Processo n.º 4016/19.5T8FAR.E1
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Sumário:
1 – O disposto na al. a)
do artigo 1781.º do Código Civil limita o âmbito de aplicação da al. d) do
mesmo artigo na estrita medida em que esta não pode ser interpretada no sentido
de abranger a separação de facto por tempo inferior ao exigido naquela.
2 – A única exigência da al. d) do artigo 1781.º é que se trate
de factos, diversos dos previstos nas alíneas anteriores, que,
independentemente da culpa dos cônjuges, demonstrem a ruptura definitiva do
casamento.
3 – Tais factos determinantes da ruptura definitiva do casamento
podem ocorrer sem que os cônjuges se encontrem separados de facto ou quando
ainda não tenha decorrido um ano consecutivo de separação.
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AAA propôs a
presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra BBB,
pedindo que o casamento entre ambos seja dissolvido com fundamento no disposto
no artigo 1781.º, alíneas a) e d), do Código Civil.
Teve lugar a
tentativa de conciliação, sem êxito.
O réu contestou,
pugnando pela improcedência da acção.
Foi proferido
despacho saneador, com a identificação do objecto do litígio e o enunciado dos
temas de prova.
Realizou-se a
audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença julgando a acção
procedente e decretando o divórcio entre autora e réu.
O réu interpôs
recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido
respeito, e com toda a consideração, entende o apelante que a sentença em crise
decidiu erradamente ao interpretar de forma literal a al. d) do art.º 1781.º do
CC, fazendo tábua rasa da sua raiz histórica, da sua introdução sistemática e
da existência da al. a) desse mesmo artigo;
2. Assim violando,
de uma só vez, os artigos 9.º e 1781.º als. a) e d) do CC;
3. Tendo procedido
a um correcto julgamento da matéria de facto, o tribunal a quo errou, depois, na aplicação do direito, e andou mal ao
decidir que não sendo os factos provados suscetíveis de determinar o
decretamento do divórcio nos termos da al. a) do art.º 1781.º do CC, esses
mesmos factos seriam estribo suficiente para o seu decretamento ao abrigo da
al. d) do mesmo artigo;
4. Isto porque,
tendo sido demonstrado que a separação de facto entre os cônjuges não tinha a
duração de um ano na data de propositura da acção, é irrelevante o local onde
os cônjuges habitaram nesse período, bem como a evidente violação dos deveres
matrimoniais inerentes à coabitação, que deriva necessariamente da separação de
facto;
5. Por outro lado,
não tendo a al. a) do art.º 1781.º do CC sido eliminada com a revisão do regime
do divórcio operada pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, não pode uma
decisão judicial simplesmente fazer tábua rasa desse preceito, como sucedeu no
caso em apreço;
6. A data da
separação dos cônjuges e a intenção de não retomar a vida em comum apenas por
parte da apelada (o apelante não quis nunca, nem quer, divorciar-se) eram
factos que resultavam admitidos por acordo dos articulados das partes;
7. Por outro lado,
mantendo-se em vigor uma disposição como a que resulta da al. a) do art.º
1781.º do CC - mais ainda sistematicamente inserida antes da al. d) - a única
interpretação possível para conjugar estes dois preceitos (aparentemente
contraditórios) é a de que apenas relevam para efeitos da al. d), os factos
que, ocorrendo antes do período de um ano referido na al. a), sejam,
objectivamente graves, ou excepcionais o suficiente para afastar aquele regime;
8. E nunca apenas,
e só, a vontade de apenas um dos cônjuges em desfazer o casamento, que é o que
sucede nos autos;
9. Aceitar o
contrário será esvaziar de conteúdo um preceito legal que se mantém em vigor
mesmo após três revisões do regime do divórcio (D.L n.º 496/77, de 25 de
Novembro, Lei n.º 47/98, de 10 de Agosto e Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro),
em violação das regras de interpretação da lei definidas pelo art.º 9.º do CC;
10. Pois que, ao
direito potestativo ao divórcio que assiste a um dos cônjuges, se opõe, no
primeiro ano de separação de facto, o direito potestativo do outro a manter-se
casado, e que tem igual peso;
11. No caso dos
autos, a separação das partes não durava, no momento da propositura da acção
