Processo n.º 68/20.3T8RDD.E1
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Sumário:
1 –
Determinando a expropriação parcial de um prédio rústico a destruição de
vedações existentes na parte expropriada, o expropriado não tem direito a ser indemnizado,
cumulativamente, pelo valor das vedações destruídas e pelo valor das vedações a
construir, na parte não expropriada, em substituição daquelas, com vista à
reestruturação dos aparcamentos de gado.
2 –
Pretendendo impugnar a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, o recorrente tem, desde logo, o
ónus de formular tal pretensão nas alegações de recurso. Terá, ainda, de
cumprir os ónus estabelecidos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
3 – Apenas
existe utilidade em o recorrente criticar e o tribunal ad quem apreciar a forma como o tribunal a quo apreciou a prova se o primeiro tiver formulado a pretensão de
o segundo alterar a decisão proferida por este último sobre a matéria de facto
e cumprido os ónus estabelecidos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
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Expropriante:
- Infraestruturas de
Portugal, S.A..
Expropriado:
- AAA, casado no regime da
comunhão de adquiridos com BBB.
Interessados:
- Sociedade 1, Lda.;
- Caixa Geral de
Depósitos, S.A..
Sentença
recorrida:
- Julgou parcialmente
procedente o recurso interposto pelo expropriado, tendo fixado o montante da
indemnização a pagar pela expropriante, pela expropriação das parcelas n.ºs 58
e 60, no valor global de € 157.070,95, actualizada, quanto ao valor de €
142.608,33, desde a data da declaração de utilidade pública, ocorrida em 21.03.2019,
até à notificação do despacho que autorizou o levantamento de parte do depósito
sobre o qual se verificava o acordo das partes, incidindo a actualização, daí
por diante, sobre o valor necessário a perfazer o valor total fixado nos autos
até à decisão final do processo, de acordo com os índices de preços do
consumidor, com exclusão da habitação, obtidos pelo Instituto Nacional de
Estatística;
- Julgou totalmente
improcedente o recurso interposto pela interessada Sociedade 1, Lda., mantendo
a quantia que lhe foi atribuída em sede de decisão arbitral, a título de
ocupação temporária das parcelas n.ºs 58T1, 58T2, 58T3, 58T4, 58T5, 58T6, 58T7,
60T1 e 60T2, no valor global de € 769,79, sem prejuízo de, no mais, ser
intentada a respectiva acção, sob a forma de processo comum, actualizada, desde
a data da declaração de utilidade pública, ocorrida em 21 de Março de 2019, até
à decisão final do processo.
Conclusões do
recurso da expropriante:
1 – Tendo, na sentença,
sido atribuída uma indemnização de € 5.547 pelo valor de substituição de 740 ml
de vedação que existia na parcela expropriada, esta indemnização permite aos
expropriados repor igual extensão de vedação noutro local do prédio.
2 – Deste modo,
mostrando-se necessário proceder à reposição de 990 ml de vedação (620 ml + 370
ml) na parte restante do prédio, importando essa reposição o custo de € 6.930
(€ 4.340 + € 2.590), haverá que atender apenas à diferença entre este valor e o
valor da vedação indemnizada (€ 5.547), ou seja, € 1.383 (€ 4.340 + € 2.590 - €
5.547).
3 – Doutra forma,
verifica-se uma duplicação de indemnizações, como correctamente considerou na
perícia de avaliação o senhor perito GGG.
4 – A sentença recorrida,
que violou, nesta parte, o artigo 29.º, n.º 2 do CE, deverá, assim, ser
revogada, na parte em que atribuiu aos expropriados as indemnizações de € 4.340
e de € 2.590 a título de reposição de vedações, devendo a estes valores ser
deduzido o valor de € 5.547 indemnizado a título de vedações afectadas, em
consequência do que o valor indemnizatório total devido aos expropriados passa
a ser de € 151.523,95, em vez de € 157.070,95.
Conclusões do
recurso do expropriado:
1 – Com o devido respeito,
que é muito, a sentença recorrida não fez uma correta análise da situação sub judice, nem aplicou adequadamente o
Direito convocado por esta situação expropriativa. Mais do que isso, no
essencial a sentença recorrida aderiu ao relatório de avaliação pericial
maioritário, ignorando de todo em todo a avaliação do perito indicado pelos
expropriados, Eng. HHH, e as concretas categorias de prejuízos que esta
expropriação vem causar na exploração agropecuária que se desenvolve na
propriedade onde se integram as parcelas expropriadas, que este perito
identificou e calculou.
O que se nos depara neste
processo é um efetivo deficit da tutela jurisdicional que é devida aos expropriados
(os direitos fundamentais a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo
equitativo – art. 20º da Constituição), pois o tribunal a quo ignorou por completo uma das avaliações periciais apresentadas
nos autos, sem analisar as categorias de prejuízos aí registada e sem apresentar
qualquer fundamentação material adequada e necessária para o efeito.
2 – A sentença recorrida
desconsiderou integralmente e ignorou de todo a exploração pecuária que se desenvolve
nestas propriedades: nenhum dos prejuízos calculados na sentença recorrida se
refere a essa exploração.
Este é o erro estruturante
da sentença recorrida e da avaliação pericial maioritária: foi totalmente ignorada
a exploração pecuária que se desenvolve nestas propriedades, constituída por
várias centenas de cabeças de gado.
3 – Numa perspetiva mais
ampla, profunda e envolvida com o processo do que aquela que foi adotada na avaliação
pericial maioritária e na sentença recorrida, o perito Eng. HHH, designado
pelos expropriados, considerou que, para além dos prejuízos que os restantes peritos
e a sentença recorrida consideraram (que calculou da mesma forma), existem
outras categorias de prejuízos indemnizáveis que os demais peritos, em erro,
não consideraram.
Nos relatórios de
avaliação e esclarecimentos apresentados nos autos, este perito, atendendo ao objeto
do recurso do acórdão arbitral apresentado pelos expropriados, calculou
inicialmente todas as categorias de prejuízos que vinham invocados pelos
expropriados nesse recurso: (i) seja os que se referiam em concreto à
exploração agropecuária que se desenvolve nesta propriedade, (ii) seja os que
tinham que ver com outras realidades, designadamente a desvalorização da
propriedade e do seu monte habitacional no mercado.
No entanto, seja a
entidade expropriante, seja o próprio tribunal recorrido (noutro processo
judicial de expropriação aí em curso), defendiam/decidiu que nos processos de
expropriação só são indemnizáveis os prejuízos que resultem, diretamente, da
expropriação, e não também outros prejuízos indiretos (como a desvalorização no
mercado das parcelas sobrantes).
