terça-feira, 1 de junho de 2021

Acórdão da Relação de Évora de 13.05.2021

Processo n.º 159/18.0T8TVR.E1

*

Sumário:

O condomínio é civilmente responsável pelos danos sofridos por um condómino na sua fracção autónoma em consequência da infiltração de águas pluviais decorrente da omissão culposa de realização de obras de reparação da cobertura do edifício.

*

LG propôs a presente acção declarativa de condenação contra o Condomínio do prédio sito em (…). Pediu a condenação do réu:

- À execução – adjudicação e pagamento dos respectivos custos – de todos os trabalhos necessários ou adequados à cabal eliminação das infiltrações existentes na cobertura do prédio;

- A pagar, a título de indemnização por prejuízos causados à autora como danos emergentes, o valor de € 4.441,40, correspondentes ao valor das obras de reparação do interior da fracção da autora, acrescida dos respectivos juros de mora desde a sua interpelação;

- A pagar à autora como lucros cessantes, o valor correspondente a € 1.200, relativo a 3 meses de privação do arrendamento da fracção da autora, fim a que se destinava, acrescido dos respectivos juros de mora desde a data da sua citação até efectivo e integral pagamento;

- A pagar, a título de danos não patrimoniais causados à autora, quantia não inferior a € 500, acrescida dos respectivos juros de mora desde a data da sua citação até efectivo e integral pagamento.

O réu contestou, pugnando pela improcedência da acção.

Teve lugar audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador.

Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença julgando a acção improcedente.

A autora interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

*

As questões a resolver são as seguintes:

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

2 – Responsabilidade civil do réu.

*

Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. Na Conservatória do Registo Predial de (…) encontra-se descrito sob o n.º (…), da freguesia de (…), o prédio urbano situado em (…), inscrito na matriz predial urbana sob o n.º (…), composto de edifício com cave, rés-do-chão, 1.º e 2.º andares, que se encontra constituído em propriedade horizontal, com 35 fracções autónomas.

2. Na mesma Conservatória do Registo Predial de (…) encontra-se descrita sob o n.º (…), da freguesia (…), a fracção autónoma designada pela letra “AE”, correspondente ao 2.º andar Dto. Norte-Nascente, destinada a habitação, e garagem na cave designada pelo n.º 19, que faz parte do referido prédio urbano.

3. Pela Ap. 2493 de 07/10/2015 encontra-se inscrita a favor da autora LG, casada com AG no regime da comunhão de adquiridos, a aquisição, por doação, e com reserva de usufruto a favor de MF, da referida fracção autónoma designada pelas letras “AE”, com cláusula de incomunicabilidade ao cônjuge.

4. O referido prédio urbano denomina-se Edifício (…), e situa-se em (…).

5. A referida fracção autónoma designada pelas letras “AE” situa-se no último piso daquele edifício, lado norte-nascente.

6. Da acta nº 15 da assembleia geral de condóminos do prédio sito em (…), realizada no dia 28 de Abril de 2015, consta o seguinte:

“(…) foi dado conhecimento aos condóminos que ainda não se conseguiu colmatar as infiltrações de água da chuva proveniente da cobertura, com repasses no interior de um roupeiro na fracção AE, correspondente ao 2.º Dt.º. Já se realizaram alguns trabalhos sob a orientação e coordenação do Senhor AG, esposo da proprietária da referida fracção, pessoa entendida na área da construção, que está disponível para colaborar nessa reparação, que não é de fácil resolução, porque não existem telhas partidas, não sendo visíveis quaisquer anomalias na tela asfáltica. Os condóminos presentes aceitaram a proposta do condómino JS de se mandar fazer os trabalhos sob a orientação do Senhor AG. (…)”.

7. A essa data, no interior da referida fracção “AE”, o tecto e paredes da despensa apresentavam sinais de humidade, com manchas negras e amareladas de bolor, bem como o tecto e paredes do quarto virado para o alçado interior, e respectivos roupeiros, causando a degradação do estuque, acabamento e pintura daquelas zonas, e, consequentemente, maus cheiros resultantes das culturas fúngicas, vulgo humidade/bolor.

