quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Acórdão da Relação de Évora de 16.01.2025

Processo n.º 3945/21.0T8STB.E1

*

Acidente de viação.

Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Análise da credibilidade de uma testemunha.

Dinâmica do acidente.

Mudança de direcção.

Ultrapassagem.

Culpa.

*

Autor/recorrido:

AAA.

Ré/recorrente:

BBB.

Pedido:

Condenação da ré a pagar, ao autor, a quantia de € 139.000, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros vincendos, contados desde a citação até integral pagamento.

Sentença recorrida:

Julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar, ao autor, uma indemnização no montante de € 108.093, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da sentença até integral pagamento.

Conclusões do recurso:

1) Com todo o merecido respeito e salvaguardando melhor entendimento, andou mal o douto tribunal a quo, ao considerar como provada a supra citada factualidade, em especial a constante dos factos provados 7, 9, 10, 11, 14 e 16 e dos factos não provados 1 a 7.

2) Primeiramente, importa ter presente que um veículo pesado de transporte de mercadorias tem, pelas suas características próprias, uma dimensão e peso consideráveis (doc. 3 da contestação), com necessárias repercussões na velocidade a que conseguem promover a realização de manobras como a de mudança de direcção.

3) Aliado tal facto a faixa de rodagem com largura total de 7,20 metros, um ponto de embate que ocorre na via da esquerda (contrária ao sentido que seguiam os condutores) conforme croqui de auto de ocorrência junto como doc. 1 da contestação) e um embate do motociclo conduzido pelo autor, o qual ocorre na traseira lateral direita do camião, temos como evidente, que o pesado já se encontrava quase totalmente na estrada que se encontra à esquerda (entroncamento), mantendo apenas a traseira na via da esquerda, quando é embatido pelo motociclo.

4) O que foi igualmente confirmado pela testemunha CCC, averiguador de acidentes rodoviários (depoimento gravado no sistema Habilus Media Studio (13/07/2023 - 10:20:04 às 10:48:14) - Minutos 00:08:40 a 00:10:37 e Minutos 00:15:17.01.

5) Factualidade que, só por si e salvo melhor entendimento, torna manifestamente improvável a dinâmica do acidente considerada provada na douta sentença.

6) Não se conforma a recorrente com a consideração como facto provado da alínea 7, a qual, desde logo, ignora, totalmente o depoimento do condutor do camião [DDD, gravado no sistema Habilus Media Studio. (20/06/2023 - 14:22:14 às 14:40:42)] - Minutos 00:04 :05 a 00:04:51, Minutos 00:05:21 a 00:05:38, Minutos 00:06:46 a 00:07:26, Minutos 00:07:27 a 00:07:58 e Minutos 00:23:05 a 00:23:50.

7) Tendo a testemunha – condutor de pesados com mais de 30 anos de experiência – sido taxativa a afirmar que antes de iniciar a manobra encostou-se ao eixo da via, fez a perpendicular, assinalou o pisca esquerdo, olhou pelo retrovisor, viu um camião que o seguia e outros carros, sendo que aquando do início dessa manobra, o condutor do motociclo ainda não era visível, tendo posteriormente entrado na mencionada via que dava acesso à herdade e só então se verificando o embate, quando o pesado já só tem a traseira na faixa esquerda, sendo na traseira embatido pelo motociclo.

8) Caso contrário, fazendo fé na dinâmica resultante da sentença, parece-nos evidente que o embate, que ocorre na faixa da esquerda, teria que atingir a lateral esquerda do camião e não a traseira direita deste.

9) Acresce que, contrariamente ao constante na douta sentença, a ré também não admitiu que «o condutor do veículo por si segurado seguia obliquamente na estrada para entrar na via de acesso à Herdade» - veja-se artigos 18º a 22º da contestação, não sendo, de resto, facto pessoal, nem tal nunca poderia resultar face à prova produzida.

10) Mais se entende, com todo o merecido respeito, que foi excessivamente valorizado o depoimento da testemunha EEE, desde logo considerando que esta testemunha não consta identificada no auto de ocorrência, e era desconhecida até à audiência de julgamento; e o seu depoimento é incongruente e inclusive contraditório quando em confronto com o de outras testemunhas e até das regras da experiência comum.

11) Conforme resulta do depoimento da agente da GNR, FFF, que elaborou o auto de ocorrência e cujo depoimento foi gravado no sistema Habilus Media Studio (20.06.2026 - 11:31:53 às 11:53:20), do que se recorda ninguém teria visto o acidente, sendo que perguntam sempre se alguém viu e quando existe testemunhas identificam e fazem constar nos autos de ocorrência (conforme depoimento de minutos 00:17 a 00:18).

12) A testemunha EEE (cujo depoimento foi gravado no sistema Habilus Media Studio (a 20.06.2023; 14:55:54 às 15:30:00) refere que terá assistido a tudo porque, circulando a uma média de 110km/h, foi ultrapassado pelo autor e quando este iniciou a ultrapassagem do camião que seguia à sua frente, a testemunha igualmente iniciou a ultrapassagem desse camião (presumivelmente aumentando a sua velocidade).

13) E (pasme-se), vinha «quase ao meio do outro camião» quando terá visto o camião da frente (seguro na ré) a travar e terá tido tempo de ver o acidente, travar o seu veículo e voltar a colocar-se na traseira do camião que estaria a ultrapassar (que se supõe também terá travado), tendo conseguido imobilizar a sua viatura sem qualquer problema (minutos 00:01:43 a 00:02:37; minutos 00:05:28 a 00:06:06; minutos 00:11:55 a 00:12:36, e minutos 00:23:16 a 00: 23:35).

14) Até para a testemunha CCC, averiguador de acidentes rodoviários (depoimento gravado no sistema Habilus Media Studio (13/07/2023 - 10:20:04 às 10:48:14) tal dinâmica é difícil de conceber (minutos 00:18:12).

15) Na versão desta testemunha EEE, o camião foge logo para a esquerda, afirmando que o autor embateu na traseira esquerda do camião (o que, manifesta e como ficou demonstrado, não corresponde à verdade) – depoimento da testemunha minutos 00:09:04 a 00:09:36 e minutos 00:23:02 a 00:23:04.

16) Acresce que, a versão desta testemunha entra em contradição com a da testemunha GGG, cujo depoimento foi gravado no sistema Habilus Media Studio. (20.06.2023 - 12:14:25 às 12:36:24) e que não só não refere a presença da testemunha EEE como descreve que:

- Foi das primeiras pessoas a chegar (minutos 00:04:42);

- O autor tinha ultrapassado a sua viatura pouco antes (minutos 00:12:12 a 00:12:25 e 00:15:58) e quando se apercebe do acidente está um dos condutores do camião a levantar o autor e a encostá-lo ao camião; deitou o autor e pediu ao camionista para desligar o motor (minutos 00:02:12 a 00:03:14 e minutos 00:19:25 a 00:20:37);

- Quando parou, só estava o condutor do outro camião, que estava a pegar no Sandro (minutos 00:21:00 a 00:21:07).

17) Já a supra mencionada testemunha EEE (sistema Habilus Media Studio (a 20.06.2023; 14:55:54 às 15:30:00) refere, como supra mencionado, que teria assistido ao acidente e que a sua preocupação foi o estado do autor, refere que GGG chega depois de si, e ninguém terá tocado no autor que estaria deitado no chão (minutos 00:25:31 a 00:26:38 e minutos 00:26:32 a 00:26:59).