Assim, conformando-se com
este entendimento, no seu requerimento de 16.02.2023, os expropriados vieram
reduzir o seu pedido indemnizatório, circunscrevendo a tutela indemnizatória peticionada
à afetação/prejuízos para a exploração agropecuária que se desenvolve nesta
propriedade.
4 – Neste contexto, o
pedido indemnizatório dos expropriados passou a ser exclusivamente referenciado
à exploração agropecuária desenvolvida na propriedade, pedindo-se, para além da
indemnização calculada na Avaliação pericial maioritária e na Sentença
recorrida, a consideração de outras categorias de prejuízos indemnizáveis, em
particular as seguintes:
a. Danos pela afetação da
exploração agropecuária desenvolvida na parcela:
i. Desvalorização da subparcela
2: € 56.250;
ii. Prejuízos relativos à
diminuição da área de exploração e consequente desvalorização por perda de área
das parcelas sobrantes a norte e a sul: € 388.710,71;
iii. Desvalorização por
inexistência de infraestruturas necessárias à exploração da subparcela 3: €
25.000;
iv. Redução da
profundidade da subparcela 3: € 58.400;
v. Perda de potencial cinegético:
€ 34.110;
vi. Compensação pelas
dificuldades de acesso/circulação interna: € 29.200;
vii. Outros prejuízos
relativos à reestruturação da exploração: € 50.000;
b. Perda de
subsídios/ajudas: € 60.660,38.
São estas as categorias de
prejuízos que vêm peticionadas, sublinhando-se que só por erros
incompreensíveis os peritos do tribunal não atenderam a estes fatores.
Deste modo, ao valor
indemnizatório fixado na Sentença recorrida devem acrescer os valores destas categorias
de prejuízos indemnizáveis.
5 – A sentença recorrida
aderiu à avaliação pericial maioritária pelas seguintes razões essenciais:
a. Por vir subscrita pelos
peritos designados pelo tribunal, da lista oficial, que assim conferem maiores
garantias de imparcialidade, além da competência técnica que lhes é reconhecida
(págs. 31/32 da sentença recorrida);
b. «Não deve o julgador ter a pretensão de se substituir aos peritos,
emitindo juízos valorativos acerca de questões de cariz sobremaneira técnico,
para o qual não tem a adequada preparação técnico-científica» (pág. 59 da sentença
recorrida);
c. «Tal como já se teve oportunidade de referir, em caso de discordância
entre peritos, deve-se dar prevalência ao parecer elaborados pelos peritos
designados pelo tribunal, visto que eles possuem uma posição mais distante,
imparcial e objetiva…» (pág. 58 da sentença recorrida).
Assim, uma constatação
evidente: a sentença recorrida não seguiu a avaliação pericial maioritária na sequência
de qualquer análise efetuada ao respetivo mérito intrínseco (bondade e justiça
das opções aí efetuadas) ou como resultado da comparação efetuada entre a avaliação
pericial maioritária e a avaliação do perito Eng. HHH.
Não: a sentença recorrida
aderiu à avaliação pericial maioritária de forma apriorística, com base nos referidos
3 pressupostos, sem qualquer análise ou confronto das avaliações em causa.
Por outro lado, a sentença
recorrida não considerou por qualquer forma a avaliação pericial do perito Eng.
HHH nas seguintes (infelizes) afirmações: «Por
sua vez, o senhor perito indicado pelos expropriados apresenta uma posição
consideravelmente desfasada da posição dos demais peritos (...). Assim,
apresenta outros danos que entende ser de considerar na presente sede de
processo expropriativo, quer quanto a reposições, quer quanto a desvalorizações,
a que acrescenta prejuízos anuais causados pela expropriação. Ora, os cálculos
e valores carreados ao processo surgem irrealistas, ficcionados, carecidos de
qualquer justificação plausível (em especial, o valor de € 50.000,00 a título
de “outros prejuízos”), quer por referência à parcela em causa, quer atendendo
à utilização que reconhecidamente detinha à data da declaração de utilidade
pública, revestindo teor especulativo e, por tal motivo, inidóneo à fixação da
justa indemnização» (pág. 29 da sentença recorrida).
Mais uma vez, uma
constatação evidente: a sentença recorrida desconsiderou em absoluto a
avaliação pericial do perito Eng. HHH, sem ter efetuado qualquer análise ao
respetivo mérito intrínseco (bondade e justiça das opções aí efetuadas) ou como
resultado da comparação efetuada entre a avaliação pericial maioritária e a
avaliação do perito Eng. HHH.
Não: a sentença recorrida
excluiu in limine a avaliação
pericial do perito Eng. HHH de forma apriorística: porque não vem subscrita pelos
peritos designados pelo tribunal e porque considerou outras categorias de
prejuízos indemnizáveis que esses peritos não consideraram, esta avaliação deve
ser desconsiderada, sem qualquer análise ou confronto das avaliações em causa.
6 – Este critério de
adesão dos tribunais às avaliações periciais maioritárias, com o devido
respeito, não é aceitável, redundando num critério puramente formal e
apriorístico, sem qualquer fundamentação material que o justifique: trata-se de
uma efetiva denegação de justiça.
Envolvidas nesta questão
vão as seguintes 3 questões jurídicas e jurídico-processuais essenciais para a
decisão indemnizatória a proferir no processo:
a. A absoluta necessidade
de o tribunal considerar todos os fatores relativos à afetação que esta
expropriação/linha férrea vem causar na exploração agropecuária desenvolvida
nesta propriedade;
b. A natureza meramente
instrutória do relatório de avaliação dos peritos indicados pelo tribunal e a autonomia
e independência deste órgão de soberania face àquele relatório no cálculo da
justa indemnização devida em expropriações por utilidade pública; condição
essencial para que os tribunais possam aderir às conclusões dos peritos é que
estas ponderem todos os fatores juridicamente relevantes e respeitem as
exigências legais, designadamente a metodologia e critérios estabelecidos no
Código das Expropriações devidamente interpretados pela tutela constitucional.
