quarta-feira, 29 de maio de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 23.05.2024

Processo n.º 68/20.3T8RDD.E1

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Sumário:

1 – Determinando a expropriação parcial de um prédio rústico a destruição de vedações existentes na parte expropriada, o expropriado não tem direito a ser indemnizado, cumulativamente, pelo valor das vedações destruídas e pelo valor das vedações a construir, na parte não expropriada, em substituição daquelas, com vista à reestruturação dos aparcamentos de gado.

2 – Pretendendo impugnar a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, o recorrente tem, desde logo, o ónus de formular tal pretensão nas alegações de recurso. Terá, ainda, de cumprir os ónus estabelecidos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.

3 – Apenas existe utilidade em o recorrente criticar e o tribunal ad quem apreciar a forma como o tribunal a quo apreciou a prova se o primeiro tiver formulado a pretensão de o segundo alterar a decisão proferida por este último sobre a matéria de facto e cumprido os ónus estabelecidos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.

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Expropriante:

- Infraestruturas de Portugal, S.A..

Expropriado:

- AAA, casado no regime da comunhão de adquiridos com BBB.

Interessados:

- Sociedade 1, Lda.;

- Caixa Geral de Depósitos, S.A..

Sentença recorrida:

- Julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo expropriado, tendo fixado o montante da indemnização a pagar pela expropriante, pela expropriação das parcelas n.ºs 58 e 60, no valor global de € 157.070,95, actualizada, quanto ao valor de € 142.608,33, desde a data da declaração de utilidade pública, ocorrida em 21.03.2019, até à notificação do despacho que autorizou o levantamento de parte do depósito sobre o qual se verificava o acordo das partes, incidindo a actualização, daí por diante, sobre o valor necessário a perfazer o valor total fixado nos autos até à decisão final do processo, de acordo com os índices de preços do consumidor, com exclusão da habitação, obtidos pelo Instituto Nacional de Estatística;

- Julgou totalmente improcedente o recurso interposto pela interessada Sociedade 1, Lda., mantendo a quantia que lhe foi atribuída em sede de decisão arbitral, a título de ocupação temporária das parcelas n.ºs 58T1, 58T2, 58T3, 58T4, 58T5, 58T6, 58T7, 60T1 e 60T2, no valor global de € 769,79, sem prejuízo de, no mais, ser intentada a respectiva acção, sob a forma de processo comum, actualizada, desde a data da declaração de utilidade pública, ocorrida em 21 de Março de 2019, até à decisão final do processo.

Conclusões do recurso da expropriante:

1 – Tendo, na sentença, sido atribuída uma indemnização de € 5.547 pelo valor de substituição de 740 ml de vedação que existia na parcela expropriada, esta indemnização permite aos expropriados repor igual extensão de vedação noutro local do prédio.

2 – Deste modo, mostrando-se necessário proceder à reposição de 990 ml de vedação (620 ml + 370 ml) na parte restante do prédio, importando essa reposição o custo de € 6.930 (€ 4.340 + € 2.590), haverá que atender apenas à diferença entre este valor e o valor da vedação indemnizada (€ 5.547), ou seja, € 1.383 (€ 4.340 + € 2.590 - € 5.547).

3 – Doutra forma, verifica-se uma duplicação de indemnizações, como correctamente considerou na perícia de avaliação o senhor perito GGG.

4 – A sentença recorrida, que violou, nesta parte, o artigo 29.º, n.º 2 do CE, deverá, assim, ser revogada, na parte em que atribuiu aos expropriados as indemnizações de € 4.340 e de € 2.590 a título de reposição de vedações, devendo a estes valores ser deduzido o valor de € 5.547 indemnizado a título de vedações afectadas, em consequência do que o valor indemnizatório total devido aos expropriados passa a ser de € 151.523,95, em vez de € 157.070,95.

Conclusões do recurso do expropriado:

1 – Com o devido respeito, que é muito, a sentença recorrida não fez uma correta análise da situação sub judice, nem aplicou adequadamente o Direito convocado por esta situação expropriativa. Mais do que isso, no essencial a sentença recorrida aderiu ao relatório de avaliação pericial maioritário, ignorando de todo em todo a avaliação do perito indicado pelos expropriados, Eng. HHH, e as concretas categorias de prejuízos que esta expropriação vem causar na exploração agropecuária que se desenvolve na propriedade onde se integram as parcelas expropriadas, que este perito identificou e calculou.

O que se nos depara neste processo é um efetivo deficit da tutela jurisdicional que é devida aos expropriados (os direitos fundamentais a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo – art. 20º da Constituição), pois o tribunal a quo ignorou por completo uma das avaliações periciais apresentadas nos autos, sem analisar as categorias de prejuízos aí registada e sem apresentar qualquer fundamentação material adequada e necessária para o efeito.

2 – A sentença recorrida desconsiderou integralmente e ignorou de todo a exploração pecuária que se desenvolve nestas propriedades: nenhum dos prejuízos calculados na sentença recorrida se refere a essa exploração.

Este é o erro estruturante da sentença recorrida e da avaliação pericial maioritária: foi totalmente ignorada a exploração pecuária que se desenvolve nestas propriedades, constituída por várias centenas de cabeças de gado.

3 – Numa perspetiva mais ampla, profunda e envolvida com o processo do que aquela que foi adotada na avaliação pericial maioritária e na sentença recorrida, o perito Eng. HHH, designado pelos expropriados, considerou que, para além dos prejuízos que os restantes peritos e a sentença recorrida consideraram (que calculou da mesma forma), existem outras categorias de prejuízos indemnizáveis que os demais peritos, em erro, não consideraram.

Nos relatórios de avaliação e esclarecimentos apresentados nos autos, este perito, atendendo ao objeto do recurso do acórdão arbitral apresentado pelos expropriados, calculou inicialmente todas as categorias de prejuízos que vinham invocados pelos expropriados nesse recurso: (i) seja os que se referiam em concreto à exploração agropecuária que se desenvolve nesta propriedade, (ii) seja os que tinham que ver com outras realidades, designadamente a desvalorização da propriedade e do seu monte habitacional no mercado.