(que é o que releva) ao tempo suficiente para accionamento da al. a) do art.º
1781.º do CC, pelo que só a ocorrência de motivo excepcionalmente grave, ou
sério, poderia estribar a divórcio com base na alínea d) do mesmo artigo;
12. No entanto,
pese embora nenhum dos factos essenciais alegados em sede de petição inicial
aperfeiçoada, como sejam uma alegada relação extraconjugal do apelante e a não
contribuição para o sustento da família, tenha sido provado, ainda assim, a
sentença em crise determinou o decretamento do divórcio;
13. E isto mesmo
depois de demonstrado que o casal, pese embora as discussões, mantinha o firme
propósito de continuar junto, para o que se submeteu, de comum acordo, a
terapia familiar até muito próximo da data de separação;
14. Terapia essa
que findou sem que o casal se separasse ou porque percebera que o casamento
estava terminado (contrariamente ao também alegado em sede de petição inicial
aperfeiçoada, mas não provado);
15. Pelo contrário,
provou-se que foi uma discussão por causa de uma boleia para a irmã da apelada
que motivou a separação do casal;
16. Ora, se tudo o
mais alegado e provado não levou à separação, não pode entender-se que esta
discussão possa, objectivamente, ter sido a causa da separação e da quebra definitiva
do vínculo conjugal;
17. Pelo que o
único fundamento válido para a separação foi, e é, a vontade da apelada.
18. Vontade essa
que, nos termos da lei, apenas releva após um ano de separação, que não tinha
decorrido aquando da propositura dos presentes autos;
19. Pelo que, com
todo o respeito e consideração, não se verifica, in casu, o preenchimento da previsão legal contida no na al. d) do
art.º 1781.º do CC, não podendo, pois, consequentemente, ser decretado, pelo menos
não nos presentes autos, o divórcio entre apelante e apelada.
A recorrida
contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
1 – Conforme se
sustenta na 1.ª questão, o recurso de apelação em acções sobre o estado das
pessoas tem efeito suspensivo.
2 – Conforme se
defendeu na 2.ª questão, a decisão recorrida, quanto à questão de que faz parte
o objeto do recurso do recorrente, não merece qualquer juízo de censura ou
reparo.
3 – Conforme se
defendeu na 3.ª questão, o fundamento jurídico em que a recorrida decaiu,
deverá ser modificado, declarando-se que na aplicação actualista do direito, os
factos modificativos que se formam na constância da acção terão de ser tidos em
conta na sentença à luz do disposto no artigo 611.º do CPC.
4 – Daí que, na
interpretação actualista do direito se entenda que verificado como está o
decurso do prazo de 24 meses, à data da sentença o fundamento do divorcio à luz
do disposto na alínea a) do artigo 1781.º, do CC, encontrava-se verificado como
causa do divórcio sem consentimento, pedido aliás que está contemplado no requerimento
da autora.
5 – Nesta questão,
entende-se que a R. decisão violou o disposto no artigo 1781/a, a contrario, bem como o artigo 611.º do
C.P.C.
Em face do
exposto, requer a V. Exas,
1. Que a sentença
que decretou o divorcio seja mantida, alterando-se, como 1.º fundamento, a
separação de facto à luz do disposto na alínea a) do artigo 1781.º, do CC.
Ou,
2. Mantendo-se o
mesmo fundamento que consta da R. decisão para o divórcio decretado, com as
legais consequências.
O recurso foi
admitido, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
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As questões a
resolver são as seguintes:
1 – Se se verifica
o fundamento de divórcio previsto no artigo 1781.º, al. d), do Código Civil;
2 – Na hipótese
negativa, se se verifica o fundamento de divórcio previsto na al. a) do mesmo
artigo.
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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes
factos:
1 – A autora e o réu contraíram casamento em 13 de Abril de
2006, na Conservatória do Registo Civil de (…), sem convenção antenupcial.
2 – Autora e réu têm em comum uma filha.
3 – O réu trabalhou na Sociedade 1 durante vários anos, tendo há
cerca de 10 anos resolvido deixar de aí trabalhar.
4 – Posteriormente, o réu passou a gerir um negócio de eventos
infantis, o que fez durante cerca de 7/8 anos.
5 – Desde o facto referido em 3, a autora sentia que era o
principal sustento do casal.
