terça-feira, 15 de outubro de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 10.10.2024

Processo n.º 1031/23.8T8PTM.E1

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Sumário:

Tendo a declaração de resolução de um contrato, por uma das partes, sido enviada para a morada da outra parte e aí recebida, a sua eficácia não depende da prova de que foi o próprio destinatário quem a recebeu.

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Procedimento cautelar de entrega judicial – artigo 21.º do Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24.06.

Requerente/recorrida:

Sociedade 1.

Requerido/recorrente:

AAA.

Pedidos:

- Que seja ordenada a entrega judicial, à requerente, do imóvel objecto do contrato de locação financeira imobiliária;

- Pronúncia quanto à composição definitiva do litígio, para tando declarando a resolução definitiva do contrato de locação financeira imobiliária nos precisos termos expostos e condenando o requerido na entrega do imóvel.

Sentença recorrida:

Julgou procedente o procedimento cautelar e, em consequência, determinou a apreensão e a entrega, à requerente, do imóvel objecto do contrato de locação financeira.

Conclusões do recurso:

A. O recurso onde se produz a presente motivação vem interposto da sentença proferida no processo e juízo supramencionados que, relativamente ao ora aqui recorrente, veio julgar procedente o procedimento cautelar e, em consequência, determinar a apreensão e entrega à ora requerente Sociedade 1 da fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar A – apartamento 301 – tipo T3 – destinado a habitação integrado no prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…), n.º (…), (…), freguesia de (…), concelho de Lagos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o n.º (…).

B. O Recorrente não concorda nem se conforma com a sentença proferida.

C. E, daí, o presente recurso interposto que, assim, vai motivado.

D. Salvo o devido respeito pela sentença recorrida, que é muito, o recorrente entende que o seu incidente de impugnação da genuinidade de documento não foi correctamente apreciado.

E. A letra e assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular, só se consideram verdadeiras quando são reconhecidas ou quando não são impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado.

F. Estatui o n.º 2 do art. 374.º do Código Civil que “Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.”

G. O recorrente suscitou o incidente da impugnação da genuinidade de documento, impugnando as assinaturas apostas no aviso de recepção, por a mesma não corresponder à assinatura do requerido.

H. De acordo com o ponto 15 da factualidade indiciariamente provada foi provado que “A assinatura aposta no aviso de receção (“proof of delivery”) de fls. 27 v. e 38 v. é diferente da assinatura aposta a fls. 74 (art. 6º da oposição)”.

I. O recorrente alegou também que no dia 09 de Janeiro de 2023, de forma a deslocar-se para o seu local de trabalho havia iniciado a sua viagem de comboio pelas 06:36h, sendo que a carta da resolução contratual foi recepcionada a 09 de Janeiro de 2023 pelas 11:51h, alegadamente pelo requerido.

J. O recorrente não se pode conformar que sendo provado que a assinatura aposta no aviso de recepção da mesma tal não releve para o caso em apreço.

K. O recorrente discorda por completo que a simples indicação “Harold” seja bastante para se comprovar que foi de facto o recorrente a recepcionar a carta.

L. E, mais uma vez, tendo em conta, a importância da carta, discorda totalmente que notificação bastar-se-ia com a receção por alguém na morada constante do contrato.

M. O recorrente não se pode conformar que tenha ficado provado que a assinatura aposta nos avisos de recepção não sejam igual à assinatura aposta no documento de identificação do ora recorrente, diga-se que é a única assinatura do recorrente, e que, ainda, assim, se tenha considerado que o mesmo havia sido notificado da carta de interpelação e de resolução e, consequentemente, considerar-se o contrato de locação financeira resolvido.

N. Ora, aquando da impugnação da assinatura no aviso de recepção, a parte que apresentou o documento não se pronunciou sobre o incidente nem provou a sua veracidade.

O. A assinatura do documento é o que lhe confere a sua autoria e o que justiça a força probatória do mesmo.

P. A base da resolução do contrato de leasing é o envio e recepção da carta de interpelação e, posteriormente, a de resolução.

Q. Ora, as assinaturas apostas nos avisos de recepção de ambas as cartas, conforme foi provado, não correspondem à assinatura do recorrente.

R. O mesmo impugnou as referidas assinaturas e a requerente não se pronunciou quanto à impugnação, sendo que era sobre esta que recai o ónus da prova acerca da veracidade da assinatura.

S. O recorrente considera, assim, que tendo sido considerado provado que não era a sua assinatura que estava aposta nos avisos de recepção não poderia ser considerado que teria sido este a recepcionar a carta.

T. E, consequentemente, não se deveria ter considerado resolvido o contrato de locação financeira e julgado procedente o procedimento cautelar.

U. O recorrente considera que o contrato de locação financeira não deveria ter sido considerado resolvido e que o procedimento cautelar deveria ser considerado totalmente improcedente.

Questão a decidir:

Se o contrato de locação financeira foi validamente resolvido.

Factos julgados indiciariamente provados pelo tribunal a quo:

1. A Sociedade 2 é uma sociedade anónima que tem por objecto o exercício de actividades financeiras permitidas por lei, entre elas o exercício da actividade de locação financeira.

