Processo n.º 836/20.6T8BNV.E1
*
Associação.
Entidades previstas no n.º 1
do artigo 46.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
Concessão, por município, da
gestão de zona de protecção e enquadramento de um loteamento.
Sub-rogação.
*
Autora/recorrente:
Associação de Proprietários de (…).
Réus/recorridos, na
qualidade de herdeiros do primitivo réu, AAA:
BBB;
CCC.
Pedido:
Condenação dos réus no pagamento das
contribuições em dívida, no valor global de € 2.100, bem como das contribuições
vincendas, com juros de mora à taxa legal, a partir da citação.
Sentença recorrida:
Julgou a acção parcialmente procedente,
condenando os réus, na qualidade de herdeiros do primitivo réu, a pagarem, à
autora, quantia pecuniária, a liquidar em incidente de liquidação,
correspondente à sua quota-parte – equivalente à proporção do valor do lote n.º
(...), de que é proprietária a herança indivisa de AAA – no valor global das
despesas que a autora comprovadamente haja efectuado para cumprimento das
obrigações assumidas na cláusula 3.ª do acordo de cooperação celebrado, em
27.04.2016, com o Município de (...), desde Dezembro de 2016, com o limite de €
2.100 relativamente às despesas do período de Dezembro de 2016 a Janeiro de
2020.
Conclusões do recurso:
1 – Vem o presente recurso interposto da
douta sentença que condenou os réus, na qualidade de herdeiros do primitivo réu,
AAA, a pagar à autora quantia pecuniária, a liquidar em incidente de
liquidação, correspondente à quota-parte dos réus – equivalente à proporção do
valor do lote n.º (...), de que é proprietária a herança indivisa de AAA, cfr.
artigo 1424º, nº 1, do Cód. Civil – no valor global das despesas que a autora
comprovadamente haja efectuado para cumprimento das obrigações assumidas na
cláusula 3.ª do acordo de cooperação celebrado em 27-04-2016 com o Município de
(...) desde Dezembro de 2016 (com o limite de 2.100 Euros relativamente às
despesas do período de Dezembro de 2016 a Janeiro de 2020).
2 – Destas considerações retirou a Mma
Juiz “a quo” a conclusão de que «existe
de facto uma obrigação dos Réus, para com a Autora, que tem por fundamento a
sub-rogação do direito do Município de (...) sobre os réus, a favor da autora,
operada através do acordo de cooperação dos autos.»
3 – Tal conclusão assenta, salvo o
devido respeito, num equívoco que é o de considerar que, por via do acordo de
cooperação, o município de (...) «…cedeu
à Autora os direitos (ou créditos) que detinha sobre os moradores.».
4 – Na verdade a Autora é, ela própria,
uma das entidades previstas no art.º 46.º do RJUE que dispõe que «a gestão das infraestruturas e dos espaços
verdes e de utilização colectiva pode ser confiada a moradores ou grupo de
moradores…. mediante a celebração com o município de acordos de cooperação».
5 – Não faria qualquer sentido e não foi
essa, seguramente, a intenção do legislador, considerar que a gestão das
infraestruturas e dos espaços verdes e de utilização colectiva pudesse ser
confiado a moradores ou grupo de moradores das zonas loteadas e urbanizadas,
individualmente considerados como contratantes, e não pudesse ser confiada a
associações de moradores/proprietários, legalmente constituídas para o mesmo
fim.
6 – Assim, deverá entender-se que uma
associação de moradores/proprietários, constituída, em conformidade com o
alvará de loteamento, para assegurar a gestão das infraestruturas e dos espaços
verdes e de utilização colectiva, integra o elenco dos co-contratantes privados
previstos no n.º 1 do art.º 46.º do RJUE.
7 – A legitimidade da Autora advém,
portanto, não da cedência, por via do acordo de cooperação, dos direitos que o
município detinha sobre os moradores, mas sim do próprio acordo de cooperação
celebrado em conformidade com o disposto no RJUE e no alvará de loteamento.
8 – Falece, também, pelo exposto, a
invocação do instituto do enriquecimento sem causa como fonte da obrigação dos
Réus.
