Apreciação crítica da prova.
Regras da experiência comum.
Desconhecimento da língua portuguesa por contraente estrangeiro.
*
Processo n.º 335/20.6T8ODM.E1
Autor/recorrido:
RRR.
Réu/recorrente:
DDD.
Pedidos:
a) Reconhecimento da existência e da
validade do contrato-promessa de compra e venda;
b) Reconhecimento da recusa do réu em
realizar o contrato prometido;
c) Reconhecimento da ilegitimidade da
conduta do réu em fazer seu o montante que lhe foi entregue e recebeu a título
de sinal e princípio de pagamento, ou seja, € 12.000;
d) Condenação do réu no pagamento, ao autor,
do valor que recebeu a tais títulos (sinal e princípio de pagamento), em dobro,
ou seja, na quantia de € 24.000.
Sentença recorrida:
Julgou a acção procedente, por provada,
e, em consequência:
a) Declarou não verificada a nulidade do
contrato-promessa de compra e venda;
b) Reconheceu a existência e a validade
do contrato-promessa de compra e venda;
c) Reconheceu a recusa do réu em
realizar o contrato prometido;
d) Condenou o réu a pagar, ao autor, o
valor de € 24.000, a título de restituição em dobro do sinal que por este lhe
foi entregue.
Conclusões do recurso:
a) Verifica-se errada apreciação sobre a
matéria de facto, e errada aplicação do Direito, nos moldes que passará a
descrever.
b) O recorrente identificou, nos termos
e para os efeitos do disposto no artigo 640.º n.º 1, alíneas, a), b) e c), do
CPC, os concretos pontos que considera incorrectamente julgados, e que impugna.
c) O tribunal a quo não realizou uma apreciação rigorosa, quer dos depoimentos
prestados em audiência e julgamento, quer dos documentos juntos aos autos,
plasmando na sua sentença uma errada critica, que fez da prova.
d) Traduzindo-se numa errada apreciação,
quer de facto, quer de direito.
e) Para tanto, passará a indicar os
pontos da matéria de facto, cuja apreciação, pretende ver alterada, por discordar
da análise critica da prova, com relevo para a boa decisão da causa.
f) O tribunal a quo, não conjugou, uns depoimentos com outros, não identificando
contraditoriedades colossais!
g) O tribunal a quo, assente nas regras da lógica e da experiência comum, formar
a convicção que formou, nem analisar criticamente a prova, como analisou!
h) Nos termos e para o efeitos
decorrentes do artigo 640º nº 1, alínea a), b) e c), e nº 2, alínea a) e b),
cumpre apreciar.
i) Para tanto, foram transcritos os
depoimentos das testemunhas, Paulo Varela, Francisca Gomes, João Luís, e Alberto
Vicente, e identificadas as passagens da gravação em que se funda o recurso.
j) Reapreciada a prova produzida pelas
identificadas testemunhas, e transcritos os depoimentos, verifica-se erro na
apreciação da matéria de facto.
k) Pelo que os pontos 5 ao 7, e do 13 ao
14, identificados na douta sentença como matéria assente como provada, não
podem ser considerados como provados, em virtude de resultar o oposto, das transcrições
supra identificadas, tendo sido erradamente apreciada a prova testemunhal, ao
invés terão de ser dados como não provados!
l) De igual modo, os factos descritos
como não provados, na douta sentença recorrida, de a) a c), e e), por força da
prova produzida, ao invés, terão de ser dados como provados!
m) Errou na apreciação da prova
produzida, em vários aspectos, conforme supra se explana.
n) O tribunal a quo, falhou e errou de forma colossal, ao ter considerado que o réu,
recorrente, dominava a língua portuguesa.
o) O réu, ora recorrente, não dominava,
nem domina, a língua portuguesa, não podendo, nem tendo, entendido, os
contratos que assinou, mormente, o contrato promessa de compra e venda!
p) As testemunhas foram absolutamente induzidas
e manipuladas em respostas.
q) Sucede porém que no
contra-interrogatório, e através da audição da gravação da prova produzida,
verifica-se com relativa facilidade, que foram parciais, e tendenciosas, porém
entraram em contradições intensas, sendo clarividente que tudo procuraram
fazer, para assegurar a procedência acção.
r) As testemunhas criaram um cenário,
sucede, que ouvidas em gravação, detecta-se contradições severas, razão pelo
qual os depoimentos não podem ter o acolhimento que tiveram pelo tribunal a quo.