2. No exercício da sua usual actividade, em 08.03.2012, Sociedade 2, na posição de locadora, celebrou, com o ora requerido, na posição de locatário, por um período de 360 meses, um contrato de locação financeira, identificável pelo n.º 419.44.000026-5.

3. A mencionada locação financeira teve por base a fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar A – apartamento 301 – tipo T3 – destinado a habitação integrado no prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…), n.º (…), (…), freguesia de (…), concelho de Lagos, descrito na CRP de Lagos sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…).

4. O locatário tomou posse efectiva dos imóveis conforme o declarara aquando da outorga do referido contrato.

5. Pela celebração do acordo da posição contratual, obrigou-se o locatário ao pagamento de 360 rendas mensais e sucessivas, com início do prazo em 08.03.2013, sendo que a primeira renda tem o valor de € 11.634,88 e montante das demais rendas têm o valor unitário de € 1.337,84.

6. Foi convencionado que ao presente contrato, no início da sua vigência, seria aplicada a taxa de juro de 5,3620%, a qual seria actualizada semestralmente em função do resultado da média aritmética simples das cotações diárias da taxa Euribor.

7. Convencionou-se ainda um valor residual de 2,00% do valor total do investimento, no montante de € 5.032,69.

8. Plasmou-se a responsabilidade da locatária pelo pagamento de seguros, despesas legais e convencionais.

9. Para titulação e garantia das responsabilidades emergentes do presente contrato, o requerido subscreveu e entregou à requerente uma livrança em branco.

10. Acontece que o aqui requerido deixou de proceder ao pagamento das rendas n.ºs 107, 108, 109 e 110 inclusive a que estava obrigado, vencidas respectivamente a 05.05.2022, 05.06.2022, 05.07.2022 e 05.08.2022.

11. Foi o ora requerido interpelado em 09.08.2022 para proceder a regularização dos valores em dívida no prazo máximo de 60 dias sob cominação expressa da resolução do referido contrato, conforme missivas dirigidas ao requerido para a morada Rua (…), n.º (…), (…), apartamento (…), (…), 8600-683 Lagos, não recebida com a menção “rejeitado” “devolvido ao remetente” e para a morada (…), Reino Unido com proof of delivery (assinado por “Harold”, a 15 de agosto de 2022) de fls. 25 e ss.

12. Os valores em dívida não foram pagos e a locadora considerou o contrato resolvido em 21.10.2022, conforme missivas de fls. 32 e ss., dirigidas ao requerido para a morada Rua (…), n.º (…), (…), apartamento (…), (…), 8600-683 Lagos, não recebida “devolvido ao remetente” e para a morada (…), Reino Unido com proof of delivery (assinado por “Harold”, a 9 de janeiro de 2023).

13. Consentaneamente a comunicação da resolução exigiu a locadora a restituição do bem locado livre e devoluto de pessoas e bens no prazo máximo de 8 dias.

14. A locadora tentou tomar posse do imóvel, mas o requerido não procedeu à restituição do bem, encontrando-se o imóvel a ser utilizado como alojamento local.

15. A assinatura aposta no aviso de receção (“proof of delivery”) de fls. 27 v. e 38 v. é diferente da assinatura aposta a fls. 74.

16. No dia 09 de janeiro de 2023, foi adquirida uma viagem de comboio para as 06:36h.

17. O requerido tinha a sua conta sediada no balcão de Vale do Lobo e os funcionários desse balcão, em julho de 2014, em abril e maio de 2015, fevereiro e março de 2016, julho de 2016, novembro de 2016, janeiro, março, abril, maio, agosto, novembro de 2018, janeiro, fevereiro, março, agosto, outubro de 2019, janeiro, fevereiro de 2020 informaram-no em inglês de que era necessário transferir valores para a conta. O Requerido acabava por transferir o montante indicado (fls. 136 v.) e também solicitava informações sobre os montantes pagos.

18. No dia 26 de julho de 2022, Carlos Oliveira, da Direcção de Recuperação de crédito da Sociedade 2, enviou email, em português, ao requerido, de que tinha em dívida a quantia de € 4290,23. Depois dessa data e até à resolução, a conta do requerido foi creditada com os seguintes montantes: € 833 (7/9), € 620,55 (7/10). Antes tinha-a creditado com € 834 (8/4), € 833 (6/5), € 833 (7/6).

19. Em resposta a email do requerido, a Sociedade 2 (balcão de Loulé) informou o requerido no dia 4 de julho de 2023 (já depois da resolução) que não tinha pagamentos em atraso.

20. O Requerido nasceu no Reino Unido, tem nacionalidade inglesa, é cidadão daquele país e não compreende a língua portuguesa.

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A posição assumida pelo recorrente é, sucintamente, a seguinte: 1) As cartas referidas nos n.ºs 11 e 12 não lhe foram entregues e não tomou conhecimento do seu conteúdo; 2) A assinatura aposta em cada um dos avisos de recepção não é a sua (n.º 15); 3) Consequentemente, o contrato de locação financeira não foi validamente resolvido.

Analisemos a argumentação desenvolvida pelo recorrente com a finalidade de a sustentar.