18) Atenta a prova documental e testemunhal produzida, em conformidade com o supra exposto, deveria ser alterado o facto provado 7, passando do mesmo a constar:

«O veículo pesado DL, iniciou a referida manobra de virar à esquerda, encostando-se ao eixo da via, de forma a fazer a perpendicular, para entrar na via de acesso à Herdade Vale de Reis.»

19) Assim como o facto provado 9 deveria ser considerado não provado, tanto mais que não tem qualquer enquadramento, considerando, entre outros, que o embate ocorre na via da esquerda, mas na traseira lateral direita, ou seja, quando o camião já estaria quase a terminar a manobra de mudança de direcção à esquerda.

20) Atenta a prova supra citada e consequentemente, deveriam também considerar-se como provados os factos não provados 1 a 4.

21) Relativamente ao facto provado com o número 10, apenas se demonstrou que o embate ocorreu na traseira direita do veículo pesado, em consequência do qual o autor foi projectado para o solo, tendo o douto tribunal a quo valorizado apenas o depoimento do autor (com manifesto interesse nessa prova), ignorando, entre outros, o depoimento do condutor do pesado e a demais factualidade supra mencionada, que tornam a pouco provável, tanto mais que desacompanhada de prova corroborante que a sustente.

22) Pelo que o teor deste facto 10 apenas se admitiria nos seguintes termos:

«O autor embateu na traseira direita do veículo pesado, tendo sido projetado para o solo.»

23) Tal como decorre do supra citado depoimento da testemunha GGG (minutos 00:02:12 a 00:03:14), confirmado pelo autor (AAA - gravado no sistema Habilus Media Studio (20.06.2023 - 10:50:12 às 11:28:14) - minutos 00:16:53 a 00:17:38) e ainda pelo condutor DDD (minutos 00:18:13 e 00:09:26), o autor foi mexido pelo condutor do outro camião, tendo posteriormente este testemunha GGG também o movido para a sombra, pelo que nenhuma prova foi feita nem ficou demonstrado que fundamentasse considerar-se provado o facto 11.

24) Assim, não sabendo o local exacto em que o autor ficou caído, muito menos que tenha sido na berma da estrada, necessariamente deveria julgar-se como não provado o facto 11.

25) Também o facto provado com o n.º 14 merece alteração, impondo-se considerar, entre outros, que face à dimensão do veículo pesado em questão e ainda os factos provados 12 e 13 é manifesto que o DL já teria que se encontrar parcialmente e quase na sua totalidade dentro da via de acesso à Herdade Vale Reis.

26) Sendo manifesto que apenas a parte final traseira do DL se encontrava ainda na via da esquerda da faixa de rodagem onde as viaturas seguiam.

27) Tal resultou ainda demonstrado dos depoimentos do condutor do camião [DDD, gravado no sistema Habilus Media Studio. (20/06/2023 - 14:22:14 às 14:40:42) -minutos 00:07:27 a 00:07:60, e do depoimento da agente da GNR, FFF (depoimento foi gravado no sistema Habilus Media Studio (20.06.2026 - 11:31:53 às 11:53:20) - minutos 00:16:46 a 00:16:50.

28) Sendo certo que, nenhuma testemunha referiu ter visto o condutor do DL a mover o camião após o acidente, o que, de resto, sempre se afiguraria altamente improvável, considerando, nomeadamente, as dimensões deste veículo, a existência de outro veículo pesado estacionado na via direita, o autor na estrada ferido, os demais carros que, entretanto, se imobilizaram e todo aparato que se verificou no local.

29) Pelo que, atenta a prova produzida, necessariamente deveria alterar-se o facto provado 14, do mesmo devendo passar a constar:

«O veículo DL já se encontrava posicionado transversalmente à via com a sua dianteira na entrada da via de acesso à Herdade Vale Reis quando é embatido pelo veículo motorizado conduzido pelo autor.»

30) Relativamente ao facto provado 16, necessariamente se impõe a sua alteração, uma vez que tal teor não correspondente à prova produzida, tendo resultado do depoimento da agente da GNR, FFF, (sistema Habilus Media Studio (20.06.2026 - 11:31:53 às 11:53:20) – minutos 00:11:55 – que aquela via dava acesso a «muitas herdades», o que, conjugado com o depoimento de CCC, (sistema Habilus Media Studio (13/07/2023 - 10:20:04 às 10:48:14) - minutos 00:03:03 e minutos 00:04:33 a 00:04:53, impunham que se alterasse o teor deste facto provado 16, do mesmo passando a constar:

«A estrada para a qual o veículo pesado pretendia passar a circular, dá acesso a diversas herdades, à Herdade de Vale de Reis e às instalações dos apoios às portagens.»

31) Relativamente ao facto não provado 6, parece-nos evidente e resulta de toda a prova produzida que o autor iniciou e realizou a ultrapassagem antes de um cruzamento, resultando também do depoimento da testemunha CCC, averiguador de acidentes rodoviários (sistema Habilus Media Studio (13/07/2023 - 10:20:04 às 10:48:14) – minutos 00:05:12 – a mencionada visibilidade do entroncamento para os condutores.

32) Pelo que necessariamente se deveria considerar este facto como facto provado.

33) De igual forma e tendo, entre outros, presente o facto provado 3 e o depoimento supra citado da testemunha CCC, também se deveria ter considerado como provado o facto não provado 7.

34) Acresce que, o douto tribunal a quo não considerou e deveria ter considerado, atenta a sua relevância, por se tratar de um facto essencial e ter resultado bastante demonstrado da prova produzida (cfr. arts. 5º, 413º e 611º do CPC) que aquando do acidente o autor circulava a mais de 110 km/h.

35) Sendo que, para o efeito, tanto GGG e (em especial) EEE confirmaram que foram ultrapassados pelo autor e que aqueles circulavam a 100/110 km/h – nesse sentido GGG (sistema Habilus Media Studio. (20.06.2023 - 12:14:25 às 12:36:24) - minutos 00:12:13 a 00:12:25 e minutos 00:16:21 a 00:16:40 e EEE (sistema Habilus Media Studio (a 20.06.2023; 14:55:54 às 15:30:00) - minutos 00:10:26 a 00:10:29, minutos 00:18:25 e minutos 00:23:16 a 00:23:23.

36) Assim, resultando do depoimento das duas testemunhas que alegam terem sido ultrapassadas pelo autor, ambas referiram circular a uma velocidade de 100/110 km/h, sendo do conhecimento comum e científico que para promover a sua ultrapassagem, o veículo conduzido pelo autor necessariamente teria que circular a velocidade superior aos veículos ultrapassados, pelo que seguramente conduziria a mais de 110km/h.

37) Assim, impõe-se ainda que seja adicionado um facto provado com o seguinte teor:

«O autor circulava a mais de 110km/h.»

38) Na sequência da alteração da prova conforme supra exposto, necessariamente se impõe concluir que é imputável ao autor a integral responsabilidade pelo acidente.

39) Sendo certo que o condutor do DL conduzia de forma diligente, atenta, cautelosa e em cumprimento das regras e princípios estradais, tendo devidamente sinalizado a intenção de virar à esquerda, e devidamente acautelado as condições de segurança para a realização dessa manobra.

40) Tendo sido o condutor do DL surpreendido pela inopinada e desadequada condução do autor, quando aquele já se encontrava quase a terminar a manobra de mudança de direcção, sendo que, tal como qualquer outro condutor diligente colocado na sua posição, nada poderia ter feito para evitar o embate.

