Processo n.º 2745/22.5T8ENT-A.E1
– Embargos de executado
*
Condenação no
pagamento de quantia contra a apresentação de factura.
Condição.
Exigibilidade
do pagamento.
Efeitos da
anulação da factura emitida.
*
Executado/embargante/recorrente:
- AAA.
Exequente/embargado/recorrido:
- BBB.
Decisões
recorridas:
- Despacho, proferido em
06.10.2023, mediante o qual o tribunal a
quo indeferiu o requerimento, apresentado pelo ora recorrente, de suspensão
do prosseguimento da execução sem prestação de caução;
- Sentença, proferida em
13.11.2023, mediante o qual o tribunal a
quo:
- Julgou os embargos
improcedentes, determinando o prosseguimento da execução;
- Julgou improcedentes os
pedidos, formulados por embargante e embargado de forma cruzada, de condenação por
litigância de má-fé.
Conclusões do
recurso:
1. Vem o presente recurso
interposto do despacho de 6/10/2023, que indeferiu a requerida suspensão da
instância executiva com base no disposto no art. 733º, nº 1, al. c), do CPC e
da sentença que dando por verificada a condição – apresentação da competente
factura, apesar de esta ter sido posteriormente anulada – considerou exigível a
obrigação exequenda, julgou improcedente os embargos deduzidos pelo executado,
ora apelante, determinando, em consequência, a prossecução da execução contra o
embargante deduzida pelo exequente.
2. Decidiu-se mal numa e
na outra das ocasiões.
3. Nos termos do art. 733.º,
nº 1, al. c), do CPC, “O recebimento dos
embargos suspende a execução se (…) tiver sido impugnada, no âmbito da oposição
deduzida, a exigibilidade (…) da liquidação exequenda e o juiz considerar,
ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução”.
4. Em 06/10/2023, foi
proferido o despacho recorrido, que indeferiu a requerida suspensão da instância
executiva.
5. Nesse despacho,
citou-se jurisprudência no sentido de que se justificará a suspensão da
execução sem prestação de caução quando tiver sido consistentemente questionada
a exigibilidade da obrigação exequenda.
6. Mas, depois, disse-se que,
pese embora ter sido invocada a inexigibilidade da obrigação exequenda, “a versão factual trazida pelo
executado/embargante não se mostra já solidamente ancorada nos elementos
documentais juntos aos autos, designadamente porque o acórdão exequendo transitou
em julgado em 20-09-2021 (…) a fatura junta com o requerimento executivo foi
emitida em 07-01-2022 e, de acordo com o documento junto com a petição inicial
dos presentes embargos, terá sido anulada apenas em 16-05-2022”.
7. Logo, para o Senhor
Juiz a quo era admissível que se
considerasse inexigível a obrigação exequenda.
8. E, efectivamente, tal
obrigação, como melhor se verá das alegações do recurso na parte que se refere
à sentença, e como abundantemente se vê dos elementos documentais juntos com a
p. i. de embargos, é inexigível.
9. Nos termos do art.
644º, nº 3, do CPC, as decisões interlocutórias que não constem do elenco do n.º
2 da mesma disposição, devem ser impugnadas no recurso interposto da decisão
final.
10. É, pois, este o
momento para recorrer dessa decisão.
11. E a verdade é que essa
decisão não pode ser mantida, tendo que se suspender a execução, nos termos do
art. 733º, nº 1, al. c), do CPC, que configura um verdadeiro poder-dever e não
um poder discricionário.
12. Como se refere na sentença
recorrida, “no acórdão exequendo foi
decidido condenar o R. a pagar ao A. a quantia de € 7 900.00 (sete mil e
novecentos euros) contra a apresentação da competente factura,
vencendo-se juros a partir de então” (sublinhado nosso).
13. Ademais, na respectiva
fundamentação foi sublinhado que, “como
sustenta o R. no seu recurso, fazendo apelo ao douto acórdão do TRC de
16/12/2015, proferido no processo 162/12.4 TBMDA.C1 (…), o montante em dívida
só se torna exigível contra a apresentação da respectiva factura. Como se
explica naquele aresto, “a emissão e apresentação duma factura, respeitante a
um serviço prestado, não constitui apenas uma obrigação legal imposta pelos
arts. 29.º/1/b e 36.º/1 do CIVA; acaba por funcionar também como uma condição
de cuja verificação/preenchimento depende a exigibilidade do pagamento em causa.
14. (…) Emissão obrigatória de factura que é pois uma condição legal da exigibilidade
do IVA pela prestadora de serviços á utilizadora do serviço (que é quem deve
efectivamente suportá-lo, que é o contribuinte de facto) e, sendo assim, não é
apenas o IVA que não pode ser exigido sem prévia emissão e apresentação de
factura (com os requisitos estabelecidos no art. 36.º/5 do CIVA) é antes toda a
dívida, ainda em discussão, que não pode ser exigida (uma vez que, sendo o IVA
exigível no momento de realização do serviço, a remuneração deste serviço não
pode ser exigida sem ser exigido o respectivo IVA)”. E aí se conclui que “(…) perspectivando em termos
jus-civilísticos o que vimos dizendo – a emissão obrigatória de factura
funciona como uma “implícita” condição legal (cfr. art. 270.º do C. Civil) que,
enquanto não preenchida, determina não poder considerar-se vencida e exigível a
obrigação – toda ela, remuneração efectiva do serviço e imposto IVA – aqui
litigado, havendo, por isso, lugar à aplicação do art. 610.º/1 e 2/a) do CPC”.