No entanto, seja a entidade expropriante, seja o próprio tribunal recorrido (noutro processo judicial de expropriação aí em curso), defendiam/decidiu que nos processos de expropriação só são indemnizáveis os prejuízos que resultem, diretamente, da expropriação, e não também outros prejuízos indiretos (como a desvalorização no mercado das parcelas sobrantes).

Assim, conformando-se com este entendimento, no seu requerimento de 16.02.2023, os expropriados vieram reduzir o seu pedido indemnizatório, circunscrevendo a tutela indemnizatória peticionada à afetação/prejuízos para a exploração agropecuária que se desenvolve nesta propriedade.

4 – Neste contexto, o pedido indemnizatório dos expropriados passou a ser exclusivamente referenciado à exploração agropecuária desenvolvida na propriedade, pedindo-se, para além da indemnização calculada na Avaliação pericial maioritária e na Sentença recorrida, a consideração de outras categorias de prejuízos indemnizáveis, em particular as seguintes:

a. Danos pela afetação da exploração agropecuária desenvolvida na parcela:

i. Desvalorização da subparcela 2: € 56.250;

ii. Prejuízos relativos à diminuição da área de exploração e consequente desvalorização por perda de área das parcelas sobrantes a norte e a sul: € 388.710,71;

iii. Desvalorização por inexistência de infraestruturas necessárias à exploração da subparcela 3: € 25.000;

iv. Redução da profundidade da subparcela 3: € 58.400;

v. Perda de potencial cinegético: € 34.110;

vi. Compensação pelas dificuldades de acesso/circulação interna: € 29.200;

vii. Outros prejuízos relativos à reestruturação da exploração: € 50.000;

b. Perda de subsídios/ajudas: € 60.660,38.

São estas as categorias de prejuízos que vêm peticionadas, sublinhando-se que só por erros incompreensíveis os peritos do tribunal não atenderam a estes fatores.

Deste modo, ao valor indemnizatório fixado na Sentença recorrida devem acrescer os valores destas categorias de prejuízos indemnizáveis.

5 – A sentença recorrida aderiu à avaliação pericial maioritária pelas seguintes razões essenciais:

a. Por vir subscrita pelos peritos designados pelo tribunal, da lista oficial, que assim conferem maiores garantias de imparcialidade, além da competência técnica que lhes é reconhecida (págs. 31/32 da sentença recorrida);

b. «Não deve o julgador ter a pretensão de se substituir aos peritos, emitindo juízos valorativos acerca de questões de cariz sobremaneira técnico, para o qual não tem a adequada preparação técnico-científica» (pág. 59 da sentença recorrida);

c. «Tal como já se teve oportunidade de referir, em caso de discordância entre peritos, deve-se dar prevalência ao parecer elaborados pelos peritos designados pelo tribunal, visto que eles possuem uma posição mais distante, imparcial e objetiva…» (pág. 58 da sentença recorrida).

Assim, uma constatação evidente: a sentença recorrida não seguiu a avaliação pericial maioritária na sequência de qualquer análise efetuada ao respetivo mérito intrínseco (bondade e justiça das opções aí efetuadas) ou como resultado da comparação efetuada entre a avaliação pericial maioritária e a avaliação do perito Eng. HHH.

Não: a sentença recorrida aderiu à avaliação pericial maioritária de forma apriorística, com base nos referidos 3 pressupostos, sem qualquer análise ou confronto das avaliações em causa.

Por outro lado, a sentença recorrida não considerou por qualquer forma a avaliação pericial do perito Eng. HHH nas seguintes (infelizes) afirmações: «Por sua vez, o senhor perito indicado pelos expropriados apresenta uma posição consideravelmente desfasada da posição dos demais peritos (...). Assim, apresenta outros danos que entende ser de considerar na presente sede de processo expropriativo, quer quanto a reposições, quer quanto a desvalorizações, a que acrescenta prejuízos anuais causados pela expropriação. Ora, os cálculos e valores carreados ao processo surgem irrealistas, ficcionados, carecidos de qualquer justificação plausível (em especial, o valor de € 50.000,00 a título de “outros prejuízos”), quer por referência à parcela em causa, quer atendendo à utilização que reconhecidamente detinha à data da declaração de utilidade pública, revestindo teor especulativo e, por tal motivo, inidóneo à fixação da justa indemnização» (pág. 29 da sentença recorrida).

Mais uma vez, uma constatação evidente: a sentença recorrida desconsiderou em absoluto a avaliação pericial do perito Eng. HHH, sem ter efetuado qualquer análise ao respetivo mérito intrínseco (bondade e justiça das opções aí efetuadas) ou como resultado da comparação efetuada entre a avaliação pericial maioritária e a avaliação do perito Eng. HHH.

Não: a sentença recorrida excluiu in limine a avaliação pericial do perito Eng. HHH de forma apriorística: porque não vem subscrita pelos peritos designados pelo tribunal e porque considerou outras categorias de prejuízos indemnizáveis que esses peritos não consideraram, esta avaliação deve ser desconsiderada, sem qualquer análise ou confronto das avaliações em causa.

6 – Este critério de adesão dos tribunais às avaliações periciais maioritárias, com o devido respeito, não é aceitável, redundando num critério puramente formal e apriorístico, sem qualquer fundamentação material que o justifique: trata-se de uma efetiva denegação de justiça.

Envolvidas nesta questão vão as seguintes 3 questões jurídicas e jurídico-processuais essenciais para a decisão indemnizatória a proferir no processo:

a. A absoluta necessidade de o tribunal considerar todos os fatores relativos à afetação que esta expropriação/linha férrea vem causar na exploração agropecuária desenvolvida nesta propriedade;

b. A natureza meramente instrutória do relatório de avaliação dos peritos indicados pelo tribunal e a autonomia e independência deste órgão de soberania face àquele relatório no cálculo da justa indemnização devida em expropriações por utilidade pública; condição essencial para que os tribunais possam aderir às conclusões dos peritos é que estas ponderem todos os fatores juridicamente relevantes e respeitem as exigências legais, designadamente a metodologia e critérios estabelecidos no Código das Expropriações devidamente interpretados pela tutela constitucional. Se assim não for, como não é no caso que nos ocupa, as avaliações efetuadas pelos peritos não podem ser seguidas;

c. Constitui hoje jurisprudência pacífica que, cumprindo os requisitos legais, o tribunal pode aderir a qualquer um dos relatórios de avaliação apresentados nos processos expropriativos. o facto de apenas um dos peritos ter respeitado as exigências técnicas e legais que devem presidir às avaliações efetuadas em processos expropriativos não impede os tribunais de aderir à respetiva avaliação: pelo contrário, nessa situação deve aderir à metodologia e valores indemnizatórios aí adotados, por serem estes os corretos.

