terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 21.11.2024

Processo n.º 292/23.7T8OLH.E1

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Responsabilidade civil aquiliana.

Danos resultantes da interrupção do fornecimento de energia eléctrica.

Fixação do montante da indemnização segundo o critério da equidade.

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Autora/recorrente:

Sociedade 1.

Ré/recorrida:

E-Redes, Distribuição de Electricidade, S.A..

Pedido:

Condenação da ré a pagar, à autora, a quantia de € 49.500,06, a título de danos emergentes e lucros cessantes, acrescida de juros de mora vincendos até integral e efectivo pagamento.

Sentença recorrida:

Julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar, à autora, uma indemnização no valor global de € 26.678,49, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor para dívidas civis, contabilizados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Conclusões do recurso:

1 – Na verdade o Mmo. Juiz a quo entendeu que, no que se refere à prova inserida nas facturas de reparação dos equipamentos do montante de € 3.765,52, a recorrente não conseguiu enquadrar as mesmas.

2 – Ora, para além de estas mesmas avarias constarem do relatório elaborado pela testemunha JJJ e que se encontra junto aos autos

3 – O mesmo, quando questionado, confirmava essas mesmas avarias nos equipamentos em causa e que era necessário reparar ou substituir, bem como

4 – Afirma a veracidade do relatório por si elaborado.

5 – Igualmente a testemunha LLL atesta a veracidade do relatório de peritagem junto aos autos e que efectivamente se havia concluído que existiram perdas essencialmente ao nível dos equipamentos.

6 – Tendo sido peremptório que quanto às avarias dos equipamentos ficaram bastante esclarecidos.

7 – Sendo que tais facturas, para além de as confirmar em julgamento, se encontram confirmadas por ele no relatório de peritagem junto aos autos, concretamente no quadro 4.1.1, alíneas g), i) a k).

8 – Razão pela qual, e salvo o devido respeito, andou mal o tribunal a quo ao dar estes factos como não provados por a recorrente não ter feito o enquadramento dos mesmos.

9 – Assim, devem ser dados como provados os factos constantes da alínea a) da matéria não provada da douta sentença e a recorrida ser condenada no pagamento de € 3.765,52, acrescido de juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento.

10 – Doutro passo e no tocante ao referido auxílio de 10 pessoas, entendeu o tribunal a quo que a testemunha MMM, apesar de confirmar a presença de outras pessoas, não foi capaz de precisar quantas pessoas eram e se estas auferiram qualquer valor pelo serviço prestado, bem como

11 – Que os documentos juntos são meros documentos particulares que necessitariam ser complementados pela prestação de depoimento em audiência.

12 – Na verdade e contrariamente ao entendimento do tribunal a quo, a testemunha MMM, efectivamente, conseguiu afirmar o número de pessoas presentes para realizarem o serviço e

13 – Inclusivé, consegue dar o nome de um dos presentes.

14 – Acresce que, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 63 da LGT, alterada pela Lei 92/2017, é possível os pagamentos/recebimentos em numerário não superiores a € 3.000 e que

15 – Até esse montante não existe a obrigatoriedade de ser efectuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respectivo destinatário, podendo ser liquidado em numerário mediante a assinatura de uma declaração de quitação, que é prova bastante para aferir da sua veracidade.

16 – Entendimento perfilhado na jurisprudência como é exemplo o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação quanto à validade e eficácia da declaração de quitação no âmbito do proc. n.º 493/11.0TTLRA.C1.

17 – Igualmente refere o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do proc. 1957/19.3T8VFR.P1, datado de 18/01/2021.

18 – Razão pela andou mal o tribunal a quo e

19 – Assim deve, igualmente, ser dada como provada a alínea g) e h) da matéria não provada da douta sentença e a recorrida ser condenada no custo acrescido que a recorrente teve de despender e que o tribunal a quo não considerou no montante de € 4.320, acrescido de juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento.

20 – Assim e pela conjugação do teor daquelas declarações e com a referida prova documental, não pode deixar de se concluir que a recorrente, efectivamente, teve um prejuízo no montante de € 8.085,52, acrescido de juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento.

Questões a decidir:

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

2 – Montante da indemnização.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1) A autora é uma sociedade por quotas cujo objecto social consiste em fabricação de gelados e sorvetes artesanais, fabricação de sobremesas, comércio de gelados, sorvetes e sobremesas artesanais.

2) A ré é uma sociedade anónima que exerce a actividade de operador de rede de distribuição no território de Portugal continental, sendo titular da concessão para a exploração da rede nacional de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão.