41) Tendo sido o autor, em notória violação das regras estradais, nomeadamente as previstas nos artigos 3º, 24º, 25º, 35º, 38º e 41º do Código da Estrada, o exclusivo responsável pelo acidente em causa.

42) Motivo pelo qual, necessariamente se impõe a absolvição da recorrente.

43) Sendo certo que, por mero dever de patrocínio e à cautela, a não se entender assim, jamais se poderá pretender que a conduta do autor em nada contribuiu para o acidente, repare-se que o autor circulava a uma velocidade superior a 110 km/h, num local cujo limite são 90 km/h, a realizar uma manobra de ultrapassagem em cima de um entroncamento.

44) Pelo que, no limite, a não se entender a total responsabilidade do autor, jamais se poderia excluir a sua parcial responsabilidade, sempre se impondo concluir pela repartição desta, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 506.º do Código Civil.

Sem prescindir, por mero dever de patrocínio e à cautela, sempre se recorrerá dos montantes indemnizatórios arbitrados, com os seguintes fundamentos.

45) No caso sub judice não ficou provado que o défice funcional permanente do autor atingiu, de modo directo e imediato, a sua capacidade de ganho, sendo o défice funcional compatível com a sua actividade profissional habitual, envolvendo, porém, esforços acrescidos.

46) Ou seja, em rigor, não se está aqui perante uma verdadeira perda da capacidade aquisitiva de ganho, mas antes o dano que a nossa jurisprudência vem tratando como dano biológico (enquanto diminuição funcional psicofísica), como bem salientado pela douta sentença, pelo que não se justifica a ponderação e referências ao salário médio anual do autor.

47) Conforme refere o acórdão do STJ de 03-02-2022 (…)

48) Assim, e ressalvado o devido respeito, que é muito, impunha-se que o tribunal a quo, para cálculo da indemnização, para uma apreciação em função da equidade, tivesse em consideração, a jurisprudência, e ainda, os parâmetros previstos na Portaria n.º 377/2008.

49) Conforme tem vindo a ser defendido pela jurisprudência mais recente, o critério da equidade, de molde a respeitar o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (art. 13º da C.R.P. e 8º nº 3 do C.C.), deverá atender às decisões jurisprudenciais com as quais seja possível estabelecer um paralelismo.

50) Conforme o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013 (…)

51) Nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 (…)

52) Tendo-se em consideração de jurisprudência em casos semelhantes:

- Acórdão do STJ de 29-10-2019 (…);

- Acórdão do STJ de 07-03-2019 (…);

- Acórdão do STJ de 17.01.2023 (…);

- Acórdão da Relação do Porto de 28.04.2020 (…).

53) Assim, e salvo melhor opinião, e o devido respeito, afigura-se que o tribunal a quo afastou-se, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.

54) Tanto mais que nos exemplos supra citados, os lesado são mais novos que o autor (29 anos à data do acidente) ou com IPG superiores.

55) Pelo que, considerando as circunstâncias que se demonstraram provadas e os valores que têm vindo a ser arbitrados pela jurisprudência, afigura-se que o valor de € 65.000,00 arbitrado ao autor a título de indemnização pelo défice funcional permanente é manifestamente excessivo e deverá ser, em conformidade, reduzido, sob pena de violação dos artigos 4º, 8º, 483º e 566º do Código Civil, a Portaria 377/2008, de 26.05, com as alterações da Portaria nº 679/2009 de 25.06 e o art. 13º da CRP.

56) Por tudo o exposto, entende a recorrente que a douta sentença deverá ser alterada em conformidade com o aqui defendido, tanto na factualidade considerada provada como no enquadramento jurídico , porquanto no seu modesto entendimento, tribunal a quo fez um incorrecto julgamento da prova produzida e factualidade considerada provada bem como uma incorrecta aplicação do direito e violou o quanto dispõem os artigos 4º, 483ºe 566º do Código Civil, artigos 5º, 410º, 412º, 413º, 466º e 611º do Código de Processo Civil, a Portaria 377/2008, de 26.05, com as alterações da Portaria nº 679/2009 de 25.06, e o art. 13º da CRP, impondo-se pois o presente recurso.

Questões a decidir:

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

2 – A qual dos condutores é o acidente imputável;

3 – Montante da indemnização.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1. No dia 03.08.2018, cerca das 12:30 horas, no itinerário complementar IC1, ao Km 562,200, na União das Freguesias de Alcácer do Sal (Santa Maria do Castelo e Santiago) e Santa Susana, Concelho de Alcácer do Sal, Distrito de Setúbal, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo pesado de mercadorias de matrícula xx-xx-DL, conduzido por DDD, propriedade de Sociedade 1, e o motociclo de matrícula xx-LI-xx, conduzido e propriedade do autor.

2. O veículo DL, à data do acidente, tinha a responsabilidade civil transferida para a ré através da apólice n.º (…), que se encontrava válida e eficaz.

3. O IC1 (itinerário complementar), no local do acidente, é constituído por uma recta, em patamar de boa visibilidade e dois sentidos de trânsito, com ligeira inclinação (a subir atento o sentido de trânsito dos veículos envolvidos), com uma via em cada um dos sentidos.

4. Na altura estava bom tempo, o piso encontrava-se regular, seco e limpo.

5. A velocidade permitida para o local onde ocorreu o sinistro era de 90 Km/h.

6. O veículo pesado DL, seguro na ré, circulava no referido IC1, sentido Setúbal/Alcácer do Sal e desviou-se para a sua esquerda, para entrar e passar a circular no acesso à Herdade Vale de Reis.

7. O veículo pesado DL, iniciou a referida manobra de virar à esquerda, sem se encostar ao eixo da via, de forma a fazer a perpendicular, para entrar na via de acesso à Herdade Vale de Reis.

8. À sua retaguarda seguiam outros veículos, entre eles o autor.

9. O autor, que, entretanto, havia ultrapassado os outros veículos que seguiam atrás do veículo pesado DL, inicia a ultrapassagem deste último quando é surpreendido pelo mesmo, que lhe invade a via da esquerda da faixa de rodagem, pela qual circulava.

10. O autor, ao tentar desviar-se, virando guinando para o seu lado direito, embateu na traseira direita do veículo pesado, tendo sido projectado para o solo.

11. Ficando caído na berma da estrada, do lado direito, atento o seu sentido de marcha.

12. O local provável do acidente, ocorre na via da esquerda, mais encostado ao eixo da faixa de rodagem atento o sentido de trânsito dos veículos envolvidos no sinistro, a 3,10 metros do limite dessa via da faixa de rodagem.

13. Sendo que a largura total da faixa de rodagem é de 7,20 metros.

14. O veículo DL já se encontrava posicionado obliquamente à via com a sua dianteira próximo da entrada da via de acesso à Herdade Vale Reis quando é embatido pelo veículo motorizado conduzido pelo autor.

15. No local, à data do sinistro não existia sinal indicador de existência de entroncamento.

16. O caminho para o qual o veículo pesado pretendia passar a circular, apenas dá acesso à referida Herdade de Vale de Reis e às instalações dos apoios às portagens.

17. O eixo da faixa de rodagem no local, é delimitado por uma linha longitudinal descontínua (tracejado).

18. (…)

Factos julgados não provados pelo tribunal a quo:

1. O condutor do veículo pesado, xx-xx-DL, antes de iniciar a manobra de mudança de direção para a esquerda no sentido da via de acesso à Herdade Vale de Reis, sinalizou a sua manobra com o sinal luminoso/pisca.