7 – Porque a sentença recorrida, inadvertidamente, incluiu nos factos, matéria de Direito e decisória, naturalmente que, na medida em que não se conformem com o que aqui se peticiona, esses factos vão impugnados.

Questões a decidir:

1 – Se se verifica uma duplicação de indemnizações atribuídas pela reposição de vedações;

2 – Se a expropriação causou os prejuízos reclamados pelo expropriado;

3 – Se a expropriante litigou de má-fé.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1. Por despacho proferido pelo Senhor Ministro das Infraestruturas e da Habitação em (…), publicado no Diário da República n.º (…), II Série, de (…), com o n.º (…), de (…), foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, entre outras, da expropriação dos bens móveis e imóveis e direitos a eles inerentes, necessários à execução da obra que consiste na construção da «Nova Ligação Ferroviária entre Évora Norte e Elvas/Caia, da Linha de Évora – Subtroço Freixo/Alandroal», identificada no mapa de expropriações e nas plantas parcelares n.ºs (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…);

2. Nesse âmbito, foi assim declarada a expropriação por utilidade pública da Parcela n.º (…), com a área de 117.655 m2, que confronta do Norte e Sul com restante prédio, do Nascente com (…) e outros e do Poente com (…), a destacar da parte rústica do prédio misto situado no lugar denominado Herdade do (…), na freguesia e concelho de Redondo, inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), Secção (…) e na matriz urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Redondo sob o número (…);

3. No âmbito do acto identificado em 1), foi concedido o direito a ocupação temporária das seguintes parcelas pertencentes ao mesmo prédio:

a. Parcela n.º (…), com área de 230 m2, que confronta do Norte e Sul com restante prédio, do Nascente com (…) e do Poente com (…);

b. Parcela n.º (…), com área de 1.461 m2, que confronta do Norte, Sul e Nascente com restante prédio e do Poente com (…);

c. Parcela n.º (…), com área de 24 m2, que confronta do Norte e Poente com (…) e do Sul e Nascente com restante prédio;

d. Parcela n.º (…), com área de 1.412 m2, que confronta do Norte, Sul, Nascente e Poente com restante prédio;

e. Parcela n.º (…), com área de 1.286 m2, que confronta do Norte, Sul, Nascente e Poente com restante prédio;

f. Parcela n.º (…), com área de 2.355 m2, que confronta do Norte, Sul e Poente com restante prédio e do Nascente com (…); e

g. Parcela n.º (…), com área de 1.641 m2, que confronta do Norte, Sul e Poente com restante prédio e do Nascente com parcela (…);

4. Foi igualmente declarada a expropriação por utilidade pública da Parcela n.º (…), com área de 1.842 m2, que confronta do Norte e Sul com restante prédio, do Nascente com (…) e do Poente com (…), a destacar da parte rústica do prédio misto situado no lugar denominado Herdade do (…), na freguesia e concelho de Redondo, inscrito na matriz rústica sob o artigo rústico (…), secção (…) e na matriz urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Redondo sob o número (…);

5. No âmbito do acto identificado em 1), foi concedido o direito a ocupação temporária das seguintes parcelas pertencentes ao mesmo prédio:

a. Parcela n.º (…), com área de 542 m2, que confronta do Norte com restante prédio e outro, do Sul com restante prédio, do Nascente com (…) e do Poente com (…); e

b. Parcela n.º (…), com área de 1.213 m2, que confronta do Norte e Sul com restante prédio, do Nascente com (…) e do Poente com (…);

6. AAA, casado com BBB, no regime de comunhão de adquiridos, encontra-se registado como titular do direito de propriedade dos prédios referidos em 2) e em 4);

7. Em 10.12.2003, entre AAA e Sociedade 1, Lda., foi acordado que aquele cede a esta a exploração agrícola dos prédios denominados “(…)” e “(…)” e a utilização dos edifícios e outras construções neles existentes, entre 01.01.2004 e 30.09.2014, através de documento escrito intitulado “Contrato de Comodato”;

8. Em 14.12.2009, entre AAA e Sociedade 1, Lda., foi acordada a renovação automática, por sucessivos períodos de sete anos, do acordo logrado em 10.12.2003, através de documento escrito intitulado Alteração ao Contrato de Comodato”;

9. Em 02.09.2019, foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam às referidas parcelas n.º (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…);

10. Em 09 de Outubro de 2019, a entidade expropriante foi investida da posse administrativa das parcelas descritas em 2) a 5);

11. Em 28.04.2020, foi proferido o Acórdão Arbitral em relação às parcelas expropriadas e ainda às parcelas abrangidas pela ocupação temporária, tendo sido atribuídas as seguintes indemnizações:

a. € 140.840,01 quanto às parcelas n.ºs (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), a atribuir ao proprietário;

b. € 635,57 quanto às parcelas n.ºs (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), a atribuir à comodatária;

c. € 1.768,32 quanto às parcelas n.ºs (…), (…) e (…), a atribuir ao proprietário;

d. € 134,22 quanto às parcelas n.ºs (…), (…) e (…), a atribuir à comodatária;

12. No referido Acórdão Arbitral, quanto às parcelas n.ºs (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), foi considerado o seguinte:

a. Avaliação do solo do prédio atendendo ao aproveitamento de montado de azinho e olival tradicional de sequeiro;

b. Avaliação do valor das vedações existentes, de três sobreiros e do valor necessário para substituição de duas redes de abastecimento de água aos pontos de abeberamento do gado, abastecidas por dois furos;

c. Criação de 3 faixas estreitas de terreno:

i. Uma perpendicular à linha, na extrema poente do prédio, na Ribeira (…), com área de 2.225 m2, ocupada por montado de azinho;

ii. Duas paralelas à linha, a nascente da anterior, respectivamente com as áreas de 3.613 m2, ocupada por olival, e 8.420m2, ocupada por montado de azinho;

d. Ocupação temporária de área total de 8.409 m2, sendo 0,66940 ha de montado de azinho e 0,17150 ha de olival tradicional;