9 – Sendo certo que a Autora não
pretende – e não podia pretender – que seja seu associado quem não quer ser e,
consequentemente, não pode exigir o pagamento de quotizações, enquanto tal, a
quem não é seu associado, nada impede que, investida do poder de gestão que lhe
foi confiado, por via do acordo de cooperação celebrado com o município, exija
a todos os proprietários e moradores o pagamento da necessária contribuição
monetária indispensável ao cumprimento das obrigações decorrentes do dever
(porque de um verdadeiro dever se trata e não de um mero poder) que sobre todos
recai, sejam ou não associados da autora, e que lhes é imposto pelo alvará de loteamento.
10 – As condições estabelecidas no
alvará vinculam a Câmara Municipal e o proprietário do prédio e ainda, desde
que constantes do registo predial os adquirentes dos lotes (n.º 4 do art.º 29º
do D.L. 448/91 e actualmente, art.º 43º do D.L. 555/99, de 16 de Dezembro).
11 – Neste particular, cita-se a decisão
recorrida na parte que se transcreve: «…
os custos inerentes ao cumprimento dessas obrigações têm de correr por conta
dos proprietários, pois que seria desprovido de sentido, atribuir a gestão aos
proprietários e obrigar o Município a arcar com os custos dessa gestão …».
12 – Entendeu a Mma Juiz “a quo” que a
quantia pecuniária que a autora tem a receber da ré «… há-de corresponder às despesas efectuadas pela autora com o
cumprimento das obrigações contempladas na cláusula 3.ª do acordo de cooperação».
13 – Continuando a citar a decisão
recorrida, «… atenta a similitude entre a obrigação dos proprietários dos lotes
e a obrigação dos condóminos na propriedade horizontal, e até por apelo ao que
se previa no n.º 3 do art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 448/91 de 29-11 (com correspondência
ao actual art.º 43.º, n,º 4 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16-12) - «Os espaços verdes privados constituem
partes comuns dos edifícios a construir nos lotes resultantes da operação de
loteamento e regem-se pelo disposto nos artigos 1420.º a 1438.º do Código Civil
– é de aplicar a regra do art.º 1424.º, n.º 1 do Cód. Civil de acordo com a
qual cada um dos proprietários dos lotes deverá comparticipar nas referidas despesas
na proporção do valor das suas fracções.».
14 – No regime da propriedade horizontal
o valor da quota deve ser calculado tendo em conta os gastos previstos no
orçamento para esse ano e deve ser aprovado em reunião de condóminos.
15 – Ora, foi com base no orçamento das
despesas decorrentes da gestão da área de enquadramento que está confiada à
Autora que a sua assembleia geral deliberou, em 30.01.2010, (v. 12 dos factos
provados) deliberar o montante a pagar pelos proprietários dos lotes, fixando o
valor de 25,00 € mensais para lotes de terreno de 1000 m2 a 2000 m2 e de 35,00
€ para lotes de terreno com moradias edificadas.
16 – No caso em apreço, afigura-se
desajustada a aplicação, por analogia da regra do n.º 1 do art.º 1424.º do
C.Civil, porquanto o critério de repartição de encargos será diferente quando o
uso das coisas comuns se realize em condições de perfeita igualdade entre todos
os co-utentes ou exprima claramente uma desigualdade distinta daquela que serve
de base ao critério geral, como sucede “in casu”.
17 – A decisão recorrida violou a norma
do art.º 18.º do Decreto-Lei n.º 448/91 de 20-11 (com correspondência ao actual
art.º 46.º, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16-12), interpretado no sentido de
que no elenco dos contratantes enumerados no n.º1 da citada norma cabem as
associações representativas de moradores/proprietários dos lotes das zonas
loteadas e urbanizadas com legitimidade para exigir dos proprietários o pagamento
das despesas decorrentes da gestão da área de protecção e enquadramento e das
áreas afectas a espaços livres públicos e a norma do art.º 1424.º do Código
Civil.
18 – Conforme doutamente se decidiu no
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20.02.2024, Proc. 240/21.9T8BNV-E2 «Não se comunga assim das considerações exaradas
na sentença recorrida a propósito do motivo originário e determinante da dívida
se basear na subrogação e no instituto do enriquecimento sem causa em que se tornaria,
por isso, essencial proceder ao cálculo do benefício concreto de cada lote em ordem
a obter a fórmula de cálculo necessária a decifrar o valor em dívida.»
Questão a decidir:
Fonte e conteúdo da obrigação, a cargo
dos recorridos, de pagamento de quantias à recorrente.