Se assim não for, como não é no caso que nos ocupa, as avaliações efetuadas pelos
peritos não podem ser seguidas;
c. Constitui hoje
jurisprudência pacífica que, cumprindo os requisitos legais, o tribunal pode
aderir a qualquer um dos relatórios de avaliação apresentados nos processos
expropriativos. o facto de apenas um dos peritos ter respeitado as exigências
técnicas e legais que devem presidir às avaliações efetuadas em processos
expropriativos não impede os tribunais de aderir à respetiva avaliação: pelo
contrário, nessa situação deve aderir à metodologia e valores indemnizatórios
aí adotados, por serem estes os corretos.
7 – Porque a sentença
recorrida, inadvertidamente, incluiu nos factos, matéria de Direito e
decisória, naturalmente que, na medida em que não se conformem com o que aqui se
peticiona, esses factos vão impugnados.
Questões a
decidir:
1 – Se se verifica uma
duplicação de indemnizações atribuídas pela reposição de vedações;
2 – Se a expropriação
causou os prejuízos reclamados pelo expropriado;
3 – Se a expropriante
litigou de má-fé.
Factos
julgados provados pelo tribunal a quo:
1. Por despacho proferido
pelo Senhor Ministro das Infraestruturas e da Habitação em (…), publicado no
Diário da República n.º (…), II Série, de (…), com o n.º (…), de (…), foi declarada
a utilidade pública, com carácter de urgência, entre outras, da expropriação
dos bens móveis e imóveis e direitos a eles inerentes, necessários à execução
da obra que consiste na construção da «Nova
Ligação Ferroviária entre Évora Norte e Elvas/Caia, da Linha de Évora –
Subtroço Freixo/Alandroal», identificada no mapa de expropriações e nas
plantas parcelares n.ºs (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…);
2. Nesse âmbito, foi assim
declarada a expropriação por utilidade pública da Parcela n.º (…), com a área
de 117.655 m2, que confronta do Norte e Sul com restante prédio, do Nascente
com (…) e outros e do Poente com (…), a destacar da parte rústica do prédio
misto situado no lugar denominado Herdade do (…), na freguesia e concelho de
Redondo, inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), Secção (…) e na matriz
urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de
Redondo sob o número (…);
3. No âmbito do acto
identificado em 1), foi concedido o direito a ocupação temporária das seguintes
parcelas pertencentes ao mesmo prédio:
a. Parcela n.º (…), com
área de 230 m2, que confronta do Norte e Sul com restante prédio, do Nascente
com (…) e do Poente com (…);
b. Parcela n.º (…), com
área de 1.461 m2, que confronta do Norte, Sul e Nascente com restante prédio e
do Poente com (…);
c. Parcela n.º (…), com
área de 24 m2, que confronta do Norte e Poente com (…) e do Sul e Nascente com
restante prédio;
d. Parcela n.º (…), com
área de 1.412 m2, que confronta do Norte, Sul, Nascente e Poente com restante
prédio;
e. Parcela n.º (…), com
área de 1.286 m2, que confronta do Norte, Sul, Nascente e Poente com restante
prédio;
f. Parcela n.º (…), com
área de 2.355 m2, que confronta do Norte, Sul e Poente com restante prédio e do
Nascente com (…); e
g. Parcela n.º (…), com
área de 1.641 m2, que confronta do Norte, Sul e Poente com restante prédio e do
Nascente com parcela (…);
4. Foi igualmente
declarada a expropriação por utilidade pública da Parcela n.º (…), com área de
1.842 m2, que confronta do Norte e Sul com restante prédio, do Nascente com (…)
e do Poente com (…), a destacar da parte rústica do prédio misto situado no
lugar denominado Herdade do (…), na freguesia e concelho de Redondo, inscrito
na matriz rústica sob o artigo rústico (…), secção (…) e na matriz urbana sob o
artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Redondo sob o
número (…);
5. No âmbito do acto
identificado em 1), foi concedido o direito a ocupação temporária das seguintes
parcelas pertencentes ao mesmo prédio:
a. Parcela n.º (…), com
área de 542 m2, que confronta do Norte com restante prédio e outro, do Sul com
restante prédio, do Nascente com (…) e do Poente com (…); e
b. Parcela n.º (…), com
área de 1.213 m2, que confronta do Norte e Sul com restante prédio, do Nascente
com (…) e do Poente com (…);
6. AAA, casado com BBB, no
regime de comunhão de adquiridos, encontra-se registado como titular do direito
de propriedade dos prédios referidos em 2) e em 4);
7. Em 10.12.2003, entre AAA
e Sociedade 1, Lda., foi acordado que aquele cede a esta a exploração agrícola
dos prédios denominados “(…)” e “(…)” e a utilização dos edifícios e outras
construções neles existentes, entre 01.01.2004 e 30.09.2014, através de
documento escrito intitulado “Contrato de Comodato”;
8. Em 14.12.2009, entre AAA
e Sociedade 1, Lda., foi acordada a renovação automática, por sucessivos
períodos de sete anos, do acordo logrado em 10.12.2003, através de documento
escrito intitulado Alteração ao Contrato de Comodato”;
9. Em 02.09.2019, foi
realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam às referidas parcelas n.º (…), (…),
(…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…);
10. Em 09 de Outubro de
2019, a entidade expropriante foi investida da posse administrativa das
parcelas descritas em 2) a 5);
11. Em 28.04.2020, foi
proferido o Acórdão Arbitral em relação às parcelas expropriadas e ainda às
parcelas abrangidas pela ocupação temporária, tendo sido atribuídas as
seguintes indemnizações:
a. € 140.840,01 quanto às