3) Na prossecução e para desenvolvimento da sua actividade, a autora procedeu ao arrendamento de um espaço destinado ao fabrico dos gelados e sobremesas sito em (…).

4) No âmbito da sua actividade, a autora utiliza equipamentos de frio para conservação dos produtos que revende e outros equipamentos eléctricos.

5) Tendo sido atribuído, àquele local, o código de ponto de entrega de energia eléctrica fornecida pela ré, com o n.º (…).

6) O posto de transformação e a rede de baixa tensão que fornece energia ao local onde a autora exerce a sua actividade foi alvo de inspecção de manutenção preventiva em 04.07.2020, da qual foi elaborado o relatório OT 007282194719.

7) No decurso da sobredita acção de manutenção preventiva sistemática, foi possível verificar que a rede eléctrica em apreço, assim como os seus componentes, se encontravam em perfeitas condições de utilização e exploração, dentro do seu tempo útil de vida e instalados de acordo com as regras técnicas e de segurança legalmente previstas.

8) No dia 18 de Maio de 2022, ocorreu uma avaria na linha de baixa tensão que sustenta a instalação de fornecimento de energia eléctrica na fábrica onde a autora exerce a sua actividade, devido à base de fusível de fase e neutro queimados.

9) Em consequência, ficou interrompido o fornecimento de energia eléctrica na fábrica da autora, tendo o mesmo sido reposto no mesmo dia.

10) Em virtude da avaria descrita em 8), ocorreram estragos nos seguintes aparelhos elétricos da autora:

a. Cinco armaduras led 60x60 no tecto falso;

b. Três detectores de movimento 360º;

c. Um spote de led 200mm;

d. Duas armaduras de emergência led;

e. Central de incêndio.

11) Para substituição e reparação dos equipamentos acima descritos, a autora despendeu o montante de € 589,58.

12) Em consequência do descrito em 8), foi ainda necessária a reparação e substituição dos seguintes equipamentos eléctricos da autora:

a. Sistema de arrefecimento de duas arcas de congelação, no valor de € 2.233,24;

b. Câmara de congelação, no valor de € 3.038,22;

c. Torre de arrefecimento, no valor de € 1.254,60;

d. Vaso misturador, no valor de € 916,35;

e. Máquina de encher copos, no valor de € 2.583,00;

f. Montagem do quadro eléctrico da câmara, no valor de € 553,50;

No montante global de € 10.578,91.

13) Em virtude da aludida interrupção do fornecimento de energia eléctrica, a autora deixou de comercializar, por se encontrarem impróprias para revenda, 218 cubas de gelado já produzidas e que se encontravam armazenadas nas arcas congeladoras, no valor unitário de € 22,50 cada cuba e num valor global de € 4.905,00.

14) No momento em que ocorreu a interrupção de energia, a autora encontrava-se igualmente a confeccionar três panelas de gelados.

15) Cada panela tem uma capacidade de 500 litros e produz 150 cubas de gelados.

16) Em consequência da interrupção de fornecimento de energia, os produtos que se encontravam a ser confecionados nas três panelas ficaram impróprios para consumo, registando uma perda no montante de € 10.125.

17) Para minorar a perda dos gelados já produzidos, produtos e outra matéria-prima, bem como para retirar arcas do 1.º andar onde se encontra sediada a fábrica, para outro estabelecimento, a autora solicitou a ajuda de, pelo menos, uma pessoa.

18) Tendo pago, por esse serviço, o montante de € 480.

Factos julgados não provados pelo tribunal a quo:

a) Para reparação e/ou substituição dos aparelhos descritos em 10), a autora despendeu o montante total de € 4.355.15.

b) O valor de venda de cada cuba de gelado é de € 30,75.

c) Em virtude do descrito em 13), a autora teve perdas no valor total de € 6.703,50.

d) Em cada uma das três panelas descritas em 14) a 16), encontravam-se os seguintes produtos: 55 kg de leite em pó; 75 kg de açúcar; 12 kg de destroxe; 5 kg de glucose; 35 kg de gordura; 3kg de cremodan; 60 dúzias de ovos; 16 kg de chocolate; 4 tabuleiros de fios de ovos; 15 litros de ovos moles; 10 kg de amêndoa laminada, 5 kg de chocolate líquido e pastas.

e) Em virtude do descrito em 14) a 16), a autora teve perdas no valor total de € 13.837,50.

f) Em consequência da interrupção de energia devido à avaria descrita em 8), ficaram inutilizados um conjunto de produtos sobrantes, (claras, ovos moles e fios de ovos), que serviriam para produzir o equivalente a 300 cubas de gelado, no valor global de € 9.225.

g) Para minorar a perda dos gelados já produzidos, produtos e outra matéria-prima, bem como para retirar arcas do 1.º andar onde se encontra sediado a fábrica, para outro estabelecimento, a autora solicitou a ajuda de 10 pessoas.

h) Que solicitaram o pagamento de € 480 cada pelo trabalho desenvolvido, num custo total de € 4.800.