2. E aproximou-se, o mais possível, com a devida e necessária antecedência do limite esquerdo do eixo da faixa de rodagem.

3. Verificou as condições em toda a via e faixas, confirmando que se encontrava em condições de realizar a manobra com segurança.

4. E realizou a manobra dando a esquerda ao centro de intersecção das duas vias.

5. O veículo DL já se encontrava quase totalmente na estrada de acesso à Herdade Vale dos Reis quando é embatido pelo veículo motorizado conduzido pelo autor, com a matrícula 77-LI-76.

6. O autor iniciou e realizou a ultrapassagem, antes de um entroncamento, sem accionar a devida sinalização e sem se certificar de que podia realizar tal manobra sem perigo de colidir com veículo DL.

7. E sendo certo que quando iniciou a ultrapassagem lhe era perceptível que iria prolongar tal manobra sobre o entroncamento.

8. (…)

*

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

O recorrente pretende que:

- O n.º 7 do enunciado dos factos provados (EFP) passe a ter a seguinte redacção: «O veículo pesado DL, iniciou a referida manobra de virar à esquerda, encostando-se ao eixo da via, de forma a fazer a perpendicular, para entrar na via de acesso à Herdade Vale de Reis.»;

- O n.º 9 do EFP passe a constar do enunciado dos factos não provados (EFNP);

- O n.º 10 do EFP passe a ter a seguinte redacção: «O autor embateu na traseira direita do veículo pesado, tendo sido projectado para o solo.»;

- O n.º 11 do EFP passe a constar do EFNP;

- O n.º 14 do EFP passe a ter a seguinte redacção: «O veículo DL já se encontrava posicionado transversalmente à via com a sua dianteira na entrada da via de acesso à Herdade Vale Reis quando é embatido pelo veículo motorizado conduzido pelo autor.»;

- O n.º 16 do EFP passe a ter a seguinte redacção: «A estrada para a qual o veículo pesado pretendia passar a circular, dá acesso a diversas herdades, à Herdade de Vale de Reis e às instalações dos apoios às portagens.»;

- Os n.ºs 1 a 7 do EFNP passem a constar do EFP;

- Seja aditado, ao EFP, o seguinte: «O autor circulava a mais de 110km/h.».

De acordo com a sentença recorrida, o acidente ocorreu, resumidamente, da seguinte forma:

- O veículo pesado (DL) circulava pelo lado direito da faixa de rodagem, seguido por outros veículos, sendo um deles o motociclo conduzido pelo recorrido (LI);

- O recorrido ultrapassou os outros veículos que seguiam atrás do DL e também pretendia ultrapassar este último;

- No momento em que o LI iniciou a ultrapassagem do DL, este, sem se encostar ao eixo da via, invadiu a semi-faixa do lado esquerdo, para entrar na via de acesso a uma herdade;

- O recorrido, que ocupava a semi-faixa do lado esquerdo para ultrapassar o DL, foi surpreendido pela manobra deste, que assim surgiu à sua frente de forma repentina;

- O recorrido, ao tentar desviar-se, guinando para o seu lado direito, embateu na traseira direita do DL, tendo sido projectado para o solo e ficado caído na berma da estrada, do lado direito, atento o seu sentido de marcha.

Não nos parece possível que o acidente tenha ocorrido desta forma.

Tenhamos em conta o seguinte:

- Resultou do depoimento da testemunha DDD, condutor do DL, que este tem 11 metros de comprimento e 2,5 metros de largura; as fotos deste veículo juntas com a contestação corroboram a ideia de que se trata de um camião de grandes dimensões;

- Resulta da foto do local do acidente junta com a petição inicial e, com maior clareza, daquelas que o foram com a contestação, que o início do caminho onde o condutor do DL pretendia entrar é perpendicular à estrada por onde este circulava, pelo que, para esse efeito, o veículo teria de descrever um ângulo de cerca de 90 graus;

- O embate ocorreu na semi-faixa do lado esquerdo, a 3,10 metros do seu limite exterior e a 0,50 metros do eixo da via, quando o DL já se encontrava posicionado obliquamente à via;

- O LI embateu no lado direito da traseira do DL;

- Apesar de circularem vários veículos atrás do DL, só o LI nele embateu.

Mesmo encontrando-se sem carga, como afirmou DDD, é fisicamente impossível o camião ter adquirido a posição em que se encontrava quando foi embatido por meio de uma manobra repentina, susceptível de surpreender o recorrido se este conduzisse com um mínimo de atenção e cuidado durante a realização da ultrapassagem. Tendo o DL 11 metros de comprimento, se circulasse a uma velocidade normal e guinasse repentinamente na direcção do caminho por onde pretendia passar a circular, o condutor perderia o controlo daquele. Muito provavelmente, o DL teria tombado e não teria sido apenas ele e o LI a terem intervenção no acidente.  

É seguro que, nem o condutor perdeu o controlo do DL, nem este tombou, antes tendo entrado no caminho perpendicular à estrada (dos seus 11 metros de comprimento, apenas cerca de 3,10 metros permaneciam na faixa de rodagem desta última) sem novidade, até o LI nele embater. Também é seguro que os outros veículos que circulavam atrás do DL não embateram neste, nem uns nos outros, como seria provável acontecer se aquele tivesse diminuído instantaneamente de velocidade, devido a uma travagem brusca, e virado repentinamente o veículo na direcção de um caminho cuja entrada é perpendicular à estrada.

Chegamos, assim, a uma primeira conclusão: o DL circulava a uma velocidade muito reduzida nos momentos que antecederem a sua mudança de direcção para a esquerda, adequada à realização dessa manobra.

Atente-se, seguidamente, no facto de, como acima referimos, o DL ter entrado parcialmente no caminho perpendicular à estrada, pois, dos seus 11 metros de comprimento, apenas cerca de 3,10 metros permaneciam na faixa de rodagem desta última. Movimentando-se o DL a uma velocidade muito reduzida, a manobra que o levou até esse ponto demorou tempo suficiente para poder ser percepcionada pelo recorrido com a antecedência necessária para ele poder concluir que a semi-faixa esquerda se encontrava ocupada e, por isso, não se encontravam reunidas as condições que lhe permitiriam realizar a manobra de ultrapassagem em segurança. Não se tratou, pois, de uma manobra súbita e inesperada do DL, que tenha cortado repentinamente o caminho ao LI e com a qual o recorrido não pudesse razoavelmente contar, como a matéria de facto julgada provada pelo tribunal a quo inculca.

Por tudo isto, o acidente não pode ter ocorrido como é descrito na sentença recorrida. Cumpre, assim, apurar aquilo que realmente se passou, tendo em conta a prova produzida.

Uma das pessoas ouvidas na qualidade de testemunha foi EEE, cujo depoimento influiu decisivamente na formação da convicção do tribunal a quo sobre a forma como o acidente ocorreu. Porém, este depoimento deve ser desconsiderado, pelas razões que passamos a referir.

É nossa convicção que EEE não presenciou o acidente, nem esteve no local deste na sequência da sua ocorrência.