8. A Autora LG deixou de liquidar as quotas de condomínio relativas à fracção “AE”, ao Réu.

9. Neste ínterim, persistiram e agravaram-se as manifestações de humidade no interior da fracção “AE”, surgiram bolores na parede e enegrecimento acentuado do tecto do outro quarto da casa, alastraram as culturas fúngicas para o interior dos roupeiros de ambos quartos, apodrecendo as madeiras que revestem os roupeiros, deixando a casa infestada com o mau cheiro.

10. O proprietário da fracção “S” do Edifício, no piso imediatamente inferior ao da fracção “AE”, veio a queixar-se da existência de infiltrações na sua casa de banho.

11. A Autora, no dia 12 de Fevereiro de 2017, enviou um e-mail à administração do condomínio do Edifício (…), apelando à concretização das obras na cobertura do edifício, com o seguinte teor:

“Danos na Fracção AE 2.° Andar Dt.° - Edifício (…)

(…)

Exma. Administração,

(…)

Este preâmbulo apenas para justificar o meu propósito de Vos escrever, reclamando uma situação quem tem a cumplicidade das anteriores administrações, desde Julho de 2012, como poderá constatar nos e-mails e Actas sobre este assunto.

1) - Tivemos na passada semana, conhecimento através do Sr. JS, Fracção "S" de que haveria uma infiltração oriunda da nossa Instalação Sanitária, com inerentes Danos já visíveis para a sua Fracção, localizando-se estes, também na sua Instalação Sanitária e creio no Tecto, Parede e Pavimento da Sala ou do Quarto...?

2) - Autorizámos que procedessem à respectiva Pesquisa, após informação da nossa Seguradora e por termos a confiança daquela, visto que, desde há 28 anos que também somos Construtores e Empreiteiros Gerais de Construção Civil.

3) - Mais uma vez se constatou que a Infiltração/Repasses vêm precisamente das patologias que em Julho de 2012, após a nossa Vistoria e Levantamento por escrito das causas que estavam a afectar a nossa Fracção, entregámos ao então Administrador, que nos acompanhou em presença na Cobertura sobre a nossa Fracção.

4) - Explicámos pessoalmente à administração e ao subempreiteiro da responsabilidade da administração, qual o trabalho específico e eficaz para a resolução destas Patologias. E mais, oferecemos a nossa presença para controlar de forma gratuita o acompanhamento dos trabalhos, pois que, pelas conversas havidas, percebemos facilmente, que o escolhido não tinha nem capacidades nem conhecimentos técnicos para este tipo de Trabalhos de Impermeabilização.

5) - Constatámos com pesar, de que o trabalho acordado a fazer, não foi efectuado, mas sim, umas Pinceladas de Membrana não adequada que sobre a Cobertura foram executadas. Hoje a situação degradante é simplesmente óbvia e preocupante.

6) - Pelo transmitido pelo Sr. JS, quem na semana passada foi à Cobertura, terá feito a mesma consideração técnica, que o então pseudo-Técnico ..." Que nada observam e que lhes parece estar tudo bem..." ???

7) - Obviamente de que está tudo Mal! A situação continua a degradar-se e começam os danos profundos a juntar aos de 2012 na nossa Fracção, já com efeito na Fracção "S" e o mais grave também, é que estas infiltrações estão a deteriorar um Bem Comum dos Proprietários, que é precisamente o seu Imóvel, com a deterioração não visível da Malha de Ferro que forma a Laje de Esteiro/Cobertura, deteriorando o Estuque dos Tectos e das Paredes das Fracções imediatamente abaixo!

8) - A minha forma de "Protesto" face à situação hoje levada ao limite, foi o ter deixado de pagar a minha obrigação para com o Condomínio nas mensalidade e eventuais obras a executar, pois que essas obras, tinham sempre como propósito serem adjudicadas a quem nem sequer tem Alvará de Construção Civil e por isso nem sequer Apólice de Seguro que possa cobrir as más execuções resultantes de uma Responsabilidade Civil!

9) - Face a todo o exposto, vimos apelar à actual Administração, que se debruce urgentemente sobre estas Patologias Graves que são oriundas dos maus trabalhos executados na Impermeabilização da Cobertura, no espaço de drenagem das águas pluviais e naqueles suportes horizontais e verticais dos Muretes, que se encontram revestidos a Tela Anti-Raízes, hoje completamente ilegais no seu uso na Construção Civil, e que, independentemente disso, desde há 10 anos que está provado a sua ineficácia nos Suportes revestidos por ela, face á impossibilidade de "respiração" dos Suportes e ao perigo de uma micro-deterioração, potenciar a existência de mini-lençóis de água pluvial sob intempérie, sem que, possamos observar o local da sua penetração, que é o caso desta Cobertura! .

