Processo n.º 159/18.0T8TVR.E1
*
Sumário:
O
condomínio é civilmente responsável pelos danos sofridos por um condómino na
sua fracção autónoma em consequência da infiltração de águas pluviais
decorrente da omissão culposa de realização de obras de reparação da cobertura
do edifício.
*
LG propôs a presente acção
declarativa de condenação contra o Condomínio do prédio sito em (…). Pediu a
condenação do réu:
- À execução – adjudicação e pagamento
dos respectivos custos – de todos os trabalhos necessários ou adequados à cabal
eliminação das infiltrações existentes na cobertura do prédio;
- A pagar, a título de
indemnização por prejuízos causados à autora como danos emergentes, o valor de
€ 4.441,40, correspondentes ao valor das obras de reparação do interior da
fracção da autora, acrescida dos respectivos juros de mora desde a sua
interpelação;
- A pagar à autora como lucros
cessantes, o valor correspondente a € 1.200, relativo a 3 meses de privação do
arrendamento da fracção da autora, fim a que se destinava, acrescido dos
respectivos juros de mora desde a data da sua citação até efectivo e integral
pagamento;
- A pagar, a título de danos não
patrimoniais causados à autora, quantia não inferior a € 500, acrescida dos
respectivos juros de mora desde a data da sua citação até efectivo e integral
pagamento.
O réu contestou, pugnando pela
improcedência da acção.
Teve lugar audiência prévia, na
qual foi proferido despacho saneador.
Realizou-se a audiência final,
na sequência da qual foi proferida sentença julgando a acção improcedente.
A autora interpôs recurso de
apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
Não foram apresentadas
contra-alegações.
O recurso foi admitido, com
subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
*
As questões a resolver são as seguintes:
1 – Impugnação da decisão sobre a
matéria de facto;
2 – Responsabilidade civil do réu.
*
Na sentença recorrida, foram julgados
provados os seguintes factos:
1. Na Conservatória do Registo Predial
de (…) encontra-se descrito sob o n.º (…), da freguesia de (…), o prédio urbano
situado em (…), inscrito na matriz predial urbana sob o n.º (…), composto de
edifício com cave, rés-do-chão, 1.º e 2.º andares, que se encontra constituído
em propriedade horizontal, com 35 fracções autónomas.
2. Na mesma Conservatória do Registo
Predial de (…) encontra-se descrita sob o n.º (…), da freguesia (…), a fracção
autónoma designada pela letra “AE”, correspondente ao 2.º andar Dto.
Norte-Nascente, destinada a habitação, e garagem na cave designada pelo n.º 19,
que faz parte do referido prédio urbano.
3. Pela Ap. 2493 de 07/10/2015
encontra-se inscrita a favor da autora LG, casada com AG no regime da comunhão
de adquiridos, a aquisição, por doação, e com reserva de usufruto a favor de MF,
da referida fracção autónoma designada pelas letras “AE”, com cláusula de
incomunicabilidade ao cônjuge.
4. O referido prédio urbano denomina-se
Edifício (…), e situa-se em (…).
5. A referida fracção autónoma designada
pelas letras “AE” situa-se no último piso daquele edifício, lado
norte-nascente.
6. Da acta nº 15 da assembleia geral de
condóminos do prédio sito em (…), realizada no dia 28 de Abril de 2015, consta
o seguinte:
“(…) foi dado conhecimento aos
condóminos que ainda não se conseguiu colmatar as infiltrações de água da chuva
proveniente da cobertura, com repasses no interior de um roupeiro na fracção
AE, correspondente ao 2.º Dt.º. Já se realizaram alguns trabalhos sob a orientação
e coordenação do Senhor AG, esposo da proprietária da referida fracção, pessoa
entendida na área da construção, que está disponível para colaborar nessa
reparação, que não é de fácil resolução, porque não existem telhas partidas,
não sendo visíveis quaisquer anomalias na tela asfáltica. Os condóminos
presentes aceitaram a proposta do condómino JS de se mandar fazer os trabalhos
sob a orientação do Senhor AG. (…)”.
7. A essa data, no interior da referida
fracção “AE”, o tecto e paredes da despensa apresentavam sinais de humidade,
com manchas negras e amareladas de bolor, bem como o tecto e paredes do quarto
virado para o alçado interior, e respectivos roupeiros, causando a degradação
do estuque, acabamento e pintura daquelas zonas, e, consequentemente, maus
cheiros resultantes das culturas fúngicas, vulgo humidade/bolor.
8. A Autora LG deixou de liquidar as
quotas de condomínio relativas à fracção “AE”, ao Réu.
