segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Valor probatório da confissão judicial não reduzida a escrito

No acórdão da Relação de Évora de 07.11.2023, processo n.º 198/21.4T8LGA-A.E1, por mim relatado e não publicado, suscitou-se a seguinte questão:

No depoimento de parte que prestou na audiência final, o recorrente admitiu diversos factos que lhe eram desfavoráveis e favoreciam a parte contrária. Não foi efectuada assentada. Afirmou-se, na sentença recorrida, que aquele depoimento de parte teve, em conjugação com o depoimento de uma testemunha, influência na formação da convicção do tribunal sobre alguns daqueles factos, julgados provados.

Nas alegações de recurso, o recorrente sustentou que, não constando da acta da audiência final qualquer assentada, tem de se concluir que o seu depoimento de parte não teve qualquer segmento confessório e, por essa razão, o tribunal de 1.ª instância cometeu um erro de julgamento ao formar a sua convicção sobre factos que lhe são desfavoráveis invocando aquele depoimento.

Transcrevo a parte da fundamentação do acórdão em que a questão foi analisada:

“Temos vindo a fundamentar a nossa convicção sobre a matéria de facto em discussão considerando o teor do depoimento de parte do recorrente. Todavia, a utilizabilidade deste depoimento como meio de prova é posta em causa pelo recorrente. A tese deste é a seguinte: da acta da sessão da audiência final em que o depoimento de parte foi prestado, não consta qualquer assentada deste; logo, é impossível que tal depoimento contenha alguma parte confessória.

É evidente o vício deste raciocínio. Da ausência de assentada não pode inferir-se que o depoimento de parte não contenha segmentos confessórios. Tal ausência não altera a realidade. O depoimento de parte do recorrente foi como foi e não deixa de o ser por o tribunal a quo não ter cumprido o disposto no artigo 463.º do CPC. A consequência da falta de redução a escrito de segmentos do depoimento de parte em que esta reconheça a realidade de factos que a desfavorecem e favorecem a parte contrária faz-se sentir, sim, ao nível da força probatória desse depoimento.

O artigo 358.º, n.º 1, do CC, estabelece que a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente. O n.º 4 do mesmo artigo dispõe, na parte que nos interessa, que a confissão judicial que não seja escrita é apreciada livremente pelo tribunal. O artigo 361.º do CC, por seu turno, estatui que até o reconhecimento de factos desfavoráveis que não possa valer como confissão valerá como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente.

Portanto, a falta de redução a escrito de segmentos confessórios do depoimento de parte não determina a inutilizabilidade deste como meio de prova, apenas diminuindo a força probatória dessa confissão: esta não terá força probatória plena, antes sendo livremente apreciada pelo tribunal. Mais, ainda que não pudessem valer como confissão (o que não é o caso), os segmentos do depoimento de parte em que o recorrente reconheceu factos que lhe são desfavoráveis seriam utilizáveis como meio de prova, a apreciar livremente pelo tribunal. Ficamos, assim, bem longe da tese da inexistência ou da inutilizabilidade do depoimento de parte confessório que não seja reduzido a escrito, sustentada pelo recorrente.

Resulta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que o tribunal a quo não reconheceu força probatória plena aos segmentos confessórios do depoimento de parte do recorrente, antes os tendo valorado livremente, em conjugação com o depoimento da testemunha (…). E valorou em termos que merecem a nossa concordância, como resulta da análise que fizemos do depoimento de parte do recorrente. Inexiste, assim, fundamento para alterar o decidido pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto constante dos n.ºs 55 a 57.”

Daí o n.º 1 do sumário do acórdão:

“1 – A falta de redução a escrito de segmentos confessórios do depoimento de parte não determina a inutilizabilidade deste como meio de prova, apenas diminuindo a força probatória dessa confissão: esta não terá força probatória plena, antes sendo livremente apreciada pelo tribunal.”


Acórdão da Relação de Évora de 23.05.2024

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