10) - O que fazer....? A imediata remoção de todas as Telas que Revestem a zona da Fracção, LOGO QUE O CLIMA O PERMITA e proceder à Lavagem com jacto de água em alta pressão, 180bar, para remoção de contaminantes, poeiras, gorduras e assim permitir uma melhor absorção de um Revestimento Acrílico com Fibra, baseado em Copolimeros Acrílicos de Dispersão aquosa, com a colmatação de eventuais fissuramentos que sejam observados, após as remoções dos referidos Revestimentos de Telas Asfálticas anti-raízes!

11) - Estamos aptos a desenvolver todo o Processo requerido à impermeabilização, com uma Garantia de 10 anos, pois é uma das nossas Especialidades, como Empreiteiros Gerais de Edifícios de Betão, Estruturas de Ferro, Edifícios de Madeira Pombalinos e outros mais Items que estamos autorizados pelo INCI a praticar.

(…)”.

12. Conforme solicitado pela Autora, no dia 15 de Fevereiro de 2017 a actual administração do condomínio do Edifício (…) e o marido da Autora realizaram uma vistoria à cobertura e à fracção “AE”.

13. Após a vistoria, o marido da Autora elaborou um escrito assegurando “a existência de infiltrações nos Tectos dos Quartos a Nascente e Poente da Fracção “AE”, Roupeiro do Quarto a Nascente, nas Paredes e Tecto da Instalação Sanitária e ainda no Tecto da Despensa”, e concluindo que tais “(…) patologias observadas (…..) são oriundas das Avarias que resultam da deterioração das Telas Asfálticas que cobrem a zona envolvente aos Beirados da Cobertura e que se infiltram pelos negativos da Laje de Esteiro e sua Courette de Ventilação do Imóvel, projectando as pluvisiosidades através das alvenarias de forma descendente pelas paredes da Fracção “AE” que já se fazem sentir na Fracção “S” e continuarão a descer, não só afectando ambas as Fracções, mas também a deterioração da armadura de ferro das Lajes e Vigas (…)”.

14. A fracção “AE” evidenciava, então, que houvera nela infiltrações nos tectos dos quartos a Nascente e Poente, no roupeiro do quarto a Nascente, nas paredes e tecto da instalação sanitária, e, ainda, no tecto da despensa.

15. O marido da Autora elaborou um orçamento para a respectiva reparação da fracção “AE”, no valor de € 3.040,00 (três mil e quarenta euros), acrescido de Iva.

16. Esse escrito, com o orçamento, foram remetidos à administração do condomínio do Edifício (…).

17. Por sugestão da administração do condomínio do Edifício (…), a Autora accionou o seguro da fracção “AE”, a qual foi assim objecto de peritagem efectuada pela Liberty Seguros, e que concluiu que “(…) a proveniência das infiltrações será de zona de escoamento (caleira) das águas pluviais do telhado do prédio (…)”.

18. O relatório da vistoria efectuada pela Liberty Seguros foi enviado à administração do condomínio do Edifício (…) em 22 de Março de 2017.

19. A Seguradora não assumiu a responsabilidade, argumentando estar “(…) perante danos decorrentes de infiltrações com proveniência na zona de escoamento (…) das águas pluviais do telhado do prédio, devido a deterioração das telas asfálticas (…)”.

20. Entretanto, o estado de degradação da fracção “AE”, em virtude das infiltrações de água que veio sofrendo, comprometeu as condições de habitabilidade dessa fracção.

21. Atento o estado do imóvel, arrendar a casa, como era intenção da Autora, estava a tornar-se uma tarefa quase impossível, facto que vinha destabilizando a Autora.

22. Atento o estado do imóvel, a Autora não conseguiu arrendar a fracção “AE” durante os meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2017, deixando assim de receber a quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).

23. O Réu foi interpelado para proceder à execução das obras na cobertura e de reparação da fracção “AE”.

24. A Autora contratou, às suas expensas, as obras de reparação do interior da habitação, da fracção “AE”.

25. Esses trabalhos foram executados no início do mês de Novembro de 2017 e acarretaram para a Autora o pagamento da quantia de € 4.441,40 (quatro mil, quatrocentos e quarenta e um euros e quarente cêntimos), correspondente a tais obras.