s) O tribunal a quo, por forma a alicerçar do desígnio que tinha traçado, descredibiliza
apenas uma testemunha, o Alberto Vicente, que conhece o réu e recorrente, desde
há anos, e assegura, que o réu, nada percebe de português;
t) O depoimento de Alberto Vicente, e
das demais testemunhas, ouvidas as gravações, e as severas contradições, dúvidas
não restam quanto ao facto do réu, ora recorrente: 1. não dominar a língua
portuguesa, nem falada, nem escrita, 2. não ter sido ele a elaborar contrato
promessa de compra e venda, 3. estar desacompanhado de advogado, 4. ter tido
diante dele advogado do autor, 5. ter assinado contrato promessa de compra e
venda redigido, pelo advogado do autor, 6. não ter sido tampouco lido o
contrato de promessa de compra e venda , 7. nem o termo de autenticação foi
lido, no dia das assinaturas pelo advogado do autor, João Luís, ouvido como testemunha
8. Não ter compreendido os termos dos documentos que assinou, 9. Porquanto não
entendia a língua portuguesa, não tendo entendido os termos do negócio!
u) O depoimento da testemunha, Alberto
Vicente, foi isento, firme e seguro, ao contrário do que o tribunal a quo, considerou: que não merecia
acolhimento. fê-lo, por forma a não deixar pontas soltas à fundamentação
fáctica e de direito, de raiz errada, mas que defendeu!
v) Ora os vícios da fundamentação, de
uma sentença poderão inquinar a decisão de facto,
w) Significando que nestas situações, as
partes, designadamente em sede de recurso, devem alegar o motivo, que as leva a
entender estarem perante matéria fáctica, rogando, para tanto, a deficiência.
x) A douta sentença recorrida, peca por obscuridade:
dever da resposta aos quesitos, apreciados individualmente ou em articulação
com as demais respostas, dever ser clara e perceptível, sem que reste qualquer dúvida
sobre a posição do tribunal.
y) As respostas isoladas, ou conjugadas
com as demais, e com a matéria assente, deve, forçosamente, ser harmonizáveis,
coerentes, concordantes, de interpretação única e clara, por forma, a que na fase
da aplicação do direito, não sejam suscitadas dúvidas sobre o sentido das
respostas, garantindo que não subsistirão dificuldades que impeçam uma correcta
interpretação jurídica.
z) Tal não sucedeu, atente-se às
transições supra realizadas,
aa) A douta sentença recorrida peca,
ainda pela contradição, vício, que ocorre, através de duas ou mais partes da resposta,
ou duas ou mais respostas conjugadas entre si, incompatíveis, no sentido de que
a verificação de uma determinada realidade de facto exclui a outra.
bb) A decisão não foi tomada, em todos
os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo
critérios objectivos e controláveis de valoração e, portanto, de forma
imparcial;
cc) Não fez o tribunal a quo, sobre todas as provas produzidas,
uma prudente apreciação!
dd) O tribunal a quo, cometeu uma errada ponderação.
ee) Não respeitou critérios objectivos e
controláveis de valoração, não resultando em apreciação imparcial.
ff) Pelo exposto considera a recorrente,
que a decisão da matéria de facto, não se encontra adequadamente fundamentada!
gg) O tribunal a quo, com a aplicação que fez do direito, violou as normas
decorrentes dos artigos 224º, 247º, 251º, 2 do artigo 410º, e nº 2 do artigo
442º, todos do Código Civil, e artigos 70º nº 1 alínea b), 150º, e 151º nº 1
alínea a), do Código de Notariado,
hh) O réu, agiu em erro, atento facto de
ter assinado contrato promessa de compra e venda, cujo conteúdo não lhe foi
explicado, nem conhecidas as necessárias implicações;
ii) Sucede que no caso sub judice, e em conformidade com o
estipulado no artigo 224º do CC, a vontade do declarante, não pode ser considerada
manifestada, devendo antes ser considerada, de ineficaz;
jj) A declaração negocial, deverá ser
pelas supra expostas razões, considerada nula, conforme resulta do artigo 220º,
e nº 2 do artigo 410º do, ambos do CC,
kk) Em bom rigor, não estamos na
presença de uma declaração de vontades, e por essa banda, não vincula o réu,
ll) Ora estamos diante de falta de consciência
da declaração,
mm) Inexistiu vontade de declaração
negocial, por parte do réu,
nn) O réu não teve consciência, do que
assinou, por desconhecer o conteúdo, do contrato promessa de compra e venda, e
do termo de autenticação,
oo) Não tomou o réu, conhecimento, da
vinculação pretendida através do clausulado do contrato promessa,
pp) É por demais evidente, que para
existir declaração negocial, importa em abstracto, que a pessoa, em concreto o réu,
queira celebrar aquele negócio jurídico e não outro, e tenha consciência de que
está a celebrar aquele negócio e não outro.