9. Neste ínterim, persistiram e
agravaram-se as manifestações de humidade no interior da fracção “AE”, surgiram
bolores na parede e enegrecimento acentuado do tecto do outro quarto da casa,
alastraram as culturas fúngicas para o interior dos roupeiros de ambos quartos,
apodrecendo as madeiras que revestem os roupeiros, deixando a casa infestada
com o mau cheiro.
10. O proprietário da fracção “S” do
Edifício, no piso imediatamente inferior ao da fracção “AE”, veio a queixar-se
da existência de infiltrações na sua casa de banho.
11. A Autora, no dia 12 de Fevereiro de
2017, enviou um e-mail à administração do condomínio do Edifício (…), apelando
à concretização das obras na cobertura do edifício, com o seguinte teor:
“Danos na Fracção AE 2.° Andar Dt.° -
Edifício (…)
(…)
Exma. Administração,
(…)
Este preâmbulo apenas para justificar o
meu propósito de Vos escrever, reclamando uma situação quem tem a cumplicidade
das anteriores administrações, desde Julho de 2012, como poderá constatar nos
e-mails e Actas sobre este assunto.
1) - Tivemos na passada semana,
conhecimento através do Sr. JS, Fracção "S" de que haveria uma
infiltração oriunda da nossa Instalação Sanitária, com inerentes Danos já
visíveis para a sua Fracção, localizando-se estes, também na sua Instalação
Sanitária e creio no Tecto, Parede e Pavimento da Sala ou do Quarto...?
2) - Autorizámos que procedessem à
respectiva Pesquisa, após informação da nossa Seguradora e por termos a
confiança daquela, visto que, desde há 28 anos que também somos Construtores e
Empreiteiros Gerais de Construção Civil.
3) - Mais uma vez se constatou que a
Infiltração/Repasses vêm precisamente das patologias que em Julho de 2012, após
a nossa Vistoria e Levantamento por escrito das causas que estavam a afectar a
nossa Fracção, entregámos ao então Administrador, que nos acompanhou em
presença na Cobertura sobre a nossa Fracção.
4) - Explicámos pessoalmente à
administração e ao subempreiteiro da responsabilidade da administração, qual o
trabalho específico e eficaz para a resolução destas Patologias. E mais,
oferecemos a nossa presença para controlar de forma gratuita o acompanhamento
dos trabalhos, pois que, pelas conversas havidas, percebemos facilmente, que o
escolhido não tinha nem capacidades nem conhecimentos técnicos para este tipo
de Trabalhos de Impermeabilização.
5) - Constatámos com pesar, de que o
trabalho acordado a fazer, não foi efectuado, mas sim, umas Pinceladas de
Membrana não adequada que sobre a Cobertura foram executadas. Hoje a situação
degradante é simplesmente óbvia e preocupante.
6) - Pelo transmitido pelo Sr. JS, quem
na semana passada foi à Cobertura, terá feito a mesma consideração técnica, que
o então pseudo-Técnico ..." Que nada observam e que lhes parece estar tudo
bem..." ???
7) - Obviamente de que está tudo Mal! A
situação continua a degradar-se e começam os danos profundos a juntar aos de
2012 na nossa Fracção, já com efeito na Fracção "S" e o mais grave
também, é que estas infiltrações estão a deteriorar um Bem Comum dos
Proprietários, que é precisamente o seu Imóvel, com a deterioração não visível
da Malha de Ferro que forma a Laje de Esteiro/Cobertura, deteriorando o Estuque
dos Tectos e das Paredes das Fracções imediatamente abaixo!
8) - A minha forma de
"Protesto" face à situação hoje levada ao limite, foi o ter deixado
de pagar a minha obrigação para com o Condomínio nas mensalidade e eventuais
obras a executar, pois que essas obras, tinham sempre como propósito serem
adjudicadas a quem nem sequer tem Alvará de Construção Civil e por isso nem
sequer Apólice de Seguro que possa cobrir as más execuções resultantes de uma
Responsabilidade Civil!
9) - Face a todo o exposto, vimos apelar
à actual Administração, que se debruce urgentemente sobre estas Patologias
Graves que são oriundas dos maus trabalhos executados na Impermeabilização da
Cobertura, no espaço de drenagem das águas pluviais e naqueles suportes
horizontais e verticais dos Muretes, que se encontram revestidos a Tela
Anti-Raízes, hoje completamente ilegais no seu uso na Construção Civil, e que,
independentemente disso, desde há 10 anos que está provado a sua ineficácia nos
Suportes revestidos por ela, face á impossibilidade de "respiração"
dos Suportes e ao perigo de uma micro-deterioração, potenciar a existência de
mini-lençóis de água pluvial sob intempérie, sem que, possamos observar o local
da sua penetração, que é o caso desta Cobertura! .