6 – Desde há cerca de 8/9 anos que se verificaram
desentendimentos entre o casal, sendo frequentes as discussões, com a
deterioração do relacionamento conjugal.
7 – Devido aos problemas conjugais, autora e réu iniciaram
terapia familiar em 2018, durante quase um ano.
8 – A relação conjugal não melhorou com a terapia familiar,
continuando a autora a sentir elevado desgaste emocional.
9 – No ano de 2018, autora e réu foram passar o Natal no norte,
em casa de familiares daquela, tendo ocorrido uma acesa discussão entre o
casal, motivada pelo facto de o réu se ter manifestado contra o transporte da
irmã da autora no veículo do casal.
10 – A autora abandonou a casa de morada de família em Janeiro
de 2019.
11 – Após sair da casa de morada de família, a autora foi viver
em casa de seus pais, onde ficou cerca de nove meses, passando depois a residir
no seu local de trabalho, que adaptou para o efeito.
12 – Desde Janeiro de 2019, autora e réu não mais partilharam
cama, mesa e habitação, não existindo convívio entre ambos.
13 – Desde Janeiro de 2019 que a autora deixou de ter qualquer
interesse na vivência em comum com o réu.
14 – A autora não pretende restabelecer a vida em comum com o
réu.
Na sentença recorrida, foram julgados não provados os seguintes
factos:
1 – A filha da autora e do réu, CCC, nasceu em 28/5/1995.
2 – Ante a falta de iniciativa do réu, a autora tentou que o
mesmo desenvolvesse actividade comercial na empresa «Sociedade 2, Lda», também
sem sucesso, porque o réu criou um clima de conflito com o outro sócio, sendo o
réu a receber o valor da cedência da posição da autora na sociedade.
3 – Autora e Réu procuraram terapia familiar em meados do ano de
2017.
4 – Após cessar a terapia familiar, ambos (autora e réu)
concluíram que o casamento não tinha mais solução e era uma questão de tempo a
ruptura definitiva.
5 – O réu, após a saída de casa da autora, tratou logo de
refazer a sua vida com outra pessoa, de nome DDD, que levava à casa de morada
de família.
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O artigo 1781.º do Código Civil (diploma ao qual pertencem todas
as normas doravante referenciadas) estabelece, na parte que nos interessa, que
são fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges: a) A separação
de facto por um ano consecutivo; d) Quaisquer outros factos que,
independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do
casamento.
O tribunal a quo
decretou o divórcio com base no entendimento de que, apesar de não se verificar
a separação de facto entre recorrente e recorrida durante um ano consecutivo,
os factos provados são demonstrativos de que se verificou uma ruptura
definitiva do casamento daqueles. Ou seja, julgou não verificado o fundamento
de divórcio previsto na al. a) e verificado o previsto na al. d).
O recorrente insurge-se contra este entendimento, considerando
que não se verifica qualquer dos referidos fundamentos do divórcio sem
consentimento de um dos cônjuges. A sua argumentação é, esquematicamente, a
seguinte:
- A manutenção da exigência de separação de facto entre os
cônjuges (agora sempre por um ano consecutivo) como fundamento autónomo de
divórcio limita o âmbito de aplicação da válvula de segurança que a al. d)
criou, nos seguintes termos: apenas em casos excepcionais ou especialmente
graves um dos cônjuges pode obter o divórcio contra a vontade do outro requerendo-o
antes de decorrido o prazo mínimo de um ano de separação de facto; a al. d)
assegura que, mesmo sem ter decorrido um ano de separação, possam existir
factos de tal forma excepcionais ou graves que não possa ser imposto esse
período de espera ao cônjuge que requer o divórcio; só nestes casos pode ser
requerido, com êxito, o divórcio antes de decorrido o referido período de um
ano de separação de facto;
- Não se verifica qualquer dessas hipóteses excepcionais no caso
dos autos, porquanto os factos provados se resumem à separação de facto e à
vontade da recorrida de não reatar a vida conjugal;
- Ao reduzir a verificação do fundamento previsto na al. d) à
separação de facto e à vontade da apelada em não retomar a vida de casada, a
sentença recorrida esvaziou a al. a), violando-a.
A argumentação da recorrente assenta em dois pressupostos
errados, respeitando um deles à interpretação da lei e o outro à interpretação
da sentença recorrida.