qq) Pelo que tem o recorrido, o dever de
restituir ao autor ora recorrido, o sinal em singelo,
rr) A invocada excepção de nulidade do
negócio jurídico, deve ser julgada procedência;
ss) O contrato promessa de compra e
venda deve ser considerado inválido,
tt) Desta feita, considera-se que o réu
não incumpriu com a obrigação, nos termos e para os efeitos decorrentes do
disposto no nº 2 do artigo 442º do CC.
uu) A sentença impugnada, deveria ter
considerado, reunidos, os pressupostos impostos pelo artigo 247.º do Código
Civil, e concluir-se pela anulabilidade do negócio.
Questões a decidir:
1 – Impugnação da decisão sobre a
matéria de facto;
2 – Excepção peremptória de nulidade do
contrato-promessa.
Factos julgados provados
pelo tribunal a quo:
1) O prédio urbano sito na freguesia de (…),
concelho de (…), inscrito na matriz urbana da referida freguesia, sob o art.º (…),
e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…), sob a ficha n.º (…),
encontra-se registado a favor do réu.
2) O réu celebrou com a imobiliária Sociedade
1, Lda. um acordo para que esta, no âmbito da sua actividade, diligenciasse
pela venda do imóvel descrito em 1).
3) A empresa de mediação imobiliária
representou o réu em toda a fase da negociação para venda.
4) No acordo descrito em 2), datado de
16/11/2018, que as partes denominaram “contrato
de mediação imobiliária”, pode ler-se na cláusula segunda:
“A
mediadora obriga-se, em nome do segundo contratante, a procurar destinatário
para a realização do negócio jurídico de compra e venda pelo valor de 250.000
Euros (Duzentos e cinquenta mil euros)…”
5) Posteriormente à celebração do
denominado “contrato de mediação
imobiliária” descrito em 2) e em 4), o autor propôs e aceitou a aquisição
do imóvel descrito em 1) pelo preço de € 232.000,00, tendo o réu aceitado a
venda por este valor.
6) No seguimento da negociação descrita
em 5), foi acordada a data para a celebração de um acordo que as partes
denominaram contrato-promessa de compra e venda, e ainda que seria o réu a
redigir o mesmo.
7) O réu apresentou o acordo referido em
6) previamente escrito para ser celebrado.
8) No dia 20 de Maio de 2019, foi
celebrado e outorgado um acordo que as partes denominaram “contrato promessa de compra e venda”, que aqui se dá por
integralmente reproduzido, entre o autor, na qualidade de promitente comprador,
e o réu, na qualidade de promitente vendedor, documento particular que foi objecto
de autenticação, através de termo lavrado perante advogado, aí se podendo ler:
“…
Pelos
mesmos foi dito:
Que,
leram e assinaram o documento que antecede, que é um contrato promessa de
compra e venda, e que o mesmo exprime a sua vontade.
Assim
disseram e outorgaram.
Este
instrumento foi lido aos outorgantes, tudo em voz alta e na sua presença,
pessoas cuja identidade verifiquei…”.
9) O autor entregou ao réu, com a aceitação
e assinatura do contrato-promessa de compra e venda, o montante de € 12.000,00,
podendo ler-se nesse documento:
“CLÁUSULA
TERCEIRA
1.
O preço global para a prometida compra e venda é de 232.000,00 (Duzentos e
tinta e dois mil Euros), a pagar pelo PROMITENTE COMPRADOR ao PROMITENTE
VENDEDOR conforme segue:
a)
A importância de 12.000,00€ (Doze mil Euros) a título de sinal, valor que será
pago na assinatura do presente contrato-promessa de compra e venda, por
transferência bancária a ser efetuada para a conta com o NIB (…) do Banco (…) e
cujo titular é o PROMITENTE VENDEDOR.
b)
(…)
(…)
CLÁUSULA
NONA
1.
O PROMITENTE VENDEDOR pode resolver o presente contrato, fazendo seu o sinal,
no caso do PROMITENTE COMPRADOR faltar dolosamente à outorga da escritura
pública de compra e venda prometida, impossibilitar a sua realização, não
proceder á liquidação de qualquer um dos pagamentos nos termos e condições
previstas na cláusula 3.ª supra, ou por causa a si dolosamente imputável,
deixar decorrer o prazo previsto no n.º 1 da cláusula 4.ª.
2.
O PROMITENTE COMPRADOR pode resolver o presente contrato, exigindo do
PROMITENTE VENDEDOR a restituição em dobro do sinal e respetivos reforços, se a
escritura pública de compra e venda prometida não for celebrada por causa
dolosamente imputável ao PROMITENTE VENDEDOR.”.
