória
crónica em consequência de processo canalar por necrose pulpar.
48. As reabilitações
protéticas colocadas pelo réu correspondem a reabilitação total superior e
inferior implantosuportada e a “cobrir” os dentes superiores e inferiores presentes.
O desenho de ambas as reabilitações a nível gengival não obedeceram ao
princípio biológico de forma a permitir a higienização dos implantes, A arcada
superior apresentou estado inflamatório generalizado da gengiva e acumulação de
placa bacteriana causada pelo mau planeamento da reabilitação intraoral,
incluindo o desenho da reabilitação protética.
49. A prótese total
superior, no maxilar, foi aparafusada em 4 implantes via parafusos temporários
e anexada no sítio. Este modelo de prótese é projetado para ser usado como um
dispositivo removível e jamais deve estar ligado aos implantes de forma
permanente, como estavam. Assim, se um dispositivo destes é aparafusado na boca
de um paciente, este não conseguirá limpar por dentro ou manter uma boa higiene
oral.
50. Após remoção da prótese
os molares superiores estavam com cáries abaixo da gengiva.
51. Ambas as próteses,
seja no maxilar seja na mandíbula, eram consistentes com convencionais modelos
removíveis e eram completamente inadequados para este caso. Ambas eram feitas
de material de resina acrílica com um fio fortalecedor simples.
52. A forma como foram
colocadas as pontes – fixa e não removível - não permitiam a higienização dos
tecidos orais (com ou sem uso de fio dental), o que causou diretamente as
infeções, perimplantites, com perda de
osso em torno dos implantes, e conduzindo a uma
infeção generalizada da mucosa oral.
53. O 2.º réu, ao
contrário da imposição do princípio básico de tratamento de implantes, que é a
remoção prévia de todas as fontes de infecção da boca do paciente, não tratou
das infecções.
54. A autora não recebeu
qualquer autocolante identificativo dos implantes colocados. A autora não
possui qualquer elemento identificativo dos implantes/próteses, que são essenciais
para poder fazer a manutenção e /ou qualquer outro tratamentos a posteriori, pois só assim poderão ser
identificados os materiais usados, e promover a aplicação do mesmo tipo de
materiais e com o mesmo tamanho, evitando tratamentos invasivos que sem o
documento identificativo (autocolante), são a única forma de saber qual o
tratamento feito previamente.
55. Após se verificarem as
consequências da intervenção do réu, a autora ficou sem qualquer dente.
Da cicatriz:
56. A autora apresenta uma
cicatriz na zona anatómica em relação com o bordo inferior da mandíbula do lado
direito na parte cutânea, o que lhe causa tristeza, embaraço e sofrimento.
57. Esta cicatriz deveu-se
à presença anterior de processo infeccioso com presença de fístula orofacial na
zona identificada (dente 44) que a autora tentou tratar antes junto de médico
de clínica geral, na Irlanda, por não ter associado a fístula a algum problema
na boca, uma vez que ao tempo se queixava apenas da quebra das próteses.
58. O abcesso do dente
pré-molar inferior direito foi a causa directa da secreção purulenta externa na
pele da autora, que causou a cicatriz.
59. A falha de tratamento
das infeções resultou na cicatriz facial, a qual é possível remover, mas com
custo não apurado. Foi fixado um dano estético de grau 1/7 tendo em conta a
cicatriz e a dentadura removível agora usada pela autora.
Dos danos:
60. A autora já suportou
as seguintes despesas:
- Tratamento dentário
prestado pelo réu, no montante de € 12.800;
- Deslocações e alojamento
em Portugal, no montante de € 5.000;
- Tratamento dentário na
Irlanda, no montante de € 620 (150 + 470);
- Relatório médico do
Professor Harris no montante de € 500.
61. O tratamento dentário
orçamentado com vista a, dentro do possível, concretizar a reabilitação oral da
autora, está orçado em € 29.700 (€ 26 700 + € 3000), por parte de médico que
exerce na Irlanda.
62. O já mencionado
tratamento dentário, iniciado na Irlanda e ainda não concluído, tem acarretado
mais dores, incómodos e transtornos de várias ordens.
63. A autora viveu meses
com dores, edemas, abcesso e infeções (art. 113.º da petição inicial), que lhe
causaram desconforto, incómodo refletindo-se, nomeadamente, em atividades como
falar e comer, tendo sido fixado um quantum
doloris de grau 2/7 e um prejuízo de afirmação pessoal de 1/5 e uma
incapacidade permanente geral de 10 pontos, com incapacidade temporária geral
total entre 9 e 15 de Novembro, 16 a 22 de Dezembro de 200[9] e 1924 dias de
incapacidade geral parcial.