Factos julgados provados
pelo tribunal a quo:
1) A autora é uma associação sem fins
lucrativos, constituída em 21.07.2009, cujo objecto é promover a protecção e a
defesa dos interesses dos associados, no âmbito da segurança, higiene e demais
condições de digna habitabilidade, bem como a defesa do ambiente, qualidade de
vida, e património natural e cultural da área inerente e circundante a (…).
2) Por deliberação da sua
assembleia-geral realizada em 26.07.2009, foi aprovado o Regulamento Interno da
Associação de Proprietários de (…).
3) Nos termos do disposto no n.º 1 do
artigo 1.º do Regulamento Interno da APHHH «são
fins da Associação promover a protecção e defesa dos interesses dos Associados
e demais proprietários de (...), no âmbito da segurança, limpeza, conservação, manutenção
e demais condições de digna habitabilidade, defesa do ambiente, qualidade de
vida e património natural e cultural da área inerente e circundante a (...),
conforme determinado no alvará de loteamento do empreendimento.».
4) Nos termos do disposto no n.º 2 do
citado artigo 1.º, para prossecução dos fins enunciados, são competências da APHHH,
entre outras, assegurar a segurança, limpeza, conservação e manutenção da zona
do empreendimento.
5) Nos termos do disposto no artigo 3.º
do pacto de constituição da APHHH, constituem receitas da associação, entre
outras, o produto das quotizações fixadas pela assembleia-geral.
6) Segundo o artigo 5.º do Regulamento
Interno da APHHH, constituem receitas da associação, entre outras, «as importâncias provenientes do pagamento
de quotas» e, ainda, «as quantias
pagas pelos proprietários de lotes de (...) que não sendo associados devam
proceder ao pagamento de determinada quantia para fazer face às despesas da
Associação no interesse de todos os Proprietários.».
7) Nos termos do disposto no artigo 6.º
do Regulamento Interno da APHHH, «a quota
será mensal, podendo o seu pagamento ser feito em conjunto, anual, semestral ou
trimestral. No caso de proprietários de terrenos sem construção, o pagamento
deverá ser semestral ou anual.».
8) Nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do
mesmo Regulamento Interno, «o valor da
quota é estabelecido em Assembleia Geral convocada para o efeito, por proposta
da direcção.».
9) Sob a Ap. 4 de 2002/02/22 da
respectiva matrícula predial, acha-se registada a favor de AAA, entretanto
falecido, a aquisição, por compra, do prédio urbano denominado de lote n.º (...),
sito na Herdade (…), (…) da Junta de Freguesia de (…), concelho de (...),
descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) com o n.º (…), sendo os
réus os herdeiros de AAA.
10) O prédio referido em 9) integra-se
no alvará de loteamento n.º 8, emitido pela Câmara de Municipal de (...) em
21-12-1998.
11) Sob a AP. 8 de 09.04.1999, da
matrícula do prédio referido em 9), encontra-se registada a emissão do alvará
de loteamento n.º 8 com o seguintes termos: «Autorizada
a constituição de 673 lotes (…) A fim de interpor o domínio público municipal é
a área total de 1.113.906,5 m2 – A gestão da área de protecção e enquadramento
será garantida pelos futuros moradores ou grupo de moradores, mediante a
celebração de «acordo de cooperação» entre estes e a Câmara Municipal como
previsto no art. 18.º do Dec. Lei n.º 448/91, condição de cedência ao domínio
público da referida área e que será assumida pelos loteadores até à recepção
definitiva das obras de urbanização (…);».
12) Por deliberação da assembleia-geral
da APHHH, realizada em 30.01.2010, foram estabelecidos os seguintes valores
respeitantes às contribuições mensais a pagar pelos proprietários dos lotes
situados no empreendimento de (…):
(i) 25 Euros – lotes de terreno de 1.000
m2 e 2.000 m2;
(ii) 35 Euros – lotes com moradia
edificadas.
13) Em 27.04.2016, foi celebrado um
acordo administrativo de cooperação entre o Município de (...), intitulada de
primeira outorgante, e a autora, intitulada de segunda outorgante, mediante o
qual esta se obrigou a garantir a limpeza e higiene, manutenção e a conservação
das áreas de protecção e enquadramento e das áreas afectas a espaços livres
públicos, a conservação e manutenção do circuito de manutenção, a conservação e
manutenção da vedação limítrofe da urbanização, a replantação de novas espécies
vegetais, paisagisticamente adequadas, efectuar a gestão florestal das áreas
protecção e enquadramento e das áreas afectas a espaços livres públicos,
elaborar plano de vigilância e segurança, a manutenção de um sistema de
segurança tendo em vista obviar a degradação do espaço, equipamentos públicos e
zonas verdes do loteamento urbano da (...), constando do mesmo os seguintes
considerandos e cláusulas:
«Considerando
que:
1)
O Alvará n.º 8/98 titula a operação de loteamento e a 1.ª fase da execução das
obras de urbanização, em (...).