15. Não merece, assim,
dúvida, quer para os Senhores Juízes Desembargadores que proferiram o acórdão
que constitui o título executivo, quer para o Senhor Juiz a quo que a emissão de factura que titule a remuneração pelos
serviços jurídicos prestados pelo Exequente /embargado ao Executado /Embargante
funciona como uma “implícita”
condição legal que determina que não se possa considerar vencida e exigível a
obrigação exequenda.
16. O pomo da discórdia
está em que para o Senhor Juiz a quo
essa condição se tem por verificada e, em consequência, exigível a obrigação
que titula, pela mera emissão da factura e na data da sua emissão,
independentemente de, posteriormente e antes da propositura da execução que
vise realizar coercivamente a obrigação nela titulada, ter a mesma sido
anulada, ou seja, dada sem efeito, por iniciativa do próprio prestador de
serviços.
17. Não se pode concordar
com tal entendimento, que além do mais, afronta flagrantemente o próprio acórdão
exequendo.
18. Como bem refere o
Senhor Juiz a quo, a anulação da
factura, nos termos do art. 4.º, n.º 2, da Portaria n.º 338/2025, de 08/10
implica que sejam “desconsiderados os
efeitos da titularização das operações e de quitação, consoante as circunstâncias,
não servindo, nomeadamente, como comprovativo de encargos ou gastos”.
19. E é exactamente por
isso que se escreve na notificação da AT, dirigida ao Executado/Embargante: “Esta anulação implica a ineficácia do (a)
Fatura emitido enquanto documento comprovativo da aquisição de bens ou da
prestação de serviços e/ou do seu pagamento”.
20. Ora, contrariamente ao
sustentado pelo Senhor Juiz a quo os
efeitos da anulação de uma factura previstos naquele normativo não têm
consequências estritamente fiscais.
21. Se, como se aceita, e
foi, como se viu, superiormente decidido, “em
termos juscivilísticos (….) – a emissão obrigatória de factura (que traduz a
titularização das operações sujeitas a IVA) funciona como uma “implícita”
condição legal (cfr. art. 270.º do C. Civil) que, enquanto não preenchida,
determina não poder considerar-se vencida e exigível a obrigação – toda ela,
remuneração efectiva do serviço e imposto IVA” (entrelinhado nosso), a
desconsideração dos efeitos dessa titularização, por via da anulação da factura
que a traduz, só pode significar, também jus-civilisticamente, o ter de se dar
como não verificada, ou desconsiderada, para utilizar o termo utilizado no
diploma legal citado, a “implícita”
condição legal consistente na emissão da factura que titule a prestação de
serviços.
22. Naturalmente, quando
se refere o Acórdão exequendo à obrigatória emissão da factura, fazendo apelo
às normas do CIVA que a disciplinam, quer-se referir a uma factura válida,
emitida de acordo com as regras do imposto regulamentado por esse Código.
23. Não, como se crê
evidente, a um documento que já não seja uma factura para efeitos dessa regra e
código, como é o caso de uma factura anulada, que, de acordo com tais regras,
já não titula as operações, no caso, a prestação de serviços de advocacia,
realizada.
24. Realce-se que a
anulação da factura foi promovida, pelo Exequente antes da instauração da
execução.
25. E note-se que, nos
termos do art. 716º, nº 1, do CPC, a condição legal implícita que constitui a
emissão da factura tem que estar verificada no momento da apresentação do
próprio requerimento executivo e tem essa verificação que ser demonstrada nesse
mesmo requerimento executivo.
26. No caso, alegou-se
essa verificação e pretendeu-se fazer essa demonstração.
27. Mas fez-se isso
falsamente, simulando que estava válida e exigível a factura, que consubstancia
a verificação da condição de que, por seu turno, nos próprios termos do Acórdão
exequendo, depende a exigibilidade da obrigação exequenda.
28. Omitindo-se deliberada
e propositadamente, com o fim de enganar o Tribunal, que a mesma pessoa que
estava a dar à execução esse “papel”
a que chamou factura, a havia, como tal, previamente anulado e deduzindo-se
pretensão que bem se sabia não ter fundamento.
29. Ou seja, o que fica
patente é a verificação das hipóteses previstas no art. 542º, nº 2, als. a) e
b) do CPC.
30. Note-se ainda, que a
culminar a sua lamentável atitude, não se coíbe, sequer, o Exequente/Embargado na
liquidação da obrigação de pedir juros sobre o valor do IVA , ou seja, sobre um
valor que não pagou, por via, precisamente, da anulação da factura,
prevalecendo-se para este efeito, da desconsideração dos efeitos da
titualização referidos no art. 4º da Portaria acima referida.