10) - O que fazer....? A imediata
remoção de todas as Telas que Revestem a zona da Fracção, LOGO QUE O CLIMA O
PERMITA e proceder à Lavagem com jacto de água em alta pressão, 180bar, para
remoção de contaminantes, poeiras, gorduras e assim permitir uma melhor
absorção de um Revestimento Acrílico com Fibra, baseado em Copolimeros
Acrílicos de Dispersão aquosa, com a colmatação de eventuais fissuramentos que
sejam observados, após as remoções dos referidos Revestimentos de Telas
Asfálticas anti-raízes!
11) - Estamos aptos a desenvolver todo o
Processo requerido à impermeabilização, com uma Garantia de 10 anos, pois é uma
das nossas Especialidades, como Empreiteiros Gerais de Edifícios de Betão,
Estruturas de Ferro, Edifícios de Madeira Pombalinos e outros mais Items que
estamos autorizados pelo INCI a praticar.
(…)”.
12. Conforme solicitado pela Autora, no
dia 15 de Fevereiro de 2017 a actual administração do condomínio do Edifício (…)
e o marido da Autora realizaram uma vistoria à cobertura e à fracção “AE”.
13. Após a vistoria, o marido da Autora
elaborou um escrito assegurando “a existência de infiltrações nos Tectos dos
Quartos a Nascente e Poente da Fracção “AE”, Roupeiro do Quarto a Nascente, nas
Paredes e Tecto da Instalação Sanitária e ainda no Tecto da Despensa”, e
concluindo que tais “(…) patologias observadas (…..) são oriundas das Avarias
que resultam da deterioração das Telas Asfálticas que cobrem a zona envolvente
aos Beirados da Cobertura e que se infiltram pelos negativos da Laje de Esteiro
e sua Courette de Ventilação do Imóvel, projectando as pluvisiosidades através
das alvenarias de forma descendente pelas paredes da Fracção “AE” que já se
fazem sentir na Fracção “S” e continuarão a descer, não só afectando ambas as
Fracções, mas também a deterioração da armadura de ferro das Lajes e Vigas
(…)”.
14. A fracção “AE” evidenciava, então,
que houvera nela infiltrações nos tectos dos quartos a Nascente e Poente, no
roupeiro do quarto a Nascente, nas paredes e tecto da instalação sanitária, e,
ainda, no tecto da despensa.
15. O marido da Autora elaborou um
orçamento para a respectiva reparação da fracção “AE”, no valor de € 3.040,00
(três mil e quarenta euros), acrescido de Iva.
16. Esse escrito, com o orçamento, foram
remetidos à administração do condomínio do Edifício (…).
17. Por sugestão da administração do
condomínio do Edifício (…), a Autora accionou o seguro da fracção “AE”, a qual
foi assim objecto de peritagem efectuada pela Liberty Seguros, e que concluiu
que “(…) a proveniência das infiltrações será de zona de escoamento (caleira)
das águas pluviais do telhado do prédio (…)”.
18. O relatório da vistoria efectuada
pela Liberty Seguros foi enviado à administração do condomínio do Edifício (…)
em 22 de Março de 2017.
19. A Seguradora não assumiu a
responsabilidade, argumentando estar “(…) perante danos decorrentes de
infiltrações com proveniência na zona de escoamento (…) das águas pluviais do
telhado do prédio, devido a deterioração das telas asfálticas (…)”.
20. Entretanto, o estado de degradação
da fracção “AE”, em virtude das infiltrações de água que veio sofrendo,
comprometeu as condições de habitabilidade dessa fracção.
21. Atento o estado do imóvel, arrendar
a casa, como era intenção da Autora, estava a tornar-se uma tarefa quase impossível,
facto que vinha destabilizando a Autora.
22. Atento o estado do imóvel, a Autora
não conseguiu arrendar a fracção “AE” durante os meses de Setembro, Outubro e
Novembro de 2017, deixando assim de receber a quantia de € 1.200,00 (mil e
duzentos euros).
23. O Réu foi interpelado para proceder
à execução das obras na cobertura e de reparação da fracção “AE”.
24. A Autora contratou, às suas
expensas, as obras de reparação do interior da habitação, da fracção “AE”.