(…)
4)
À presente data, no que respeita à 1.ª fase de execução das obras de
urbanização do loteamento encontram-se recebidas definitivamente pela Câmara
Municipal todas as insfraestruturas, exceptuando parte residual de plantações,
sementeiras e de circuito de manutenção, no âmbito de arranjos exteriores (o
que é extensível às 2.ª e 3.ª fase – A das obras de urbanização, entretanto
tituladas por aditamentos ao alvará de licença de loteamento inicial,
respectivamente, datados de 08.05.1999 e de 27.12.2005);
(…)
7)
Assim sendo, por razões de racionalidade e operacionalidade de meios e porque
as infraestruturas públicas do loteamento de (...) constituem-se como um espaço
que é e será essencialmente fruído pelos atuais e pelos futuros moradores nos
lotes constituídos, se justifica que a sua gestão e manutenção seja atribuída a
uma única entidade representativa dos mesmos.
Cláusula
Primeira
Objecto
O
presente acordo tem por objecto as partes da área de Protecção e Enquadramento
e das áreas Afectas a Espaços Livres Públicos correspondentes às fases 1.ª,
2.ª, e 3.ª A das obras de urbanização do loteamento urbano de (...), melhor
identificados no anexo I, bem como toda a área loteada, demarcada por vedação
aramada com 8.000ml seus acessos e caminhos pedonais.
(…)
Cláusula
Terceira
Obrigações
do Segundo Outorgante
Pelo
presente acordo cabe ao Segundo Outorgante
a)
garantir a limpeza e higiene, a manutenção e a conservação das áreas da Área de
Protecção e Enquadramento e das Áreas Afectas a Espaços Livres Públicos
delimitados nos termos da cláusula primeira.
b)
assumir a conservação e a manutenção do circuito de manutenção.
c)
assumir a conservação e a manutenção da vedação limítrofe da urbanização.
d)
promover a replantação de novas espécies vegetais, paisagisticamente adequados
ao local.
e)
efectuar a gestão florestal das áreas da Área de Protecção e Enquadramento e
das Áreas Afectas a Espaços Livres Públicos delimitados nos termos das
cláusulas primeira.
f)
promover a elaboração do Plano de Vigilância e Segurança (adianta designado por
Plano) a área definida na cláusula primeira.
g)
vigiar e manter um sistema de segurança em toda a área objecto do presente
acordo de cooperação, de forma a evitar qualquer degradação do espaço, equipamentos
públicos e zonas verdes.
Cláusula
Quarta
Obrigações
do Primeiro Outorgante
Pelo
presente acordo, cabe ao Primeiro Outorgante, em respeito do interesse público
visada pela celebração do presente acordo:
(…)
h)
acompanhar e fiscalizar a execução do acordo, nomeadamente no que respeita ao
cumprimento pelo Segundo Outorgante das obrigações assumidas, bem como prestar
o apoio técnico que se justifique, mediante análise casuística conjunta;
i)
acompanhar e fiscalizar a execução do plano de vigilância e segurança referida
na cláusula anterior;
j)
desenvolver os necessários contactos com as autoridades locais, em particular
com as forças de segurança e protecção civil, de modo a possibilitar o apoio
articulado destas, às tarefas cobertas pelo mesmo plano de vigilância e
segurança. 8…)
Cláusula
Oitava
Prazo
de Vigência
O
presente acordo de cooperação é celebrado pelo prazo de cinco anos, contados a
partir da data da sua outorga, prorrogável por períodos iguais e sucessivos,
salvo rescisão expressa pelo Primeiro Outorgante, por razões de interesse
público, devidamente fundamentado.»
14) O prédio urbano correspondente ao
lote n.º (...) não tem moradia edificada.
15) AAA não foi associado da autora, nem
o são os seus sucessores, ora réus.