13. No referido Acórdão Arbitral, quanto às parcelas n.ºs (…), (…) e (…), foi considerado o seguinte:

a. Avaliação do solo do prédio atendendo ao aproveitamento de montado de azinho;

b. Ocupação temporária de área total de 1.755,00 m2 de montado de azinho;

14. A parcela n.º (…), identificada em 2), de acordo com o Plano Director Municipal do Redondo localiza-se de acordo com a Planta de Ordenamento em Espaços Rurais – Área de Agricultura Intensiva (integrados na RAN) com 32.486 m2 e em Espaços Rurais - Áreas de Montado (incluídas na Rede de Protecção e Valorização Ambiental) com 85.169 m2, e de acordo com a Planta de condicionantes em RAN em Reserva Agrícola Nacional com 27.503 m2, em Rede de Protecção e Valorização Ambiental – Montados de Azinho e Reserva Ecológica Nacional com 92.239 m2 e Reserva Ecológica Nacional com 14.004 m2;

15. As parcelas identificadas em 2) e em 3) não têm declives significativos, têm formas quadrangulares irregulares e são constituídas em parte com aptidão agrícola para olival e culturas arvenses de sequeiro e parte com montado de azinho e alguns sobreiros dispersos;

16. À data referida em 9), as parcelas identificadas em 2) e em 3) com aptidão silvo-pastoril encontravam-se ocupadas por pastagens biológicas e montado de azinho, sendo o solo caracterizado por morfologia plana de profundidade média a baixa, com mediana disponibilidade hídrica e capacidade de retenção de água;

17. À data referida em 9), nas parcelas 58, 58T1, 58T2 e 58T3 existia um olival tradicional de sequeiro, com compasso de 10 m x 10 m, com cerca de 60 anos de idade e em bom estado vegetativo, com cerca de 240 oliveiras;

18. À data referida em 9), nas parcelas 58, 58T1, 58T2 e 58T3 existiam 115 azinheiras de médio porte, 153 azinheiras de grande porte afectadas ao montado de azinho, e 3 sobreiros de grande porte (descortiçados em 2018);

19. À data referida em 9), nas parcelas identificadas em 2) e em 3) existiam:

a. 182 m de vedação em rede ovelheira encimada por arame farpado (3 fiadas) com postes de madeira tratada;

b. 58 m de vedação em rede ovelheira encimada por arame farpado (2 fiadas) com postes de madeira tratada;

c. 121 m de vedação em rede ovelheira encimada por arame farpado (2 fiadas) com postes de madeira tratada;

d. 56 m de vedação em rede ovelheira encimada por arame farpado (3 fiadas) com postes de madeira tratada;

e. 44 m de vedação em rede ovelheira encimada por arame farpado (2 fiadas) com postes de madeira tratada;

f. 81 m de vedação em rede ovelheira encimada por arame farpado (3 fiadas) com postes de madeira tratada;

g. 100 m de vedação em rede ovelheira encimada por arame farpado (2 fiadas) com postes de madeira tratada;

h. 48 m de vedação em rede ovelheira encimada por arame farpado (3 fiadas) com postes de madeira tratada;

i. 50 m de vedação em rede ovelheira encimada por arame farpado (2 fiadas) com postes de madeira tratada;

j. 24 m de vedação electrificada com três condutores assentes em postes de madeira tratada;

20. A parcela n.º (…), identificada em 4), de acordo com o Plano Director Municipal do Redondo localiza-se, de acordo com a Planta de Ordenamento, em 1266 m2 em Espaços Rurais – Área de Agricultura Intensiva (integrados na RAN) e 576 m2 em Espaços Rurais - Áreas de Montado (incluídas na Rede de Protecção e Valorização Ambiental), e de acordo com a Planta de condicionantes em RAN (em Reserva Agrícola Nacional) em Rede de Protecção e Valorização Ambiental – Montados de Azinho e Reserva Ecológica Nacional;

21. As parcelas identificadas em 4) e em 5) não têm declives significativos, têm formas quadrangulares irregulares e são constituídas em parte com aptidão agrícola para culturas arvenses de sequeiro e parte com montado de azinho;

22. À data referida em 9), as parcelas identificadas em 4) e em 5) com aptidão silvo-pastoril encontravam-se ocupadas por pastagens biológicas e montado de azinho, sendo o solo caracterizado por morfologia plana de profundidade média a baixa, com mediana disponibilidade hídrica e capacidade de retenção de água;

23. À data referida em 9), nas parcelas identificadas em 4) e em 5) existiam 11 azinheiras de grande porte;

24. Os Árbitros e os Srs. Peritos classificaram as parcelas a expropriar como «solo para outros fins»;

25. Na sequência do acto expropriativo, a exploração única existente nos prédios identificados em 2) e em 4) fica dividida em duas parcelas;

26. A parcela a norte da parte expropriada fica com cerca de 95,50 ha;

27. A parcela a norte da parte expropriada tem acesso à parcela a sul, estando previstas, pelo menos, três passagens;

28. A parte não expropriada a norte manterá proporcionalmente os mesmos cómodos que detinha antes da expropriação, sendo necessário reajustar os parqueamentos de gado existentes e criar um novo ponto de água;

29. A fim de reajustar os parqueamentos de gado existentes é necessário construir 370,00 m de vedação, a um custo unitário de € 7,00/m, o que representa um custo de € 2.590,00;

30. A fim de criar um ponto de água para repor o abastecimento à parcela norte é necessária a colocação de 805 m de tubo próprio, que tem um custo global de € 864,75 que compreende os seguintes valores:

a. Tubagem PE 2” – 805 m x € 0,95/m = € 764,75;

b. Acessórios (braçadeiras, torneiras de corte, uniões) - € 50,00;

c. Mão-de-obra – 2 homens x 0,5 dias = 2 x 0,5 x € 50,00 = € 50,00;