A manutenção, na al. a) do artigo 1781.º, da exigência de
separação de facto entre os cônjuges como fundamento autónomo de divórcio,
limita o âmbito de aplicação da al. d) do mesmo artigo na estrita medida em que
esta não pode ser interpretada no sentido de abranger a separação de facto por
tempo inferior ao exigido pela al. a). Seria contraditório a lei vedar o
decretamento de um divórcio por via do disposto na al. a) e, simultaneamente,
admitir esse decretamento ao abrigo da al. d) com fundamento em separação de
facto por período inferior a um ano consecutivo. Uma interpretação da al. d)
que conduzisse a este resultado seria inadmissível nos termos do artigo 9.º,
n.ºs 1 e 3.
Porém, apenas nesta medida o disposto na al. a) do artigo 1781.º
delimita negativamente o âmbito de aplicação da al. d). Carece de fundamento a
interpretação, proposta pelo recorrente, de que apenas em casos excepcionais ou
especialmente graves – apontando aquele, como exemplos, a constituição de uma
nova família ou a prática de violência doméstica por um dos cônjuges –, o período
de espera estabelecido na al. a) seja inexigível ao outro cônjuge,
permitindo-se-lhe, então, obter o divórcio ao abrigo da al. d), requerendo-o
antes de decorrido o prazo mínimo de um ano de separação de facto.
A única exigência da al. d) do artigo 1781.º é que se trate de
factos, diversos dos previstos nas alíneas anteriores, que, independentemente
da culpa dos cônjuges, demonstrem a ruptura definitiva do casamento.
Prescinde-se, pois, da culpa como fundamento do divórcio sem consentimento do
outro cônjuge e estabelece-se o referido critério objectivo.
Evidentemente que, para se poder concluir que se verifica uma
ruptura definitiva do casamento, tem de ser provada a ocorrência de factos a
que, à luz de um critério de normalidade, possa ser atribuído tal efeito.
Todavia, como referimos, carece de fundamento a ideia de excepcional gravidade
desses factos que o recorrente pretende veicular. Os termos em que a al. d) do
artigo 1781.º se encontra redigida não legitimam uma interpretação tão
restritiva.
Possuem potencialidade para originar a ruptura definitiva de um
casamento, desde logo, aqueles que constituam violação significativa dos
deveres conjugais (cfr. artigos 1672.º a 1676.º). É o caso dos dois exemplos
dados pelo recorrente, mas inúmeros outros podem preencher a previsão da al. d)
do artigo 1781.º.
Tais factos determinantes da ruptura definitiva de um casamento
podem ocorrer sem que os cônjuges se encontrem, sequer, separados de facto, ou
quando ainda não tenha decorrido um ano de separação.
A ruptura definitiva de um casamento pode ser demonstrada por
uma sequência de factos ocorridos, uns antes da separação e outros depois
desta. Aí, a separação definitiva do casal será mais um facto, entre outros,
que revela a ruptura definitiva do casamento.
Todas estas hipóteses cabem na letra e no espírito da al. d) do
artigo 1781.º.
Por outro lado, a tese do recorrente assenta numa interpretação
errada da sentença recorrida. Esta não decretou o divórcio apenas com
fundamento numa separação de facto entre os cônjuges com menos de um ano de
duração e na vontade da recorrida de não reatar a vida conjugal. Ao contrário,
a sentença recorrida é bem explícita no sentido de que o fundamento de divórcio
previsto na al. d) do artigo 1781.º se verifica porquanto ficou provada uma
sequência de factos que conduzem à conclusão de que ocorreu uma ruptura
definitiva do casamento entre recorrente e recorrido. Essa sequência de factos
foi enunciada na própria fundamentação de direito.
Aquilo que cumpre avaliar é se a sequência de factos ocorridos
entre recorrente e recorrida, antes e depois da separação de facto entre eles,
é demonstrativa da ruptura definitiva do casamento. O tribunal a quo procedeu àquela avaliação e
concluiu que esta ruptura ocorreu efectivamente.
Analisemos, então, os factos relevantes.
Os desentendimentos entre recorrente e recorrida começaram há
cerca de oito ou nove anos, passando a ser frequentes as discussões entre eles,
com a consequente deterioração do relacionamento conjugal. Porque tais
problemas persistiam, recorrente e recorrida iniciaram terapia familiar em
2018, a qual se prolongou durante quase um ano. A relação conjugal não melhorou
com a terapia familiar, continuando a recorrida a sentir elevado desgaste
emocional.