16) Nem AAA, nem os seus sucessores,
efectuaram o pagamento das contribuições mensais objecto da deliberação
mencionada na alínea 12), relativas aos meses de Janeiro de 2016 a Dezembro de
2020 e ao lote n.º (...), no valor global de 2.100 Euros.
17) A autora exigiu a AAA o pagamento
das contribuições mencionadas na alínea 16) supra em momento anterior à
propositura desta acção.
18) A gestão da área de protecção e
enquadramento transferida para o Município de (...), nos termos do alvará de
loteamento referido em 11), tem sido assegurada exclusivamente pela autora, ao
abrigo do acordo de cooperação celebrado com essa edilidade, através da
prestação dos serviços mencionados na alínea 13), cujos custos são suportados
pela autora.
19) Além dos serviços referidos em 18),
a autora também presta outros serviços aos seus associados ou não associados
que os requisitem, designadamente a limpeza dos lotes.
Factos julgados não provados
pelo tribunal a quo:
a) Dispõe a cláusula quinta do contrato-promessa
de compra e venda celebrado entre a “Companhia Imobiliária da Herdade da (…),
SA”, a loteadora do empreendimento de (...), e os promitentes-compradores dos
lotes que o constituem, que «a fim de
preservar a qualidade do empreendimento, a segurança dos utentes e assegurar a
manutenção de um elevado nível de conservação dos espaços verdes e de
utilização colectiva, o segundo contratante obriga-se a, após a data da outorga
da escritura da ora prometida compra e venda, contribuir para o pagamento das
despesas relacionadas com a segurança e manutenção dos espaços verdes, dos
demais espaços de utilização comum e da vedação exterior, contribuição que,
durante o ano de 2001, não excederá o montante de 4.000$00/mês/lote e deverá
ser paga à “Associação de Proprietários de (…)”, a constituir”, conforme minuta
utilizada para a celebração dos contratos promessa que se junta e dá por
inteiramente reproduzida.».
b) A falta de pagamento das
contribuições devidas pelos proprietários põe em risco a segurança dos
moradores e a segurança dos seus bens, assegurada pelos serviços de vigilância,
bem como a limpeza, higiene, conservação dos espaços verdes e manutenção dos
equipamentos.
*
1. Sobre a questão de saber
qual é a fonte da obrigação, a cargo dos recorridos, de pagamento de quantias à
recorrente, o entendimento do tribunal a
quo foi, sucintamente, o seguinte:
- Não sendo os recorridos e,
anteriormente, o seu pai, associados da recorrente, não se encontram obrigados
a pagar-lhe as contribuições ou quotizações por esta fixadas para quem tem essa
qualidade.
- Foi condição da autorização de
loteamento a transferência da gestão da área de protecção e enquadramento,
integrada no domínio público do Município de (...), para os moradores ou grupos
de moradores, o que ficou a constar da matrícula predial do lote adquirido pelo
primitivo réu. Trata-se de um dever imposto aos proprietários dos lotes, sejam
ou não associados da recorrente, como contrapartida pela autorização de
loteamento, de natureza propter rem e
que tem por conteúdo a manutenção, conservação e preservação do espaço,
conforme descrito no n.º 13 do enunciado da matéria de facto provada.
- As despesas decorrentes do cumprimento
do dever de gestão da zona de protecção e enquadramento estão a cargo dos
proprietários dos lotes.
- Porém, tem sido a recorrente a
assegurar, em exclusivo, a gestão daquela zona, designadamente através do
cumprimento das obrigações especificadas na cláusula 3.ª do acordo de
cooperação descrito no n.º 13 do enunciado da matéria de facto provada,
suportando as despesas daí decorrentes.
- Por efeito da celebração, com o
Município de (...), do acordo de cooperação, e do facto de ter vindo a cumprir
o dever de gestão da zona de protecção e enquadramento no lugar dos
proprietários não associados, a recorrente ficou sub-rogada, no lugar daquele,
na titularidade do correspectivo direito, nos termos do artigo 593.º do CC. Trata-se
de uma hipótese de sub-rogação pelo credor, nos termos do artigo 589.º do CC.
- Por efeito dessa sub-rogação, os
recorridos estão, perante a recorrente, na mesma posição em que se encontravam
perante o Município de (...), o que, em termos quantitativos, se traduz no
direito de a recorrente exigir, aos recorridos, o pagamento da quota-parte destes
nas despesas efectuadas com o cumprimento das obrigações contempladas na cláusula
3.ª do acordo de cooperação.