10) Na cláusula terceira do acordo
referido em 8), consta ainda:
“CLÁUSULA
TERCEIRA
1.
O preço global para a prometida compra e venda é de 232.000,00 (Duzentos e
tinta e dois mil Euros), a pagar pelo PROMITENTE COMPRADOR ao PROMITENTE
VENDEDOR conforme segue:
a)
(…)
b)
O remanescente do preço, ou seja, a quantia de 220.000,00€ (Duzentos e vinte
mil Euros), será pago no ato da outorga da escritura pública de compra e venda,
mediante cheque bancário ou visado emitido à ordem do PROMITENTE VENDEDOR.”
11) Na “cláusula quarta” do acordo referido em 8), pode ler-se:
“CLÁUSULA
QUARTA
1.
A escritura pública de compra e venda do negócio prometido realizar-se-á até 22
de julho de 2019.
2.
(…)”.
12) Na “cláusula quarta” do acordo referido em 8), pode ainda ler-se:
“CLÁUSULA
QUARTA
1.(…)
2.
A marcação de escritura a que alude o número anterior caberá ao PROMITENTE
COMPRADOR, os quais deverá notificar para o efeito o PROMITENTE VENDEDOR, por meio
de carta registada expedida com a antecedência mínima de 12 (doze) dias,
indicando o dia, hora e Cartório Notarial ou outro local em que aquela se
realizará.”.
13) Após a assinatura do acordo referido
em 8), foi acordado, verbalmente, entre as partes, que seria o promitente
vendedor, o ora réu, através da empresa de mediação imobiliária Sociedade 1, Lda., a marcar a data da
escritura pública de compra e venda e a comunicar a data, ao promitente
comprador, ora autor, através de contacto pessoal.
14) O réu, no acto de outorga do acordo
que as partes denominaram “contrato de
promessa compra e venda”, comunicou em português e disse que não precisava
de intérprete, nem de tradução.
15) No acto de outorga, quer do
denominado acordo “Contrato Promessa de
Compra e Venda”, quer do termo de autenticação, a leitura destes documentos
foi efectuada na língua portuguesa.
16) Em consonância com o acordo verbal
referido em 13), a empresa de mediação imobiliária Sociedade 1, Lda. marcou para o dia 22 de julho de 2019 a escritura
pública do contrato prometido, no Cartório Notarial de (…), a cargo da Notária(…),
sito na Rua (…), em (…).
17) Em data não concretamente apurada,
mas seguramente anterior a 19 de julho de 2019, a data mencionada em 16) foi
comunicada pela empresa de mediação imobiliária Sociedade 1, Lda., por telefone e mensagem escrita, a ambas as
partes intervenientes no acordo que denominaram de “contrato promessa de compra e venda”.
18) Em 19 de julho de 2019 a empresa de
mediação imobiliária Sociedade 1, Lda., transmitiu ao promitente comprador, ora
autor, uma mensagem de correio eletrónico da mandatária do promitente vendedor,
ora réu, com o seguinte teor:
“Na
qualidade de mandatária do Sr. DDD, informo V.Exas. que após ter analisado os
termos do Contrato Promessa de Compra e Venda, considero que o mesmo, não foi
pelo Promitente Comprador cumprido, em virtude de recair sobre o mesmo,
conforme resulta do nº 2 da clausula quarta do referido Contrato, o dever de
notificar o Promitente Vendedor, da marcação da escritura, através de carta
registada, com antecedência mínima de 12 dias úteis , indicando o dia , a hora
e o Cartório Notarial.
Acresce
que a mesma clausula fixa como prazo para realização da escritura de compra e
venda, a data de 22 de Julho de 2019 , próxima segunda feira.
Atento
o exposto, tem o promitente vendedor o direito de fazer seu o sinal entregue
pelo promitente comprador, podendo em alternativa requer a execução específica
do contrato.
Manifesta
todavia, que não irá requer a execução específica do contrato.
Posto
isto, considera-se resolvido o Contrato de Compra e Venda, por causa imputável
ao Promitente Comprador.
Solicita-se
a entrega imediata das chaves, que têm em v/ poder.”
19) O réu, promitente vendedor, não
compareceu à escritura pública agendada para o dia 22 de Julho de 2019, no
Cartório Notarial de (…).
20) O autor diligenciou pela marcação de
nova data para realização da escritura pública de transmissão/aquisição do
prédio urbano descrito em 1) para o dia 29 de Agosto de 2019, no mesmo Cartório
Notarial.