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1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

1.1. A recorrente pretende que seja julgado provado o conteúdo da al. a) do enunciado dos factos não provados. Invoca: a) O relatório, elaborado por JJJ, junto com a petição inicial; b) O «relatório de peritagem» junto com a contestação; c) O depoimento de JJJ, ouvido na qualidade de testemunha; d) O depoimento da testemunha LLL; e) As facturas juntas com a petição inicial.

Importa começar por precisar o que está em discussão. O tribunal a quo julgou provado que a avaria descrita no n.º 8 causou estragos nos aparelhos eléctricos referidos no n.º 10 e que, para a substituição/reparação destes, a recorrente despendeu € 589,58 (n.º 11). Ou seja, é pacífico que aqueles aparelhos sofreram estragos em consequência da avaria descrita no n.º 8, apenas estando em discussão o montante despendido pela recorrente com vista a repará-los ou substituí-los. O tribunal a quo fixou este montante em € 589,58. A recorrente pretende que o tribunal ad quem o fixe em € 4.355.15.

O relatório junto com a petição inicial não menciona o custo da reparação/substituição dos equipamentos que refere. O relatório junto com a contestação também não demonstra que, com a substituição/reparação dos equipamentos referidos no n.º 10, a recorrente tenha despendido o montante total de € 4.355.15, ou outro que exceda o referido no n.º 11. A testemunha JJJ não se pronunciou sobre o custo das reparações ou substituições feitas por terceiros. A testemunha LLL também não corroborou o valor referido na al. a).

Merecem particular atenção as facturas juntas com a petição inicial. Refere-se aos aparelhos descritos no n.º 10 uma única dessas facturas, emitida por Sociedade 2, com o n.º 2022/71. Esta factura discrimina a totalidade desses aparelhos e menciona o valor de € 589,58, dado como provado no n.º 11. Logo, aquilo que esta factura demonstra é o acerto da decisão do tribunal a quo: para a substituição/reparação dos equipamentos descritos no n.º 10, a autora despendeu o montante de € 589,58. Não o de € 4.355.15, referido na al. a).

Concluindo, deverá manter-se a al. a) do enunciado dos factos não provados.

1.2. A recorrente pretende que seja julgado provado o conteúdo das als. g) e h) do enunciado dos factos não provados.

Está em causa a seguinte matéria de facto:

g) Para minorar a perda dos gelados já produzidos, produtos e outra matéria-prima, bem como para retirar arcas do 1.º andar onde se encontra sediado a fábrica, para outro estabelecimento, a autora solicitou a ajuda de 10 pessoas.

h) Que solicitaram o pagamento de € 480 cada pelo trabalho desenvolvido, num custo total de € 4.800.

O tribunal a quo julgou não provada esta matéria, que se relaciona com aquela que consta dos n.ºs 17 e 18, com a seguinte fundamentação:

«Por fim, os factos 17) e 18) derivam do depoimento da testemunha MMM, agente funerário e com conhecimento dos factos, declarou, de forma serena e sincera, que foi contratado pela autora para, no dia do incidente, carregar os gelados e outros produtos armazenados para outras arcas frigoríficas e transportá-los para outro local. Afirmou ainda que recebeu da autora a quantia de € 480,00 pelo serviço que prestou.

A este respeito, cumpre ainda salientar que, apesar da testemunha ter confirmado a presença de outras pessoas que o auxiliaram no serviço prestado, não foi capaz de precisar quantas pessoas eram e se estas auferiram qualquer valor pelo serviço prestado. Note-se que, a simples junção aos autos de declarações assinadas por terceiros e nas quais declaram que prestaram serviços na autora pelo preço de €480,00, sem qualquer suporte de outro elemento probatório é insuficiente para demonstrar de modo processualmente válido e bastante a realidade que ali se declarou.

Na verdade, tais documentos particulares constituem depoimentos escritos, que necessitariam ser complementados pela prestação de depoimento em audiência de julgamento pelos próprios, ou pela produção de outros elementos probatórios que corroborassem o teor das suas declarações. Não o tendo sido feito, não resta outra alternativa senão dar como não provado os factos descritos em g) e h).»