- Se assim se não entendesse, seria de
convocar o instituto do enriquecimento sem causa, nos termos dos artigos 473.º
e seguintes do CC, para reconhecer, à recorrente, o direito a ser compensada,
pelos recorridos, do valor correspondente à quota-parte destes nas referidas
despesas.
A isto, a recorrente
contrapõe, sucintamente, o seguinte:
- O enquadramento da relação entre a
recorrente, os recorridos e o Município de (...) como sub-rogação não é
correcto, pois, por via do acordo de cooperação, este último não cedeu, à
primeira, os direitos que detinha sobre os moradores.
- A recorrente é uma das entidades
previstas no artigo 46.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE),
pelo que a sua legitimidade resulta, não da cedência, por via do acordo de cooperação,
dos direitos que o Município de (...) detinha sobre os moradores, mas sim do
próprio acordo de cooperação celebrado em conformidade com o disposto no RJUE e
no alvará de loteamento.
- Não é aplicável o instituto do
enriquecimento sem causa. Reconhecendo embora que «não pode exigir o pagamento de quotizações, enquanto tal, a quem não é
seu associado, nada impede que, investida do poder de gestão que lhe foi
confiado, por via do acordo de cooperação celebrado com o município, exija a
todos os proprietários e moradores o pagamento da necessária contribuição
monetária indispensável ao cumprimento das obrigações decorrentes do dever
(porque de um verdadeiro dever se trata e não de um mero poder) que sobre todos
recai, sejam ou não associados da autora, e que lhes é imposto pelo alvará de
loteamento.»
2. O reconhecimento, pela
recorrente, de que «não pode exigir o
pagamento de quotizações, enquanto tal, a quem não é seu associado», torna
dificilmente compreensível a sua pretensão neste recurso.
A acção foi proposta com a
finalidade de obter a condenação do primitivo réu e, em face da morte deste,
dos recorridos, no pagamento das contribuições ou quotizações em dívida, no
valor global de € 2.100, bem como das contribuições ou quotizações vincendas,
com juros de mora à taxa legal, a partir da citação. O teor da petição inicial
não deixa quaisquer dúvidas a esse respeito.
Vem, agora, a recorrente
abdicar da tese de que tais contribuições ou quotizações sejam devidas pelos
recorridos. Não obstante, continua a pugnar pela procedência da acção. A única
interpretação possível desta pretensão é a de que, no seu entendimento, o
montante das despesas que o tribunal a
quo condenou os recorridos a pagar deveria ter sido, desde já, fixado em
montante coincidente com o das contribuições ou quotizações por si fixadas
mediante deliberação da sua assembleia geral. É, portanto, em função desta
finalidade que a argumentação da recorrente deverá ser analisada.
3. A recorrente discorda do
enquadramento da relação entre a recorrente, os recorridos e o Município de (...)
no instituto da sub-rogação, contrapondo que ela própria é uma entidade
prevista no artigo 46.º do RJUE, pelo que a sua legitimidade resulta, não da
cedência, por via do acordo de cooperação, dos direitos que o Município de (...)
detinha sobre os moradores, mas sim do próprio acordo de cooperação celebrado
em conformidade com o disposto no RJUE e no alvará de loteamento.
Esta argumentação não
procede.
Secundando a recorrente,
consideramos que nada obsta a que ela seja considerada uma entidade prevista no
n.º 1 do artigo 46.º do RJUE. Atenta a descrição que dela é feita no n.º 1 do
enunciado da matéria de facto provada, pode ser considerada um grupo de
moradores de uma zona loteada e urbanizada.
Todavia, do ponto de vista
da finalidade visada pela recorrente com o presente recurso, tal qualificação
nada adianta. A própria recorrente não ensaia, sequer, explicar em que medida a
sua qualificação como uma entidade prevista no n.º 1 do artigo 46.º do
RJUE determinaria que ela fosse titular
do direito de exigir, dos recorridos, o pagamento, a título de reembolso de
despesas, de um montante coincidente com o das contribuições ou quotizações por
si fixadas. Tal como o tribunal a quo
decidiu, a recorrente tem direito a ser reembolsada das despesas que realizou
no cumprimento do dever de gestão da zona de protecção e enquadramento, na
parte a cargo dos recorridos, mas em montante a liquidar ulteriormente.