64. A autora sujeitou-se a
uma cirurgia em que as suas gengivas foram cortadas e abertas, para remoção dos
implantes inferiores, um procedimento evitável, não fora a conduta do 2.º réu.
65. Toda esta situação
causou abalo psicológico à autora, tendo mesmo tido crises de tristeza e
ansiedade, vivendo uma angústia, o que fez com que a autora não se sentisse à vontade
com outras pessoas, retraindo-se de participar
em atividades sociais.
66. Este sentimento de mau
estar, embaraço e vergonha agudizou-se nas férias de 2013, pois a autora não
tinha um conjunto de dentes num lado da boca.
67. Dormia com
dificuldade, pois todas estas situações causaram-lhe stresse.
68. Os abcessos podem
transformar-se em infecção perigosa para a vida.
Das consequências do
processo na esfera do réu:
69. Para preparar a
contestação, o réu dispôs de tempo que poderia ter usado para trabalhar, no
exercício da sua profissão.
Do seguro:
70. O réu Anselmo Mateus Vinagre
tem a sua responsabilidade civil profissional transferida através de contrato
de seguro (apólice n.º 0084.10.071095) para a AXA Portugal – Companhia de
Seguros, S.A. O capital garantido pela cobertura da Responsabilidade Civil
Profissional é de € 300.000 por cada sinistro, sendo aplicável a franquia de
10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de € 125.
A sentença recorrida
julgou não provados os seguintes factos:
- Que tenha sido entregue
à autora o plano de tratamento de fls. 148, indicado como doc. 2 na contestação.
- Que tivessem sido dadas
todas as explicações ao longo do processo e que tivessem sido indicadas pelo
réu datas para consultas subsequentes, além das indicadas acima.
- Que a autora tivesse
regressado a Portugal para outras consultas, além das já indicadas.
- Que o réu tivesse
proposto passar de novo para as próteses provisórias removíveis e tentar
minorar os danos aos dentes pilares e implantes comprometidos e que tivesse
sido a pedido da paciente que as próteses tivessem sido fixas.
- Que o réu tivesse
informado a autora de que as próteses e componentes eram provisórios e que
teriam uso por “um curto e breve período de tempo”.
- Que os serviços da ré
tivessem comunicado à paciente por outra via que se apresentasse o mais
rapidamente possível para consulta.
- Que desde 27 de Abril de
2011, em consequência da situação relatada nos autos, o desconforto físico e
psicológico causado à autora a tenham feito recorrer a medicamentos
antidepressivos sob prescrição médica.
- Que a infecção tivesse
posto em perigo a vida da autora.
- Que a autora tivesse
temido pela sua vida.
- Que a situação descrita
tivesse tido como origem a conduta da autora quer quanto a hábitos de higiene
quer quanto à frequência de consultas e que a imputação na presente acção ao
réu tenha criado danos na confiança e reputação tanto da clínica (…) e no
trabalho desenvolvido pelo Dr. Anselmo Mateus Vinagre com repercussões futuras no desenvolvimento
da atividade e golpe para a autoestima e confiança profissional do Dr. Anselmo Mateus Vinagre;
que o médico dentista tenha estado ausente do seu trabalho clínico uma semana,
por motivos psicológicos ocasionados por este problema.
- Que o gosto pessoal pela
profissão, a sua confiança profissional e reputação perante a sociedade tenham
sido completamente arrasadas por este processo.
- Que a autora, com dolo,
tenha omitido a ocorrência de factos relevantes para a decisão da causa.
- Que o réu colabore de
forma totalmente gratuita com a Associação (…) sendo o dentista dos seus
utentes desde 2006.
- Que o réu tenha trabalho
solidário e social articulado com as instituições sociais e escolas do concelho,
organizando acções de sensibilização e educação para a saúde oral desde 2004.
- Que o réu seja
coordenador regional da ONG (…), que apadrinha jovens entre dos 11 e os 18 anos,
e depois são acompanhados e tratados de todos os problemas de saúde oral nesse
período de tempo, de forma também totalmente livre de custos.
*
1 – Impugnação da decisão
sobre a matéria de facto:
A recorrente sustenta que
o ponto 60 da matéria de facto provada, no segmento em que dá como provado que
a recorrida suportou despesas no montante de € 5.000 com deslocações e
alojamento em Portugal, deve ser julgado não provado, por inexistência de meios
de prova do mesmo.