EEE afirmou ter sido «a primeira pessoa a ver o acidente» e ter visto «tudo», por ser ele o condutor do veículo ligeiro que seguia atrás do camião que, por sua vez, circulava atrás do DL. Afirmou ainda que, após o acidente, parou no local e socorreu o recorrido. Segundo EEE, a testemunha GGG só posteriormente apareceu no local do acidente, tendo-lhe, então, dito para «não mexer» no recorrido e que ela própria prestaria os primeiros socorros a este. EEE afirmou ter ficado no local até a GNR chegar. Inquirido sobre a razão que o levou a abandonar o local precisamente no momento em que a GNR chegou, em vez de comunicar, aos militares desta, que presenciara o acidente e de lhes fornecer os seus elementos de identificação, respondeu que tal aconteceu, por um lado, porque estava com pressa, e, por outro, porque, na semana anterior, fora multado por um dos elementos da GNR que compareceram no local do acidente.

Perante este conjunto de afirmações, é estranho que, nem o recorrido, nem qualquer das restantes testemunhas, tenham referido a presença de EEE no local do acidente, para mais tratando-se, segundo ele, da «primeira pessoa a ver o acidente» e a socorrer o recorrido.

A testemunha FFF, militar da GNR, que compareceu no local do acidente, esclareceu que, quando aí chegou, perguntou, como sempre faz, se alguma das pessoas presentes presenciara o acidente, e que só o condutor do DL respondeu afirmativamente e se identificou. Nomeadamente, não havia, no local, qualquer condutor de um veículo ligeiro que tivesse visto o acidente. A justificação dada por EEE para o abandono do local precisamente quando a GNR aí chegou não convence. A sua alegada pressa não o impedira de parar e ficar até a GNR chegar, pelo que não seria, seguramente, a perda de mais alguns minutos, para se apresentar como testemunha e fornecer os seus elementos de identificação, que faria grande diferença. Quanto ao facto de FFF o ter multado na semana anterior, a ser verídico, não constitui justificação razoável, tendo em conta a importância daquilo que estava em causa. A mesma pessoa que tão diligentemente parara para socorrer o recorrido e permanecera no local do acidente mesmo após ter sido «dispensada» dessa tarefa por GGG, não deixaria de se interessar pela sorte do recorrido, indo embora sem deixar a sua identificação, fosse à GNR, fosse a qualquer outra pessoa.

O recorrido afirmou que, após o embate, o condutor do camião o encostou a este e que foi GGG quem o socorreu. Mais adiante, reforçou que a primeira pessoa a falar consigo foi o condutor do camião e que, posteriormente, chegou GGG, que tinha conhecimentos para lhe prestar os primeiros socorros. Em momento algum mencionou a presença de EEE, muito menos que este tenha sido a primeira pessoa a falar consigo e a socorrê-lo.

Também GGG e DDD nunca se referiram à presença de EEE no local do acidente, nomeadamente descrevendo uma actuação, fosse de quem fosse, que correspondesse à que aquele afirmou ter desenvolvido. Sendo certo que tal actuação, a ser verídica, não deixaria de ser notada por quem ali se encontrava.

Por este conjunto de razões, temos como certo que EEE não presenciou o acidente, nem esteve no local logo após a ocorrência deste. Logo, como acima antecipámos, o seu depoimento terá de ser desconsiderado.

Acrescente-se que o conteúdo do depoimento EEE, que corresponde, no essencial, àquilo que o tribunal a quo julgou provado sobre a dinâmica do acidente (com excepção do local do DL onde o LI embateu, que teria sido a traseira do lado esquerdo), não é credível, pelas razões que acima referimos.

Restam-nos os depoimentos do recorrido e das testemunhas FFF, DDD, GGG e CCC.

O depoimento de CCC pouco interesse tem, pois esta testemunha limitou-se a visitar o local do acidente mais de um mês depois da ocorrência deste. Apenas teve interesse para a descrição desse local. Os juízos, por si expressos, acerca da pessoa do responsável pela produção do acidente, são irrelevantes, pois trata-se de tarefa estranha à qualidade de testemunha.

De útil para a decisão da causa, além do que acima referimos sobre a improbabilidade da presença de EEE no local do acidente, durante e depois deste, FFF apenas afirmou que, quando chegou àquele local, o DL já se encontrava no caminho que conduz à herdade.

Apesar de não ter presenciado o acidente, GGG prestou um depoimento com interesse para a decisão da causa. Além de descrever o socorro do recorrido sem qualquer intervenção de EEE, nos termos anteriormente referidos, afirmou que, cerca de 1 km antes do local do acidente, ainda antes da zona de ultrapassagem, onde existem duas vias de trânsito no sentido em que circulava, o recorrido ultrapassou o veículo por si conduzido, que circulava a uma velocidade entre 90 e 100 km/hora; quando chegou ao local do acidente, viu «o camionista, que pegou no Sandro pela parte de trás do casaco e o encostou à parte lateral do camião»; deitou o recorrido atrás do camião e prestou-lhe primeiros socorros; o condutor do camião só dizia «não o vi, não o vi».

DDD e o recorrido foram as únicas pessoas ouvidas pelo tribunal a quo que presenciaram o acidente, pois intervieram nele.

DDD descreveu a manobra por si efectuada nos seguintes termos: accionou o sinal luminoso de mudança de direcção para o lado esquerdo; em velocidade muito reduzida (talvez 20 km/hora), conduziu o DL na direcção do caminho, entrando neste; a certa altura, sentiu o embate do LI, que não tinha avistado, através do retrovisor, antes de iniciar a manobra.

O recorrido deu a seguinte versão do acidente: circulou, «nas calmas», atrás dos dois camiões, durante algum tempo, sem os ultrapassar; fê-lo, inclusivamente, numa zona de ultrapassagem, com duas vias de trânsito, situada numa subida antes do local do acidente, onde os camiões circularam devagar; após a referida zona de ultrapassagem, quando começou o traço descontínuo, começou a ultrapassar os dois camiões, que seguiam a alguma distância um do outro; depois de ultrapassar o primeiro, chegou-se ao eixo da via; vendo que tinha espaço, começou a ultrapassar o segundo camião (o DL); nesse momento, ou seja, já depois do início da ultrapassagem, o DL «abriu o pisca e virou»; porém, logo de seguida, o recorrido afirmou que o condutor do DL mudou repentinamente de direcção sem «fazer pisca», assegurando não ter visto o DL «fazer pisca» em nenhum momento; quando viu o DL entrar na semi-faixa do lado esquerdo, pela qual pretendia efectuar a ultrapassagem, «cortando-lhe o caminho», ou seja, «atravessando-se à sua frente», «fugiu», tentando, sem sucesso, passar a circular na semi-faixa direita; deu-se, então, o embate. Afirmou ainda que circulava um veículo ligeiro atrás do camião que ultrapassou em primeiro lugar, tendo ultrapassado ambos na mesma manobra.

A descrição que o recorrido fez do acidente e da forma como conduziu o seu motociclo nos quilómetros que imediatamente o antecederam não merece qualquer credibilidade.

Por si só, a versão de que o recorrido circulou vagarosamente atrás dos dois camiões, durante algum tempo, sem os ultrapassar, inclusivamente numa zona destinada à ultrapassagem, com duas vias de trânsito, situada numa subida antes do local do acidente, é difícil de acreditar. Não vemos razão para o recorrido conduzir dessa forma numa zona em que podia ultrapassar os camiões com toda a facilidade e sem correr riscos e, quando essa zona terminou, então sim, lançar-se em ultrapassagens arriscadas, que acabaram num grave acidente de viação. Acresce que a testemunha GGG disse coisa muito diferente, essa sim verosímil à luz das regras da experiência comum: havia pouco trânsito, pois era hora do almoço; com a estrada livre, o recorrido, pouco antes do local do acidente, ultrapassou o veículo automóvel por si conduzido, que circulava a uma velocidade entre 90 e 100 km/hora e desapareceu do seu campo visual; encontrou-o dali a pouco, já ferido, no local do acidente. Portanto, é seguro que o recorrido imprimia uma velocidade na ordem de, pelo menos, 100 km/hora, nessa fase da sua viagem.