O n.º 1 do artigo 436.º do CC estabelece que a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte. Tratar-se-á, então, de uma declaração recipienda ou receptícia, à qual será aplicável o regime estabelecido no artigo 224.º do CC.

O n.º 1 do artigo 224.º do CC estabelece, na parte que nos interessa, que a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida. A lei adoptou, pois, em simultâneo, os critérios da recepção e do conhecimento. «Não se exige, por um lado, a prova do conhecimento por parte do destinatário; basta que a declaração tenha chegado ao seu poder. O conhecimento presume-se neste caso, juris et de jure. Mas, provado o conhecimento, não é necessário provar a recepção para a eficácia da declaração.»[1]

Fácil é, pois, concluir que a tese do recorrente carece de fundamento.

A posição que o recorrente sustenta faria sentido se a lei exigisse, em qualquer hipótese, o conhecimento efectivo da declaração negocial por parte do destinatário. A leitura da oposição deduzida pelo recorrente evidencia o erro em que este labora. Não obstante ter transcrito correctamente o n.º 1 do artigo 224.º no ponto 53, a interpretação que dele propõe no ponto 56 é grosseiramente errada. Transcrevemos esse ponto: «Ora, para que a declaração de resolução contratual se torne eficaz é necessário que esta chegue ao poder do destinatário e que este tenha conhecimento dela. Tal não se verificou no caso em apreço.» Onde, naquela norma legal, consta «ou», o recorrente leu «e». Ficou, assim, inquinada toda a sua argumentação.

Está provado e o recorrente não põe em causa que as cartas referidas nos n.ºs 11 e 12 foram entregues no seu domicílio no Reino Unido. Isso basta para que a declaração negocial seja eficaz, pois significa que chegou ao poder do recorrente. Se este se encontrava ou não em casa no momento em que as cartas aí foram entregues, ou se foi ele ou outra pessoa quem recebeu as cartas, é indiferente. O recorrente não alegou, nem provou, que, durante a sua hipotética ausência em Londres para trabalhar, o seu domicílio tenha sido ocupado por outrem sem o seu consentimento e que esse hipotético ocupante tenha recebido as cartas em questão e lhas tenha sonegado (hipótese que, à luz das regras da experiência comum, seria muitíssimo pouco provável). Daí que, se as cartas tiverem sido recebidas por pessoa diversa do recorrente, essa pessoa seria, necessariamente, alguém da sua confiança, presumindo-se assim, juris et de jure, que ele as recebeu. É esse, repetimos, o regime decorrente do n.º 1 do artigo 224.º do CC.

Sendo assim, a discussão, que o recorrente pretende introduzir, sobre se foi ele quem assinou os avisos de recepção das cartas referidas nos n.ºs 11 e 12, ou se os bilhetes de comboio que juntou aos autos respeitam a viagens por si efectuadas, não tem qualquer utilidade para a decisão do recurso. Ainda que os avisos de recepção tenham sido assinados, não pelo recorrente, mas por um terceiro (que aquele nunca identificou, apesar de se tratar de pessoa que se encontraria em sua casa durante a sua alegada ausência, à partida com o seu consentimento), e ainda que os bilhetes de comboio correspondam a viagens efectuadas pelo recorrente, a declaração de resolução do contrato de locação financeira chegou ao seu poder, pelo que, nos termos da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 224.º do CC, é eficaz. Aquele contrato foi validamente resolvido pelo locador.

Flui do exposto que o tribunal a quo decidiu acertadamente ao decretar a providência cautelar solicitada, devendo o recurso ser julgado improcedente.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Notifique.

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Évora, 10.10.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.ª adjunta)

(2.ª adjunta)



[1] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição revista e actualizada, página 199, anotação 1 ao artigo 224.º.

 

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 26.09.2024

Processo n.º 479/19.7T8ELV.E2

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Sumário:

1 – Sendo a qualificação de um contrato uma das questões jurídicas em discussão, não poderá a mesma constar do enunciado da matéria de facto provada. O local próprio para a discussão dessa qualificação é a fundamentação jurídica da decisão. Daquele enunciado, apenas deverão constar os factos provados que, para tal, se mostrem relevantes.

2 – O tribunal ad quem não poderá conhecer da impugnação da decisão do tribunal a quo sobre determinado ponto da matéria de facto se for manifesto que a alteração pretendida pelo recorrente em nada o beneficiaria.

3 – O tribunal ad quem poderá conhecer da impugnação da decisão do tribunal a quo sobre determinado ponto da matéria de facto se, não obstante antever que a alteração pretendida pelo recorrente não o beneficiaria, tal conclusão requerer uma análise jurídica que seja reclamada pela exigência legal de fundamentação das decisões judiciais.

4 – Não é qualificável como contrato-promessa de compra e venda o contrato mediante o qual os titulares de um bem se obrigam «a dar preferência na venda» deste ao co-contratante.

5 – Se, após a restituição provisória da posse sobre um imóvel ao requerente dessa providência cautelar, ali permanecerem bens pertencentes ao requerido, este apenas terá a obrigação de indemnizar o primeiro por danos decorrentes da privação do pleno uso do imóvel se a não retirada daqueles bens resultar de culpa sua.

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Autores/recorrentes:

AAA;

BBB;

CCC.