26. A administração do condomínio do Edifício (…) foi notificada da respectiva factura, na quantia de € 4.441,40 (quatro mil, quatrocentos e quarenta e um euros e quarenta cêntimos), em Novembro de 2017, em data anterior ao dia 30 desse mês.

27. A fracção “AE” tem sofrido infiltrações de água, em consequência das quais se veio verificando sinais de humidade em diversos locais do interior da mesma.

28. No ano de 2015, foram realizadas obras no Edifício (…), por LS, tais como a pintura do prédio, e cujo orçamento havia sido aprovado em assembleia de condóminos.

29. A Autora LG não pagou a quota extra referente as obras realizadas no ano de 2015, bem como as quotas mensais, na proporção da sua fracção, vencidas desde a anterior administração exercida pela Regalger - Administração e Gestão de Condomínios, Lda..

Na sentença recorrida, foram julgados não provados os seguintes factos:

1. Em vistoria à cobertura do prédio realizada na mesma altura da referida assembleia geral de condóminos do dia 28 de Abril de 2015, com a anterior administração do condomínio e com o Sr. AG, ambos constataram que a tela asfáltica se encontrava degradada, com fissuramentos no betão, tornando a fracção “AE” permeável à entrada das águas pluviais e humidade que com o passar do tempo ali se foram infiltrando.

2. O Réu não fez obras na cobertura do referido prédio até à data.

3. As infiltrações de águas no interior da fracção “AE” têm origem na cobertura do prédio.

4. Foi como consequência do fraco isolamento da cobertura que persistiram e agravaram-se as manifestações de humidade no interior da fracção “AE”.

5. A 12 de Fevereiro de 2017, a cobertura do prédio encontrava-se em estado de degradação, cuja infiltração, para além de vir agravando os problemas na habitação da fracção “AE”, já se vinha propagando para a malha de ferro que forma a laje de esteiro/cobertura, deteriorando o estuque dos tectos e das paredes das fracções imediatamente abaixo.

6. As infiltrações de água na fracção “AE” foram oriundas da deterioração das telas asfálticas que cobrem a zona envolvente aos beirados da cobertura e que se infiltram pelos negativos da lage de esteiro e sua courette de ventilação do imóvel, projectando as pluviosidades através das alvenarias de forma descendente pelas paredes da fracção “AE”, que já se fazem sentir na fracção “S” e continuaram a descer, não só afectando ambas as fracções, mas também a deterioração da armadura de ferro das lages e vigas.

7. A proveniência das infiltrações de água na fracção “AE” é da zona de escoamento (caleira) das águas pluviais do telhado do prédio.

8. As referidas infiltrações de água tiveram proveniência na zona de escoamento das águas pluviais do telhado do prédio, devido a deterioração das telas asfálticas.

9. O estado de degradação da fracção “AE”, em virtude das infiltrações de água que veio sofrendo, comprometendo as condições de habitabilidade dessa fracção, levou o inquilino da Autora a denunciar o contrato de arrendamento da fracção “AE”.

10. Foi em 20 de Novembro de 2017 que a administração do condomínio do Edifício (…) foi notificada da referida factura, na quantia de € 4.441,40 (quatro mil, quatrocentos e quarenta e um euros e quarenta cêntimos).

11. As infiltrações de água que a fracção “AE” tem sofrido são provenientes do deficiente isolamento da cobertura do edifício, e já tiveram incidências nas fracções imediatamente inferiores.

12. Perduram infiltrações de água na cobertura do prédio.

13. Foi a infiltração de água proveniente e/ou através da cobertura do edifício que provocou os referidos estragos no interior da fracção “AE”.

14. As obras realizadas no ano de 2015 por LS foram também a reparação total da cobertura.

15. O bolor na fracção “AE” atribui-se à condensação devido à falta de circulação de ar na fracção, e à falta de cuidado e de zelo da Autora.

*

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

A recorrente pretende que o conteúdo dos n.ºs 2 a 4, 6 a 8 e 11 a 13 dos factos não provados seja julgado provado. Analisemos esta pretensão.

N.º 2:

A análise da prova a que a recorrente procede nas suas alegações para concluir que deve ser julgado provado que o réu não fez obras na cobertura do edifício até à data encontra-se incompleta, isto é, não abrange toda a prova relevante.