21) Mediante o envio de carta registada
com aviso de receção, e pelo seguro do correio através do registo n.º (…), foi
no dia 31 Julho de 2019 comunicada ao réu a data indicada em 20).
22) A carta enviada em 31 de julho de
2019 foi rececionada pelo próprio réu em 02 de Agosto de 2019.
23) O réu não compareceu à escritura
pública de transmissão agendada para 29 de agosto de 2019.
24) Aquando da celebração do acordo
referido em 2), o réu entregou à sociedade imobiliária ali identificada as
chaves do imóvel descrito em 1).
25) O réu outorgou uma escritura de
compra e venda no dia 01/07/2015, junto do Cartório Notarial de (…), perante a
notária Dra. (…), com a presença de intérprete.
Factos julgados não provados
pelo tribunal a quo:
b)
O termo de autenticação descrito no facto provado 6), não foi lido, nem
compreendido pelo réu, em virtude do mesmo ter naturalidade e nacionalidade
francesa e desconhecer em absoluto a língua portuguesa, falada e escrita.
c)
Não foi explicado ao réu o conteúdo do contrato promessa de compra e venda descrito
no facto provado 6).
d)
O réu recolheu interpretação e tradução do contrato promessa de compra e venda,
em data posterior à da receção da comunicação assinada pelo autor, que propunha
a outorga da escritura para 22 de julho de 2019.
e)
Só na sequência do descrito em d), o réu constatou que o resultante do contrato
promessa de compra e venda por si assinado não estava em conformidade com a sua
vontade, designadamente no que ao preço fixado respeita.
f) As chaves do imóvel descrito no facto
provado 1) foram pela Imobiliária entregues ao autor.
*
1 – Impugnação da decisão
sobre a matéria de facto:
O recorrente pretende que os
factos constantes dos n.ºs 5 a 7, 13 e 14 sejam julgados não provados e que os
factos constantes das als. b) a e) sejam julgados provados.
A defesa do recorrente
assenta fundamentalmente na alegação de que:
- Por ter naturalidade e nacionalidade
francesas, desconhece, em absoluto, a língua portuguesa, falada e escrita;
- Em consequência desse desconhecimento
da língua portuguesa, assinou o contrato-promessa sem estar ciente do seu
conteúdo, nomeadamente do preço nele estipulado para o contrato de compra e
venda prometido.
Antes de reapreciarmos a
prova referida pelo recorrente, analisemos a posição por este assumida à luz
das regras da experiência comum, tendo em consideração a matéria de facto que
se encontra consolidada. É que não basta o recorrente insistir que não conhece
a língua portuguesa, falada ou escrita, e, por essa razão, não estava ciente do
conteúdo do contrato-promessa. Há que, hipotisando tal desconhecimento, tentar encontrar
uma justificação para os factos comprovadamente praticados pelo recorrente. Quanto
mais difícil se mostrar essa justificação, mormente à luz das regras da
experiência comum, menos verosímil teremos de considerar a versão que o
recorrente sustenta.
Está provado que, em
01.07.2015, o recorrente outorgou uma escritura pública de compra e venda,
tendo, então, sido assistido por um intérprete.
Com base neste facto,
podemos concluir que:
1) O contrato dos autos não foi o
primeiro que o recorrente celebrou em Portugal;
2) O recorrente tem noção de que a
celebração de um contrato constitui um acto cuja importância exige que ele conheça
o seu conteúdo e efeitos com exactidão; ou seja, o recorrente é uma pessoa avisada
e não um irresponsável;
3) O recorrente sabe que, quando se
mostra necessário conhecer o conteúdo de um acto praticado numa língua que não
conhece, convém assegurar o auxílio de um intérprete.
Em 20.05.2019, o recorrente
assinou o contrato-promessa dos autos. É consensual que o recorrente não foi
assistido por intérprete, não se considerando como tal a pessoa que o
acompanhou nessa ocasião.
O recorrente afirma que, em
20.05.2019, não conhecia a língua portuguesa, falada ou escrita, e, por essa
razão, não estava ciente do conteúdo do contrato-promessa. Não obstante,
assinou-o. Sendo assim, a imagem que o recorrente pretende dar de si é a de
alguém que assina um contrato, redigido numa língua estrangeira que desconhece
em absoluto, cujo conteúdo, obviamente, também desconhece.
Esta imagem não é compatível
com aquela que o recorrente deu de si próprio em 01.07.2015. Nesta ocasião, ele
actuou com um grau de diligência normal, não assinando um contrato redigido
numa língua estrangeira que desconhecia sem estar assessorado por um
intérprete. Já em 20.05.2019, estaríamos, a acreditar no recorrente, perante
uma pessoa totalmente irresponsável, capaz de assinar um contrato sem fazer a
menor ideia do seu conteúdo.