31. Na sequência do acto expropriativo, sobra, na área a norte das parcelas expropriadas, o seguinte:

a. Uma parcela de olival com área de 3.613,00 m2, que devido às suas pequenas dimensões, perde o seu interesse económico, desvalorizando em 90%, a que corresponde um valor de € 4.878,00, considerando o valor unitário de € 1,50/m2;

b. Uma parcela de azinhal com área de 2.225,00 m2, na extrema poente da propriedade, excluída dos parques de maneio, desvalorizando em 80%, a que corresponde um valor de € 1.780,00, considerando o valor unitário de € 1,00/m2;

c. Uma parcela de azinhal com área de 8.420,00 m2, paralela à parte expropriada, bastante estreita e de pequena área, desvalorizando em 50%, a que corresponde um valor de € 4.210,00, considerando o valor unitário de € 1,00/m2;

32. A parcela a sul da parte expropriada fica com cerca de 198 ha, e as suas características mantêm-se;

33. A parte não expropriada a sul manterá proporcionalmente os mesmos cómodos que detinha antes da expropriação, sendo necessário reajustar os parqueamentos de gado existentes e colocar um ponto de água para abeberamento do gado;

34. A fim de reajustar os parqueamentos de gado existentes é necessário construir 620,00 m de vedação, a um custo unitário de € 7,00/m, o que representa um custo de € 4.340,00;

35. A fim de colocar um ponto de água para abeberamento do gado é necessária a colocação de 1546 m de tubo próprio, que tem um custo global de € 1.568,70 que compreende os seguintes valores:

a. Tubagem PE 2” – 1.546 m x € 0,95/m = € 1.468,70;

b. Acessórios (braçadeiras, torneiras de corte, uniões) = € 50,00;

c. Mão-de-obra – 2 homens x 0,5 dias = 2 x 0,5 x € 50,00 = € 50,00;

36. Tendo em consideração o montado de azinho existente, incluindo a produção de pastagem e a produção de bolota, o valor do solo de montado corresponde a € 1,00/m2;

37. Tendo em consideração o olival tradicional existente, incluindo a produção de pastagem e a produção de azeitona, o valor do solo com olival tradicional corresponde a € 1,50/m2;

38. A parcela identificada em 2) é constituída por 95.114 m2 de solo de montado de azinho e de 22.541 m2 de solo com olival tradicional;

39. A parcela identificada em 4) é constituída por 1.842 m2 de solo de montado de azinho;

40. Pelos Srs. Peritos foi atribuído o valor de € 130,00 a cada um dos três sobreiros existentes na parcela identificada em 2);

41. Na parcela identificada em 2) foi destruído o seguinte:

a. 367 m de vedação composta de rede ovelheira assente em paus de madeira, com arame farpado (3 fiadas) cujo valor do metro linear se estima em € 8,00, totalizando € 2.936,00;

b. 373 m de vedação composta de rede ovelheira assente em paus de madeira, com arame farpado (2 fiadas) cujo valor do metro linear se estima em € 7,00, totalizando € 2.611,00;

42. A parcela identificada em 3), ponto a., é constituída por 230 m2 de olival tradicional, a que corresponde, pela sua inutilização, uma perda de € 55,20, considerando 230 m2 x € 0,24/m2;

43. A parcela identificada em 3), ponto b., é constituída por 1.461 m2 de olival tradicional, a que corresponde, pela sua inutilização, uma perda de € 350,64, considerando 1.461 m2 x € 0,24/m2;

44. A parcela identificada em 3), ponto c., é constituída por 24 m2 de olival tradicional, a que corresponde, pela sua inutilização, uma perda de € 5,76, considerando 24 m2 x € 0,24/m2;

45. A parcela identificada em 3), ponto d., é constituída por 1.412 m2 de azinhal, a que corresponde, pela sua inutilização, uma perda de € 211,80, considerando 1.412 m2 x € 0,15/m2;

46. A parcela identificada em 3), ponto e., é constituída por 1.286 m2 de azinhal, a que corresponde, pela sua inutilização, uma perda de € 192,90, considerando 1.286 m2 x € 0,15/m2;

47. A parcela identificada em 3), ponto f., é constituída por 2.355 m2 de azinhal, a que corresponde, pela sua inutilização, uma perda de € 353,25, considerando 2.355 m2 x € 0,15/m2;

48. A parcela identificada em 3), ponto g., é constituída por 1.641 m2 de azinhal, a que corresponde, pela sua inutilização, uma perda de € 246,15, considerando 1.641 m2 x € 0,15/m2;

49. A parcela identificada em 5), ponto a., é constituída por 542 m2 de azinhal, a que corresponde, pela sua inutilização, uma perda de € 81,30, considerando 542 m2 x € 0,15/m2;

50. A parcela identificada em 5), ponto b., é constituída por 1.213 m2 de azinhal, a que corresponde, pela sua inutilização, uma perda de € 181,95, considerando 1.213 m2 x € 0,15/m2;

51. No prédio identificado em 2), existe na Herdade do (…) uma construção rural e edifício com 9 compartimentos térreos para habitação, cavalariça e forno, em ruína;

52. No prédio identificado em 4), existe na Herdade do (…) um edifício para habitação com 12 compartimentos, 18 compartimentos para celeireiros, casa da malta, oficina, casa de máquina, cocheira, palheiro, cabana de bois e dependências destinadas a arrecadação de alfaias agrícolas.

Factos julgados não provados pelo tribunal a quo:

a) Salvaguardada a factualidade provada em 28) a 30) e em 33) a 35), os expropriados, para que as parcelas sobrantes mantenham, proporcionalmente, os mesmos cómodos, têm outros encargos ou prejuízos;

b) Salvaguardada a factualidade provada em 31), as parcelas sobrantes não mantêm, proporcionalmente, os mesmos cómodos;

c) Em resultado da expropriação, os expropriados, quanto à exploração realizada nos prédios identificados em 2) e em 4), deixam de receber € 60.660,38 a título de subsídios e/ou ajudas.