25. Esses trabalhos foram executados no
início do mês de Novembro de 2017 e acarretaram para a Autora o pagamento da
quantia de € 4.441,40 (quatro mil, quatrocentos e quarenta e um euros e
quarente cêntimos), correspondente a tais obras.
26. A administração do condomínio do
Edifício (…) foi notificada da respectiva factura, na quantia de € 4.441,40
(quatro mil, quatrocentos e quarenta e um euros e quarenta cêntimos), em
Novembro de 2017, em data anterior ao dia 30 desse mês.
27. A fracção “AE” tem sofrido
infiltrações de água, em consequência das quais se veio verificando sinais de
humidade em diversos locais do interior da mesma.
28. No ano de 2015, foram realizadas
obras no Edifício (…), por LS, tais como a pintura do prédio, e cujo orçamento
havia sido aprovado em assembleia de condóminos.
29. A Autora LG não pagou a quota extra
referente as obras realizadas no ano de 2015, bem como as quotas mensais, na
proporção da sua fracção, vencidas desde a anterior administração exercida pela
Regalger - Administração e Gestão de Condomínios, Lda..
Na sentença recorrida, foram julgados
não provados os seguintes factos:
1. Em vistoria à cobertura do prédio
realizada na mesma altura da referida assembleia geral de condóminos do dia 28
de Abril de 2015, com a anterior administração do condomínio e com o Sr. AG,
ambos constataram que a tela asfáltica se encontrava degradada, com
fissuramentos no betão, tornando a fracção “AE” permeável à entrada das águas
pluviais e humidade que com o passar do tempo ali se foram infiltrando.
2. O Réu não fez obras na cobertura do
referido prédio até à data.
3. As infiltrações de águas no interior
da fracção “AE” têm origem na cobertura do prédio.
4. Foi como consequência do fraco
isolamento da cobertura que persistiram e agravaram-se as manifestações de
humidade no interior da fracção “AE”.
5. A 12 de Fevereiro de 2017, a
cobertura do prédio encontrava-se em estado de degradação, cuja infiltração,
para além de vir agravando os problemas na habitação da fracção “AE”, já se
vinha propagando para a malha de ferro que forma a laje de esteiro/cobertura,
deteriorando o estuque dos tectos e das paredes das fracções imediatamente
abaixo.
6. As infiltrações de água na fracção
“AE” foram oriundas da deterioração das telas asfálticas que cobrem a zona
envolvente aos beirados da cobertura e que se infiltram pelos negativos da lage de esteiro e sua
courette de ventilação do imóvel, projectando as pluviosidades através das
alvenarias de forma descendente pelas paredes da fracção “AE”, que já se fazem
sentir na fracção “S” e continuaram a descer, não só afectando ambas as
fracções, mas também a deterioração da armadura de ferro das lages e vigas.
7. A proveniência das infiltrações de
água na fracção “AE” é da zona de escoamento (caleira) das águas pluviais do
telhado do prédio.
8. As referidas infiltrações de água
tiveram proveniência na zona de escoamento das águas pluviais do telhado do
prédio, devido a deterioração das telas asfálticas.
9. O estado de degradação da fracção
“AE”, em virtude das infiltrações de água que veio sofrendo, comprometendo as
condições de habitabilidade dessa fracção, levou o inquilino da Autora a
denunciar o contrato de arrendamento da fracção “AE”.
10. Foi em 20 de Novembro de 2017 que a
administração do condomínio do Edifício (…) foi notificada da referida factura,
na quantia de € 4.441,40 (quatro mil, quatrocentos e quarenta e um euros e
quarenta cêntimos).
11. As infiltrações de água que a
fracção “AE” tem sofrido são provenientes do deficiente isolamento da cobertura
do edifício, e já tiveram incidências nas fracções imediatamente inferiores.
12. Perduram infiltrações de água na
cobertura do prédio.
13. Foi a infiltração de água
proveniente e/ou através da cobertura do edifício que provocou os referidos
estragos no interior da fracção “AE”.
14. As obras realizadas no ano de 2015
por LS foram também a reparação total da cobertura.
15. O bolor na fracção “AE” atribui-se à
condensação devido à falta de circulação de ar na fracção, e à falta de cuidado
e de zelo da Autora.
*
1 – Impugnação da decisão sobre a
matéria de facto:
A recorrente pretende que o conteúdo dos
n.ºs 2 a 4, 6 a 8 e 11 a 13 dos factos não provados seja julgado provado.
Analisemos esta pretensão.
N.º 2:
A análise da prova a que a recorrente
procede nas suas alegações para concluir que deve ser julgado provado que o réu
não fez obras na cobertura do edifício até à data encontra-se incompleta, isto
é, não abrange toda a prova relevante.