O tribunal a quo, reconhecendo a inexistência de
prova documental, formou a sua convicção exclusivamente com base nas regras da
experiência, considerando, em síntese, o seguinte:
- A recorrida residia em
Dublin, Irlanda, e deslocou-se 9 vezes a Albufeira, Portugal, por causa do
tratamento dentário a que se submeteu;
- “Das pessoas ouvidas
decorre que terá vindo de avião: não veio de carro, de autocarro ou de comboio,
o que é compatível com a forma habitual através da qual as pessoas se deslocam
na Europa, agora, como há 10 anos”;
- “Tendo em conta o número
de viagens de avião, a necessidade de alojamento, pelo menos, por uma noite, a
deslocação a Albufeira (cerca de 80 km a partir do aeroporto de Faro, ida e
volta), a quantia enunciada não é exagerada, de acordo com as regras da
experiência: em média, € 555 por viagem”.
A análise desta questão
tem, como ponto de partida obrigatório, o disposto no n.º 1 do artigo 342.º do
Código Civil (CC): àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos
constitutivos do mesmo. Cabia, pois, à recorrida o ónus da prova de que, como
alegou no artigo 108.º da petição inicial, suportou uma despesa de € 5.000 em
“deslocações e alojamento em Portugal”.
A primeira observação a
fazer é a de que, logo em sede de ónus de alegação, a recorrida nem sequer
discriminou quanto gastou com deslocações e quanto gastou com alojamento.
Logicamente, não discriminou quanto lhe custou cada viagem, nem quanto lhe
custou o alojamento de cada vez que esteve em Portugal para o tratamento
dentário em questão. Não especificou que meio de transporte utilizou em cada
viagem, nem a que tipo de alojamento recorreu e durante quantos dias.
Limitou-se a alegar uma quantia como correspondendo ao somatório de uma
multiplicidade de despesas que terá realizado.
No que concerne à prova
das despesas em questão, a recorrida não apresentou um único documento. Ora,
estamos perante despesas que, a terem sido realizadas, necessariamente deram
origem a múltiplos documentos, nomeadamente bilhetes de avião e/ou outros meios
de transporte que a recorrida tenha utilizado, recibos dos pagamentos
efectuados e comprovativos de transferências bancárias ou de pagamentos com
cartão de crédito ou de débito. Ainda que a recorrida já não tivesse os
bilhetes de transporte e os recibos das quantias que pagou no momento da
propositura da acção, ao menos documentos bancários comprovativos desses
pagamentos poderia obter nessa altura, salva a hipótese, altamente improvável
tendo em conta as regras da experiência, de ter pago a totalidade das despesas
em causa em notas de banco. Portanto, é incompreensível que a recorrida não
tenha apresentado prova directa, de natureza documental, das despesas em causa.
Mais, nem sequer prova
indirecta a recorrida apresentou. Por exemplo, poderia ter obtido e apresentado
uma tabela de preços de viagens de avião (admitindo que foi esse o meio de
transporte por ela utilizado) entre Irlanda e Portugal na época em que o
tratamento dentário foi realizado. Já seria um princípio de prova que,
complementado com prova testemunhal, poderia fornecer uma base minimamente
segura para o apuramento do custo aproximado das despesas com viagens (mas não
com alojamento, como é óbvio). Porém, nem isso a recorrida fez. Em vez disso,
após a deficiente alegação que acima descrevemos, a recorrida não cuidou, pura
e simplesmente, de fornecer qualquer meio de prova das despesas em questão.
É certo que se provou que
a recorrida residia na Irlanda e que o tratamento dentário ocorreu em Portugal,
pelo que, obviamente, ela teve de se deslocar entre os dois países. Porém, a
prova do montante que a recorrida despendeu nessas viagens, bem como no
alojamento na hipótese de este último ter sido oneroso (não está excluído que a
recorrida tenha ficado em casa de familiares ou amigos, por exemplo), é questão
diversa. Da realização de deslocações não pode, sem mais, concluir-se que as
mesmas, bem como um alojamento que nem sequer se sabe onde e em que
circunstâncias ocorreu, implicaram o dispêndio de uma quantia determinada.