Réu/recorrido:

DDD.

Intervenientes principais, como associados dos autores:

EEE;

FFF.

Pedidos dos autores, após redução efectuada na audiência prévia:

Condenação do réu a reconhecer os autores e os chamados como únicos donos da fracção autónoma identificada no artigo 1.º da petição inicial;

Condenação do réu a restituir a fracção aos autores e aos chamados, livre e devoluta de pessoas e bens;

Condenação do réu a pagar, aos autores e aos chamados, a quantia mensal de € 300, desde 19.01.2019 até Março de 2021, perfazendo € 7.800.

Pedidos reconvencionais:

Condenação dos autores a pagarem, ao réu, a quantia de € 15.000, correspondente ao dobro do sinal, acrescida de juros de mora vencidos, contados desde a data em que foram notificados da reconvenção;

Condenação dos autores e dos chamados a pagarem, ao réu, a quantia de € 658,30 euros, correspondente aos danos causados pela não celebração do negócio acordado com o réu, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos, contados desde a data em que foram notificados da reconvenção;

Declaração de que o réu é titular de um direito de retenção sobre a fracção, até integral pagamento de todos os montantes em divida por parte dos autores e dos chamados.

Sentença recorrida:

Julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, nos seguintes termos:

Condenou o réu a reconhecer que os autores e os intervenientes são os únicos proprietários da fracção autónoma identificada no ponto 1 do enunciado dos factos provados;

Condenou o réu a pagar a quantia total de € 1.500 (€ 300/mês) a título de indemnização pela privação do uso da fracção durante os meses de Fevereiro a Junho de 2019;

Condenou os autores a pagarem, ao réu, a quantia de € 5.000, correspondente ao sinal em dobro, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a data da notificação do pedido reconvencional até efectivo e integral pagamento.

Conclusões do recurso:

1 – O tribunal a quo julgou erradamente a matéria de facto ao dar como provado que «23 – Por carta datada de 21 de janeiro de 2019, o R. recebeu a minuta do contrato promessa de compra e venda, já assinado por AAA e KKK, junto a folhas 25, cujo teor se dá por integralmente reproduzido».

2 – Em nenhum momento autores e réu celebraram qualquer contrato-promessa referente à fracção, reproduzindo-se aqui os motivos antes invocados.

3 – Deverá, por este motivo, ser revogada a parte da decisão recorrida que condenou os autores no pagamento, ao réu, de € 5000, correspondente ao sinal em dobro, acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a citação.

4 – Também julgou mal o tribunal a quo a matéria de facto ao dar como não provado que «Só no dia da escritura os AA. tiveram conhecimento que o R. ocupava a fração. Na fração continuaram depositados pertences do R., a saber, uma mobília de quarto, diverso material de escritório e construção civil até ao mês de março de 2021», reproduzindo-se aqui as razões antes explanadas.

5 – Esta matéria está em manifesta contradição, não só com a restante matéria dada como provada pelo tribunal a quo, como com a posição assumida pelas partes nos autos e que antes referimos.

6 – Deverá, pois, nesta parte, a decisão recorrida ser revogada, dando-se como provado que só no dia da escritura os autores tiveram conhecimento de que o réu ocupava a fracção. Na fracção, continuaram depositados pertences do réu, a saber, uma mobília de quarto, diverso material de escritório e construção civil até ao mês de Março de 2021.

7 – Condenando-se o réu a satisfazer, aos autores e chamados, a quantia de € 7800.

Questões a decidir:

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

2 – Se foi celebrado um contrato-promessa e, na hipótese afirmativa, o recorrido tem direito a receber o sinal em dobro;

3 – Se o recorrido é devedor de uma indemnização pela privação do uso da fracção entre Julho de 2019 e Março de 2021.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1 – A favor dos autores e do chamado, GGG, então casado, sob o regime da comunhão geral, com HHH, encontra-se a aquisição da fracção autónoma, designada pela Letra B, correspondente ao primeiro e segundo andares, do prédio urbano, constituído no regime de propriedade horizontal, sito em Elvas, na Rua (…), com entrada própria pelo n.º (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da freguesia de (…), concelho de Elvas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas com o n.º (…), (…) – Apresentação n.º (…).

2 – A causa da referida aquisição da fracção foi a sucessão hereditária, por morte de III e mulher, JJJ, pais da Autora AAA e, da falecida, HHH.

3 – A referida fracção foi a residência de III e mulher, JJJ, desde, pelo menos, o ano de 1957, data em que a fizeram coisa sua pois, nesta os mesmos residiam habitualmente, aí tomando as suas refeições e pernoitando, procedendo a todas as obras de conservação e outras, que se mostrassem necessárias para os fins da dita fracção.

4 – A HHH, faleceu, no dia 10 de Janeiro de 2014, no estado de casada, em primeiras núpcias de ambos e, sob o regime da comunhão geral, com o chamado GGG.

5 – Sucederam-lhe, como únicos e universais herdeiros, os chamados GGG, EEE e FFF.

6 – No ano de 2018, os autores tomaram o propósito de alienar a fracção.

7 – Com esse fim contactaram, na cidade de Elvas, a Sociedade 1, que se comprometeu a proceder à angariação de possíveis adquirentes da fracção.