Na realidade, resulta dos meios de prova
invocados pela recorrente que as obras realizadas no ano de 2015 consistiram na
pintura das paredes exteriores do edifício e no reforço do isolamento das
chaminés através da aplicação de tinta elástica na base destas, não tendo
havido, então, qualquer outra intervenção ao nível da cobertura.
Todavia, resulta do depoimento da
testemunha JR que também foram realizadas obras no ano de 2012, na sequência
das primeiras queixas apresentadas pela recorrente sobre a existência de
infiltrações na sua fracção autónoma. Segundo aquela testemunha, tais obras
consistiram na aplicação de tinta nas juntas da tela asfáltica utilizada na
cobertura do edifício. Este segmento do depoimento da testemunha JR é
corroborado pelas fotos, anexas ao relatório pericial, de fls. 144 a 151 do
suporte físico do processo, nas quais é visível a tinta aplicada nas juntas da
tela asfáltica.
Portanto, não corresponde à verdade que
o réu não fez obras na cobertura do edifício. Ficou demonstrado, através dos
meios de prova referidos, que tais obras foram feitas. Questão diversa é a da adequação
e eficácia dessas obras para a resolução dos problemas que a fracção da
recorrente apresentava em matéria de infiltrações, a qual será adiante
analisada.
Concluindo, inexiste fundamento para
alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto no tocante ao n.º 2 dos
factos não provados.
N.ºs 3, 4, 6 a 8 e 11 a 13:
Tal como a recorrente propõe,
analisaremos conjuntamente o conteúdo destes números do elenco dos factos não
provados, pois a matéria é a mesma.
Está em causa saber se as infiltrações
de água que se verificam na fracção da recorrente têm origem na cobertura do
edifício ou, o que é o mesmo, têm como causa a deficiência e/ou a deterioração
dos materiais aplicados com vista ao isolamento da mesma cobertura. O tribunal a quo julgou não provado que aquelas
infiltrações tenham origem na cobertura do edifício e resultem do deficiente
isolamento da mesma. A recorrente sustenta que essa prova se fez.
Começamos por salientar que o tribunal a quo julgou provada a ocorrência de
infiltrações de água em diversos pontos da fracção da recorrente: nos tectos
dos quartos a nascente e poente, no roupeiro do quarto a nascente, nas paredes
e no tecto da instalação sanitária e no tecto da despensa (n.ºs 14 e 27). Ou
seja, o tribunal a quo não acolheu a
tese do recorrido segundo a qual a humidade existente no interior da fracção
resultava, não da infiltração de água, mas de condensação devida a má
utilização e conservação da mesma fracção (n.º 15 dos factos não provados).
Está assente que a água que aparece nos tectos e nas paredes da fracção, com as
consequências descritas nos n.ºs 7, 9, 20 e 27 dos factos provados, tem
proveniência exterior àquela e nela penetra através de infiltração.
Importa notar, por outro lado, que a
fracção da recorrente se situa no último piso do edifício.
Considerando estes dois factos –
ocorrência de infiltrações em diversos pontos do tecto, afectando também as
paredes da instalação sanitária, e localização no último piso do edifício –,
não têm razão de ser as dúvidas do tribunal a
quo sobre a origem da água que, há anos, se infiltra na fracção. Essa água
provém, seguramente, da chuva que cai sobre o edifício. Estamos perante uma
infiltração de águas pluviais através da cobertura do edifício.
Se a cobertura do edifício se
encontrasse devidamente isolada, a água da chuva não se infiltraria, como é
óbvio. Se a água da chuva se infiltra, isso só pode significar que a cobertura
do edifício não se encontra nas devidas condições. Se a antena parabólica que
se vê na foto de fls. 153 contribui para a infiltração de água, constituirá
ainda um problema da cobertura, pois os peritos referiram expressamente que a
mesma se encontra na zona de escoamento das águas pluviais do lado nascente,
funcionando com um obstáculo a que tal escoamento se faça.