Note-se que o recorrente não
afirma ter-se limitado a interpretar mal uma palavra ou uma frase,
atribuindo-lhes um sentido diverso daquele que lhes atribuiria um contraente
que dominasse a língua portuguesa. Em vez disso, afirma desconhecer em absoluto
a língua em que o contrato foi redigido, ao ponto de nem sequer ter percebido
qual era o preço a estipular no contrato prometido, não obstante tratar-se de
um elemento expresso, não só por extenso, mas também em algarismos. Daí
afirmarmos que o recorrente pretende dar, de si, a imagem de alguém capaz de
assinar um contrato referente à venda de um imóvel sem fazer a mínima ideia do
seu conteúdo.
Isto não é credível.
Dizem-nos as regras da
experiência comum que salvo, porventura, em hipóteses de excepcional
ingenuidade ou descuido, ou de défice cognitivo (pontual ou duradouro), ninguém
assina um contrato redigido numa língua que lhe seja totalmente desconhecida
sem se encontrar assessorada por pessoa em quem confie, como um familiar que
conheça aquela língua, um advogado ou um intérprete. Ora, o recorrente não
fornece qualquer dado que nos permita acreditar que ele seja uma pessoa
particularmente ingénua ou descuidada, que se tenha deixado ludibriar ao ponto
de assinar um contrato de cuja redacção não entendeu uma única palavra, ou que
padeça de algum défice cognitivo que o torne presa fácil de quem pretenda
enganá-lo.
Mais, a forma como o
recorrente actuou em 01.07.2015 afasta, sem margem para dúvidas, a imagem que
ele agora pretende dar de si. É seguro que o recorrente não é uma pessoa tão
ingénua, tão descuidada, ou tão mentalmente débil, que, sem ser assessorado por
alguém em quem confie, assine um contrato redigido numa língua de que não
entende uma única palavra.
Por outro lado, há que
atentar no objecto do suposto erro do recorrente. Tal erro teria incidido sobre
o montante do preço da venda que prometeu efectuar. O recorrente teria
prometido vender pelo preço de € 232.000, supondo que estava a prometer vender
pelo preço de € 250.000.
Nem sequer na hipótese, já
de si inverosímil, de, quando celebrou o contrato-promessa dos autos, o
recorrente desconhecer, em absoluto, a língua portuguesa, isto seria credível.
Constam do contrato-promessa, mais precisamente da sua cláusula 3.ª, três
valores pecuniários expressos em algarismos: € 232.000, € 12.000 e € 220.000.
Em parte alguma do contrato consta o valor de € 250.000. Logo, ainda que não
conseguisse ler uma única palavra em português, o recorrente não teria qualquer
fundamento para supor que estava a prometer vender o imóvel por € 250.000.
Mais, no momento da
celebração do contrato-promessa, o recorrente recebeu € 12.000 a título de
sinal e princípio de pagamento. Esta quantia corresponde à diferença entre €
232.000 e € 220.000, que são os outros valores expressos em algarismos no
contrato-promessa. Nem assim o recorrente conseguiu perceber que o preço pelo
qual prometeu vender era de € 232.000 e que, dado o pagamento antecipado de €
12.000, receberia € 220.000 aquando da celebração do contrato prometido? Não é
possível.
Atentemos ainda no seguinte:
Em 16.11.2018, o recorrente
celebrou um contrato de mediação imobiliária, visando a venda do imóvel que
posteriormente prometeu vender ao recorrido. É pacífico que o recorrente
entendeu o conteúdo desse contrato, redigido em português, nomeadamente que o preço
nele mencionado para o imóvel era de € 250.000. Não há notícia de o recorrente
ter sido assistido por intérprete, o que constitui mais um indício de que,
então, ele já havia adquirido um conhecimento da língua portuguesa suficiente
para ler o contrato e ficar ciente do seu conteúdo. Não é crível que, em
20.05.2019, o seu conhecimento da língua portuguesa tivesse regredido ao ponto
de não entender, como afirma, uma única palavra do contrato-promessa. Mais, de
não entender, sequer, os valores expressos em algarismos, pensando que um deles
era de € 250.000, hipótese em que a regressão do recorrente já não se
circunscreveria ao conhecimento da língua portuguesa.
Concluindo esta apreciação
preliminar da tese do recorrente, diremos que é, logo à partida, inverosímil
que este, como alega, desconhecesse, em absoluto, a língua portuguesa, falada e
escrita, na data em que celebrou o contrato-promessa dos autos.