Certamente as deslocações tiveram custos. O mesmo pode ter acontecido
relativamente ao alojamento. Todavia, nem sequer com recurso ao disposto no
artigo 566.º, n.º 3, CC – norma que o tribunal a quo não invocou, saliente-se – é legítimo chegar-se ao valor
alegado pela recorrida e julgado provado na sentença. Mesmo o julgamento com
base na equidade nos termos ali admitidos tem de se basear em meios de prova,
ainda que dos mesmos não resulte o valor exacto dos danos. É o que resulta da
parte final da norma. Ora, no caso dos autos, aquilo que temos é um absoluto
vazio probatório, decorrente de a recorrida nem sequer ter tentado cumprir o
ónus da prova de que despendeu € 5.000 com deslocações e alojamento. Perante
isto, julgar-se provado este montante como correspondendo ao total das despesas
efectuadas pela recorrida com deslocações e alojamento não é equidade, mas puro
arbítrio, evidentemente inadmissível.
Concluindo, há que
reconhecer razão à recorrente. Ao considerar provado o facto em causa, o
tribunal a quo cometeu um erro de
julgamento, pois não dispunha de meios de prova para o efeito.
Assim, o n.º 60 dos factos
provados passa a ter a seguinte redacção:
A autora já suportou as seguintes despesas:
- Tratamento dentário prestado pelo réu, no montante de €
12.800;
- Tratamento dentário na Irlanda, no montante de € 620 (150 +
470) – fls. 44 (repetido a fls. 321), traduzido a fls. 111 (repetido a fls.
323); fls. 45 (repetido a fls. 322), traduzido a fls. 112 (repetido a fls.
324);
- Relatório médico do Professor Harris no montante de € 500
(art. 108.º da petição inicial).
Passa a constar, como
facto não provado, o seguinte:
- A autora suportou despesas no montante de € 5.000 com deslocações
e alojamento em Portugal.
2 – Inclusão, nos danos
patrimoniais, do valor pago pela recorrida ao réu Anselmo Mateus Vinagre como
contrapartida pelo tratamento dentário por este efectuado:
O tribunal a quo condenou a recorrente a pagar à
recorrida, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 43.758 (correspondente
a 90% dos mesmos danos atenta a franquia referida no n.º 70 dos factos
provados), acrescida de juros legais após a citação, além da quantia, a
liquidar, necessária à realização de procedimento de remoção da cicatriz da
hemiface direita.
Constituem parcelas do referido montante
indemnizatório global a quantia de € 11.520, correspondente a 90% dos € 12.800
pagos pela recorrida ao réu Anselmo Mateus Vinagre como contrapartida pelos
serviços médicos que este lhe prestou, bem como 90% dos montantes já
despendidos ou a despender para a recorrida compreender a situação e proceder à
sua reabilitação oral (cfr. página 33 da sentença recorrida).
A recorrente insurge-se contra a sua condenação no
pagamento de 90% do montante despendido pela recorrida com a realização do
tratamento levado a cabo pelo réu Anselmo Mateus Vinagre. Com razão, desde já
adiantamos.
A recorrente conformou-se com a sua condenação a
pagar 90% do custo do tratamento dentário que, à data da propositura da acção,
a recorrida se encontrava a efectuar na Irlanda, bem como do exame que esta
teve de realizar com o objectivo de apurar a sua situação clínica e do
respectivo relatório. O referido tratamento tinha como objectivo a reabilitação
oral da recorrida, isto é, a reparação dos estragos resultantes das más
práticas médicas seguidas pelo réu Anselmo Mateus Vinagre e a obtenção do
resultado que a recorrida pretendia quando procurou os serviços deste último.
No final desse tratamento, é suposto a recorrente ficar na situação em que se
encontraria se o tratamento anterior tivesse sido bem feito, ou seja, se não
tivesse ocorrido o evento gerador de responsabilidade civil obrigacional, pois
conseguirá a sua reabilitação oral e terá pago a quantia de € 12.800. Ficará,
assim, na situação prevista no artigo 562.º CC, de acordo com o qual quem
estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria
se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Carece, pois, de fundamento atribuir,
cumulativamente com a indemnização referida no parágrafo anterior (pagamento do
custo do exame destinado a apurar a situação clínica da recorrida e do tratamento
dentário realizado na Irlanda), uma outra, correspondente ao custo do
tratamento efectuado em Portugal. Se receber aquilo que pagou em Portugal e
nada pagar pelo exame e pelo tratamento que fez na Irlanda, a recorrida ficará
a beneficiar de um tratamento dentário gratuito, coisa que, obviamente, não
conseguiria se o tratamento a que se submeteu em Portugal tivesse sido bem
feito e, portanto, não se tivesse verificado um facto gerador de
responsabilidade civil obrigacional. Por outras palavras, beneficiará de um
enriquecimento sem causa, por contrário ao disposto no já citado artigo 562.º
CC, bem como no n.º 2 do artigo 566.º do mesmo código, o qual dispõe que, sem
prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem
como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais
recente que puder ser atendida pelo tribunal, e aquela que teria nessa data se
não existissem danos. A responsabilidade civil tem como finalidade reparar
danos, colocando o lesado em situação idêntica, em toda a medida do possível,
àquela em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto lesivo, e não
proporcionar-lhe um enriquecimento, ou seja, colocá-lo numa situação mais
favorável que aquela em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido tal facto.