Na realidade, resulta dos meios de prova invocados pela recorrente que as obras realizadas no ano de 2015 consistiram na pintura das paredes exteriores do edifício e no reforço do isolamento das chaminés através da aplicação de tinta elástica na base destas, não tendo havido, então, qualquer outra intervenção ao nível da cobertura.

Todavia, resulta do depoimento da testemunha JR que também foram realizadas obras no ano de 2012, na sequência das primeiras queixas apresentadas pela recorrente sobre a existência de infiltrações na sua fracção autónoma. Segundo aquela testemunha, tais obras consistiram na aplicação de tinta nas juntas da tela asfáltica utilizada na cobertura do edifício. Este segmento do depoimento da testemunha JR é corroborado pelas fotos, anexas ao relatório pericial, de fls. 144 a 151 do suporte físico do processo, nas quais é visível a tinta aplicada nas juntas da tela asfáltica.

Portanto, não corresponde à verdade que o réu não fez obras na cobertura do edifício. Ficou demonstrado, através dos meios de prova referidos, que tais obras foram feitas. Questão diversa é a da adequação e eficácia dessas obras para a resolução dos problemas que a fracção da recorrente apresentava em matéria de infiltrações, a qual será adiante analisada.

Concluindo, inexiste fundamento para alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto no tocante ao n.º 2 dos factos não provados.  

N.ºs 3, 4, 6 a 8 e 11 a 13:

Tal como a recorrente propõe, analisaremos conjuntamente o conteúdo destes números do elenco dos factos não provados, pois a matéria é a mesma.  

Está em causa saber se as infiltrações de água que se verificam na fracção da recorrente têm origem na cobertura do edifício ou, o que é o mesmo, têm como causa a deficiência e/ou a deterioração dos materiais aplicados com vista ao isolamento da mesma cobertura. O tribunal a quo julgou não provado que aquelas infiltrações tenham origem na cobertura do edifício e resultem do deficiente isolamento da mesma. A recorrente sustenta que essa prova se fez.

Começamos por salientar que o tribunal a quo julgou provada a ocorrência de infiltrações de água em diversos pontos da fracção da recorrente: nos tectos dos quartos a nascente e poente, no roupeiro do quarto a nascente, nas paredes e no tecto da instalação sanitária e no tecto da despensa (n.ºs 14 e 27). Ou seja, o tribunal a quo não acolheu a tese do recorrido segundo a qual a humidade existente no interior da fracção resultava, não da infiltração de água, mas de condensação devida a má utilização e conservação da mesma fracção (n.º 15 dos factos não provados). Está assente que a água que aparece nos tectos e nas paredes da fracção, com as consequências descritas nos n.ºs 7, 9, 20 e 27 dos factos provados, tem proveniência exterior àquela e nela penetra através de infiltração.

Importa notar, por outro lado, que a fracção da recorrente se situa no último piso do edifício.

Considerando estes dois factos – ocorrência de infiltrações em diversos pontos do tecto, afectando também as paredes da instalação sanitária, e localização no último piso do edifício –, não têm razão de ser as dúvidas do tribunal a quo sobre a origem da água que, há anos, se infiltra na fracção. Essa água provém, seguramente, da chuva que cai sobre o edifício. Estamos perante uma infiltração de águas pluviais através da cobertura do edifício.

Se a cobertura do edifício se encontrasse devidamente isolada, a água da chuva não se infiltraria, como é óbvio. Se a água da chuva se infiltra, isso só pode significar que a cobertura do edifício não se encontra nas devidas condições. Se a antena parabólica que se vê na foto de fls. 153 contribui para a infiltração de água, constituirá ainda um problema da cobertura, pois os peritos referiram expressamente que a mesma se encontra na zona de escoamento das águas pluviais do lado nascente, funcionando com um obstáculo a que tal escoamento se faça.