É, assim, possível concluir,
desde já, que a recorrente não tem direito a receber, dos recorridos, nem as
próprias contribuições ou quotizações, nem, com base nos elementos até agora
apurados, um montante àquelas equivalente a título de reembolso de despesas.
4. Não tendo os recorridos
interposto recurso da sentença, consolidou-se o direito, nesta reconhecido, da
recorrente a receber, daqueles, uma quantia pecuniária, a liquidar
ulteriormente, correspondente à sua quota-parte no valor global das despesas efectuadas
para cumprimento das obrigações assumidas na cláusula 3.ª do acordo de
cooperação, desde Dezembro de 2016, com o limite de € 2.100 relativamente às
despesas do período de Dezembro de 2016 a Janeiro de 2020.
Sendo assim, é inútil abrir
a discussão sobre a aplicabilidade dos institutos da sub-rogação ou do
enriquecimento sem causa, que a recorrente pretende, mas é, do ponto de vista
do seu interesse, contraproducente. O reconhecimento, pelo tribunal a quo, do direito da recorrente a ser
reembolsada pelos recorridos, baseou-se na aplicação do instituto da
sub-rogação, tendo o do enriquecimento sem causa sido mencionado como
proporcionando o mesmo resultado se o primeiro não fosse aplicável. O
afastamento da aplicabilidade de qualquer destes dois institutos apenas poderia
levar a concluir que aquele direito de reembolso não existe, o que seria
inócuo, atenta a circunstância de os recorridos não terem interposto recurso da
sentença.
Apenas para que não fique a
dúvida sobre a sorte de um hipotético recurso que os recorridos tivessem
interposto da sentença, esclarecemos que o tribunal a quo andou bem ao fundar o direito da recorrente ao reembolso das
despesas no instituto da sub-rogação, regulado nos artigos 589.º a 594.º do CC.
A sentença recorrida encontra-se muito bem fundamentada, tendo chegado a
conclusões correctas cumprindo um percurso argumentativo irrepreensível.
Ao contrário do que a
recorrente sugere, a sua qualificação como entidade prevista no n.º 1 do artigo
46.º do RJUE não é incompatível com o instituto da sub-rogação, nem torna
dispensável a sua aplicação. Tendo ou não aquela qualidade, a recorrente sempre
necessitaria de um título jurídico para poder reclamar, dos recorridos, o
reembolso das despesas que realizou ao cumprir a parte que a estes cabia do
dever de gestão da zona de protecção e enquadramento. Sendo certo que a
possibilidade de a recorrente o fazer corresponde a uma evidente exigência de
justiça.
O instituto da sub-rogação
responde perfeitamente a esta exigência.
Imaginemos que a recorrente
não existia, ou que não cumpria o dever de gestão da zona de protecção e
enquadramento também na parte que cabe aos seus associados. Caberia ao
Município de (...), em cumprimento dos seus deveres legais, intervir ao nível
daquela gestão, repercutindo o custo dessa intervenção sobre os proprietários
dos lotes, aos quais teria o direito de exigir o reembolso das despesas por si
suportadas.
Ao cumprir o dever de gestão
da zona de protecção e enquadramento, quer na parte que cabe aos seus
associados, quer naquela que cabe aos não associados, nomeadamente aos
recorridos, a recorrente cumpriu, nesta última parte, obrigações alheias. Em
consequência deste cumprimento e do estipulado no acordo de cooperação
celebrado com o Município de (...), a recorrente adquiriu, por sub-rogação, o
referido direito de repercutir, proporcionalmente, o custo da sua intervenção
sobre os proprietários dos lotes que não são seus associados, podendo exigir, a
cada um deles, o reembolso da sua quota-parte nas despesas que suportou.
O tribunal a quo concluiu que se tratou de um caso
de sub-rogação pelo credor, nos termos do artigo 589.º do CC, considerando o
teor do acordo de cooperação celebrado entre a recorrente e o Município de (...),
no qual este «expressou claramente a sua
vontade de que seria a autora a cumprir o dever de gestão a cargo dos moradores
de acordo com o alvará de loteamento». Concordamos. Da concessão, à
recorrente, da gestão da zona de protecção e enquadramento, deve inferir-se a
vontade do Município de (...) de que ela o faça plenamente, nomeadamente
tratando, ela própria, de ser compensada das despesas em que incorre ao cumprir
em vez dos proprietários de lotes que dela não são associados.
