Processo n.º 210/22.0T8SLV.E1
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Sumário:
1 – Tendo as partes de um
contrato de compra e venda de cortiça na árvore estipulado que a quantia
entregue pelo comprador ao vendedor tinha o valor de “princípio de pagamento e
sinalização do negócio”, deve entender-se que o primeiro constituiu sinal.
2 – Em face disso, o
vendedor, por ter declarado ao comprador que não iria cumprir o contrato e, em
seguida, vendido a cortiça a terceiro, tem a obrigação de pagar o dobro do
valor do sinal ao comprador.
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Autor: Cortiças, Unipessoal,
Lda.
Ré: HT
Pedido: Condenação da ré a
pagar à autora a quantia de € 14.000, acrescida de juros moratórios à taxa
legal em vigor.
Sentença: Julgou a acção
improcedente.
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A autora interpôs recurso de
apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Perante a cláusula contratual “O pagamento será efectuado da seguinte
forma: para princípio de pagamento e sinalização do negócio efectuado uma
transferência bancária para o IBAN (...) no valor de 14.000€
(catorze mil euros), ficando o valor remanescente a liquidar no início da
extração”.
2. Onde, posteriormente, a inadimplente
vendedora devolve a quantia entregue à apelante com a menção “devolução de sinalização …”
3. Outra conclusão não é possível
retirar, fazendo apelo ao art. 236 e segs. do C.Civil, de que as partes
expressamente quiseram atribuir à quantia entregue um carácter penitencial.
4. Esta é a única interpretação com o
mínimo de correspondência no texto do contrato (cfr. 238.º, n.º 1, do CC).
5. O sinal marca a medida da
indemnização.
6. Donde, a apelante tem direito a
receber igual quantia àquela que prestou, acrescida de juros moratórios.
7. O tribunal recorrido, ao assim não
decidir, violou os artigos 236.º e 440.º do Código Civil.
A recorrida apresentou
contra-alegações, com as seguintes conclusões:
A) A Meritíssima Juiz “a quo” que
proferiu a Sentença, fez uma correcta interpretação dos factos e uma correcta
aplicação do Direito, não merecendo o mínimo reparo ou censura;
B) Não existe, na Sentença proferida,
matéria de facto incorrectamente julgada, os fundamentos não estão em oposição
com os factos provados, não houve omissão de pronúncia, nem alteração da
matéria de facto;
C) Assim, não assiste qualquer razão à
Autora, ora Apelante, quando pretende pôr em crise a douta Sentença, no que
concerne á interpretação dada ao principio de pagamento efectuado pela Autora.
D) A quantia entregue com a assinatura
do contrato não é suficiente para se concluir pela sua natureza jurídica de
“sinal”;
E) A existência de sinal é na promessa
de compra e venda (artigo 441.º do Código Civil) e não a um contrato de compra
e venda, como o dos autos.
E) Não pode ser aplicada ao caso
concreto, que o valor recebido a título de adiantamento, seja considerado como
sinal.
F) Tanto mais que a própria Autora,
aquando da transferência bancária do valor efectuado à Ré, intitulou a mesma de
“adiantamento de compra de cortiça”.
G) Pelo que deve ser considerada
improcedente a Apelação, e confirmado o Julgado, com custas pela Apelante.
O recurso foi admitido.
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Questão a decidir: Se a
entrega, efectuada pela recorrente, da quantia de € 14.000 à recorrida, deve
ser qualificada como constituição de sinal.
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Na sentença recorrida, foram
julgados provados os seguintes factos:
1. A autora dedica-se ao comércio por
grosso de cortiça em bruto, comércio de lenha, silvicultura, prestação de
serviços agrícolas, caça, produção de licores, comercialização de fruto,
turismo no espaço rural, alojamento local e restaurante de tipo tradicional.
2. Em 16.04.2021, a autora e a ré
assinaram escrito intitulado “contrato de compra e venda de cortiça”, figurando
a autora como primeira e a ré como segunda outorgante respectivamente.