parcelas n.ºs (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), a atribuir ao
proprietário;
b. € 635,57 quanto às
parcelas n.ºs (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), a atribuir à
comodatária;
c. € 1.768,32 quanto às
parcelas n.ºs (…), (…) e (…), a atribuir ao proprietário;
d. € 134,22 quanto às
parcelas n.ºs (…), (…) e (…), a atribuir à comodatária;
12. No referido Acórdão
Arbitral, quanto às parcelas n.ºs (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), foi
considerado o seguinte:
a. Avaliação do solo do
prédio atendendo ao aproveitamento de montado de azinho e olival tradicional de
sequeiro;
b. Avaliação do valor das
vedações existentes, de três sobreiros e do valor necessário para substituição
de duas redes de abastecimento de água aos pontos de abeberamento do gado,
abastecidas por dois furos;
c. Criação de 3 faixas
estreitas de terreno:
i. Uma perpendicular à
linha, na extrema poente do prédio, na Ribeira (…), com área de 2.225 m2,
ocupada por montado de azinho;
ii. Duas paralelas à
linha, a nascente da anterior, respectivamente com as áreas de 3.613 m2,
ocupada por olival, e 8.420m2, ocupada por montado de azinho;
d. Ocupação temporária de
área total de 8.409 m2, sendo 0,66940 ha de montado de azinho e 0,17150 ha de
olival tradicional;
13. No referido Acórdão
Arbitral, quanto às parcelas n.ºs (…), (…) e (…), foi considerado o seguinte:
a. Avaliação do solo do
prédio atendendo ao aproveitamento de montado de azinho;
b. Ocupação temporária de
área total de 1.755,00 m2 de montado de azinho;
14. A parcela n.º (…),
identificada em 2), de acordo com o Plano Director Municipal do Redondo
localiza-se de acordo com a Planta de Ordenamento em Espaços Rurais – Área de
Agricultura Intensiva (integrados na RAN) com 32.486 m2 e em Espaços Rurais -
Áreas de Montado (incluídas na Rede de Protecção e Valorização Ambiental) com 85.169
m2, e de acordo com a Planta de condicionantes em RAN em Reserva Agrícola
Nacional com 27.503 m2, em Rede de Protecção e Valorização Ambiental – Montados
de Azinho e Reserva Ecológica Nacional com 92.239 m2 e Reserva Ecológica
Nacional com 14.004 m2;
15. As parcelas
identificadas em 2) e em 3) não têm declives significativos, têm formas
quadrangulares irregulares e são constituídas em parte com aptidão agrícola
para olival e culturas arvenses de sequeiro e parte com montado de azinho e
alguns sobreiros dispersos;
16. À data referida em 9),
as parcelas identificadas em 2) e em 3) com aptidão silvo-pastoril
encontravam-se ocupadas por pastagens biológicas e montado de azinho, sendo o
solo caracterizado por morfologia plana de profundidade média a baixa, com
mediana disponibilidade hídrica e capacidade de retenção de água;
17. À data referida em 9),
nas parcelas 58, 58T1, 58T2 e 58T3 existia um olival tradicional de sequeiro,
com compasso de 10 m x 10 m, com cerca de 60 anos de idade e em bom estado
vegetativo, com cerca de 240 oliveiras;
18. À data referida em 9),
nas parcelas 58, 58T1, 58T2 e 58T3 existiam 115 azinheiras de médio porte, 153
azinheiras de grande porte afectadas ao montado de azinho, e 3 sobreiros de
grande porte (descortiçados em 2018);
19. À data referida em 9),
nas parcelas identificadas em 2) e em 3) existiam:
a. 182 m de vedação em
rede ovelheira encimada por arame farpado (3 fiadas) com postes de madeira
tratada;
b. 58 m de vedação em rede
ovelheira encimada por arame farpado (2 fiadas) com postes de madeira tratada;
c. 121 m de vedação em
rede ovelheira encimada por arame farpado (2 fiadas) com postes de madeira
tratada;
d. 56 m de vedação em rede
ovelheira encimada por arame farpado (3 fiadas) com postes de madeira tratada;
e. 44 m de vedação em rede
ovelheira encimada por arame farpado (2 fiadas) com postes de madeira tratada;
f. 81 m de vedação em rede
ovelheira encimada por arame farpado (3 fiadas) com postes de madeira tratada;
g. 100 m de vedação em
rede ovelheira encimada por arame farpado (2 fiadas) com postes de madeira
tratada;
h. 48 m de vedação em rede
ovelheira encimada por arame farpado (3 fiadas) com postes de madeira tratada;
i. 50 m de vedação em rede
ovelheira encimada por arame farpado (2 fiadas) com postes de madeira tratada;
j. 24 m de vedação
electrificada com três condutores assentes em postes de madeira tratada;
20. A parcela n.º (…),
identificada em 4), de acordo com o Plano Director Municipal do Redondo
localiza-se, de acordo com a Planta de Ordenamento, em 1266 m2 em Espaços
Rurais – Área de Agricultura Intensiva (integrados na RAN) e 576 m2 em Espaços
Rurais - Áreas de Montado (incluídas na Rede de Protecção e Valorização
Ambiental), e de acordo com a Planta de condicionantes em RAN (em Reserva
Agrícola Nacional) em Rede de Protecção e Valorização Ambiental – Montados de
Azinho e Reserva Ecológica Nacional;
21. As parcelas
identificadas em 4) e em 5) não têm declives significativos, têm formas
quadrangulares irregulares e são constituídas em parte com aptidão agrícola
para culturas arvenses de sequeiro e parte com montado de azinho;
22. À data referida em 9),
as parcelas identificadas em 4) e em 5) com aptidão silvo-pastoril
encontravam-se ocupadas por pastagens biológicas e montado de azinho, sendo o
solo caracterizado por morfologia plana de profundidade média a baixa, com
mediana disponibilidade hídrica e capacidade de retenção de água;
23. À data referida em 9),
nas parcelas identificadas em 4) e em 5) existiam 11 azinheiras de grande
porte;