Ao que o tribunal a quo referiu e em reforço do
enquadramento, por este feito, da relação entre a recorrente, os recorridos e o
Município de (...), no instituto da sub-rogação, acrescentamos que nos parece
verificarem-se, concomitantemente, os pressupostos da sub-rogação legal,
estabelecidos no n.º 1 do artigo 592.º do CC. Considerando a natureza
indivisível de cada uma das obrigações descritas na cláusula 3.ª do acordo
administrativo de cooperação (n.º 13 do enunciado dos factos provados), deve
considerar-se que a recorrente tem um interesse directo na satisfação do
crédito do Município de (...) sobre cada um dos proprietários de lotes que não
sejam seus associados. No fundo, a recorrente vê-se na situação de, ou cumprir
por todos os proprietários, associados ou não, ou não cumprir de todo, violando
o acordo administrativo de cooperação a que se vinculou.
5. Retomemos a ideia que
expressámos no final do ponto 3: está assente que a recorrente não tem direito
a receber, dos recorridos, nem as próprias contribuições ou quotizações, nem,
com base nos elementos até agora apurados, um montante àquelas equivalente a
título de reembolso de despesas.
Resta, assim, analisar as
razões da discordância da recorrente relativamente ao critério de cálculo desse
montante que o tribunal a quo
perfilhou.
De acordo com a sentença
recorrida, tal critério deverá ser o estabelecido no n.º 1 do artigo 1424.º do
CC, segundo o qual, salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à
conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de
serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos
proprietários das fracções no momento das respectivas deliberações, sendo por
estes pagas em proporção do valor das suas fracções. Por aplicação deste
critério, os recorridos deverão suportar uma parte do montante global das
despesas efectuadas pela recorrente com o cumprimento das obrigações
contempladas na cláusula 3.ª do acordo de cooperação que seja proporcional à
permilagem do seu lote. Apela-se, na sentença recorrida, à «similitude entre a obrigação dos proprietários dos lotes e a obrigação
dos condóminos na propriedade horizontal», de onde concluímos que o
tribunal a quo aplicou o n.º 1 do
artigo 1424.º do CC por analogia. O tribunal a quo não quantificou o montante a cargo dos recorridos por não ter
sido possível apurar dois elementos para o efeito essenciais: a permilagem do
lote dos recorridos e o valor global das despesas efectuadas e a efectuar pela recorrente
com o cumprimento das obrigações previstas no artigo 3.º do acordo de
cooperação.
A esta fundamentação, a
recorrente contrapõe o seguinte:
«No
regime da propriedade horizontal o valor da quota deve ser calculado tendo em
conta os gastos previstos no orçamento para esse ano e deve ser aprovado em
reunião de condóminos.
Ora,
foi com base no orçamento das despesas decorrentes da gestão da área de
enquadramento que está confiada à autora que a sua assembleia geral deliberou,
em 30.01.2010, (v. 12 dos factos provados) deliberar o montante a pagar pelos
proprietários dos lotes, fixando o valor de 25,00 € mensais para lotes de
terreno de 1000 m2 a 2000 m2 e de 35,00 € para lotes de terreno com moradias
edificadas.
No
caso em apreço, afigura-se desajustada a aplicação, por analogia da regra do
n.º 1 do art.º 1424.º do C.Civil, porquanto o critério de repartição de
encargos será diferente quando o uso das coisas comuns se realize em condições
de perfeita igualdade entre todos os co-utentes ou exprima claramente uma
desigualdade distinta daquela que serve de base ao critério geral, como sucede
“in casu”.»
A recorrente não tem razão.
O argumento exposto nos dois
primeiros parágrafos que transcrevemos não diz respeito à questão da divisão de
despesas por si realizadas com o cumprimento das obrigações previstas no artigo
3.º do acordo de cooperação, mas sim à da fixação do montante das contribuições
ou quotizações dos seus associados. Não é isso que está em causa nestes autos,
como vimos anteriormente.
O argumento exposto no
terceiro parágrafo é inconclusivo. A recorrente manifesta discordância
relativamente ao critério da proporcionalidade do pagamento à permilagem do
lote dos recorridos, mas não concretiza que critério pretende ver aplicado, nem
fundamenta a sua pretensão.
Concluindo, a sentença recorrida
deverá manter-se na íntegra, improcedendo o recurso.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto,
julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da
recorrente.
Notifique.
*
Évora, 12.09.2024
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
(1.º adjunto)
(2.ª adjunta)