*

1 – Se se verifica uma duplicação de indemnizações atribuídas pela reposição de vedações:

Na sentença recorrida, foi julgado provado que:

«29. A fim de reajustar os parqueamentos de gado existentes é necessário construir 370,00 m de vedação, a um custo unitário de € 7,00/m, o que representa um custo de € 2.590,00;

34. A fim de reajustar os parqueamentos de gado existentes é necessário construir 620,00 m de vedação, a um custo unitário de € 7,00/m, o que representa um custo de € 4.340,00;

41. Na parcela identificada em 2) foi destruído o seguinte:

a. 367 m de vedação composta de rede ovelheira assente em paus de madeira, com arame farpado (3 fiadas) cujo valor do metro linear se estima em € 8,00, totalizando € 2.936,00;

b. 373 m de vedação composta de rede ovelheira assente em paus de madeira, com arame farpado (2 fiadas) cujo valor do metro linear se estima em € 7,00, totalizando € 2.611,00.»

A expropriante sustentou, perante o tribunal a quo, que a atribuição cumulativa de uma indemnização com o valor de € 6.930, resultante da soma dos valores referidos nos n.ºs 29 e 34, e de uma indemnização com o valor de € 5.547, resultante da soma dos valores referidos no n.º 41, constitui uma duplicação de indemnizações.

Foi diverso o entendimento do tribunal a quo, que atribuiu, ao expropriado, uma indemnização correspondente à totalidade dos valores referidos nos n.ºs 29, 34 e 41. As razões desta decisão são, em síntese, as seguintes:

- As vedações referidas no n.º 41, que não foram reaproveitadas, são indemnizáveis como benfeitorias destruídas, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações (CE);

- Os valores referidos nos n.ºs 29 e 34, respeitantes à construção das vedações necessárias para o reajustamento dos parques de gado, são indemnizáveis nos termos do n.º 2 do artigo 29.º do CE;

- Ou seja, trata-se de indemnizações emergentes de «dois factores originariamente distintos»; «por um lado, é devida a indemnização pela destruição de vedações existentes na parte expropriada, vedações essas que não são passíveis de reaproveitamento. Por outro, é devida a compensação por prejuízos causados, em especial quanto à construção de novas vedações, a fim de a parcela sobrante manter os mesmos cómodos.»

Inconformada, a expropriante insiste, perante o tribunal ad quem, que se verifica uma duplicação de indemnizações, uma vez que a indemnização atribuída para ressarcimento das vedações destruídas permite a reposição de igual extensão da vedação necessária para a reorganização dos parques de gado.

Analisemos a questão.

O n.º 1 do artigo 23.º do CE estabelece que a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que, para o expropriado, advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.

O n.º 2 do artigo 29.º do CE estabelece que quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada.

O tribunal a quo interpretou estas duas normas no sentido de atribuírem, ao expropriado, indemnizações autónomas, com origem diversa, logo cumuláveis entre si.

Discordamos deste entendimento.

O n.º 1 do artigo 23.º do CE densifica o conceito de «justa indemnização» que consta do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição. De acordo com esta norma, a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização. No plano da lei ordinária, a referida norma do CE estabelece o critério geral de cálculo da indemnização devida em caso de expropriação por utilidade pública, sendo complementada e concretizada por diversas outras normas, entre as quais o n.º 2 do artigo 29.º do mesmo código.

Daí que o n.º 2 do artigo 29.º do CE não atribua um direito de indemnização distinto daquele a que n.º 1 do artigo 23.º do CE se refere. Não é assim que estas duas normas se articulam.

O artigo 29.º do CE contém normas específicas para a hipótese de expropriação parcial. Uma dessas normas é a do n.º 2, da qual resulta, além do mais, que, quando a divisão do prédio torne necessária a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, se deverá especificar, em separado, o seu custo, que acresce, como prejuízo resultante da expropriação, ao valor da parte expropriada. Esta norma, à semelhança das restantes sobre a forma de cálculo da indemnização decorrente de expropriação por utilidade pública, deve ser interpretada e aplicada tendo como pano de fundo o princípio geral consagrado no n.º 1 do artigo 23.º do CE. De forma alguma o n.º 1 do artigo 23.º e o n.º 2 do artigo 29.º do CE atribuem, ao expropriado, indemnizações distintas e cumuláveis entre si.

Este entendimento é o único que se harmoniza com o princípio geral consagrado no n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, de acordo com o qual, sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.

Contrariaria este princípio atribuir, ao expropriado, uma indemnização correspondente ao valor de uma vedação cuja destruição seja consequência da expropriação e, cumulativamente, uma indemnização correspondente ao valor necessário para a construção de vedação idêntica na parte não expropriada. Com fundamento na destruição de uma vedação, o expropriado receberia o dobro do valor desta. Imaginemos que o valor da vedação destruída era de 10 e o da vedação a construir, com a mesma função daquela, na parte do prédio não expropriada, também era de 10. Se o expropriado tivesse direito a receber uma expropriação de 20, beneficiaria de um enriquecimento injustificado de 10, pois, com fundamento na destruição de uma vedação com o valor de 10, receberia 20.

Isto faria tanto sentido como o proprietário de um veículo destruído em consequência de um acidente de viação receber, a título de indemnização, o valor do veículo destruído e o valor de um veículo idêntico a este. Ou, no exemplo avançado pela expropriante, o expropriado receber o valor de uma casa existente na parte expropriada do seu prédio com fundamento na sua destruição e, cumulativamente, o valor de uma casa idêntica a construir na parte não expropriada do mesmo prédio. Ou seja, não faria qualquer sentido. Pela destruição de um veículo ou de uma casa, o proprietário receberia o valor de dois veículos ou de duas casas.

No caso dos autos, pela destruição de uma vedação, o expropriado não pode receber o valor de duas vedações: o da destruída na parte expropriada do prédio e o da construída, para substituir a primeira, na parte não expropriada do mesmo prédio. Se isso acontecesse, o expropriado ficaria com uma vedação substitutiva da anterior na parte não expropriada do prédio e, ainda, com o valor desta última em dinheiro. Gerar-se-ia um enriquecimento injustificado do expropriado.

O reajustamento dos parques de gado pertencentes ao expropriado implica a construção de vedações com uma extensão total superior à das vedações pré-existentes que foram destruídas. O valor total das primeiras é de € 6.930 (€ 2.590 + € 4.340), excedendo em € 1.383 o valor total das segundas, que é de € 5.547 (€ 2.936 + € 2.611). Para ficar na situação patrimonial em que se encontraria na hipótese de a expropriação não ter ocorrido, o expropriado deverá receber uma indemnização suficiente para proceder ao reajustamento dos parques de gado, mas não mais que isso, sob pena de beneficiar de um incremento patrimonial sem justa causa. Ou seja, o expropriado deverá receber uma indemnização no montante de € 6.930, que o colocará, no que aos parques de gado respeita, em situação equivalente àquela em que se encontraria se a expropriação não tivesse ocorrido.