A circunstância de não serem visíveis a
olho nu os pontos da cobertura em que o mau estado do isolamento permite a
entrada de água não pode constituir obstáculo a que se julgue provado que esse
isolamento não se encontra nas condições devidas. Perante a infiltração de
águas pluviais em várias divisões da fracção da recorrente, não é possível
outra conclusão. Dos efeitos, bem visíveis, das infiltrações na fracção da
recorrente, infere-se forçosamente a existência de problemas no isolamento da
cobertura. A água que se infiltra na fracção da recorrente não surge do nada,
tendo de provir da cobertura. Como referiu AG – o qual, apesar de ser casado
com a recorrente, produziu um depoimento globalmente credível, quer porque foi
tecnicamente sustentado, quer porque foi corroborado pela evidência da
existência de infiltrações –, basta que haja um poro numa tela para que a água
entre por aí e percorra toda a zona sob a mesma tela, causando infiltrações. Os
peritos também admitiram como possível a deterioração das telas, consistente na
abertura de pequenas fissuras, invisíveis a olho nu, mas suficientes para que
ocorra a infiltração das águas pluviais na cobertura. Mais, os peritos
realçaram a ausência de protecção mecânica das telas aplicadas no edifício dos
autos, o que torna ainda mais provável a sua deterioração e incapacidade para
garantir o isolamento da cobertura daquele.
Certo é que as águas pluviais se
infiltram através da cobertura do edifício e aparecem na fracção da recorrente,
deteriorando esta última. Perante esta evidência, não pode deixar de
concluir-se que o isolamento da cobertura não funciona devidamente há vários
anos. Se funcionasse, não havia infiltrações.
O réu realizou obras no edifício em 2012
e 2015, mas as mesmas não resolveram o problema. As de 2012 resumiram-se, como
anteriormente referimos, à aplicação de tinta nas juntas da tela asfáltica
utilizada na cobertura do edifício. As de 2015, consistiram essencialmente na
pintura das paredes exteriores do edifício. Na cobertura, apenas se procedeu a
um reforço do isolamento das chaminés através da aplicação de tinta elástica na
base destas. Perante a dimensão das infiltrações de águas pluviais na fracção
da recorrente, as referidas obras eram patentemente insuficientes para resolver
o problema, não passando de “remendos”. O relatório pericial qualifica
expressamente os trabalhos realizados na cobertura em 2015 como tendo “carácter
provisório”.
A circunstância de, nos três anos
posteriores à realização de obras no interior da fracção, esta não ter voltado
a apresentar sinais de infiltração de água, não é susceptível de pôr em dúvida
que as infiltrações julgadas provadas tiveram origem no deficiente isolamento
da cobertura do edifício. As referidas obras consistiram na aplicação de um
produto isolante nos tectos e nas paredes afectadas pelas infiltrações, como
explicou a testemunha AG. Ora, como esta testemunha também explicou, o
relatório pericial referiu e resulta das regras da experiência, uma intervenção
deste tipo não resolve o problema, apenas o “mascarando” durante algum tempo,
maior ou menor em função das condições climatéricas que se verifiquem.
Infiltrando-se as águas pluviais pela cobertura de um edifício, por muito que
se apliquem produtos isolantes no tecto do último andar, aquelas acabam por
entrar, por efeito da gravidade. Como a testemunha AG também explicou de forma
convincente, não é um episódio isolado de chuva que determina, de imediato, a
existência de infiltrações, pois, nessas condições, a água evapora-se em seguida.
Já a persistência de chuva abundante durante vários dias seguidos, não
permitindo a referida evaporação, cria as condições ideais para a infiltração
da água no edifício se a cobertura não se encontrar devidamente isolada.
Portanto, se não forem realizadas obras visando a efectiva reabilitação da
cobertura do edifício, será apenas uma questão de tempo até as águas pluviais
voltarem a infiltrar-se na fracção da recorrente. Como é óbvio, problemas como
aquele que a cobertura do edifício dos autos apresenta não desaparecem por si
sós, sem a realização de obras. Ao invés, se estas não forem realizadas, tais
problemas tendem a piorar com o decurso do tempo.
Concluindo, deve ser julgado provado que
as infiltrações de água na fracção da recorrente que foram julgadas provadas
tiveram origem na cobertura do edifício, sendo devidas ao deficiente isolamento
da mesma cobertura. Para tanto, todavia, não há necessidade de julgar provado
todo o conteúdo dos n.ºs 3, 4, 6 a 8 e 11 a 13, pois o mesmo é, por um lado, repetitivo
e, por outro, inclui pormenores que, além de desnecessários para a decisão da
causa, não se provaram. Basta, para o efeito, aditar, à matéria de facto
provada, dois números que sintetizam a matéria relevante que, sobre o tema, ficou
demonstrada.
Determina-se, assim, suprimir os n.ºs 3,
4, 6 a 8 e 11 a 13 da matéria de facto não provada e aditar os seguintes
números à matéria de facto provada:
30 – As infiltrações de águas pluviais no
interior da fracção AE têm origem na cobertura do edifício;
31 – Tais infiltrações são consequência
da deficiência e deterioração do material utilizado para o isolamento da
cobertura do edifício.