Na questão de saber se o condutor do DL accionou o sinal luminoso de mudança de direcção antes de iniciar a correspondente manobra, é evidente a falta de credibilidade do depoimento do recorrido, que entrou em contradição.

No que concerne à dinâmica do acidente, a descrição que o recorrido fez, que, tal como a de EEE, coincide, no essencial, com aquela que o tribunal a quo julgou provada, nomeadamente ao descrever a manobra de mudança de direcção do DL como repentina, «atravessando-se à sua frente» e «cortando-lhe o caminho», não é credível, pelas razões que acima referimos.

DDD prestou um depoimento credível, por se harmonizar perfeitamente com os seguintes factos, que temos por indiscutíveis:

- As dimensões do DL, que tornavam impossível a realização da manobra de mudança de direcção de forma diversa daquela que ele descreveu, pelas razões que acima referimos;

- O ponto da faixa de rodagem onde o embate ocorreu, revelador de que, nesse momento, o DL já se encontrava, na sua maior parte, dentro do caminho para a herdade, ou seja, no final da manobra de mudança de direcção;

- Não obstante circularem, atrás de si, um camião e, pelo menos, um veículo ligeiro, apenas o LI embateu no DL.

Sendo assim, tudo indica que o acidente ocorreu como DDD o descreveu. Perante uma descrição do acidente que não se coaduna com os factos, objectivamente demonstrados, que acabámos de referir, que foi aquela que o recorrido fez, e uma outra que se harmoniza perfeitamente com os mesmos factos, que foi aquela que DDD fez, é fora de dúvida que é a segunda que merece toda a credibilidade.

Dito isto sobre a dinâmica do acidente dos autos na sua globalidade, analisemos cada um dos pontos do EFP impugnados pela recorrente.

A redacção do n.º 7 do EFP é a seguinte: «O veículo pesado DL, iniciou a referida manobra de virar à esquerda, sem se encostar ao eixo da via, de forma a fazer a perpendicular, para entrar na via de acesso à Herdade Vale de Reis.»

A recorrente propõe a seguinte redacção: «O veículo pesado DL, iniciou a referida manobra de virar à esquerda, encostando-se ao eixo da via, de forma a fazer a perpendicular, para entrar na via de acesso à Herdade Vale de Reis.»

A redacção proposta pela recorrente encontra suporte no depoimento de DDD, acerca de cuja credibilidade acima nos pronunciámos, e nos factos objectivos que também referimos: dimensões do DL, local da faixa de rodagem onde o embate ocorreu, local do DL embatido pelo LI e posicionamento do caminho para a herdade relativamente à estrada onde estes veículos circulavam.

Sendo assim, o n.º 7 do EFP deverá passar a ter a seguinte redacção: «O DL iniciou a manobra de mudança de direcção para a esquerda encostando-se ao eixo da via, de forma a fazer a perpendicular, para entrar na via de acesso à Herdade Vale de Reis.»

A redacção do n.º 9 do EFP é a seguinte: «O autor, que, entretanto, havia ultrapassado os outros veículos que seguiam atrás do veículo pesado DL, inicia a ultrapassagem deste último quando é surpreendido pelo mesmo, que lhe invade a via da esquerda da faixa de rodagem, pela qual circulava.»

A recorrente pretende que esta matéria passe a constar do EFNP.

Por razões anteriormente referidas, o n.º 9 do EFP contém uma versão do acidente que não se coaduna com as leis da física, tendo em conta as dimensões do DL, o local da faixa de rodagem onde o embate ocorreu, o local do DL embatido pelo LI e o posicionamento do caminho para a herdade relativamente à estrada onde estes veículos circulavam, e contraria o único depoimento credível prestado por um interveniente naquele, que foi o do condutor do DL. Contudo, há um segmento que deverá manter-se no EFP: o facto de o LI ter ultrapassado os outros veículos que seguiam atrás do DL, que é inquestionável.

Assim, o n.º 9 do EFP deverá passar a ter a seguinte redacção: «O autor ultrapassou os outros veículos que seguiam atrás do DL.»

A redacção do n.º 10 do EFP é a seguinte: «O autor, ao tentar desviar-se, virando guinando para o seu lado direito, embateu na traseira direita do veículo pesado, tendo sido projectado para o solo.»

A recorrente propõe a seguinte redacção: «O autor embateu na traseira direita do veículo pesado, tendo sido projectado para o solo.»

No n.º 10 do EFP, estamos perante a continuação da versão do acidente que acima refutámos. Nem o DL efectuou uma manobra brusca que tenha surpreendido o recorrido durante uma ultrapassagem que este tenha tentado fazer-lhe, nem o recorrido, perante essa inexistente manobra, tentou desviar-se. Na realidade, aquilo que aconteceu foi o recorrido circular na semi-faixa esquerda, ultrapassando os veículos que seguiam atrás do DL, sem atentar na presença dos últimos 3,10 dos 11 metros que o DL tem de comprimento nessa semi-faixa, em consequência do que foi embater no lado direito da sua parte traseira.

Deverá, pois, o n.º 10 do EFP passar a ter a seguinte redacção: «O autor embateu na traseira direita do DL, tendo sido projectado para o solo.»

A redacção do n.º 11 do EFP é a seguinte: «Ficando caído na berma da estrada, do lado direito, atento o seu sentido de marcha.»

A recorrente pretende que esta matéria passe a constar do EFNP.

O tribunal a quo julgou provado o recorrido ficou caído no local referido no n.º 11 unicamente com base no «croqui de acidente de viação» elaborado pela GNR. Ora, deste «croqui», apenas resulta o local onde o LI se imobilizou, não aquele onde o recorrido ficou caído. O que se compreende, pois, quando a GNR chegou ao local do acidente, o recorrido já tinha sido removido do local onde caíra. Tenha-se ainda em conta que, nos acidentes de viação em que estão envolvidos motociclos, é vulgar estes imobilizarem-se em local diverso daquele em que o seu condutor fica caído.

Sendo assim, a matéria do n.º 11 do EFP terá de passar a constar do EFNP.

A redacção do n.º 14 do EFP é a seguinte: «O veículo DL já se encontrava posicionado obliquamente à via com a sua dianteira próximo da entrada da via de acesso à Herdade Vale Reis quando é embatido pelo veículo motorizado conduzido pelo autor.»

A recorrente propõe a seguinte redacção: «O veículo DL já se encontrava posicionado transversalmente à via com a sua dianteira na entrada da via de acesso à Herdade Vale Reis quando é embatido pelo veículo motorizado conduzido pelo autor.» Ou seja, pretende a substituição de «obliquamente» por «transversalmente», com vista a significar que, no momento do embate, o DL já se encontrava em posição perpendicular relativamente à estrada de onde provinha. Pretende ainda que se substitua «próximo da entrada» por «na entrada».

O facto de o LI ter embatido no lado direito da traseira do DL inculca que este ainda se encontrava posicionado obliquamente à estrada. Se já se encontrasse posicionado perpendicularmente à estrada, o embate teria ocorrido na parte final da lateral esquerda do DL, pois a traseira direita encontrar-se-ia do lado oposto, atenta a trajectória do LI. Logo, este segmento do n.º 14 do EFP deverá manter-se.