Secundamos, assim, a expropriante, quando conclui que, atribuída que está a quantia de € 5.547 pelos 740 metros lineares de vedação afectada, apenas haverá que pagar, ao expropriado, além disso, o acima referido valor de € 1.383 (€ 6.930 - € 5.547).

Deverá, pois, o recurso interposto pela expropriante ser julgado integralmente procedente, alterando-se a sentença recorrida em conformidade.

2 – Se a expropriação causou os prejuízos reclamados pelo expropriado:

O expropriado insurge-se contra a sentença recorrida por, no seu entendimento, não ter sido ressarcido da totalidade dos prejuízos que sofreu em consequência da expropriação.

As críticas que o expropriado dirige ao tribunal a quo são, fundamentalmente, duas:

- O tribunal a quo aderiu ao parecer maioritário dos peritos, desprezando o parecer do perito indicado pelo expropriado, de forma apriorística, ou seja, tendo apenas em consideração o número de subscritores de cada uma das teses em confronto e quem indicou cada um deles, sem avaliar o mérito intrínseco das referidas teses;

- O tribunal a quo não teve em consideração a existência de uma exploração pecuária, constituída por várias centenas de cabeças de gado, na propriedade onde se integram as parcelas expropriadas, o que o levou a ignorar várias categorias de prejuízos, em particular as seguintes:

- Prejuízos pela afectação da exploração agropecuária desenvolvida:

- Desvalorização da subparcela 2: € 56.250;

- Prejuízos relativos à diminuição da área de exploração e consequente desvalorização por perda de área das parcelas sobrantes a norte e a sul: € 388.710,71;

- Desvalorização por inexistência de infraestruturas necessárias à exploração da subparcela 3: € 25.000;

- Redução da profundidade da subparcela 3: € 58.400;

- Perda de potencial cinegético: € 34.110;

- Compensação pelas dificuldades de acesso/circulação interna: € 29.200;

- Outros prejuízos relativos à reestruturação da exploração: € 50.000;

- Perda de subsídios/ajudas: € 60.660,38.

Entre estes dois vectores fundamentais do recurso interposto pelo expropriado, verifica-se uma lacuna. O expropriado não impugna a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto. Não se trata, simplesmente, de não cumprir qualquer dos ónus estabelecidos no artigo 640.º do Código de Processo Civil (CPC). O expropriado nem sequer formula a pretensão de impugnar aquela decisão. Passa directamente da crítica à forma como o tribunal a quo apreciou a prova pericial para o enunciado das parcelas indemnizatórias a que conclui ter direito, sem a indispensável mediação de uma alteração do enunciado da matéria de facto.

Apenas faz sentido o recorrente criticar a forma como o tribunal a quo apreciou a prova se, daí, retirar conclusões ao nível da matéria de facto. Ou seja, se o recorrente, desde logo, formular a pretensão de que o tribunal ad quem altere a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo. E se, tendo formulado tal pretensão, o recorrente cumprir os ónus estabelecidos no artigo 640.º do CPC, um dos quais respeita, precisamente, à forma de exposição daquela crítica.

Criticar a forma como o tribunal a quo apreciou a prova sem proceder nos termos acabados de descrever é inconsequente. Critica-se, mas, dessa crítica, não se retira qualquer efeito útil, que apenas poderia ser a alteração de pontos concretos, que o recorrente tem o ónus de especificar [artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC], do enunciado da matéria de facto.

Apreciar, nestas circunstâncias, a forma como o tribunal a quo apreciou a prova, também seria inconsequente. Em face da falta de formulação, pelo recorrente, da pretensão de alteração da decisão sobre a matéria de facto e do total incumprimento dos ónus estabelecidos no artigo 640.º do CPC, está vedado, ao tribunal ad quem, alterar a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto.

Sendo assim, não procederemos à reapreciação da prova pericial, como o expropriante pretende. A matéria de facto encontra-se definitivamente fixada e é em função dela que o recurso por aquele interposto terá de ser apreciado.

Analisemos, então, a questão de saber se, em função da matéria de facto provada, o expropriado tem direito a ser indemnizado nos termos que pretende.

O expropriado argumenta que, «considerando as características da propriedade onde se integram as parcelas expropriadas (com cerca de 312 ha), esta expropriação, que provoca a divisão desta propriedade em duas partes (a sobrante a norte da ferrovia ficará com cerca de 95 ha, sem Monte habitacional, e a sobrante a sul da ferrovia ficará com cerca de 198 ha), determinará que cada uma destas áreas sobrantes (com áreas naturalmente muito inferiores à da propriedade que existia) perca valor de produção em face dessa menor área e veja reduzida as consequentes aptidões, funcionalidades e rentabilidade. (…) Os custos de produção da exploração pecuária que se desenvolve na propriedade onde se integravam as parcelas expropriadas aumentam efetivamente com a divisão da propriedade em 2 parcelas autónomas.»

Esta afirmação carece de suporte factual, considerando o conteúdo dos n.ºs 25 a 30 e 33 a 35 do enunciado dos factos provados e das als. b) e c) do enunciado dos factos não provados. Está provado que, quer a parte não expropriada a norte, quer a parte não expropriada a sul, manterão, proporcionalmente, os mesmos cómodos que tinham antes da expropriação, desde que se proceda ao reajustamento dos parqueamentos de gado existentes e à criação de novos pontos de água, para o que foram atribuídas as necessárias indemnizações. Entre essas duas partes do prédio existirão, pelo menos, três passagens. Sendo assim, não se verifica a perda de valor alegada pelo expropriado.

