Processo n.º 4992/21.8T8STB.E1
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Sumário:
1 – Em princípio, um adulto que tenha completado 25 anos de idade terá de
assegurar a sua subsistência pelos seus próprios meios. Apenas na hipótese de ele
o não conseguir fazer se justifica que tal subsistência seja assegurada, total
ou parcialmente, por outrem, através da prestação de alimentos.
2 – O direito a alimentos não pode ser reconhecido a quem se colocar
voluntariamente numa situação de inactividade laboral ou, sequer, a quem não se
esforçar efectivamente no sentido de encontrar uma actividade profissional
remunerada, ainda que não seja aquela que corresponde às suas aspirações.
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Beatriz,
solteira, maior, instaurou procedimento cautelar de alimentos provisórios
contra seus pais, Manuel e Vera, pedindo a condenação destes a pagarem-lhe, a esse
título, € 493 o primeiro e € 246 a segunda.
Os
requeridos contestaram. O requerido pugnou pela improcedência da pretensão da
requerente. A requerida concluiu que o tribunal deverá fixar pensões de
alimentos a favor da requerente de montantes muito diferentes a cargo de cada
progenitor.
Realizou-se
a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença julgando o
procedimento cautelar improcedente e recusando o decretamento da providência
solicitada.
A
requerente interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes
conclusões:
1 – O
facto de ter 25 anos não significa que a Beatriz encontre de imediato emprego
para fazer face à sua necessidade de alimentos.
2 – A Beatriz
não trabalha ainda, não porque não queira, porque tem a intenção de exercer uma
actividade e está inscrita no centro de emprego, mas porque não encontrou
emprego.
3 –
São milhares e milhares os jovens desempregados e à procura de primeiro
emprego.
4 – A
ida para Braga é uma decisão voluntária, mas racional e, nessa cidade
progressiva e em crescimento, pode encontrar mais facilmente emprego do que em
Setúbal.
5 –
Se, em Setúbal, tinha direito a que os pais lhe prestassem alimentos, não é por
se encontrar em Braga que esse direito se perde.
6 – Os
pais têm perfeita capacidade para prestar os alimentos de que carece.
7 –
Periga a dignidade da recorrente enquanto pessoa humana se o recurso não tiver
provimento, pois a Beatriz é deixada à sua sorte, caindo necessariamente na
assistência social.
8 –
Por erro de interpretação, foram violados os artigos 2003.º, 2004.º, 2007.º,
2009.º e 2010.º do Código Civil, e 384.º do Código de Processo Civil.
O
requerido Manuel apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
1 – O
recurso interposto pela recorrida afigura-se desconforme com as regras impostas
quanto à impugnação da matéria de facto, quer quanto a matéria de Direito.
2 –
Tal facto impossibilita, ou dificulta, o recorrido de responder concretamente à
alegação da recorrente.
3 –
Tal implicando a rejeição do recurso nos termos do nº 1 do artº 640º do CPC.
Assim
não se entendendo:
4 – A
própria recorrente admite que tem condições para prover ao seu sustento.
5 –
Não se encontra demonstrada a necessidade de alimentos a que alude o nº 1 do
artº 2004º do CC.
6 –
Não se encontram reunidos os requisitos para que seja decretada a providência
cautelar para alimentos provisórios.
O recurso foi admitido,
com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
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Tendo em conta as conclusões das
alegações de recurso, a única questão a resolver consiste em saber se a
recorrente necessita que os requeridos lhe prestem alimentos.
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Na sentença recorrida, foram julgados
provados os seguintes factos:
1. A requerente nasceu em 19 de Março de
1996 e é filha dos requeridos Manuel e Vera.
2. A requerente é solteira e não tem
filhos.
3. Até a requerente completar 25 anos,
os alimentos eram prestados pelos requeridos, entregando cada um a quantia
mensal de € 175,00 e dividindo em partes iguais as despesas de saúde, a que
equivalia € 200,00 em média por cada progenitor.
4. Assim que a requerente completou os
25 anos, o requerido cessou a sua contribuição.
5. O requerido Manuel e a requerente
actualmente não se relacionam, não se visitam nem se contactam em virtude de um
desentendimento ocorrido entre ambos.
6. A requerente não tem emprego nem
aufere outros rendimentos sendo sua intenção arranjar um emprego, tendo-se já
inscrito no Centro de Emprego.
7. A requerente concluiu a licenciatura
em Educação Básica, inicialmente na Universidade de Évora e posteriormente no
Instituto Politécnico de Setúbal, em 2021, com a média de 17 valores.