A circunstância de não serem visíveis a olho nu os pontos da cobertura em que o mau estado do isolamento permite a entrada de água não pode constituir obstáculo a que se julgue provado que esse isolamento não se encontra nas condições devidas. Perante a infiltração de águas pluviais em várias divisões da fracção da recorrente, não é possível outra conclusão. Dos efeitos, bem visíveis, das infiltrações na fracção da recorrente, infere-se forçosamente a existência de problemas no isolamento da cobertura. A água que se infiltra na fracção da recorrente não surge do nada, tendo de provir da cobertura. Como referiu AG – o qual, apesar de ser casado com a recorrente, produziu um depoimento globalmente credível, quer porque foi tecnicamente sustentado, quer porque foi corroborado pela evidência da existência de infiltrações –, basta que haja um poro numa tela para que a água entre por aí e percorra toda a zona sob a mesma tela, causando infiltrações. Os peritos também admitiram como possível a deterioração das telas, consistente na abertura de pequenas fissuras, invisíveis a olho nu, mas suficientes para que ocorra a infiltração das águas pluviais na cobertura. Mais, os peritos realçaram a ausência de protecção mecânica das telas aplicadas no edifício dos autos, o que torna ainda mais provável a sua deterioração e incapacidade para garantir o isolamento da cobertura daquele.

Certo é que as águas pluviais se infiltram através da cobertura do edifício e aparecem na fracção da recorrente, deteriorando esta última. Perante esta evidência, não pode deixar de concluir-se que o isolamento da cobertura não funciona devidamente há vários anos. Se funcionasse, não havia infiltrações.

O réu realizou obras no edifício em 2012 e 2015, mas as mesmas não resolveram o problema. As de 2012 resumiram-se, como anteriormente referimos, à aplicação de tinta nas juntas da tela asfáltica utilizada na cobertura do edifício. As de 2015, consistiram essencialmente na pintura das paredes exteriores do edifício. Na cobertura, apenas se procedeu a um reforço do isolamento das chaminés através da aplicação de tinta elástica na base destas. Perante a dimensão das infiltrações de águas pluviais na fracção da recorrente, as referidas obras eram patentemente insuficientes para resolver o problema, não passando de “remendos”. O relatório pericial qualifica expressamente os trabalhos realizados na cobertura em 2015 como tendo “carácter provisório”.

A circunstância de, nos três anos posteriores à realização de obras no interior da fracção, esta não ter voltado a apresentar sinais de infiltração de água, não é susceptível de pôr em dúvida que as infiltrações julgadas provadas tiveram origem no deficiente isolamento da cobertura do edifício. As referidas obras consistiram na aplicação de um produto isolante nos tectos e nas paredes afectadas pelas infiltrações, como explicou a testemunha AG. Ora, como esta testemunha também explicou, o relatório pericial referiu e resulta das regras da experiência, uma intervenção deste tipo não resolve o problema, apenas o “mascarando” durante algum tempo, maior ou menor em função das condições climatéricas que se verifiquem. Infiltrando-se as águas pluviais pela cobertura de um edifício, por muito que se apliquem produtos isolantes no tecto do último andar, aquelas acabam por entrar, por efeito da gravidade. Como a testemunha AG também explicou de forma convincente, não é um episódio isolado de chuva que determina, de imediato, a existência de infiltrações, pois, nessas condições, a água evapora-se em seguida. Já a persistência de chuva abundante durante vários dias seguidos, não permitindo a referida evaporação, cria as condições ideais para a infiltração da água no edifício se a cobertura não se encontrar devidamente isolada. Portanto, se não forem realizadas obras visando a efectiva reabilitação da cobertura do edifício, será apenas uma questão de tempo até as águas pluviais voltarem a infiltrar-se na fracção da recorrente. Como é óbvio, problemas como aquele que a cobertura do edifício dos autos apresenta não desaparecem por si sós, sem a realização de obras. Ao invés, se estas não forem realizadas, tais problemas tendem a piorar com o decurso do tempo.

Concluindo, deve ser julgado provado que as infiltrações de água na fracção da recorrente que foram julgadas provadas tiveram origem na cobertura do edifício, sendo devidas ao deficiente isolamento da mesma cobertura. Para tanto, todavia, não há necessidade de julgar provado todo o conteúdo dos n.ºs 3, 4, 6 a 8 e 11 a 13, pois o mesmo é, por um lado, repetitivo e, por outro, inclui pormenores que, além de desnecessários para a decisão da causa, não se provaram. Basta, para o efeito, aditar, à matéria de facto provada, dois números que sintetizam a matéria relevante que, sobre o tema, ficou demonstrada.

Determina-se, assim, suprimir os n.ºs 3, 4, 6 a 8 e 11 a 13 da matéria de facto não provada e aditar os seguintes números à matéria de facto provada:

30 – As infiltrações de águas pluviais no interior da fracção AE têm origem na cobertura do edifício;

31 – Tais infiltrações são consequência da deficiência e deterioração do material utilizado para o isolamento da cobertura do edifício.