A esta fundamentação, a recorrente contrapõe, em síntese, o seguinte:

- A testemunha MMM afirmou que o trabalho em questão foi realizado por nove ou dez pessoas, além de si próprio;

- A lei não proíbe pagamentos e recebimentos em numerário inferiores a € 3.000.

A audição do depoimento da testemunha MMM confirma que este afirmou que o trabalho em questão foi realizado por cerca de dez pessoas. Esta afirmação é credível, pois harmoniza-se com a dimensão e a penosidade do referido trabalho, resultante da descrição constante do n.º 17. A realização do mesmo trabalho requereu, inclusivamente, a utilização de três veículos automóveis, segundo a mesma testemunha. É natural que tenha sido realizado por dez pessoas.

Consequentemente, a redacção do n.º 17 deverá ser alterada em conformidade, passando a ser a seguinte:

«Para minorar a perda dos gelados já produzidos, produtos e outra matéria-prima, bem como para retirar arcas do 1.º andar onde se encontra sediada a fábrica, para outro estabelecimento, a autora solicitou a colaboração de dez pessoas.»

No que concerne à quantia paga pela recorrente a cada uma dessas pessoas, apenas foi julgado provado o pagamento, à testemunha MMM, de € 480. A recorrente critica esta decisão do tribunal a quo, invocando as «declarações», juntas com a petição inicial, nas quais cada um dos seus subscritores afirmou ter recebido a quantia de € 480, e observando, como acima referimos, que a lei não proíbe pagamentos e recebimentos desse montante em numerário.

O problema destas «declarações» como meio de prova do conteúdo da al. h) não é a sua conformidade com a legislação fiscal, mas sim a sua credibilidade.

Desde logo, como o tribunal a quo acertadamente salientou, tais «declarações» não passam de depoimentos escritos de pessoas que, à excepção de MMM, não foram indicadas como testemunhas neste processo. Consequentemente, não podem ser valoradas como meio de prova.

Independentemente do aspecto acabado de referir, não é crível que a recorrente tenha pago € 480 a cada uma das dez pessoas que consigo colaboraram na realização do trabalho descrito no n.º 17. A testemunha MMM afirmou ter recebido essa quantia, mas apresentou uma justificação plausível: tal quantia destinou-se, não apenas a remunerar o seu trabalho, mas também a abastecer de combustível os três veículos que conseguiu que lhe fossem cedidos por terceiros e a compensar os respectivos proprietários por essa cedência. Ora, esta justificação não se aplica às restantes nove pessoas que colaboraram com a recorrente, já que, tanto quanto resultou do depoimento de MMM, essa colaboração se limitou à prestação de trabalho durante duas a três horas.

Portanto, é certo que dez pessoas colaboraram com a recorrente, mas não que nove delas tenham sido remuneradas com € 480. O próprio MMM afirmou desconhecer o montante de cada uma dessas remunerações.

A questão que se coloca é a de saber se deverá ser julgado provado que cada uma dessas nove pessoas recebeu uma remuneração, ainda que de montante não apurado. A alternativa será considerar que todas essas pessoas se dispuseram a trabalhar para a recorrente sem receberem qualquer contrapartida.

MMM afirmou que essas pessoas foram imediatamente pagas, em numerário. Por outro lado, contraria as regras da experiência comum imaginar que uma sociedade comercial conseguisse, numa situação de emergência, encontrar nove pessoas que prontamente se dispusessem a fazer um trabalho pesado como aquele que é descrito no n.º 17 sem remuneração. Aquelas regras legitimam a presunção de que tais pessoas foram remuneradas com alguma generosidade, embora sem cair no exagero que seriam € 480 por apenas duas ou três horas de trabalho.

Sendo assim, deverá ser julgado provado que, além dos € 480 pagos a MMM, a recorrente pagou, a cada uma das restantes nove pessoas que consigo colaboraram na execução do trabalho descrito no n.º 17, uma quantia cujo montante não foi possível apurar. Deverá, pois, o n.º 18 passar a ter a seguinte redacção:

«Como contrapartida pela colaboração descrita em 17, a autora pagou € 480 a MMM e uma quantia, cujo montante não foi possível apurar, a cada uma das restantes nove pessoas.»

Atenta a alteração dos n.ºs 17 e 18, a al. g) deverá ser eliminada e a al. h) deverá passar a ter a seguinte redacção:

«Cada uma das nove pessoas referidas na parte final do n.º 18 solicitou o pagamento de € 480 pelo trabalho que executou.»