8 – Para tanto, os autores depositaram junto da Sociedade 1 as chaves de acesso à fracção, facilitando, assim, o acesso à mesma, para visitas de potenciais adquirentes.

9 – O réu apresentou-se como interessado na fracção, havendo a mesma visitado, no final do ano de 2018.

10 – Havendo chegado a acordo, foi agendada escritura de compra e venda da fração, alienação a ter lugar em Janeiro de 2019 no Cartório Notarial, em Elvas.

11 – Por razões relacionadas com o divórcio do interveniente EEE, a referida escritura não se concretizou, havendo sido dada sem efeito a alienação da fracção.

12 – O réu desde aproximadamente Janeiro de 2019, tinha funcionários seus a pernoitar, aí armazenando diverso material de construção civil.

13 – Ainda que solicitado, o réu recusou-se a entregar a fracção aos autores.

14 – Nos autos de procedimento cautelar para restituição provisória da posse a estes apensos, com o n.º 218/19.2T8ELV, J-2, foi decretada a providência requerida, tendo o imóvel sido restituído à posse dos autores em 7 de junho de 2019.

15 – O valor de mercado da fracção referida no mercado de arrendamento é de aproximadamente € 300 mensais.

16 – Em 22/12/2018, o réu assinou documento intitulado de “proposta de reserva”, da aquisição da referida fracção, pelo valor de € 25.000.

17 – Nessa data foi entregue pelo mediador ao R. a chave da fracção, para ir adiantando reparações que pretendia fazer.

18 – Nessa altura entregou o réu a quantia de € 2.500, sendo € 1.250 para a autora AAA e € 1.250 para GGG.

19 – No dia da escritura o réu dirigiu-se à imobiliária munido de dois cheques bancários para pagamento do restante preço.

20 – Os valores referidos em 18 foram devolvidos ao réu.

21 – A solicitação do réu, o mediador imobiliário emitiu a declaração junta a fls. 24, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

22 – Os autores AAA e KKK, nessa sequência acordaram com o A. a venda da sua quota parte do prédio, pelo valor de € 12.500, tendo o réu procedido ao pagamento da quantia de € 2.500.

23 – Por carta datada de 21 de janeiro de 2019, o réu recebeu a minuta do contrato promessa de compra e venda, já assinado por AAA e KKK, junta a fls. 25, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

24 – Por carta datada de 14 de fevereiro de 2019, o réu é informado que um dos outros proprietários não concorda com a venda, junta a fls. 26 v.º que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde anexa carta recebida através do mandatário de GGG.

25 – O réu efectuou contrato de fornecimento de electricidade com a EDP.

26 – O réu procedeu à mudança da fechadura em 6 de fevereiro de 2019.

27 – No dia 18 de janeiro de 2019, a autora AAA remeteu ao interveniente EEE, o e mail junto a fls. 51 v.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido, com o seguinte teor:

«Boa tarde EEE, nesta reunião em que esta presente o tio, a tua prima, eu, o Sr. Eng. LLL e o Sr. DDD, chegamos a conclusão de que a escritura não se realiza por culpa do teu divorcio litigioso. O Sr. DDD já tem um prejuízo de 3 500.00 três mil e quinhentos euros dos quais tu tens de tomar a real responsabilidade.

Urgentemente resolve está situação agora. liga com urgência agora porque o Sr. DDD não vai embora sem recuperar o valor já gasto por não se ter efetuado a escritura. Liga para mim tua prima ou Sr. eng. LLL.

Tua tia AAA.»

28 – Tomando conhecimento do mesmo a interveniente FFF respondeu, nos seguintes termos e na mesma data:

«Boa noite,

Somos a solicitar que nos informem de:

1. - Quem deu as chaves ao promitente comprador?

2. - Com ordem de quem foi-lhe dada as chaves?

3. - Quem autorizou o Sr. a entrar na casa?

4. - Quem autorizou obras na casa?

No que respeita ao direito de preferência, aguardamos a respetiva notificação nos termos legais, para que nos possamos pronunciar.

Com os nossos cumprimentos, de

FFF.»

Factos julgados não provados pelo tribunal a quo:

1 – Os autores, o chamado GGG e a falecida HHH, que aceitaram a herança, frequentavam a fracção nas deslocações a Elvas, onde pernoitavam, procedendo à limpeza e obras de conservação e reparação da fracção, quando tal se mostrava necessário.

2 – Que nas circunstâncias referidas em 6 dos factos provados, os chamados também tenham tomado a decisão de vender a fracção.

3 – Só no dia da escritura os autores tiveram conhecimento que o réu ocupava a fracção.

4 – Na fracção continuam depositados pertences do réu, a saber, uma mobília de quarto, diverso material de escritório e construção civil.

5 – Na sequência do referido em 22 acordaram ainda a devolução do valor de € 2.500, a ser imputado, descontado no preço acordado.

6 – Tendo ainda procedido à entrega de outros € 2.500 em numerário à autora junto ao Centro Comercial Palmeiras, em Oeiras.

7 – Os autores e intervenientes foram impedidos de entrar no prédio.