Passemos à reapreciação dos
meios de prova invocados pelo recorrente.
As testemunhas Paulo Varela,
Francisca Gomes e João Luís foram unânimes na afirmação de que, na data da
celebração do contrato-promessa, o conhecimento que o recorrente tinha da
língua portuguesa lhe permitiu perceber perfeitamente o seu conteúdo e efeitos.
Acresce que o recorrente se fazia acompanhar por uma senhora portuguesa, que
poderia auxiliá-lo caso ele necessitasse.
O recorrente invoca os
depoimentos destas testemunhas, mas exclusivamente para os rotular como não
credíveis. Com esse fundamento, parece pretender que o tribunal ad quem julgue provado o contrário
daquilo que as mesmas testemunhas afirmaram, mormente que ele não falava nem
percebia uma palavra de português. Isto não faz o menor sentido, como é
evidente.
O único depoimento que o
recorrente considera credível é aquele que foi prestado pela testemunha Alberto
Vicente. Ao contrário de Paulo Varela, Francisca Gomes e João Luís, Alberto
Vicente não presenciou qualquer dos factos em que o recorrente interveio,
apenas se tendo pronunciado, genericamente, sobre o conhecimento que aquele tem
da língua portuguesa.
Note-se que nem sequer Alberto
Vicente corroborou a afirmação do recorrente segundo a qual desconhece, em
absoluto, a língua portuguesa, quer falada, quer escrita. Não é rigorosa a
afirmação, constante das alegações de recurso, segundo a qual Alberto Vicente
assegurou, sem margem para dúvidas, que o recorrente não compreendeu
absolutamente nada do que resultava escrito no contrato, nem os direitos, nem
as obrigações. Alberto Vicente afirmou, sim, que o recorrente não poderia
compreender «os termos técnicos
portugueses». Não que o recorrente fosse incapaz de perceber que o preço de
venda do imóvel seria de € 232.000. O sentido comum da palavra «preço» coincide com o seu sentido
técnico e a quantia expressa em algarismos é tão perceptível por um francófono
como por um lusófono, como é evidente.
Certo é que nunca poderia
considerar-se provado que o recorrente desconhecesse em absoluto a língua
portuguesa, ao ponto de não conseguir perceber que, ao celebrar o
contrato-promessa, estava a prometer vender o imóvel pelo preço de € 232.000 e
não pelo de € 250.000 (cifra nunca é mencionada do contrato, de novo
salientamos). Além dos depoimentos em sentido contrário das testemunhas Paulo
Varela, Francisca Gomes e João Luís, obstam decisivamente à formação de tal
convicção as razões que expusemos preliminarmente.
Ao contrário, é seguro,
tendo em conta a análise objectiva da actuação do recorrente, a que procedemos,
e os depoimentos das testemunhas Paulo Varela, Francisca Gomes e João Luís, que
aquele ficou ciente do conteúdo e dos efeitos do contrato-promessa.
Analisemos, à luz desta
conclusão fundamental, cada um dos pontos de facto relativamente aos quais o
recorrente manifesta discordância.
N.º 5 e al. a):
O preço fixado, no
contrato-promessa, para a compra e venda, foi de € 232.000. Tendo o recorrente
assinado o contrato-promessa e estando demonstrado que ele estava ciente do
conteúdo e dos efeitos deste, conclui-se que, posteriormente à celebração do
contrato de mediação mobiliária, recorrente e recorrido acordaram que o preço
da compra e venda seria de € 232.000. Logicamente, não é verdade que o
recorrente sempre tenha pretendido vender o imóvel por preço não inferior a €
250.000. Daí que o n.º 5 e a al. a) devam manter-se.
N.ºs 6 e 7:
O facto de, na sequência da
negociação descrita em 5, recorrente e recorrido terem acordado uma data para
celebrarem o contrato-promessa, resultou dos depoimentos, não contrariados por
qualquer meio de prova, das testemunhas Paulo Varela e Francisca Gomes, cuja
credibilidade, ao contrário do que o recorrente sustenta, não nos suscita
qualquer reserva.
O recorrente insurge-se
contra a decisão do tribunal a quo de
julgar provado que o recorrente e o recorrido acordaram que seria o primeiro a
redigir o contrato-promessa. Insurge-se, igualmente, contra a decisão do
tribunal a quo de julgar provado que,
em execução desse acordo, ele próprio apresentou o contrato-promessa,
previamente escrito, para ser celebrado.