2 – Montante da indemnização:

Como decorrência das alterações por si propostas à decisão sobre a matéria de facto, a recorrente pretende a condenação da recorrida no pagamento de:

- € 3.765,52, acrescidos de juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento;

- € 4.320, acrescidos de juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento.

Atenta a manutenção do conteúdo da al. a) como não provado, conforme 1.1, a primeira parcela indemnizatória não é devida. O valor atribuído pelo tribunal a quo (€ 589,58) corresponde ao do prejuízo sofrido pela recorrente em consequência do referido no n.º 10.

No que concerne à segunda parcela indemnizatória, a supressão da al. g) e as alterações introduzidas nos n.ºs 17 e 18 e na al. h), conforme 1.2, têm consequências.

Provou-se que, como contrapartida pela colaboração descrita no n.º 17, a recorrente pagou € 480 a MMM e uma quantia, cujo montante não foi possível apurar, a cada uma das restantes nove pessoas.

A quantia paga a MMM foi englobada na indemnização atribuída pelo tribunal a quo. Falta fixar uma indemnização correspondente ao valor pago pela recorrente às restantes nove pessoas que consigo colaboraram na realização do trabalho descrito no n.º 17.

Não foi possível apurar qual foi esse valor. Atendendo a que se tratou de pagamentos em numerário e que tudo indica que nenhum dos seus beneficiários emitiu recibo (não se podendo considerar como tal as «declarações» juntas com a petição inicial), como, aliás, é frequente em circunstâncias como aquelas em que o serviço foi prestado, é lícito concluir pela inviabilidade da determinação, em liquidação ulterior, do valor exacto do dano que tais pagamentos acarretaram para a recorrente.

É certo que poderia, cada uma das nove pessoas em causa, depor como testemunha num incidente de liquidação, dizendo quanto recebeu da recorrente. Porém, não se antevê que, sem corroboração através de documento, tais depoimentos fossem credíveis, tanto mais que essas pessoas já assinaram as «declarações» juntas com a petição inicial, que tudo indica não corresponderem à realidade.

Sendo assim, deverá, já nesta acção, fixar-se o valor desse dano com recurso à equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º do CC.

Tendo em conta a duração da prestação do trabalho (entre duas e três horas, segundo a testemunha MMM), a natureza deste e as circunstâncias em que o mesmo foi solicitado e executado (numa situação de extrema necessidade por parte da recorrente), mostra-se razoável um valor de € 75 por pessoa. Multiplicando por nove, ficamos com uma indemnização de € 675. É neste montante que deverá ser fixado o dano em questão.

Assim, deverá a indemnização global a atribuir à recorrente ser aumentada em € 675, totalizando € 27.353,49, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor para dívidas civis, contabilizados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso parcialmente procedente, nos seguintes termos:

- Mantém-se a al. a) do enunciado dos factos não provados.

- Altera-se a redacção do n.º 17 do enunciado dos factos provados, que passa a ser a seguinte: «Para minorar a perda dos gelados já produzidos, produtos e outra matéria-prima, bem como para retirar arcas do 1.º andar onde se encontra sediada a fábrica, para outro estabelecimento, a autora solicitou a colaboração de dez pessoas.»

- Altera-se a redacção do n.º 18 do enunciado dos factos provados, que passa a ser a seguinte: «Como contrapartida pela colaboração descrita em 17, a autora pagou € 480 a MMM e uma quantia, cujo montante não foi possível apurar, a cada uma das restantes nove pessoas.»

- Elimina-se a al. g) do enunciado dos factos não provados.

- Altera-se a redacção da al. h) do enunciado dos factos não provados, que passa a ser a seguinte: «Cada uma das nove pessoas referidas na parte final do n.º 18 solicitou o pagamento de € 480 pelo trabalho que executou.»

- Condena-se a recorrida a pagar, à recorrente, a quantia de € 675, a título de indemnização pelo dano decorrente do pagamento de contrapartidas pela prestação de trabalho por parte das nove pessoas referidas na parte final do n.º 18 do enunciado dos factos provados, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor para dívidas civis, contabilizados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

- Fixa-se, consequentemente, a indemnização global que a recorrida deverá pagar à recorrente em € 27.353,49, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor para dívidas civis, contabilizados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

- Em tudo o mais, mantém-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção do seu decaimento.

Notifique.

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Évora, 21.11.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.º adjunta)

(2.ª adjunta)


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