8 – O réu despendeu € 78,80 para visar dois cheques, gastou € 30 em gasóleo, € 30 em portagens e perdeu um dia de trabalho correspondente a € 30.

9 – O réu ficou sem local onde colocar os trabalhadores a pernoitar, tendo um prejuízo de € 334,50.

10 - No dia 17 de Abril de 2019, a interveniente FFF deslocou-se da sua residência, na Parede, para Elvas e levou com ela as chaves da fracção em apreço com o propósito de a ela aceder para verificar em que condições se encontrava, tendo verificado que a fechadura estava trocada.

11 – Na mesma ocasião, entrou na fracção uma pessoa que recusou identificar-se e que ali deixou uma mala, e que lhe disse que a casa era do Senhor DDD – aqui réu – e foi chamá-lo.

12 – Pouco tempo depois, apresentou-se à porta da fracção o aqui réu, que informou que havia comprado à autora AAA a metade que lhe cabia na fracção e ter-lhe havia pago o preço correspondente, estando agora a utilizar a fracção como armazém e dormitório para trabalhadores de uma obra localizada nas imediações.

13 – Tendo a interveniente informado que não autorizava a utilização da fracção e que iria voltar a substituir a fechadura.

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1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

1.1. Os recorrentes pretendem a alteração do n.º 23 dos factos provados, cuja redacção é a seguinte: «Por carta datada de 21 de janeiro de 2019, o réu recebeu a minuta do contrato promessa de compra e venda, já assinado por AAA e KKK, junta a fls. 25, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.»

Concretamente, os recorrentes insurgem-se contra a qualificação do documento em causa como contrato-promessa de compra e venda, sustentando que em nenhum momento celebraram um contrato dessa natureza com o recorrido.

Os recorrentes têm razão. Sendo a qualificação do conteúdo da minuta referida no n.º 23 uma das questões jurídicas em discussão neste processo, não poderá constar do enunciado da matéria de facto provada. O local próprio para a discussão dessa qualificação é a fundamentação jurídica da decisão. Daquele enunciado, apenas deverão constar os factos provados que, para tal, se mostrem relevantes.

Tal como os recorrentes sustentam, aquilo que deverá constar do n.º 23 do enunciado da matéria de facto provada é o conteúdo do documento recebido pelo recorrido que se mostrar útil para a sua qualificação jurídica, a fazer na sede própria.

Assim, determina-se que o n.º 23 do enunciado da matéria de facto provada passe a ter a seguinte redacção:

«Por carta datada de 21 de janeiro de 2019, o réu recebeu um documento, assinado por AAA e KKK, do qual consta, nomeadamente, o seguinte:

Entre:

1.ºs outorgantes:

- AAA (…) e marido KKK (…), e

2.º outorgante: DDD (…).

Entre os outorgantes acima identificados é celebrado, de boa fé e de livre e espontânea vontade, um acordo, que se rege pelas cláusulas seguintes:

1.ª – Os 1.ºs outorgantes são donos e legítimos possuidores do direito à meação do prédio urbano indiviso situado na Rua da (…), n.º (…)/fracção (…), inscrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas/Freguesia (…)/ficha (…) e com o artigo (…), da freguesia de (…), concelho de Elvas.

2.ª – Pelo presente acordo, os 1.ºs outorgantes comprometem-se a dar preferência na venda da sua meação ao 2.º outorgante, pelo preço de € 12.500 (…).

3.ª – Mais se comprometem os 1.ºs outorgantes a notificarem, nos termos legais, para o exercício do seu direito de preferência, os comproprietários da outra meação do prédio.

4.ª – Para a hipótese de os comproprietários notificados para a preferência não exercerem o seu direito de preferência, aceitam os 1.ºs outorgantes a declararem em contrato-promessa de compra e venda a celebrar oportunamente que vão receber a título de sinal e princípio de pagamento, € 2.500 (…), que serão tidos como compensação para o 2.º outorgante, pela não realização da escritura de compra e venda do prédio supra identificado marcada para 18/01/2019, todavia sem culpa dos 1.ºs outorgantes.

5.ª – Se os comproprietários notificados para a preferência não exercerem o seu direito, o 2.º outorgante pagará aos 1.ºs outorgantes a quantia de € 1.000, no caso e adquirir a meação dos comproprietários notificados para a preferência, no prazo de 1 (um) ano, a contar da data da assinatura do contrato-promessa de compra e venda referido na cláusula 4.ª.

6.ª – O 2.º outorgante já entregou ao Sr. Eng. LLL, sócio gerente da Agência Imobiliária Sociedade 1 (…) as chaves do prédio supra identificado.

7.ª – Mais se compromete o 2.º outorgante, antes de ser dono e legítimo possuidor da totalidade do prédio acima identificado, a não contratar para o mesmo:

- Serviços de energia/electricidade, abastecimento de água ou gás;

- A não realizar obras de qualquer natureza no interior ou no exterior do prédio, antes de submeter para apreciação os projectos de licenciamento à autoridade administrativa Câmara Municipal ou outra, obrigando-se a cumprir e respeitar os regulamentos camarários.»