Já a segunda alteração que a recorrente pretende ver introduzida no n.º 14 do EFP tem inteira justificação. Como anteriormente salientámos, no momento em que foi embatido pelo LI, o DL já se encontrava, na sua maior parte, no interior do caminho de acesso à herdade. Dos seus 11 metros de comprimento, apenas 3,10 metros permaneciam na faixa de rodagem da estrada de onde provinha. Logo, o DL encontrava-se, não «próximo da entrada», mas já «na entrada» daquele caminho.

Sendo assim, a redacção do n.º 14 do EFP deverá passar a ser a seguinte: «O DL já se encontrava posicionado obliquamente à estrada de onde provinha, com a sua dianteira na entrada do caminho de acesso à Herdade Vale Reis, quando foi embatido pelo LI.»

A redacção do n.º 16 do EFP é a seguinte: «O caminho para o qual o veículo pesado pretendia passar a circular, apenas dá acesso à referida Herdade de Vale de Reis e às instalações dos apoios às portagens.»

A recorrente propõe a seguinte redacção: «A estrada para a qual o veículo pesado pretendia passar a circular, dá acesso a diversas herdades, à Herdade de Vale de Reis e às instalações dos apoios às portagens.»

A versão que a recorrente sustenta encontra sustentação no depoimento da testemunha FFF, militar da GNR que exerce funções na zona onde o acidente ocorreu e, por isso, a conhece, depoimento esse não contraditado por qualquer outro meio de prova.

Consequentemente, a redacção do n.º 16 do EFP deverá passar a ser a seguinte: «A estrada na qual o DL pretendia passar a circular dá acesso a diversas herdades, entre elas a Herdade de Vale de Reis, e às instalações dos apoios às portagens.»

A recorrente pretende que o conteúdo dos n.ºs 1 a 4 do EFNP passe a constar do EFP. Tais factos encontram sustentação no depoimento de DDD, acerca de cuja credibilidade já nos pronunciámos, e na circunstância de nenhum dos veículos que circulavam imediatamente atrás do DL ter embatido neste, o que indicia a correcção da manobra por aquele efectuada. Apenas o LI, que veio de trás desses veículos, ultrapassando-os de seguida, foi embater no DL, já na fase final da manobra de mudança de direcção por este efectuada.

Nomeadamente, é credível a afirmação de DDD de que não se apercebeu da aproximação do LI no momento em que iniciou a manobra de mudança de direcção para a esquerda. Vindo o LI de trás dos veículos que circulavam atrás do DL e tendo embatido neste último apenas na fase final da manobra de mudança de direcção para a esquerda, tem de se concluir que, no momento do início desta manobra, ainda não era visível no retrovisor do DL.

Sendo assim, deverá ser aditado, ao EFP, o seguinte:

- Antes de iniciar a manobra descrita em 6 e 7, o condutor do DL accionou o sinal luminoso de mudança de direcção para a esquerda e aproximou-se, o mais possível e com a necessária antecedência, do eixo da faixa de rodagem.

- O condutor do DL verificou as condições em toda a via e faixas, confirmando que se encontrava em condições de realizar a manobra com segurança.

- E realizou a manobra dando a esquerda ao centro de intersecção das duas vias.

O conteúdo do n.º 5 do EFNP constitui um corolário da alteração do n.º 14 do EFP e da sua fundamentação. Mostrando-se útil para uma descrição da dinâmica do acidente o mais completa possível, deverá passar a constar do EFP.

A recorrente pretende que o conteúdo dos n.ºs 6 e 7 do EFNP passe a constar do EFP.

Relativamente à matéria do n.º 6, não foi produzida prova de que o recorrido tenha iniciado a ultrapassagem sem accionar a sinalização luminosa de mudança de direcção para a esquerda, pelo que tal facto deverá permanecer no EFNP. A prova da restante matéria do n.º 6 constitui um corolário de quanto anteriormente referimos acerca da dinâmica do acidente.

Sendo assim, deverá ser aditado, ao EFP, o seguinte:

- O recorrido iniciou e realizou a ultrapassagem antes de um entroncamento, sem se certificar de que podia realizar tal manobra sem perigo de colidir com o DL.

A matéria do n.º 7 deverá permanecer no EFNP, pois resulta das fotos do local do acidente, corroboradas pelos depoimentos das testemunhas FFF, GGG e CCC, que o entroncamento não se encontrava sinalizado nem era visível à distância.  

Finalmente, a recorrente pretende que seja julgado provado que, no momento do acidente, o recorrido circulava a mais de 110 km/hora, invocando os depoimentos das testemunhas EEE e GGG.

O depoimento de EEE não poderá ser considerado, pelas razões anteriormente referidas.

O depoimento da testemunha GGG, na parte referente à velocidade a que o recorrido conduzia, reporta-se a um momento anterior ao acidente, pelo que não poderá julgar-se provado, unicamente com base nele, que o recorrido circulasse a mais de 110 km/hora no momento do acidente.

Sendo assim, inexiste fundamento para se proceder ao aditamento que a recorrente pretende ver introduzido no EFP.

Concluindo este ponto, delibera-se o seguinte:

- O n.º 7 do EFP passa a ter a seguinte redacção: «O DL iniciou a manobra de mudança de direcção para a esquerda encostando-se ao eixo da via, de forma a fazer a perpendicular, para entrar na via de acesso à Herdade Vale de Reis.»

- O n.º 9 do EFP passa a ter a seguinte redacção: «O autor ultrapassou os outros veículos que seguiam atrás do DL.»

- O n.º 10 do EFP passa a ter a seguinte redacção: «O autor embateu na traseira direita do DL, tendo sido projectado para o solo.»

- O n.º 14 do EFP passa a ter a seguinte redacção: «O DL já se encontrava posicionado obliquamente à estrada de onde provinha, com a sua dianteira na entrada do caminho de acesso à Herdade Vale Reis, quando foi embatido pelo LI.»

- O n.º 16 do EFP passa a ter a seguinte redacção: «A estrada na qual o DL pretendia passar a circular dá acesso a diversas herdades, entre elas a Herdade de Vale de Reis, e às instalações dos apoios às portagens.»

- São aditados, ao EFP, os seguintes números:

«7-A. Antes de iniciar a manobra descrita em 6 e 7, o condutor do DL accionou o sinal luminoso de mudança de direcção para a esquerda e aproximou-se, o mais possível e com a necessária antecedência, do eixo da faixa de rodagem.

7-B. O condutor do DL verificou as condições em toda a via e faixas, confirmando que se encontrava em condições de realizar a manobra com segurança.

7-C. E realizou a manobra dando a esquerda ao centro de intersecção das duas vias.

11. O DL já se encontrava quase totalmente na estrada de acesso à Herdade Vale dos Reis quando foi embatido pelo LI.

11-A. O autor iniciou e realizou a ultrapassagem antes de um entroncamento, sem se certificar de que podia realizar tal manobra sem perigo de colidir com o DL.»

- O n.º 6 do EFNP passa a ter a seguinte redacção: «O autor iniciou e realizou a ultrapassagem sem accionar a devida sinalização.»

- O n.º 7 do EFNP mantém-se inalterado.

- Não se procede a qualquer outra alteração ao EFP.

Pelo que a matéria de facto provada e não provada respeitante à dinâmica do acidente é a seguinte:

Provada:

1. No dia 03.08.2018, cerca das 12:30 horas, no itinerário complementar IC1, ao Km 562,200, na União das Freguesias de Alcácer do Sal (Santa Maria do Castelo e Santiago) e Santa Susana, Concelho de Alcácer do Sal, Distrito de Setúbal, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo pesado de mercadorias de matrícula xx-xx-DL, conduzido por DDD, propriedade de Sociedade 1, e o motociclo de matrícula xx-LI-xx, conduzido e propriedade do autor.