Estamos
perante factos instrumentais, tendentes a demonstrar que o recorrente estava
ciente do conteúdo do contrato-promessa. É indiferente, para a procedência da
acção, quem elaborou o contrato-promessa e o apresentou à contraparte. Ora,
tendo ficado demonstrado, pelas razões acima expostas (que se basearam, como
frisámos, apenas na matéria de facto consolidada), que o recorrente estava
ciente do conteúdo do contrato-promessa, o referido facto instrumental deixou
de ter utilidade. O facto principal ficou provado por outra via.
Consequentemente, a alteração pretendida pelo recorrente traduzir-se-ia na
prática de um acto inútil, proibido pelo artigo 130.º do CPC, que consagra o
princípio da limitação dos actos.
N.º
13:
A
matéria de facto constante do n.º 13 é irrelevante para a decisão da causa,
atento o fundamento com que o recorrente contestou a acção.
Trata-se
de matéria alegada na petição inicial, a qual foi elaborada tendo como
referencial o fundamento invocado pelo recorrente para, através de e-mail
enviado, pela sua advogada, ao recorrido, resolver o contrato-promessa. Apenas
nessa perspectiva seria útil discutir se, posteriormente à celebração do
contrato-promessa, recorrente e recorrido acordaram verbalmente que seria o
primeiro, através da mediadora, a marcar a data da escritura pública de compra
e venda e a comunicá-la ao segundo, através de contacto pessoal.
Porém,
não foi com esse fundamento que o recorrente contestou a acção, mas sim com o
de que o contrato-promessa é nulo devido à ocorrência de um vício na formação
da sua vontade, que inquinou a sua declaração negocial. Tendo-se a discussão
deslocado para a questão, logicamente anterior, da procedência desta excepção
peremptória, a matéria constante do n.º 13 perdeu relevância. É indiferente que
a marcação da escritura pública e a comunicação da data desta à contraparte
tenham ficado a cargo do recorrente ou do recorrido. Interessa, sim, saber se o
fundamento de nulidade do contrato-promessa invocado pelo recorrente se
verificou.
Sendo
assim, também esta alteração se traduziria na prática de um acto inútil,
proibido pelo artigo 130.º do CPC.
N.º
14:
Pelas
razões que anteriormente expusemos, é nossa convicção que, na data da
celebração do contrato-promessa, o conhecimento que o recorrente tinha da
língua portuguesa era suficiente ele para ficar ciente do conteúdo e dos
efeitos daquele, bem como para comunicar nessa língua. Dos depoimentos das
testemunhas Paulo Varela, Francisca Gomes e João Luís resultou que o recorrente
comunicou efectivamente em português e afirmou não precisar, nem de intérprete,
nem de tradução do contrato. Logo, a decisão do tribunal a quo sobre esta matéria está correcta.
Al.
b):
Já
nos pronunciámos acerca do alegado desconhecimento absoluto da língua
portuguesa por parte do recorrente.
Resultou
dos depoimentos das testemunhas Paulo Varela, Francisca Gomes e João Luís que o
termo de autenticação descrito no n.º 6 foi lido e compreendido pelo
recorrente.
Deverá,
pois, manter-se como não provado o conteúdo da al. b).
Als.
c), d) e e):
Inexistiu,
pura e simplesmente, prova de que:
- O
conteúdo do contrato-promessa não foi explicado ao recorrente;
- Só
posteriormente à celebração do contrato-promessa o recorrente «recolheu interpretação e tradução» deste;
- E só
na sequência de tal «recolha de
interpretação e tradução» do contrato-promessa o recorrente se tenha
apercebido da alegada, mas não provada, desconformidade entre o conteúdo
daquele e a sua vontade.
Daí
que deva manter-se como não provado o conteúdo das als. c), d) e e).
Concluindo:
A
decisão do tribunal a quo sobre a
matéria de facto deverá manter-se na íntegra.
2
– Excepção peremptória de nulidade do contrato-promessa:
Como
vimos em 1, não ficou provado que o recorrente celebrou o contrato-promessa por
ter pensado, erradamente, que estava a obrigar-se a vender o imóvel de que é
proprietário pelo preço de € 250.000. Ao contrário, ficou demonstrado que o
recorrente se encontrava ciente de todo o conteúdo do contrato-promessa no
momento da sua celebração, nomeadamente de que o contrato de compra e venda
seria celebrado pelo preço de € 232.000. Consequentemente, inexistiu qualquer
divergência entre a vontade real do recorrente e a sua vontade declarada,
improcedendo, assim, a excepção peremptória de nulidade do contrato-promessa
por ele suscitada. Improcede, assim, o recurso, devendo a sentença recorrida
manter-se integralmente.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto,
julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do
recorrente.
Notifique.
*
Évora,
11.04.2024
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
(1.º
adjunto)
(2.ª adjunta)