1.2. Os recorrentes pretendem que a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto seja alterada por forma a que passe a constar, do enunciado da matéria de facto provada, o conteúdo do actual n.º 3 do enunciado da matéria de facto não provada, a saber: «Só no dia da escritura os autores tiveram conhecimento que o réu ocupava a fracção».

Porém, os recorrentes não especificam em que medida tal alteração poderia favorecê-los. Na realidade, trata-se de um facto manifestamente irrelevante para a decisão da causa. Nomeadamente, os recorrentes não pedem qualquer indemnização pela ocupação da fracção, por parte do recorrido, anteriormente à data marcada para a realização da escritura pública de compra e venda.

Sendo manifestamente irrelevante para a decisão do recurso, a apreciação da decisão do tribunal a quo sobre o n.º 3 do enunciado da matéria de facto não provada traduzir-se-ia na prática de um acto inútil, proibido pelo artigo 130.º do CPC, que consagra o princípio da limitação dos actos.

Subsistirá, pois, o decidido pelo tribunal a quo relativamente ao n.º 3 do enunciado da matéria de facto não provada.

1.3. Os recorrentes pretendem que a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto seja alterada por forma a que passe a constar, do enunciado da matéria de facto provada, parte do conteúdo do actual n.º 4 do enunciado da matéria de facto não provada, nos seguintes termos: «Na fracção continuaram depositados pertences do réu, a saber, uma mobília de quarto, diverso material de escritório e construção civil até ao mês de março de 2021».

Como veremos no ponto 3 da presente fundamentação, este facto não tem influência na decisão da causa. Não obstante, procederemos à apreciação do acerto da decisão do tribunal a quo sobre ele, pois a conclusão de que ele é inócuo requer uma análise jurídica que é reclamada pela exigência legal de fundamentação das decisões judiciais. A sua inclusão no enunciado da matéria de facto provada, se encontrar sustentação nos elementos constantes do processo, viabilizará a referida análise jurídica.

Em face dos elementos que constam do processo, constitui uma evidência que o facto em questão corresponde à realidade. O próprio recorrido o confessou ao requerer, em 17.03.2021, que os recorrentes lhe entregassem os bens acima referidos.

Consequentemente, determina-se a supressão do n.º 4 do enunciado da matéria de facto não provada e a inclusão, no enunciado da matéria de facto provada, do seguinte: «29 – Até ao mês de Março de 2021, continuaram depositados, na fracção, pertences do réu, a saber, uma mobília de quarto e diverso material de escritório e construção civil.»

2 – Se foi celebrado um contrato-promessa e, na hipótese afirmativa, o recorrido tem direito a receber o sinal em dobro:

O tribunal a quo considerou que:

- O documento transcrito no n.º 23 do enunciado da matéria de facto provada consubstancia um contrato-promessa de compra e venda «da quota do prédio em causa que pertence ou pertencia aos AA. AAA e KKK»;

- Esse contrato-promessa «não obedece aos requisitos do n.º 3 do art. 410.º do Cód. Civil, que estabelece, no caso de contrato relativo à celebração de contrato oneroso de transmissão e direito real sobre edifício ou fracção autónoma dele, a obrigatoriedade de reconhecimento presencial da assinatura do promitente, entre outros requisitos. Todavia, trata-se de nulidade mista, em princípio, apenas invocável pelo beneficiário da promessa (que não o fez), não sendo possível ser declarada oficiosamente pelo Tribunal.»

- Os recorrentes não cumpriram esse contrato-promessa;

- Nos termos do artigo 441.º do Código Civil, «presume-se sinal no contrato promessa toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor»;

- O n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil estabelece que, «se o não cumprimento do contrato for imputável a quem recebeu o sinal, tem o outro contraente a faculdade de exigir o dobro do que prestou»;

- «Da matéria de facto provada resultou apenas a entrega pelo R. reconvinte da quantia de € 2.500, pelo que quanto ao pedido de devolução do sinal e dobro, o mesmo apenas pode proceder na quantia de € 5.000»;

- «Esta condenação restringe-se à responsabilidade dos promitentes vendedores, AAA e KKK, este representado pelos seus herdeiros».

Os recorrentes contrapõem que:

- O documento em causa nunca foi assinado pelo recorrido, o que determina a sua nulidade;

- O mesmo documento consubstancia, não um contrato-promessa de compra e venda, mas sim um pacto de preferência;

- Apenas verificada a condição suspensiva do «não exercício do direito de preferência pelos contitulares da fracção», eles, recorrentes, «aceitam celebrar com o R. um contrato-promessa de compra e venda, no âmbito do qual receberão a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de € 2.500»;

- Essa condição suspensiva não se verificou.

O documento transcrito no n.º 23 do enunciado da matéria de facto provada não consubstancia, sequer, um contrato, porquanto o recorrido nunca o assinou, nem, tanto quanto resulta do enunciado da matéria de facto provada, emitiu qualquer declaração de aceitação da proposta contratual que ele encerra. Unicamente se provou que os recorrentes remeteram tal documento ao recorrido, não que este tenha manifestado vontade de aderir ao seu conteúdo, celebrando um contrato.

Ainda que o recorrido tivesse assinado o documento em questão, assim manifestando a sua vontade de contratar, o contrato assim concluído não poderia ser qualificado como um contrato-promessa de compra e venda, atento o seu conteúdo.