2 – Responsabilidade civil do réu:
O artigo 1421.º, n.º 1, al. b), do
Código Civil (diploma ao qual pertencem as normas doravante referenciadas),
estabelece que o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao
uso de qualquer fracção autónoma, são partes comuns do edifício.
Consequentemente, nos termos dos artigos 1420.º, n.º 1, e 1424.º, n.º 1,
pertencem, em compropriedade, aos condóminos, tendo estes, salvo disposição em
contrário, a obrigação de pagar as despesas necessárias à sua conservação, na
proporção do valor das respectivas fracções. O artigo 1430.º, n.º 1,
estabelece, por seu turno, que a administração das partes comuns do edifício
compete à assembleia dos condóminos e a um administrador.
Resulta deste conjunto de normas que o
conjunto dos condóminos, através da figura orgânica do condomínio, tem o dever
de velar pela manutenção e conservação da cobertura do edifício, promovendo a
execução das obras para o efeito necessárias e tecnicamente adequadas e
suportando o custo das mesmas. Se a cobertura se deteriorar, caberá ao
condomínio mandar executar, à sua custa, as obras que se mostrarem necessárias
à sua reparação. Mais, sendo a deterioração da cobertura, devido ao decurso do
tempo e à sua particular exposição aos elementos, um evento previsível, o
condomínio tem o dever de estar especialmente atento ao estado daquela,
assegurando a realização de obras de conservação ou reabilitação logo que as
mesmas se revelem necessárias.
No caso dos autos, devido à deficiência
e deterioração do material utilizado para o isolamento da cobertura do
edifício, ocorreram infiltrações de águas pluviais no interior da fracção de
que a recorrente é proprietária. Esta situação arrasta-se há vários anos sem
que o recorrido tenha promovido a realização de obras que resolvam
efectivamente o problema. Apesar das queixas da recorrente, o recorrido nada
fez para além de alguns “remendos” que, como era previsível, não repuseram a
cobertura do edifício nas devidas condições. As infiltrações de águas pluviais
na fracção da recorrente continuaram a verificar-se posteriormente às obras
realizadas em 2015 e, desde então, nenhuma outra intervenção na cobertura foi
realizada.
Recaindo sobre o recorrido um dever de
vigilância e conservação das partes comuns do edifício e tendo-lhe a recorrente
dado conhecimento, em vários momentos, das infiltrações, com origem na
cobertura e decorrentes do mau estado do isolamento desta, que se verificavam
na sua fracção, constitui violação reiterada daquele dever a não realização de
obras adequadas a resolver o problema. Esta omissão voluntária, por parte do
recorrido, da realização de obras de reparação da cobertura que fizessem cessar
as infiltrações de águas pluviais na fracção da recorrente, é ilícita, pois
viola o referido dever de vigilância e conservação das partes comuns do
edifício.
O artigo 493.º, n.º 1, estabelece, na
parte que nos interessa, que quem tiver em seu poder coisa imóvel, com o dever
de a vigiar, responde pelos danos que essa coisa causar, salvo se provar que
nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido
ainda que não houvesse culpa sua. Este regime, que envolve uma presunção de
culpa do obrigado à vigilância do imóvel, é aplicável ao condomínio no que
concerne às partes comuns do edifício, como decorre dos citados artigos 1420.º,
n.º 1, 1421.º, n.º 1, al. b), 1424.º, n.º 1, e 1430.º, n.º 1.
Já vimos que, devido à permeabilidade da
cobertura do edifício por ausência de obras de conservação adequadas e eficazes,
se verificaram infiltrações de águas pluviais na fracção da recorrente.
Trata-se de um dano causado por uma parte comum do edifício numa fracção autónoma.
O recorrido não logrou provar que não teve culpa na produção desse evento ou
que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Mais, atenta a inércia do recorrido ao longo de anos não obstante as queixas da
recorrente e a evidência dos danos na fracção, deve entender-se que aquilo que
ficou provado foi a culpa efectiva – e não meramente presumida – do recorrido.
Perante a gravidade dos danos que a recorrente vinha sofrendo e denunciando, que
punham em causa a própria habitabilidade da sua fracção, era exigível, ao
condomínio, que encarasse o problema com a seriedade devida, promovendo a
realização das obras necessárias e adequadas logo que as condições atmosféricas
o permitissem, em vez de se remeter à referida atitude de inércia.