2 – Responsabilidade civil do réu:

O artigo 1421.º, n.º 1, al. b), do Código Civil (diploma ao qual pertencem as normas doravante referenciadas), estabelece que o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção autónoma, são partes comuns do edifício. Consequentemente, nos termos dos artigos 1420.º, n.º 1, e 1424.º, n.º 1, pertencem, em compropriedade, aos condóminos, tendo estes, salvo disposição em contrário, a obrigação de pagar as despesas necessárias à sua conservação, na proporção do valor das respectivas fracções. O artigo 1430.º, n.º 1, estabelece, por seu turno, que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador.

Resulta deste conjunto de normas que o conjunto dos condóminos, através da figura orgânica do condomínio, tem o dever de velar pela manutenção e conservação da cobertura do edifício, promovendo a execução das obras para o efeito necessárias e tecnicamente adequadas e suportando o custo das mesmas. Se a cobertura se deteriorar, caberá ao condomínio mandar executar, à sua custa, as obras que se mostrarem necessárias à sua reparação. Mais, sendo a deterioração da cobertura, devido ao decurso do tempo e à sua particular exposição aos elementos, um evento previsível, o condomínio tem o dever de estar especialmente atento ao estado daquela, assegurando a realização de obras de conservação ou reabilitação logo que as mesmas se revelem necessárias.

No caso dos autos, devido à deficiência e deterioração do material utilizado para o isolamento da cobertura do edifício, ocorreram infiltrações de águas pluviais no interior da fracção de que a recorrente é proprietária. Esta situação arrasta-se há vários anos sem que o recorrido tenha promovido a realização de obras que resolvam efectivamente o problema. Apesar das queixas da recorrente, o recorrido nada fez para além de alguns “remendos” que, como era previsível, não repuseram a cobertura do edifício nas devidas condições. As infiltrações de águas pluviais na fracção da recorrente continuaram a verificar-se posteriormente às obras realizadas em 2015 e, desde então, nenhuma outra intervenção na cobertura foi realizada.

Recaindo sobre o recorrido um dever de vigilância e conservação das partes comuns do edifício e tendo-lhe a recorrente dado conhecimento, em vários momentos, das infiltrações, com origem na cobertura e decorrentes do mau estado do isolamento desta, que se verificavam na sua fracção, constitui violação reiterada daquele dever a não realização de obras adequadas a resolver o problema. Esta omissão voluntária, por parte do recorrido, da realização de obras de reparação da cobertura que fizessem cessar as infiltrações de águas pluviais na fracção da recorrente, é ilícita, pois viola o referido dever de vigilância e conservação das partes comuns do edifício.

O artigo 493.º, n.º 1, estabelece, na parte que nos interessa, que quem tiver em seu poder coisa imóvel, com o dever de a vigiar, responde pelos danos que essa coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. Este regime, que envolve uma presunção de culpa do obrigado à vigilância do imóvel, é aplicável ao condomínio no que concerne às partes comuns do edifício, como decorre dos citados artigos 1420.º, n.º 1, 1421.º, n.º 1, al. b), 1424.º, n.º 1, e 1430.º, n.º 1.

Já vimos que, devido à permeabilidade da cobertura do edifício por ausência de obras de conservação adequadas e eficazes, se verificaram infiltrações de águas pluviais na fracção da recorrente. Trata-se de um dano causado por uma parte comum do edifício numa fracção autónoma. O recorrido não logrou provar que não teve culpa na produção desse evento ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. Mais, atenta a inércia do recorrido ao longo de anos não obstante as queixas da recorrente e a evidência dos danos na fracção, deve entender-se que aquilo que ficou provado foi a culpa efectiva – e não meramente presumida – do recorrido. Perante a gravidade dos danos que a recorrente vinha sofrendo e denunciando, que punham em causa a própria habitabilidade da sua fracção, era exigível, ao condomínio, que encarasse o problema com a seriedade devida, promovendo a realização das obras necessárias e adequadas logo que as condições atmosféricas o permitissem, em vez de se remeter à referida atitude de inércia.

Estão, pois, reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extraobrigacional nos termos do artigo 483.º, n.º 1: facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade. Consequentemente, o recorrido encontra-se obrigado a indemnizar a recorrente dos prejuízos que lhe causou.