24. Os Árbitros e os Srs.
Peritos classificaram as parcelas a expropriar como «solo para outros fins»;
25. Na sequência do acto
expropriativo, a exploração única existente nos prédios identificados em 2) e
em 4) fica dividida em duas parcelas;
26. A parcela a norte da
parte expropriada fica com cerca de 95,50 ha;
27. A parcela a norte da
parte expropriada tem acesso à parcela a sul, estando previstas, pelo menos,
três passagens;
28. A parte não
expropriada a norte manterá proporcionalmente os mesmos cómodos que detinha
antes da expropriação, sendo necessário reajustar os parqueamentos de gado
existentes e criar um novo ponto de água;
29. A fim de reajustar os
parqueamentos de gado existentes é necessário construir 370,00 m de vedação, a
um custo unitário de € 7,00/m, o que representa um custo de € 2.590,00;
30. A fim de criar um
ponto de água para repor o abastecimento à parcela norte é necessária a
colocação de 805 m de tubo próprio, que tem um custo global de € 864,75 que
compreende os seguintes valores:
a. Tubagem PE 2” – 805 m x
€ 0,95/m = € 764,75;
b. Acessórios
(braçadeiras, torneiras de corte, uniões) - € 50,00;
c. Mão-de-obra – 2 homens
x 0,5 dias = 2 x 0,5 x € 50,00 = € 50,00;
31. Na sequência do acto
expropriativo, sobra, na área a norte das parcelas expropriadas, o seguinte:
a. Uma parcela de olival
com área de 3.613,00 m2, que devido às suas pequenas dimensões, perde o seu
interesse económico, desvalorizando em 90%, a que corresponde um valor de € 4.878,00,
considerando o valor unitário de € 1,50/m2;
b. Uma parcela de azinhal
com área de 2.225,00 m2, na extrema poente da propriedade, excluída dos parques
de maneio, desvalorizando em 80%, a que corresponde um valor de € 1.780,00,
considerando o valor unitário de € 1,00/m2;
c. Uma parcela de azinhal
com área de 8.420,00 m2, paralela à parte expropriada, bastante estreita e de
pequena área, desvalorizando em 50%, a que corresponde um valor de € 4.210,00,
considerando o valor unitário de € 1,00/m2;
32. A parcela a sul da
parte expropriada fica com cerca de 198 ha, e as suas características
mantêm-se;
33. A parte não
expropriada a sul manterá proporcionalmente os mesmos cómodos que detinha antes
da expropriação, sendo necessário reajustar os parqueamentos de gado existentes
e colocar um ponto de água para abeberamento do gado;
34. A fim de reajustar os
parqueamentos de gado existentes é necessário construir 620,00 m de vedação, a
um custo unitário de € 7,00/m, o que representa um custo de € 4.340,00;
35. A fim de colocar um
ponto de água para abeberamento do gado é necessária a colocação de 1546 m de
tubo próprio, que tem um custo global de € 1.568,70 que compreende os seguintes
valores:
a. Tubagem PE 2” – 1.546 m
x € 0,95/m = € 1.468,70;
b. Acessórios (braçadeiras,
torneiras de corte, uniões) = € 50,00;
c. Mão-de-obra – 2 homens
x 0,5 dias = 2 x 0,5 x € 50,00 = € 50,00;
36. Tendo em consideração
o montado de azinho existente, incluindo a produção de pastagem e a produção de
bolota, o valor do solo de montado corresponde a € 1,00/m2;
37. Tendo em consideração
o olival tradicional existente, incluindo a produção de pastagem e a produção
de azeitona, o valor do solo com olival tradicional corresponde a € 1,50/m2;
38. A parcela identificada
em 2) é constituída por 95.114 m2 de solo de montado de azinho e de 22.541 m2
de solo com olival tradicional;
39. A parcela identificada
em 4) é constituída por 1.842 m2 de solo de montado de azinho;
40. Pelos Srs. Peritos foi
atribuído o valor de € 130,00 a cada um dos três sobreiros existentes na
parcela identificada em 2);
41. Na parcela
identificada em 2) foi destruído o seguinte:
a. 367 m de vedação
composta de rede ovelheira assente em paus de madeira, com arame farpado (3
fiadas) cujo valor do metro linear se estima em € 8,00, totalizando € 2.936,00;
b. 373 m de vedação
composta de rede ovelheira assente em paus de madeira, com arame farpado (2
fiadas) cujo valor do metro linear se estima em € 7,00, totalizando € 2.611,00;
42. A parcela identificada
em 3), ponto a., é constituída por 230 m2 de olival tradicional, a que
corresponde, pela sua inutilização, uma perda de € 55,20, considerando 230 m2 x
€ 0,24/m2;
43. A parcela identificada
em 3), ponto b., é constituída por 1.461 m2 de olival tradicional, a que
corresponde, pela sua inutilização, uma perda de € 350,64, considerando 1.461
m2 x € 0,24/m2;
44. A parcela identificada
em 3), ponto c., é constituída por 24 m2 de olival tradicional, a que
corresponde, pela sua inutilização, uma perda de € 5,76, considerando 24 m2 x €
0,24/m2;
45. A parcela identificada
em 3), ponto d., é constituída por 1.412 m2 de azinhal, a que corresponde, pela
sua inutilização, uma perda de € 211,80, considerando 1.412 m2 x € 0,15/m2;
46. A parcela identificada
em 3), ponto e., é constituída por 1.286 m2 de azinhal, a que corresponde, pela
sua inutilização, uma perda de € 192,90, considerando 1.286 m2 x € 0,15/m2;
47. A parcela identificada
em 3), ponto f., é constituída por 2.355 m2 de azinhal, a que corresponde, pela
sua inutilização, uma perda de € 353,25, considerando 2.355 m2 x € 0,15/m2;
48. A parcela identificada
em 3), ponto g., é constituída por 1.641 m2 de azinhal, a que corresponde, pela
sua inutilização, uma perda de € 246,15, considerando 1.641 m2 x € 0,15/m2;
49. A parcela identificada
em 5), ponto a., é constituída por 542 m2 de azinhal, a que corresponde, pela
sua inutilização, uma perda de € 81,30, considerando 542 m2 x € 0,15/m2;
50. A parcela identificada
em 5), ponto b., é constituída por 1.213 m2 de azinhal, a que corresponde, pela
sua inutilização, uma perda de € 181,95, considerando 1.213 m2 x € 0,15/m2;
51. No prédio identificado
em 2), existe na Herdade do (…) uma construção rural e edifício com 9
compartimentos térreos para habitação, cavalariça e forno, em ruína;
52. No prédio identificado
em 4), existe na Herdade do (…) um edifício para habitação com 12
compartimentos, 18 compartimentos para celeireiros, casa da malta, oficina,
casa de máquina, cocheira, palheiro, cabana de bois e dependências destinadas a
arrecadação de alfaias agrícolas.
Factos
julgados não provados pelo tribunal a quo:
a) Salvaguardada a
factualidade provada em 28) a 30) e em 33) a 35), os expropriados, para que as
parcelas sobrantes mantenham, proporcionalmente, os mesmos cómodos, têm outros
encargos ou prejuízos;
b) Salvaguardada a
factualidade provada em 31), as parcelas sobrantes não mantêm,
proporcionalmente, os mesmos cómodos;
c) Em resultado da
expropriação, os expropriados, quanto à exploração realizada nos prédios identificados
em 2) e em 4), deixam de receber € 60.660,38 a título de subsídios e/ou ajudas.
*
1 – Se se
verifica uma duplicação de indemnizações atribuídas pela reposição de vedações:
Na sentença
recorrida, foi julgado provado que:
«29. A fim de reajustar os parqueamentos de gado existentes é
necessário construir 370,00 m de vedação, a um custo unitário de € 7,00/m, o
que representa um custo de € 2.590,00;
34. A fim de reajustar os parqueamentos de gado existentes é
necessário construir 620,00 m de vedação, a um custo unitário de € 7,00/m, o
que representa um custo de € 4.340,00;
41. Na parcela identificada em 2) foi destruído o seguinte:
a. 367 m de vedação composta de rede ovelheira assente em paus
de madeira, com arame farpado (3 fiadas) cujo valor do metro linear se estima
em € 8,00, totalizando € 2.936,00;
b. 373 m de vedação composta de rede ovelheira assente em paus
de madeira, com arame farpado (2 fiadas) cujo valor do metro linear se estima
em € 7,00, totalizando € 2.611,00.»