8. A requerente pretende leccionar,
sendo requisito obrigatório para exercer a profissão de professora a realização
de mestrado.
9. A requerente encontra-se a frequentar
o mestrado no Instituto de Educação da Universidade do Minho, em Braga, com
duração de dois anos, tendo já procedido à sua inscrição.
10. Para viver em Braga, a requerente
carece de um quarto onde possa viver, cuja renda ascende a € 230,00 por mês.
11. Com alimentação gasta, em média, €
300,00 por mês.
12. Em vestuário e calçado despende em
média € 40,00 por mês.
13. A requerida necessita de
acompanhamento psicológico, no qual despende pelo menos € 130,00 por duas
consultas em cada mês.
14. Em artigos de higiene, telefone e
transportes despende cerca de € 50,00 por mês.
15. O requerido tem 60 anos de idade, é
reformado e aufere uma pensão mensal superior a € 1.600,00 euros líquidos
durante 14 meses.
16. O requerido trabalha nas vindimas,
auferindo pelo menos € 6,00 por hora, trabalhando no mínimo 5 horas durante um
período de 30 dias, o que gera um acréscimo de rendimento de € 900,00.
17. O requerido dispõe de casa com
garagem e comprou ainda outra garagem, onde faz trabalhos de carpintaria para
se ocupar.
18. O requerido paga à filha Luísa €
175,00 acrescido de metade das despesas de saúde e educação que importam uma
média de € 200,00 mensais e das propinas no montante mensal de € 172,50.
19. O requerido despende mensalmente com
a alimentação o montante de € 300,00, em vestuário e calçado pelo menos €
20,00, em internet, televisão e telemóvel a quantia de € 34,91 e em água,
eletricidade e gás a quantia de cerca de € 60,00.
20. A requerida Vera é enfermeira no
Centro Hospitalar de Setúbal e aufere um ordenado líquido de € 1 475,00.
21. A requerida despende com a filha Luísa,
nomeadamente com alojamento e alimentação, cerca de € 300,00 por mês.
22. A requerida gasta mensalmente no
passe de autocarro da Luísa cerca de € 30,00, com o ginásio e o yoga cerca de €
45,00 e € 10,00 em telemóvel.
23. A requerida tem ainda os seguintes
gastos mensais: € 100,00 em gasolina, € 26,22 no seguro do carro; € 70,00 no
IMI da sua casa; € 12,00 no imposto de circulação; € 84,00 em eletricidade e
gás, € 27,00 em água, € 42,00 em telemóvel da Vodafone, numa média mensal de €
350,00.
24. Paga de amortização do mútuo da casa
de habitação a quantia de € 108,74.
25. Em vestuário e calçado gasta pelo
menos € 20,00 por mês.
Na sentença recorrida, foram julgados
não provados os seguintes factos:
1. A requerida gasta o montante de €
260,00 em gasolina, imposto de circulação de veículo, seguro de carro e
cabeleireiro da Luísa.
2. A requerida, com a sua alimentação,
produtos de limpeza e higiene, despende mensalmente € 600,00.
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À data da instauração do presente procedimento cautelar, a recorrente já
tinha completado 25 anos de idade, pelo que a questão de saber se ela é titular
de um direito à prestação de alimentos por parte dos seus progenitores deverá
ser resolvida à luz do regime geral constante dos artigos 2003.º a 2014.º do
Código Civil (diploma ao qual pertencem todas as normas doravante referenciadas).
Decorre do artigo 2009.º, n.º 1, al. c), que, sendo a recorrente solteira
e não tendo ela filhos, os seus pais estarão vinculados a prestar-lhe alimentos
caso se verifiquem os pressupostos legais da existência de tal direito.
O artigo 2003.º, n.º 1, estabelece que, por alimentos, entende-se tudo o
que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.
O artigo 2004.º dispõe que os alimentos serão proporcionados aos meios
daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de
recebê-los (n.º 1) e que, na sua fixação, se atenderá ainda à possibilidade de
o alimentando prover à sua subsistência (n.º 2).
Entendeu-se, na sentença recorrida, que a obrigação de alimentos
pressupõe a existência de uma situação de necessidade por parte do alimentando
e que tal situação de necessidade consiste na impossibilidade de prover, total
ou parcialmente, à sua subsistência com os seus rendimentos, o seu património e
a sua força de trabalho. Consequentemente, quem requer alimentos terá de alegar
e provar estar impossibilitado ou com grave dificuldade de prover, total ou
parcialmente, à sua subsistência, seja com bens pessoais, seja com o seu
trabalho, não sendo de admitir, para este efeito, uma necessidade
voluntariamente criada.