2. O veículo DL, à data do acidente, tinha a responsabilidade civil transferida para a ré através da apólice n.º (…), que se encontrava válida e eficaz.

3. O IC1 (itinerário complementar), no local do acidente, é constituído por uma recta, em patamar de boa visibilidade e dois sentidos de trânsito, com ligeira inclinação (a subir atento o sentido de trânsito dos veículos envolvidos), com uma via em cada um dos sentidos.

4. Na altura estava bom tempo, o piso encontrava-se regular, seco e limpo.

5. A velocidade permitida para o local onde ocorreu o sinistro era de 90 Km/h.

6. O veículo pesado DL, seguro na ré, circulava no referido IC1, sentido Setúbal/Alcácer do Sal e desviou-se para a sua esquerda, para entrar e passar a circular no acesso à Herdade Vale de Reis.

7. O DL iniciou a manobra de mudança de direcção para a esquerda encostando-se ao eixo da via, de forma a fazer a perpendicular, para entrar na via de acesso à Herdade Vale de Reis.

7-A. Antes de iniciar a manobra descrita em 6 e 7, o condutor do DL accionou o sinal luminoso de mudança de direcção para a esquerda e aproximou-se, o mais possível e com a necessária antecedência, do eixo da faixa de rodagem.

7-B. O condutor do DL verificou as condições em toda a via e faixas, confirmando que se encontrava em condições de realizar a manobra com segurança.

7-C. E realizou a manobra dando a esquerda ao centro de intersecção das duas vias.

8. À sua retaguarda seguiam outros veículos, entre eles o autor.

9. O autor ultrapassou os outros veículos que seguiam atrás do DL.

10. O autor embateu na traseira direita do DL, tendo sido projectado para o solo.

11. O DL já se encontrava quase totalmente na estrada de acesso à Herdade Vale dos Reis quando foi embatido pelo LI.

11-A. O autor iniciou e realizou a ultrapassagem antes de um entroncamento, sem se certificar de que podia realizar tal manobra sem perigo de colidir com o DL.

12. O local provável do acidente, ocorre na via da esquerda, mais encostado ao eixo da faixa de rodagem atento o sentido de trânsito dos veículos envolvidos no sinistro, a 3,10 metros do limite dessa via da faixa de rodagem.

13. Sendo que a largura total da faixa de rodagem é de 7,20 metros.

14. O DL já se encontrava posicionado obliquamente à estrada de onde provinha, com a sua dianteira na entrada do caminho de acesso à Herdade Vale Reis, quando foi embatido pelo LI.

15. No local, à data do sinistro, não existia sinal indicador da existência de entroncamento.

16. A estrada na qual o DL pretendia passar a circular dá acesso a diversas herdades, entre elas a Herdade de Vale de Reis, e às instalações dos apoios às portagens.

17. O eixo da faixa de rodagem no local, é delimitado por uma linha longitudinal descontínua (tracejado).

Não provada:

1. Na sequência do embate do LI no DL, o autor ficou caído na berma da estrada, do lado direito, atento o seu sentido de marcha.

2. O autor iniciou e realizou a ultrapassagem sem accionar a devida sinalização.

3. E sendo certo que, quando iniciou a ultrapassagem, lhe era perceptível que iria prolongar tal manobra sobre o entroncamento.

2 – A qual dos condutores é o acidente imputável:

Analisemos a forma como o recorrido e o condutor do DL exerceram a condução nos momentos que antecederam o acidente.

O condutor do DL efectuou uma manobra de mudança de direcção para a esquerda, visando passar a circular por um caminho que se situava desse lado da estrada por onde seguia.

O artigo 35.º, n.º 1, do Código da Estrada (CE), estabelece que o condutor só pode efectuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direcção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.

O artigo 44.º do CE estabelece que o condutor que pretenda mudar de direcção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afecta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efectuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação (n.º 1); estabelece ainda que, se tanto na via que vai abandonar como naquela em que vai entrar, o trânsito se processar nos dois sentidos, o condutor deve efectuar a manobra de modo a dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias (n.º 2).

Resulta dos n.ºs 6 a 7-C, 11, 12 e 14 do EFP que o condutor do DL efectuou a manobra de mudança de direcção para a esquerda com estrita observância do disposto nas referidas normas legais. Sintomaticamente, os veículos que circulavam imediatamente atrás do DL não embateram neste.

Já na fase final da manobra que o DL efectuava, surgiu o LI, vindo de trás dos veículos que circulavam imediatamente atrás do DL, ultrapassando-os e indo embater no lado direito da traseira do primeiro.

Para avaliar a forma como o recorrido conduziu o LI, importa ter em consideração, além do acima transcrito n.º 1 do artigo 35.º do CE, o disposto nas seguintes normas do mesmo código:

- 24.º, n.º 1: O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições metereológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente;

- 38.º, n.º 1: O condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário;

- 38.º, n.º 2, al. a): O condutor deve, especialmente, certificar-se de que a faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança.  

Nos momentos que antecederam o acidente, o recorrido conduziu o LI em violação das regras descritas, porquanto:

- Iniciou uma manobra de ultrapassagem a vários veículos sem se certificar de que a faixa de rodagem se encontrava livre na extensão e largura necessárias à sua realização com segurança;

- Iniciou essa manobra sem se certificar de que podia realizá-la sem perigo de colidir com o DL, que efectuava, nesse momento, uma manobra de mudança de direcção para a esquerda;

- Prosseguiu essa manobra até embater no DL, dando a sensação de que nem sequer deu pela presença deste, ao menos até estar demasiado próximo para conseguir evitar o embate;

- Não regulou a velocidade de modo a que pudesse, em condições de segurança, imobilizar o LI no espaço livre e visível à sua frente ou, ao menos, desviar-se atempadamente do DL; em vez disso, avançou na direcção do DL como se este não existisse, embatendo violentamente na sua traseira, lado direito, quando este já se encontrava, na sua maior parte, dentro da via por onde pretendia passar a circular.

Portanto, o condutor do DL cumpriu as regras estradais. Já o recorrido violou as regras estradais que acabámos de referir. Consequentemente, a culpa pela ocorrência do acidente deve ser atribuída, em exclusivo, ao recorrido. O condutor do DL em nada contribuiu para que o acidente ocorresse. Apenas foi surpreendido pelo embate do LI quando terminava uma manobra de mudança de direcção para a esquerda devidamente executada.

Sendo assim, não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil que o recorrido imputou à recorrente, como seguradora do DL – artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil. Consequentemente, inexiste fundamento para a condenação da recorrente no pagamento de qualquer indemnização ao recorrido, devendo o recurso ser julgado procedente e a sentença recorrida revogada.

3 – Montante da indemnização:

Não sendo a recorrente devedora de qualquer indemnização ao recorrido, fica prejudicado o conhecimento desta questão.

*

Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto:

- Julgar o recurso procedente;

- Revogar a sentença recorrida;

- Julgar a acção totalmente improcedente;

- Absolver a recorrente do pedido.

Custas a cargo do recorrido (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Notifique.

*

Évora, 16.01.2025

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.º adjunto)

(2.ª adjunta)

 

Acórdão da Relação de Évora de 30.01.2025

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