A expropriante
sustentou, perante o tribunal a quo,
que a atribuição cumulativa de uma indemnização com o
valor de € 6.930, resultante da soma dos valores referidos nos n.ºs 29 e 34,
e de uma indemnização com o valor de € 5.547, resultante da soma dos valores
referidos no n.º 41, constitui uma duplicação de indemnizações.
Foi diverso o
entendimento do tribunal a quo, que
atribuiu, ao expropriado, uma indemnização correspondente à totalidade dos
valores referidos nos n.ºs 29, 34 e 41. As razões desta decisão são, em
síntese, as seguintes:
- As vedações referidas no
n.º 41, que não foram reaproveitadas, são indemnizáveis como benfeitorias
destruídas, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações (CE);
- Os valores referidos nos
n.ºs 29 e 34, respeitantes à construção das vedações necessárias para o
reajustamento dos parques de gado, são indemnizáveis nos termos do n.º 2 do
artigo 29.º do CE;
- Ou seja, trata-se de
indemnizações emergentes de «dois
factores originariamente distintos»; «por
um lado, é devida a indemnização pela destruição de vedações existentes na
parte expropriada, vedações essas que não são passíveis de reaproveitamento.
Por outro, é devida a compensação por prejuízos causados, em especial quanto à
construção de novas vedações, a fim de a parcela sobrante manter os mesmos
cómodos.»
Inconformada,
a expropriante insiste, perante o tribunal ad
quem, que se verifica uma duplicação de indemnizações, uma vez que a
indemnização atribuída para ressarcimento das vedações destruídas permite a
reposição de igual extensão da vedação necessária para a reorganização dos
parques de gado.
Analisemos a
questão.
O n.º 1 do
artigo 23.º do CE estabelece que a justa indemnização não visa compensar o
benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que,
para o expropriado, advém da expropriação, correspondente ao valor real e
corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa
utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade
pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto
existentes naquela data.
O n.º 2 do
artigo 29.º do CE estabelece que quando a parte não expropriada ficar
depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou
encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de
vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em
separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem
ao valor da parte expropriada.
O tribunal a quo interpretou estas duas normas no
sentido de atribuírem, ao expropriado, indemnizações autónomas, com origem
diversa, logo cumuláveis entre si.
Discordamos
deste entendimento.
O n.º 1 do artigo
23.º do CE densifica o conceito de «justa
indemnização» que consta do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição. De acordo
com esta norma, a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem
ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização. No
plano da lei ordinária, a referida norma do CE estabelece o critério geral de
cálculo da indemnização devida em caso de expropriação por utilidade pública,
sendo complementada e concretizada por diversas outras normas, entre as quais o
n.º 2 do artigo 29.º do mesmo código.
Daí que o n.º
2 do artigo 29.º do CE não atribua um direito de indemnização distinto daquele
a que n.º 1 do artigo 23.º do CE se refere. Não é assim que estas duas normas
se articulam.
O artigo 29.º
do CE contém normas específicas para a hipótese de expropriação parcial. Uma
dessas normas é a do n.º 2, da qual resulta, além do mais, que, quando a
divisão do prédio torne necessária a construção de vedações idênticas às
demolidas ou às subsistentes, se deverá especificar, em separado, o seu custo,
que acresce, como prejuízo resultante da expropriação, ao valor da parte
expropriada. Esta norma, à semelhança das restantes sobre a forma de cálculo da
indemnização decorrente de expropriação por utilidade pública, deve ser
interpretada e aplicada tendo como pano de fundo o princípio geral consagrado
no n.º 1 do artigo 23.º do CE. De forma alguma o n.º 1 do artigo 23.º e o n.º 2
do artigo 29.º do CE atribuem, ao expropriado, indemnizações distintas e
cumuláveis entre si.
Este
entendimento é o único que se harmoniza com o princípio geral consagrado no n.º
2 do artigo 566.º do Código Civil, de acordo com o qual, sem prejuízo do
preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a
diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que
puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem
danos.
Contrariaria
este princípio atribuir, ao expropriado, uma indemnização correspondente ao
valor de uma vedação cuja destruição seja consequência da expropriação e, cumulativamente,
uma indemnização correspondente ao valor necessário para a construção de
vedação idêntica na parte não expropriada. Com fundamento na destruição de uma
vedação, o expropriado receberia o dobro do valor desta. Imaginemos que o valor
da vedação destruída era de 10 e o da vedação a construir, com a mesma função
daquela, na parte do prédio não expropriada, também era de 10. Se o expropriado
tivesse direito a receber uma expropriação de 20, beneficiaria de um
enriquecimento injustificado de 10, pois, com fundamento na destruição de uma
vedação com o valor de 10, receberia 20.
Isto faria
tanto sentido como o proprietário de um veículo destruído em consequência de um
acidente de viação receber, a título de indemnização, o valor do veículo
destruído e o valor de um veículo idêntico a este. Ou, no exemplo avançado pela
expropriante, o expropriado receber o valor de uma casa existente na parte
expropriada do seu prédio com fundamento na sua destruição e, cumulativamente,
o valor de uma casa idêntica a construir na parte não expropriada do mesmo
prédio. Ou seja, não faria qualquer sentido. Pela destruição de um veículo ou
de uma casa, o proprietário receberia o valor de dois veículos ou de duas casas.
No caso dos
autos, pela destruição de uma vedação, o expropriado não pode receber o valor
de duas vedações: o da destruída na parte expropriada do prédio e o da
construída, para substituir a primeira, na parte não expropriada do mesmo
prédio. Se isso acontecesse, o expropriado ficaria com uma vedação substitutiva
da anterior na parte não expropriada do prédio e, ainda, com o valor desta
última em dinheiro. Gerar-se-ia um enriquecimento injustificado do expropriado.