Concluindo, a sentença recorrida deverá ser revogada
na parte em que condenou a recorrente a pagar 90% do custo do tratamento dentário
efectuado pelo réu Anselmo Mateus Vinagre, no montante de € 11.520.
3 – Inclusão, nos danos
patrimoniais, do valor despendido pela recorrida com deslocações e alojamento em Portugal:
Como vimos no ponto 1, não pode considerar-se
provado que a recorrida suportou despesas no montante de € 5.000 com deslocações e
alojamento em Portugal. Logo por essa razão, teria de revogar-se a sentença
recorrida na parte em que condenou a recorrente no pagamento de 90% desse
montante, ou seja, € 4.500.
Não deixaremos, ainda assim,
de esclarecer que, mesmo na hipótese de se ter provado tal despesa, a mesma não
seria indemnizável, por razões idênticas às da não inclusão do valor pago pela recorrida ao
réu Anselmo Mateus Vinagre na obrigação de indemnização. Ao beneficiar do
pagamento, pela recorrente e pelos réus não recorrentes, respectivamente na
proporção de 90% e de 10%, do custo do tratamento efectuado na Irlanda com
vista à obtenção de resultado idêntico àquele que pretendia com o que o réu Anselmo
Mateus Vinagre efectuou, a recorrida ficará, do ponto de vista patrimonial, na
situação que existiria se este último tratamento tivesse sido devidamente
efectuado, isto é, se aquele réu tivesse cumprido devidamente a sua obrigação.
Saliente-se que o réu Anselmo Mateus Vinagre não se
obrigou a pagar as despesas de deslocação e alojamento da recorrida. Esta
última escolheu tratar-se em local distante da sua residência por sua conta e
risco, incorporando aquelas despesas no custo total que suportaria com o
tratamento em Portugal. Ao receber uma indemnização correspondente ao custo do
tratamento subsequente, na Irlanda, a recorrida ficará, do ponto de vista
patrimonial, em situação idêntica àquela em que estaria se o primeiro
tratamento tivesse sido realizado de forma correcta. Portanto, em caso algum as
hipotéticas despesas com deslocações e alojamento da recorrida seriam
indemnizáveis.
4 – Avaliação dos danos
não patrimoniais:
A recorrente considera excessiva a indemnização por
danos não patrimoniais fixada na sentença recorrida, no montante de € 12.500.
O n.º 1 do artigo 496.º CC
estabelece que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não
patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito. A primeira
parte do n.º 4 do mesmo artigo dispõe que o montante da indemnização será
fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as
circunstâncias referidas no artigo 494.º, a saber, o grau de culpabilidade do
agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do
caso.
Resulta dos factos
provados, nomeadamente dos n.ºs 41, 42, 46 a 53, 55 a 59 e 62 a 67 que, em
consequência da desastrosa intervenção efectuada pelo réu Anselmo Mateus Vinagre na
dentição da recorrida, esta teve de suportar um sofrimento físico e
emocional intenso. Mais, o simples facto de a recorrida ter de suportar dois
tratamentos dentários sucessivos, qualquer deles muito invasivo, em vez de um
só, como deveria ter acontecido se o réu Anselmo Mateus Vinagre não tivesse cumprido
defeituosamente a obrigação a que se vinculara, constitui um dano não
patrimonial relevante, sabido, como é, que tratamentos desta natureza implicam,
inevitavelmente, sofrimento físico e ansiedade. Sendo assim, a indemnização
fixada pelo tribunal a quo por danos
não patrimoniais não merece crítica, devendo manter-se.
*
Decisão:
Delibera-se,
pelo exposto, julgar o recurso parcialmente procedente, revogando-se a sentença
recorrida na parte em que condenou a recorrente no pagamento das quantias de € 11.520 e € 4.500 à recorrida a título de indemnização
por danos patrimoniais; no mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção do respectivo
decaimento.
Notifique.
*
Évora, 23 de Abril de 2020
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
1.º adjunto
2.º adjunto
Acórdão da Relação de Évora de 30.01.2025
Processo n.º 1395/21.8T8BJA.E1 * Direito de preferência. Compropriedade. Conhecimento da venda. Conhecimento das condições da vend...
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