3. Do escrito referido em 2. resulta
entre o mais que:
“CLAUSULA
1.ª
MERCADORIA
O
primeiro Outorgante compra e o segundo Outorgante vende a sua cortiça amadia,
na árvore referente a extração do ano 2021, na propriedade de (…), pelo valor
de € 28.000 (vinte e oito mil euros) valor total.
CLAUSULA
2.ª
PAGAMENTO
O pagamento será efectuado da seguinte forma: para princípio de pagamento e sinalização do negócio efectuado uma transferência bancária para o IBAN (…) no valor de € 14.000 (catorze mil euros), ficando o valor remanescente a liquidar no início da extração. Todos os pagamentos serão efectuado no ato da entrega da respectiva factura.”
4. Na sequência do acordo referido em 2.
e 3., a autora, em 16 de Abril de 2021 transferiu para a referida conta
bancária a quantia de € 14.000, colocando na referência do ordenante “adiantamento de compra de cortiça”.
5. Em data não concretamente apurada,
mas posterior a 16 de Abril de 2021 e anterior a 20 de Abril de 2021, a ré
informou a autora de que não iria cumprir o supra descrito acordo, alegando ter
pessoa que lhe oferecia valor mais elevado.
6. A ré acabou por vender a referida
cortiça a terceira pessoa, a qual a acabou por extraí-la e vendê-la para a
indústria transformadora.
7. Em 20 de Abril de 2021, a ré devolveu
à autora a quantia de € 10.000, colocando no descritivo da transferência “devolução de sinalização para compra de
cortiça (em 16/04/2021)”.
8. Em 21 de Abril de 2021, a ré devolveu
à autora a quantia de € 4.000, colocando no descritivo da transferência “devolução de sinalização para compra de
cortiça (em 16/04/2021)”.
9. Em 26 de Abril de 2021, o advogado da
autora enviou carta à ré com o seguinte teor: “Informou-me a minha constituinte Cortiças - Unipessoal Lda. que, em 16
do corrente celebrou contrato escrito de compra e venda da cortiça a extrair
neste ano na propriedade denominada (...), pelo valor global de € 28.000 (vinte e oito
mil euros), tendo aquela lhe pago, a titulo de sinal e princípio de pagamento,
a quantia de €14.000 (catorze mil euros). Mais me informou que V. Exª
entretanto terá afirmado perentoriamente não querer cumprir o referido
contrato, optando, ao invés, por fazê-lo com outra pessoa que, alegadamente,
lhe terá oferecimento mais alto valor. Face ao exposto, e tendo as partes
expressamente convencionado que a quantia entregue como antecipação de
pagamento, assume igualmente o carácter de sinal, e sem prejuízo da devolução
da quantia recebida, é V. Ex" devedora da quantia de €14.000 (catorze mil
euros), cujo pagamento aqui se reclama no prazo de dez dias, findos os quais
nos vemos forçados a recorrer às instâncias judiciais.”
10. A ré recusa-se a pagar a quantia pedida
pela autora no escrito referido em 9.
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Em 16.04.2021, a recorrida vendeu,
à recorrente, a cortiça existente em determinado prédio rústico, pelo preço de
€ 28.000. As partes estipularam que o pagamento do preço seria “efectuado da seguinte forma: para princípio
de pagamento e sinalização do negócio efectuado uma transferência bancária para
o IBAN (…) no valor de 14.000 € (…), ficando o valor remanescente a liquidar no
início da extração.” Nesse mesmo dia, a recorrente efectuou a referida
transferência bancária.
Em dia situado entre
16.04.2021 e 20.04.2021, a recorrida declarou à recorrente que não iria cumprir
o contrato, após o que vendeu a cortiça a terceiro.
Em 20.04.2021, a recorrida
devolveu à recorrente a quantia de € 10.000. No dia seguinte, devolveu-lhe os
restantes € 4.000.
A recorrente sustenta que a
quantia de € 14.000 que entregou à recorrida tem a natureza, não só de
pagamento antecipado de parte do preço, mas também de sinal, pelo que tem
direito à sua restituição em dobro e não, como a recorrida fez, em singelo.
A recorrida sustenta que a
entrega da quantia de € 14.000 não teve a natureza de constituição de sinal,
pois “A existência de sinal é na promessa
de compra e venda (artigo 441.º do Código Civil) e não a um contrato de compra
e venda, como o dos autos”.