Estão, pois, reunidos os pressupostos da
responsabilidade civil extraobrigacional nos termos do artigo 483.º, n.º 1:
facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade.
Consequentemente, o recorrido encontra-se obrigado a indemnizar a recorrente
dos prejuízos que lhe causou.
A recorrente pediu, em primeiro lugar, a
condenação do recorrido a eliminar a causa dos danos que há anos vem sofrendo
na sua fracção, ou seja, a executar – adjudicando e suportando os respectivos
custos – todos os trabalhos necessários ou adequados à eliminação das infiltrações existentes na
cobertura do edifício. O recorrido encontra-se legalmente obrigado a promover
essas obras, como vimos. Dado que não o fez voluntariamente, é fora de dúvida
que terá de ser condenado em conformidade, ao abrigo do disposto nos artigos 1420.º,
n.º 1, 1421.º, n.º 1, al. b), 1424.º, n.º 1, e 1430.º, n.º 1.
A recorrente pediu, em segundo lugar, a
condenação do recorrido a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 4.441,40, correspondente
ao custo das obras de reparação do interior da sua fracção, acrescida dos
respectivos juros de mora desde a sua interpelação. A execução dessas obras
pela recorrente tem inteira justificação, perante a gravidade dos danos que
vinha sofrendo na sua fracção e a inércia do recorrido em cumprir o seu dever
de eliminar a causa desses danos. O custo das mesmas obras está provado (n.º
25). Consequentemente, nos termos dos artigos 562.º, 564.º, n.º 1, e 566.º,
n.ºs 1 e 2, o recorrido deverá ser condenado a pagar à recorrente o referido
valor de € 4.441,40. A este valor acrescem juros de mora, à taxa legal,
contados desde a data em que o recorrido foi interpelado para o pagar – considerando-se como tal o dia 29.11.2017
atento o teor do n.º 26 dos factos provados – até integral pagamento, nos
termos dos artigos 804.º, 805.º, n.º 1, e 806.º, n.ºs 1 e 2.
A recorrente pediu, em terceiro lugar, a condenação do recorrido a
pagar-lhe, a título de indemnização por lucros cessantes, a quantia de € 1.200,
relativa a 3 meses de privação do arrendamento da fracção, fim a que a mesma se
destinava. A ocorrência deste dano ficou provada (n.ºs 21 e 22).
Consequentemente, nos termos dos artigos 562.º, 564.º, n.º 1, 2.ª parte, e
566.º, n.ºs 1 e 2, o recorrido está obrigado a pagar aquela indemnização à
recorrente. Nos termos dos artigos 804.º, 805.º, n.º 1, e 806.º, n.ºs 1 e 2,
são ainda devidos juros de mora nos termos peticionados.
Finalmente, a recorrente pediu a condenação do recorrido a pagar-lhe uma
quantia não inferior a € 500, a título de indemnização por danos não
patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da sua citação até
efectivo e integral pagamento.
Com interesse para a decisão deste pedido, apenas se provou que, atento o estado da fracção, arrendá-la,
como era intenção da recorrente, estava a tornar-se uma tarefa quase
impossível, facto que vinha desestabilizando esta última (n.º 21).
O artigo 496.º, n.º 1, estabelece que,
na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que,
pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito. Esta exigência de gravidade leva a excluir do
âmbito de aplicação da norma danos pouco significativos, como meras
contrariedades ou arrelias. Sendo assim, o simples facto de a recorrente ter
ficado desestabilizada (não se apurou em que se traduziu e que grau atingiu tal
desestabilização) devido à dificuldade de encontrar quem quisesse tomar a
fracção de arrendamento não assume gravidade suficiente para a atribuição de
uma indemnização por dano não patrimonial. Logo, nesta parte, o recurso terá de
improceder.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso parcialmente procedente, condenando-se o recorrido:
1 – À execução – adjudicação e
pagamento dos respectivos custos – de todos os trabalhos necessários ou
adequados à cabal eliminação das infiltrações existentes na cobertura do
edifício;
2 – A pagar, a título de
indemnização por danos emergentes causados à recorrente, a quantia de €
4.441,40, acrescida de juros de mora contados desde 29.11.2017 até integral
pagamento;
3 – A pagar à recorrente, a
título de indemnização por lucros cessantes, a quantia de € 1.200, acrescida de
juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento.
No que concerne ao
pedido de condenação no pagamento de uma indemnização por danos não
patrimoniais, mantém-se a absolvição do recorrido.
Custas
por recorrente e recorrido, na proporção do seu decaimento.
Notifique.
*
Évora, 13.05.2021
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.º
adjunto