A recorrente pediu, em primeiro lugar, a condenação do recorrido a eliminar a causa dos danos que há anos vem sofrendo na sua fracção, ou seja, a executar – adjudicando e suportando os respectivos custos – todos os trabalhos necessários ou adequados à eliminação das infiltrações existentes na cobertura do edifício. O recorrido encontra-se legalmente obrigado a promover essas obras, como vimos. Dado que não o fez voluntariamente, é fora de dúvida que terá de ser condenado em conformidade, ao abrigo do disposto nos artigos 1420.º, n.º 1, 1421.º, n.º 1, al. b), 1424.º, n.º 1, e 1430.º, n.º 1.

A recorrente pediu, em segundo lugar, a condenação do recorrido a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 4.441,40, correspondente ao custo das obras de reparação do interior da sua fracção, acrescida dos respectivos juros de mora desde a sua interpelação. A execução dessas obras pela recorrente tem inteira justificação, perante a gravidade dos danos que vinha sofrendo na sua fracção e a inércia do recorrido em cumprir o seu dever de eliminar a causa desses danos. O custo das mesmas obras está provado (n.º 25). Consequentemente, nos termos dos artigos 562.º, 564.º, n.º 1, e 566.º, n.ºs 1 e 2, o recorrido deverá ser condenado a pagar à recorrente o referido valor de € 4.441,40. A este valor acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a data em que o recorrido foi interpelado para o pagar –  considerando-se como tal o dia 29.11.2017 atento o teor do n.º 26 dos factos provados – até integral pagamento, nos termos dos artigos 804.º, 805.º, n.º 1, e 806.º, n.ºs 1 e 2.

A recorrente pediu, em terceiro lugar, a condenação do recorrido a pagar-lhe, a título de indemnização por lucros cessantes, a quantia de € 1.200, relativa a 3 meses de privação do arrendamento da fracção, fim a que a mesma se destinava. A ocorrência deste dano ficou provada (n.ºs 21 e 22). Consequentemente, nos termos dos artigos 562.º, 564.º, n.º 1, 2.ª parte, e 566.º, n.ºs 1 e 2, o recorrido está obrigado a pagar aquela indemnização à recorrente. Nos termos dos artigos 804.º, 805.º, n.º 1, e 806.º, n.ºs 1 e 2, são ainda devidos juros de mora nos termos peticionados.

Finalmente, a recorrente pediu a condenação do recorrido a pagar-lhe uma quantia não inferior a € 500, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da sua citação até efectivo e integral pagamento.

Com interesse para a decisão deste pedido, apenas se provou que, atento o estado da fracção, arrendá-la, como era intenção da recorrente, estava a tornar-se uma tarefa quase impossível, facto que vinha desestabilizando esta última (n.º 21).

O artigo 496.º, n.º 1, estabelece que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito. Esta exigência de gravidade leva a excluir do âmbito de aplicação da norma danos pouco significativos, como meras contrariedades ou arrelias. Sendo assim, o simples facto de a recorrente ter ficado desestabilizada (não se apurou em que se traduziu e que grau atingiu tal desestabilização) devido à dificuldade de encontrar quem quisesse tomar a fracção de arrendamento não assume gravidade suficiente para a atribuição de uma indemnização por dano não patrimonial. Logo, nesta parte, o recurso terá de improceder.

*

Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso parcialmente procedente, condenando-se o recorrido:

1 – À execução – adjudicação e pagamento dos respectivos custos – de todos os trabalhos necessários ou adequados à cabal eliminação das infiltrações existentes na cobertura do edifício;

2 – A pagar, a título de indemnização por danos emergentes causados à recorrente, a quantia de € 4.441,40, acrescida de juros de mora contados desde 29.11.2017 até integral pagamento;

3 – A pagar à recorrente, a título de indemnização por lucros cessantes, a quantia de € 1.200, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento.

No que concerne ao pedido de condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, mantém-se a absolvição do recorrido.

Custas por recorrente e recorrido, na proporção do seu decaimento.

Notifique.

*

Évora, 13.05.2021

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.º adjunto

 

Acórdão da Relação de Évora de 23.05.2024

Processo n.º 2108/21.0T8FAR.E1 * Sumário: 1 – Quando invoque, como fundamento de um pedido de alteração da decisão sobre a matéria de ...