Portanto, os problemas entre recorrente e recorrida não surgiram
pouco antes da sua separação, nomeadamente com a discussão entre eles ocorrida
no Natal de 2018, antes se tendo arrastado durante oito ou nove anos. Nem
sequer o recurso a terapia conjugal atenuou a deterioração do relacionamento
entre eles. Foram vários anos de crise conjugal, que não podem deixar de ser
levados em consideração.
Carece de fundamento a afirmação do recorrente segundo a qual,
ao recorrerem à terapia conjugal, ele e a recorrida demonstraram que mantinham
o firme propósito de continuarem juntos (conclusão 13). Há aqui um evidente
exagero. O recurso a terapia conjugal no contexto de uma crise que se arrastava
havia vários anos inculca que o mesmo não passou de uma derradeira e,
porventura, desesperada tentativa de salvação de uma relação matrimonial já
muito deteriorada. De forma alguma demonstra, por si só, qualquer firme
propósito, por parte de ambos os cônjuges, de continuarem juntos. O inêxito da
referida terapia reforça a ideia de que os problemas de relacionamento que se
verificavam entre recorrente e recorrida eram, já então, muito graves.
No Natal de 2018, ocorreu a discussão que parece ter constituído
a “gota de água” que fez transbordar o copo da recorrida. Essa discussão,
descrita como “acesa”, foi motivada pelo facto de o recorrente se ter
manifestado contra o transporte da irmã da recorrida no veículo do casal.
Em Janeiro de 2019, a recorrida abandonou a casa de morada de
família.
O recorrente alega que foi a discussão ocorrida no Natal de 2018
que motivou o abandono da casa de morada de família pela recorrida (conclusão
15), considerando que, por se tratar de um motivo fútil, não pode essa
discussão ser considerada como uma causa objectiva da ruptura definitiva do
casamento.
Esta argumentação não procede. Os problemas conjugais entre
recorrente e recorrida eram graves e verificavam-se havia oito ou nove anos. A
discussão ocorrida no Natal de 2018 teve apenas a particularidade de ter sido a
última de muitas. A recorrida abandonar a casa de morada de família na
sequência dessa discussão não foi uma atitude fútil. Fútil foi o motivo da
discussão, ou melhor, a atitude do recorrente que esteve na sua origem.
Tratou-se, enfim, de mais uma de muitas discussões do casal ao longo de vários
anos, que sabemos ter sido acesa e por um motivo fútil. Não é surpreendente que
tenha sido a última.
Após abandonar a casa de morada de família, na sequência de
todos os factos descritos, a recorrida foi viver em casa de seus pais, onde
ficou durante cerca de nove meses. Posteriormente, passou a residir no seu
local de trabalho, que adaptou para o efeito. Desde Janeiro de 2019 que
recorrente deixou de ter interesse na vivência em comum com o recorrente, não
tendo voltado a partilhar cama, mesa e habitação com este. A recorrida não
pretende restabelecer a vida em comum com o recorrente.
Perante esta sequência de factos, que, de novo salientamos, teve
o seu início vários anos antes da separação do casal, impõe-se concluir,
secundando o tribunal a quo, que
ficou demonstrada a ruptura definitiva do casamento entre recorrente e
recorrida, pelo que se verifica o fundamento de divórcio sem consentimento de
um dos cônjuges previsto na al. d) do artigo 1781.º. Objectivamente, a comunhão
de vida entre recorrente e recorrida acabou.
De forma alguma pode concluir-se, como o recorrente sustenta,
que apenas se provou a separação de facto do casal durante período inferior a
um ano e a vontade da recorrida de não reatar a vida em comum e que foi com
esse fundamento que a sentença recorrida decretou o divórcio. Esta interpretação
da sentença ignora o conjunto dos factos ocorridos entre recorrente e recorrida
ao longo de anos e ali dados como provados.
Concluindo, o recurso deverá ser julgado improcedente. Fica,
assim, prejudicado o conhecimento da segunda questão acima enunciada,
mantendo-se integralmente a sentença recorrida.
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Dispositivo:
Delibera-se,
pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
*
Évora, 13.05.2021
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
1.º adjunto
2.º adjunto