Este entendimento é o único que se harmoniza com as normas legais que
referenciámos. Em princípio, um adulto que tenha completado 25 anos de idade
terá de assegurar a sua subsistência pelos seus próprios meios, apenas se
justificando que tal subsistência seja assegurada, total ou parcialmente, por
outrem, na hipótese de o não conseguir fazer. Tratando-se de um adulto com
capacidade para trabalhar, o mesmo só terá direito à prestação de alimentos por
outrem se provar que não consegue encontrar trabalho remunerado apesar de se
esforçar seriamente nesse sentido. O direito a alimentos não pode ser
reconhecido a quem se colocar voluntariamente numa situação de inactividade
laboral ou, sequer, a quem não se esforçar efectivamente no sentido de
encontrar uma actividade profissional remunerada, ainda que não seja aquela que
corresponde às suas aspirações. É neste sentido que deve ser interpretado o
disposto na parte final do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 2004.º.
A recorrente recebeu alimentos dos seus
progenitores até
completar 25 anos de idade. Não obstante, não completou a formação profissional
que pretende obter, pois apenas concluiu, em 2021, uma licenciatura, em
Educação Básica, e, para ser professora, como ambiciona, terá de concluir o
mestrado. Sendo assim, a recorrente, sem prejuízo de tentar concretizar o
referido objectivo, terá, antes de mais, de procurar activamente trabalho
remunerado, em vez de prolongar a sua dependência económica relativamente aos seus
pais, com a agravante de, para viver em Braga, para onde se mudou com o
objectivo de prosseguir os seus estudos, ter aumentado o montante das suas
despesas, como decorre do n.º 10 dos factos provados.
Constituía ónus da recorrente a alegação
e a prova, ainda que meramente indiciária, de factos que indiciassem uma busca
efectiva, embora infrutífera, de trabalho remunerado. Ora, isso não foi feito.
Apenas ficou demonstrado que a recorrente se encontra inscrita num centro de
emprego, não constando da matéria de facto provada desde quando, para que tipo
de trabalho se encontra disponível e que resposta tem obtido. A mera inscrição
num centro de emprego não é suficiente para demonstrar que a recorrente passou
a procurar trabalho remunerado activamente e em tempo útil, nomeadamente
respondendo a anúncios de emprego ou enviando o seu currículo a potenciais
empregadores. Tanto quanto resulta da matéria de facto provada, a actual
prioridade da recorrente é frequentar o mestrado, deslocando-se para longe da
sua residência com essa finalidade, e não procurar activamente trabalho
remunerado.
Nas alegações de recurso, a recorrente
argumenta que a sua deslocação para Braga constituiu uma decisão voluntária,
mas racional, pois, nessa cidade, progressiva e em crescimento, pode encontrar
mais facilmente emprego do que em Setúbal. Acerca deste argumento, note-se, em
primeiro lugar, que o mesmo não encontra sustentação na matéria de facto provada.
Acresce que, no requerimento inicial, a recorrente alegou coisa bem diferente,
ou seja, que se deslocou para Braga porque o mestrado que pretende frequentar é
ministrado no Instituto de Educação da Universidade do Minho, nessa cidade, não
existindo em Setúbal (artigos 11.º e 12.º). Não que tenha sido a busca de
trabalho remunerado que levou a recorrente a mudar-se para Braga.
Nas alegações de recurso, a recorrente
argumenta também que há milhares de jovens à procura do seu primeiro emprego.
Isto é verdade, mas na medida em que esses jovens não se encontram disponíveis
para qualquer trabalho. A demonstrá-lo, está o facto de haver não menos
milhares de postos de trabalho, em diversos sectores da actividade económica, que
não são ocupados devido à insuficiência da oferta de mão-de-obra. Ora, quem
atinge os 25 anos sem conseguir completar a formação profissional necessária
para o exercício da profissão que ambiciona, terá, ao menos num primeiro
momento, de se sujeitar a desempenhar um trabalho diverso, num dos sectores da
economia em que há oferta de emprego, para assegurar a sua subsistência, em vez
de continuar na dependência económica dos seus pais contra a vontade destes, ou
de um destes, como a recorrente pretende.
Concluindo, o recurso deverá improceder.
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Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas
a cargo da recorrente.
Notifique.
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Évora, 24.03.2022
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
(1.º
adjunto)
(2.ª adjunta)