O n.º 1 do artigo 410.º do Código Civil define o contrato-promessa como a «convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato», denominado pelo mesmo preceito legal como «contrato prometido».

Ora, do documento transcrito no n.º 23 não consta qualquer promessa de celebração de um contrato de compra e venda, ou outro. Aquilo que consta da cláusula 2.ª é que os recorrentes se obrigam «a dar preferência na venda da sua meação» ao recorrido. Assumir a obrigação de dar preferência na venda não é sinónimo de prometer vender, como é óbvio.

Por outro lado, consta da cláusula 4.ª que, para a hipótese de os co-herdeiros (erradamente designados como «comproprietários») não exercerem o seu direito de preferência na sequência de notificação para esse efeito, «aceitam os 1.ºs outorgantes a declararem em contrato-promessa de compra e venda a celebrar oportunamente que vão receber a título de sinal e princípio de pagamento, € 2.500 (…), que serão tidos como compensação para o 2.º outorgante, pela não realização da escritura de compra e venda do prédio supra identificado marcada para 18/01/2019, todavia sem culpa dos 1.ºs outorgantes». Daqui também resulta que o documento transcrito no n.º 23 não corporiza um contrato-promessa de compra e venda. A celebração deste ficaria dependente de os co-herdeiros não exercerem o seu direito de preferência, constituindo, assim, um facto futuro e eventual.

Concluímos, assim, que os recorrentes têm razão ao afirmarem que não celebraram um contrato-promessa com o recorrido. Consequentemente, inexiste fundamento para qualificar a quantia de € 2.500, referida no n.º 22, como sinal, e para a condenação dos recorrentes na sua restituição em dobro.

Em vez disso, deverão os recorrentes ser condenados a restituir os referidos € 2.500 ao recorrido em singelo, por não se ter verificado a causa que levou o este último a entregá-la àqueles. Isto porque resulta do enunciado da matéria de facto provada que os recorrentes receberam essa quantia (n.º 22), mas não que a tenham restituído ao recorrido. A restituição referida no n.º 20 reporta-se à quantia referida no n.º 18, entregue pelo recorrido na ocasião referida no n.º 16.

Uma vez que os recorrentes se encontram em mora na restituição da quantia de € 2.500, deverá manter-se a sua condenação no pagamento de juros moratórios, a ela reportados.

3 – Se o recorrido é devedor de uma indemnização pela privação do uso da fracção entre Julho de 2019 e Março de 2021:

Como adiantámos em 1.3, a introdução, no enunciado da matéria de facto provada, do facto de que «Até ao mês de Março de 2021, continuaram depositados, na fracção, pertences do réu, a saber, uma mobília de quarto e diverso material de escritório e construção civil», não determina a alteração da sentença recorrida no que concerne ao montante da indemnização a pagar pelo recorrido.

O tribunal a quo condenou o recorrido a pagar a quantia total de € 1.500 (€ 300/mês) a título de indemnização pela privação do uso da fracção durante os meses de Fevereiro a Junho de 2019.

Não obstante os bens acima descritos terem permanecido na fracção até ao mês de Março de 2021, não ficou provado que isso tenha acontecido por facto imputável ao recorrido. Atente-se na sequência descrita nos n.ºs 12 a 14: desde aproximadamente Janeiro de 2019, o recorrido tinha funcionários seus a pernoitar na fracção, nesta armazenando, ainda, diverso material de construção civil; os recorrentes solicitaram a restituição da fracção, mas o recorrido recusou-se a fazê-lo; os recorrentes instauraram, contra o recorrido, procedimento cautelar para restituição provisória da posse, aí tendo sido decretada a providência requerida; a fracção foi restituída aos recorrentes em 07.06.2019.

Portanto, a partir de 07.06.2019, a fracção voltou a estar na posse dos recorrentes. Não consta do enunciado da matéria de facto provada que estes tenham procurado o recorrido com o objectivo de este retirar os seus pertences da fracção. Ao invés, foi o recorrido quem teve de vir aos autos, em 17.03.2021, requerer que os recorrentes lhe entregassem os bens em causa.

Daí que, em relação ao período compreendido entre Julho de 2019 e Março de 2021, não se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil que os recorrentes pretendem assacar ao recorrido, estabelecidos no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil. Falta, desde logo, o pressuposto da culpa.

Deverá, pois, a sentença recorrida manter-se no que concerne ao montante indemnizatório em que o recorrido foi condenado.

*

Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso parcialmente procedente:

- Revogando a sentença recorrida na parte em que condenou os recorrentes a pagarem, ao recorrido, a quantia de € 5.000, correspondente ao sinal em dobro, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a data da notificação do pedido reconvencional até integral pagamento;

- Condenando os recorrentes a pagarem, ao recorrido, a quantia de € 2.500, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a data da notificação do pedido reconvencional até integral pagamento;

- Confirmando, no mais, a sentença recorrida.

Custas a cargo dos recorrentes e do recorrido, na proporção do seu decaimento.

Notifique.

*

Évora, 26.09.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.ª adjunta)

(2.ª adjunta) 


Acórdão da Relação de Évora de 30.01.2025

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