O artigo 440.º do Código
Civil (diploma ao qual pertencem todas as normas adiante referenciadas) estabelece
que se, ao celebrar-se o
contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que
coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega
havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes
quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal.
O artigo 441.º estabelece
que, no contrato-promessa de
compra e venda, presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue
pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de
antecipação ou princípio de pagamento do preço.
Da simples leitura destas
normas resulta que a recorrida não tem razão quando afirma que “A existência de sinal é na promessa de
compra e venda (…) e não a um contrato de compra e venda”. Também no
contrato de compra e venda pode ser constituído sinal, nos termos do artigo
440.º.
A especificidade do
contrato-promessa de compra e venda reside na presunção, consagrada no artigo
441.º, de que se presume ter carácter de sinal qualquer quantia que o
promitente-comprador entregue ao promitente-vendedor, ainda que a título de
antecipação ou princípio de pagamento do preço. Tratando-se de um contrato de
compra e venda, tal presunção não é aplicável. Nesta hipótese, para que uma
quantia que o comprador entregue ao vendedor tenha a natureza de sinal, isso
terá de ficar estipulado.
Encontramo-nos, pois, perante
um problema de interpretação do contrato celebrado entre recorrente e
recorrida.
O n.º 1 do artigo 236.º
dispõe que a declaração negocial vale com o sentido
que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa
deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente
contar com ele. O n.º 2 do mesmo artigo dispõe que, sempre que o declaratário
conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração
emitida.
Recorrente e recorrida estipularam, no
contrato de compra e venda, que, “para
princípio de pagamento e sinalização do negócio efectuado”, a primeira
realizaria uma transferência bancária no valor de € 14.000.”
Um declaratário normal
entenderia esta estipulação no sentido de atribuir uma dupla natureza à entrega
de € 14.000: princípio de pagamento e “sinalização
do negócio”. Sinalizar um negócio equivale, quer em linguagem técnico-jurídica,
quer na própria linguagem corrente, a constituir um sinal, com o objectivo de dar
consistência a um contrato que se celebra, de confirmar a seriedade das
declarações que o integram, através de uma tutela acrescida dos direitos que
dele resultam. Este acréscimo decorre da aplicação do regime que a lei associa
à constituição de sinal, constante do n.º 2 do artigo 442.º: perda deste se
quem o constituiu não cumprir o contrato e obrigação de restituir o sinal em
dobro se a parte inadimplente for aquela que o recebeu.
É, pois, com o sentido
descrito que a estipulação em análise deve ser interpretada. Não há outra
possível. Sinalizar é constituir um sinal. E constituir um sinal implica
receber, na relação contratual, o regime jurídico deste.
Esta conclusão não é abalada
pela forma como a recorrente designou a transferência
bancária que efectuou: “adiantamento de compra de cortiça”. A
entrega da quantia de € 14.000 constituía, na realidade, um princípio de
pagamento do preço. Contudo, esta natureza não excluía a de sinal.
Por seu turno, a
designação que a recorrida atribuiu às transferências que efectuou – “devolução
de sinalização para compra de cortiça”
– apenas confirmaria, se necessário fosse, que ela teve plena consciência de
que os € 14.000 que recebera tinham a natureza de sinal.
Decorre do
exposto que a recorrente tem direito à restituição do sinal em dobro, nos
termos do n.º 2 do artigo 442.º. Tendo já recebido o sinal em singelo,
resta-lhe receber os € 14.000 peticionados.
A recorrente
pede ainda a condenação da recorrida a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal em vigor, contados desde a
citação. Nos termos dos artigos 804.º, n.ºs 1 e 2, 805.º, n.º 1, e 806.º, n.ºs
1 e 2, a recorrente tem direito a receber tais juros.
Concluindo, o
recurso deverá ser julgado procedente.
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Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto,
julgar o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se
a recorrida a pagar, à recorrente, a quantia de € 14.000 (catorze mil euros),
acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a data da citação até
integral pagamento.
Custas a cargo da recorrida.
Notifique.
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Évora, 11.01.2024
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.º adjunto