O expropriado argumenta que «Ainda neste contexto destaca-se que a diminuição da área de exploração com a consequente desvalorização global por perda de área determinadas por esta expropriação tem como a principal consequência a redução do efetivo pecuário da exploração que terá de ser ajustado à nova realidade (cfr. pág. 11 do Relatório pericial de 15.06.2021). A forma como a exploração agropecuária era conduzida, em pastoreio rotativo ou sequencial dos animais pelos parques que existiam nas duas parcelas sobrantes fica muito mais complicado pelos constrangimentos no deslocamento dos animais de um lado para o outro da ferrovia. Esta alteração estruturante da exploração agropecuária que se desenvolvia nestas propriedades determina uma situação complexa e difícil pelas específicas características deste tipo de exploração e pelos efeitos que a divisão da propriedade em duas partes determinada pela expropriação vem acarretar: (i) complexidade da situação que se verificava ao tempo da expropriação e (ii) particular complexidade da situação após esta expropriação, pela consideração das muitas e diversas consequências que esta divisão da propriedade vem causar a esta exploração agropecuária, em particular nas áreas sobrantes e na vivência dessa nova situação. Neste contexto importa sublinhar a perspetiva redutora e errada dos Senhores Peritos do Tribunal que, por desconhecerem certamente este tipo de exploração agropecuária, ignoraram de todo as perturbações que esta divisão física da propriedade vem acarretar na sua exploração pecuária quotidiana.»

Argumenta ainda o expropriado que «a exploração agropecuária continuará a ser possível nestas propriedades. No entanto, esse novo modelo de exploração terá mais custos (desde logo pelos maiores tempos de deslocação de animais, máquinas e recursos humanos entre a parte norte e a parte sul das propriedades e pelo acréscimo de mão-de-obra que esse novo modelo implica para lidar com os animais na sua circulação norte-sul e sul-norte) e carece de ser adaptada à nova realidade.»

Toda esta argumentação também é contrariada pelo conteúdo dos n.ºs 25 a 30 e 33 a 35 do enunciado dos factos provados e das als. b) e c) do enunciado dos factos não provados. Nenhuma das perdas alegadas pelo expropriado ficou provada. Ao contrário, ficou provada a sua inexistência.

O expropriado afirma que a subparcela 2 sofreu uma desvalorização de € 56.250, invocando, como fundamento, trechos do relatório pericial que são da exclusiva autoria do perito por si nomeado. O expropriado não faz qualquer referência à matéria de facto provada, a qual, efectivamente, não fornece qualquer sustentação para a sua alegação.

O expropriado alega que sofreu um prejuízo de € 388.710,71 decorrente da diminuição da área de exploração e consequente desvalorização por perda de área das parcelas sobrantes a norte e a sul. Invoca, como fundamento, trechos do relatório pericial que são da exclusiva autoria do perito por si nomeado, sem qualquer referência à matéria de facto provada. Esta não fornece qualquer sustentação para esta pretensão do expropriado.

O expropriado invoca uma desvalorização da subparcela 3, no valor de € 25.000, por inexistência de infraestruturas necessárias à sua exploração. Invoca, como fundamento, trechos do relatório pericial que são da exclusiva autoria do perito por si nomeado, sem qualquer referência à matéria de facto provada. Porém, a matéria de facto provada não fornece qualquer sustentação para esta pretensão do expropriado.

O expropriado invoca uma desvalorização da mesma subparcela 3, no valor de € 58.400, agora em consequência da redução da sua profundidade, que provocaria constrangimentos no maneio do gado. Mais uma vez, a fundamentação consiste na transcrição de excertos do relatório pericial que são da exclusiva autoria do perito por si nomeado, sem qualquer referência à matéria de facto provada. Também quanto a este ponto, a matéria de facto provada não fornece qualquer sustentação para a pretensão do expropriado.

O expropriado invoca um prejuízo de € 34.110 por perda de potencial cinegético. Invariavelmente, a fundamentação consiste na transcrição de excertos do relatório pericial que são da exclusiva autoria do perito por si nomeado, sem qualquer referência à matéria de facto provada. Desta, não consta qualquer referência às perdas em causa.

O expropriado pretende que lhe seja atribuída uma indemnização de € 29.200 por «dificuldades de acesso/circulação interna». A fundamentação desta pretensão consiste na transcrição de excertos do relatório pericial que são da exclusiva autoria do perito por si nomeado, sem qualquer referência à matéria de facto provada. E, efectivamente, desta nada resulta que suporte a referida pretensão.

O expropriado contabiliza em € 50.000 «outros prejuízos relativos à reestruturação da exploração». Porém, os factos que, no entendimento do perito indicado pelo expropriado, plasmado no relatório pericial, sustentam tal pretensão, não foram julgados provados.

Finalmente, o expropriado afirma que, em consequência da expropriação, perdeu «subsídios/ajudas» no montante de € 60.660,38. Ora, um dos factos julgados não provados é precisamente esse – al. c).

Concluindo, o expropriado não tem direito a qualquer das parcelas indemnizatórias por cuja não atribuição censura o tribunal a quo. Tendo em conta a matéria de facto que julgou provada, por decisão não impugnada pelo expropriado, o tribunal a quo decidiu acertadamente ao não atribuir, a este, qualquer das referidas indemnizações. Daí que o recurso interposto pelo expropriado não mereça provimento, devendo confirmar-se, nesta parte, a sentença recorrida.

3 – Se a expropriante litigou de má-fé:

Perante as conclusões a que chegámos nos números anteriores, é evidente que a expropriante não litigou de má-fé. Por um lado, o recurso por si interposto é procedente. Efectivamente, verificou-se a duplicação de indemnizações por si denunciada. Por outro, as razões pelas quais se opôs ao recurso interposto pelo expropriado também procedem.

*

Dispositivo:

Pelo exposto, delibera-se:

- Julgar improcedente o recurso interposto pelo expropriado;

- Julgar procedente o recurso interposto pela expropriante, alterando-se a sentença recorrida no sentido de fixar a indemnização devida ao expropriado na quantia de € 151.523,95 (cento e cinquenta e um mil, quinhentos e vinte e três euros e noventa e cinco cêntimos);

- Absolver a expropriante do pedido de condenação em indemnização por litigância de má-fé.

Custas de ambos os recursos a cargo do expropriado.

Notifique.

*

Évora, 23.05.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.ª adjunta)

(2.º adjunto)


Acórdão da Relação de Évora de 23.05.2024

Processo n.º 2108/21.0T8FAR.E1 * Sumário: 1 – Quando invoque, como fundamento de um pedido de alteração da decisão sobre a matéria de ...