O
reajustamento dos parques de gado pertencentes ao expropriado implica a
construção de vedações com uma extensão total superior à das vedações
pré-existentes que foram destruídas. O valor total das primeiras é de € 6.930
(€ 2.590 + € 4.340), excedendo em € 1.383 o valor total das segundas, que é de
€ 5.547 (€ 2.936 + € 2.611). Para ficar na situação patrimonial em que se
encontraria na hipótese de a expropriação não ter ocorrido, o expropriado
deverá receber uma indemnização suficiente para proceder ao reajustamento dos
parques de gado, mas não mais que isso, sob pena de beneficiar de um incremento
patrimonial sem justa causa. Ou seja, o expropriado deverá receber uma
indemnização no montante de € 6.930, que o colocará, no que aos parques de gado
respeita, em situação equivalente àquela em que se encontraria se a
expropriação não tivesse ocorrido.
Secundamos,
assim, a expropriante, quando conclui que, atribuída que está a quantia de €
5.547 pelos 740 metros lineares de vedação afectada, apenas haverá que pagar,
ao expropriado, além disso, o acima referido valor de € 1.383 (€ 6.930 - €
5.547).
Deverá, pois,
o recurso interposto pela expropriante ser julgado integralmente procedente,
alterando-se a sentença recorrida em conformidade.
2 – Se a
expropriação causou os prejuízos reclamados pelo expropriado:
O expropriado
insurge-se contra a sentença recorrida por, no seu entendimento, não ter sido
ressarcido da totalidade dos prejuízos que sofreu em consequência da
expropriação.
As críticas
que o expropriado dirige ao tribunal a
quo são, fundamentalmente, duas:
- O tribunal a quo aderiu ao parecer maioritário dos
peritos, desprezando o parecer do perito indicado pelo expropriado, de forma
apriorística, ou seja, tendo apenas em consideração o número de subscritores de
cada uma das teses em confronto e quem indicou cada um deles, sem avaliar o
mérito intrínseco das referidas teses;
- O tribunal a quo não teve em consideração a
existência de uma exploração pecuária, constituída por várias centenas de
cabeças de gado, na propriedade onde se integram as parcelas expropriadas, o
que o levou a ignorar várias categorias de prejuízos, em particular as
seguintes:
- Prejuízos pela afectação
da exploração agropecuária desenvolvida:
- Desvalorização da
subparcela 2: € 56.250;
- Prejuízos relativos à
diminuição da área de exploração e consequente desvalorização por perda de área
das parcelas sobrantes a norte e a sul: € 388.710,71;
- Desvalorização por
inexistência de infraestruturas necessárias à exploração da subparcela 3: €
25.000;
- Redução da profundidade
da subparcela 3: € 58.400;
- Perda de potencial
cinegético: € 34.110;
- Compensação pelas
dificuldades de acesso/circulação interna: € 29.200;
- Outros prejuízos
relativos à reestruturação da exploração: € 50.000;
- Perda de
subsídios/ajudas: € 60.660,38.
Entre estes
dois vectores fundamentais do recurso interposto pelo expropriado, verifica-se uma
lacuna. O expropriado não impugna a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto. Não se
trata, simplesmente, de não cumprir qualquer dos ónus estabelecidos no artigo
640.º do Código de Processo Civil (CPC). O expropriado nem sequer formula a
pretensão de impugnar aquela decisão. Passa directamente da crítica à forma
como o tribunal a quo apreciou a
prova pericial para o enunciado das parcelas indemnizatórias a que conclui ter
direito, sem a indispensável mediação de uma alteração do enunciado da matéria
de facto.
Apenas faz
sentido o recorrente criticar a forma como o tribunal a quo apreciou a prova se, daí, retirar conclusões ao nível da
matéria de facto. Ou seja, se o recorrente, desde logo, formular a pretensão de
que o tribunal ad quem altere a
decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo. E se, tendo formulado tal pretensão, o recorrente cumprir os
ónus estabelecidos no artigo 640.º do CPC, um dos quais respeita, precisamente,
à forma de exposição daquela crítica.
Criticar a
forma como o tribunal a quo apreciou
a prova sem proceder nos termos acabados de descrever é inconsequente.
Critica-se, mas, dessa crítica, não se retira qualquer efeito útil, que apenas
poderia ser a alteração de pontos concretos, que o recorrente tem o ónus de
especificar [artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC], do enunciado da
matéria de facto.
Apreciar,
nestas circunstâncias, a forma como o tribunal a quo apreciou a prova, também seria inconsequente. Em face da
falta de formulação, pelo recorrente, da pretensão de alteração da decisão
sobre a matéria de facto e do total incumprimento dos ónus estabelecidos no
artigo 640.º do CPC, está vedado, ao tribunal ad quem, alterar a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto.
Sendo assim,
não procederemos à reapreciação da prova pericial, como o expropriante
pretende. A matéria de facto encontra-se definitivamente fixada e é em função
dela que o recurso por aquele interposto terá de ser apreciado.
Analisemos,
então, a questão de saber se, em função da matéria de facto provada, o
expropriado tem direito a ser indemnizado nos termos que pretende.
O expropriado
argumenta que, «considerando as
características da propriedade onde se integram as parcelas expropriadas (com
cerca de 312 ha), esta expropriação, que provoca a divisão desta propriedade em
duas partes (a sobrante a norte da ferrovia ficará com cerca de 95 ha, sem
Monte habitacional, e a sobrante a sul da ferrovia ficará com cerca de 198 ha),
determinará que cada uma destas áreas sobrantes (com áreas naturalmente muito
inferiores à da propriedade que existia) perca valor de produção em face dessa
menor área e veja reduzida as consequentes aptidões, funcionalidades e
rentabilidade. (…) Os custos de produção da exploração pecuária que se
desenvolve na propriedade onde se integravam as parcelas expropriadas aumentam
efetivamente com a divisão da propriedade em 2 parcelas autónomas.»
Esta afirmação
carece de suporte factual, considerando o conteúdo dos n.ºs 25 a 30 e 33 a 35
do enunciado dos factos provados e das als. b) e c) do enunciado dos factos não
provados. Está provado que, quer a parte não expropriada a norte, quer a parte
não expropriada a sul, manterão, proporcionalmente, os mesmos cómodos que
tinham antes da expropriação, desde que se proceda ao reajustamento dos parqueamentos
de gado existentes e à criação de novos pontos de água, para o que foram
atribuídas as necessárias indemnizações. Entre essas duas partes do prédio
existirão, pelo menos, três passagens. Sendo assim, não se verifica a perda de
valor alegada pelo expropriado.
O expropriado
argumenta que «Ainda neste contexto
destaca-se que a diminuição da área de exploração com a consequente desvalorização
global por perda de área determinadas por esta expropriação tem como a
principal consequência a redução do efetivo pecuário da exploração que terá de
ser ajustado à nova realidade (cfr. pág. 11 do Relatório pericial de
15.06.2021). A forma como a exploração agropecuária era conduzida, em pastoreio
rotativo ou sequencial dos animais pelos parques que existiam nas duas parcelas
sobrantes fica muito mais complicado pelos constrangimentos no deslocamento dos
animais de um lado para o outro da ferrovia. Esta alteração estruturante da
exploração agropecuária que se desenvolvia nestas propriedades determina uma
situação complexa e difícil pelas específicas características deste tipo de
exploração e pelos efeitos que a divisão da propriedade em duas partes
determinada pela expropriação vem acarretar: (i) complexidade da situação que
se verificava ao tempo da expropriação e (ii) particular complexidade da situação
após esta expropriação, pela consideração das muitas e diversas consequências
que esta divisão da propriedade vem causar a esta exploração agropecuária, em
particular nas áreas sobrantes e na vivência dessa nova situação. Neste
contexto importa sublinhar a perspetiva redutora e errada dos Senhores Peritos
do Tribunal que, por desconhecerem certamente este tipo de exploração
agropecuária, ignoraram de todo as perturbações que esta divisão física da
propriedade vem acarretar na sua exploração pecuária quotidiana.»
Argumenta
ainda o expropriado que «a exploração
agropecuária continuará a ser possível nestas propriedades. No entanto, esse
novo modelo de exploração terá mais custos (desde logo pelos maiores tempos de
deslocação de animais, máquinas e recursos humanos entre a parte norte e a
parte sul das propriedades e pelo acréscimo de mão-de-obra que esse novo modelo
implica para lidar com os animais na sua circulação norte-sul e sul-norte) e
carece de ser adaptada à nova realidade.»
Toda esta
argumentação também é contrariada pelo conteúdo dos n.ºs 25 a 30 e 33 a 35 do
enunciado dos factos provados e das als. b) e c) do enunciado dos factos não
provados. Nenhuma das perdas alegadas pelo expropriado ficou provada. Ao contrário,
ficou provada a sua inexistência.
O expropriado
afirma que a subparcela 2 sofreu uma desvalorização de € 56.250, invocando,
como fundamento, trechos do relatório pericial que são da exclusiva autoria do
perito por si nomeado. O expropriado não faz qualquer referência à matéria de
facto provada, a qual, efectivamente, não fornece qualquer sustentação para a
sua alegação.
O expropriado
alega que sofreu um prejuízo de € 388.710,71 decorrente da diminuição da área
de exploração e consequente desvalorização por perda de área das parcelas
sobrantes a norte e a sul. Invoca, como fundamento, trechos do relatório
pericial que são da exclusiva autoria do perito por si nomeado, sem qualquer
referência à matéria de facto provada. Esta não fornece qualquer sustentação
para esta pretensão do expropriado.
O expropriado
invoca uma desvalorização da subparcela 3, no valor de € 25.000, por
inexistência de infraestruturas necessárias à sua exploração. Invoca, como
fundamento, trechos do relatório pericial que são da exclusiva autoria do
perito por si nomeado, sem qualquer referência à matéria de facto provada.
Porém, a matéria de facto provada não fornece qualquer sustentação para esta
pretensão do expropriado.
O expropriado
invoca uma desvalorização da mesma subparcela 3, no valor de € 58.400, agora em
consequência da redução da sua profundidade, que provocaria constrangimentos no
maneio do gado. Mais uma vez, a fundamentação consiste na transcrição de
excertos do relatório pericial que são da exclusiva autoria do perito por si
nomeado, sem qualquer referência à matéria de facto provada. Também quanto a
este ponto, a matéria de facto provada não fornece qualquer sustentação para a
pretensão do expropriado.
O expropriado
invoca um prejuízo de € 34.110 por perda de potencial cinegético.
Invariavelmente, a fundamentação consiste na transcrição de excertos do
relatório pericial que são da exclusiva autoria do perito por si nomeado, sem
qualquer referência à matéria de facto provada. Desta, não consta qualquer
referência às perdas em causa.
O expropriado
pretende que lhe seja atribuída uma indemnização de € 29.200 por «dificuldades de acesso/circulação interna».
A fundamentação desta pretensão consiste na transcrição de excertos do
relatório pericial que são da exclusiva autoria do perito por si nomeado, sem
qualquer referência à matéria de facto provada. E, efectivamente, desta nada
resulta que suporte a referida pretensão.
O expropriado
contabiliza em € 50.000 «outros prejuízos
relativos à reestruturação da exploração». Porém, os factos que, no
entendimento do perito indicado pelo expropriado, plasmado no relatório
pericial, sustentam tal pretensão, não foram julgados provados.
Finalmente, o
expropriado afirma que, em consequência da expropriação, perdeu «subsídios/ajudas» no montante de €
60.660,38. Ora, um dos factos julgados não provados é precisamente esse – al.
c).
Concluindo, o
expropriado não tem direito a qualquer das parcelas indemnizatórias por cuja
não atribuição censura o tribunal a quo.
Tendo em conta a matéria de facto que julgou provada, por decisão não impugnada
pelo expropriado, o tribunal a quo
decidiu acertadamente ao não atribuir, a este, qualquer das referidas
indemnizações. Daí que o recurso interposto pelo expropriado não mereça
provimento, devendo confirmar-se, nesta parte, a sentença recorrida.
3 – Se a
expropriante litigou de má-fé:
Perante as
conclusões a que chegámos nos números anteriores, é evidente que a expropriante
não litigou de má-fé. Por um lado, o recurso por si interposto é procedente.
Efectivamente, verificou-se a duplicação de indemnizações por si denunciada.
Por outro, as razões pelas quais se opôs ao recurso interposto pelo expropriado
também procedem.
*
Dispositivo:
Pelo exposto, delibera-se:
- Julgar improcedente o
recurso interposto pelo expropriado;
- Julgar procedente o
recurso interposto pela expropriante, alterando-se a sentença recorrida no
sentido de fixar a indemnização devida ao expropriado na quantia de €
151.523,95 (cento e cinquenta e um mil, quinhentos e vinte e três euros e
noventa e cinco cêntimos);
- Absolver a expropriante
do pedido de condenação em indemnização por litigância de má-fé.
Custas de
ambos os recursos a cargo do expropriado.
Notifique.
*
Évora,
23.05.2024
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
(1.ª adjunta)
(2.º adjunto)