31. E note-se também que,
na construção que faz o Senhor Juiz a quo
no sentido de não ser exigível o pagamento do IVA a quem emitiu uma factura que
o não recebeu, está o mesmo a ir frontalmente contra o Direito.
32. Pois, como muito bem
notou o próprio Acórdão exequendo, o devedor do IVA é o prestador de serviços
que o deve exactamente pela prestação de serviços.
33. E deve-o, como se
sabe, independentemente de receber ou não da contraparte o valor da factura,
incluindo ou não esse IVA.
34. Por tudo o que, muito
ao contrário do decidido, têm os presentes embargos que ser julgados
procedentes, inclusive quanto ao pedido de condenação do Exequente/Embargado
como litigante de má-fé, que deve ser exemplar, atenta a qualidade de advogado
do Exequente e a intensidade do dolo.
35. Violou a sentença
recorrida todos e cada um dos normativos que se deixaram invocados.
Questões a
decidir:
- Exigibilidade da dívida
exequenda;
- Litigância de má-fé por
parte do recorrido.
Factos
julgados provados pelo tribunal a quo:
1. Através de requerimento
datado de 27-09-2022 BBB propôs contra AAA a presente acção executiva para
pagamento da quantia global de € 9.996,00 (nove mil novecentos e noventa e seis
euros).
2. Deu à execução a sentença
e acórdão proferidos no âmbito do Processo n.º 1368/04.5TBBNV-B do Juízo
Central Cível de Santarém – Juiz 3 - deste Tribunal Judicial da Comarca de
Santarém, o segundo dos quais prolatado pelo Tribunal da Relação de Évora em
30-06-2021 e transitado em julgado em 20-09-2021.
3. Nesse acórdão exequendo
foi decidido condenar «o R. a pagar ao A.
a quantia de €7 900.00 (sete mil e novecentos euros) contra a apresentação da
competente factura, vencendo-se juros a partir de então».
4. Na respectiva fundamentação
conta, além do mais, o seguinte:
«No caso em apreço, estando embora em causa uma prestação de
serviços que se foi prolongando no tempo, ao renunciar ao mandato o A. deveria
ter emitido factura/recibo relativa aos serviços prestados, incluindo o IVA.
Todavia, a circunstância de não ter cumprido as suas obrigações fiscais não o
impede de fazer valer em juízo os seus direitos (veja-se o disposto no art.º
274.º do CPC), nem tão pouco constituo obstáculo à posterior regularização da
sua situação fiscal.
Não se questionando que a prestação de serviços aqui em causa dá
origem à liquidação do IVA e encontrando-se por liquidar a apurada quantia de
€7900,00 sobre ela incide IVA à taxa de 23% que se encontra em vigor desde
1/1/2011).
Todavia, e como sustenta o R. no seu recurso, fazendo apelo ao
douto acórdão do TRC de 16/12/2015, proferido no processo 162/12.4 TBMDA.C1
(…), o montante em dívida só se torna exigível contra a apresentação da
respectiva factura. Como se explica naquele aresto, “a emissão e apresentação
duma factura, respeitante a um serviço prestado, não constitui apenas uma
obrigação legal imposta pelos arts. 29.º/1/b) e 36.º/1 do CIVA; acaba por
funcionar também como uma condição de cuja verificação/preenchimento depende a
exigibilidade do pagamento em causa.
(…) Emissão obrigatória de factura que é pois uma condição legal
da exigibilidade do IVA pela prestadora do serviço à utilizadora do serviço
(que é quem deve efectivamente suportá-lo, que é a contribuinte de facto); e,
sendo assim, não é apenas o IVA que não pode ser exigido sem prévia emissão e
apresentação de factura (com os requisitos estabelecidos no art. 36.º/5 do
CIVA), é antes toda a dívida, ainda em discussão, que não pode ser exigida (uma
vez que, sendo o IVA exigível no momento de realização do serviço, a
remuneração deste serviço não pode ser exigida sem ser exigido o respectivo
IVA)”. E aí se conclui que “(…) perspectivando em termos jus-civilistas o que
vimos dizendo – a emissão obrigatória de factura funciona como uma “implícita” condição
legal (cfr. art. 270.º do C. Civil), que, enquanto não preenchida, determina
não poder considerar-se vencida e exigível a obrigação – toda ela, remuneração
efectiva do serviço e imposto IVA – aqui litigada, havendo, por isso, lugar à
aplicação do art. 610.º/1 e 2/a) do CPC”.
Sendo tal entendimento válido na situação dos autos, vai o R.
condenado a pagar o montante em dívida, acrescido de I.V.A. à taxa legal de
23%, contra a emissão da competente factura, sendo devidos eventuais juros de
mora apenas a partir de então».
5. Em 07-01-2022 o
exequente/embargado emitiu a factura n.º 1000000, no valor total de € 9.717,00
(nove mil setecentos e dezassete euros), sendo € 1.817,00 (mil oitocentos e
dezassete euros) a título de I.V.A. à taxa de 23%.
6. Nessa mesma data
remeteu a aludida factura ao mandatário do aqui executado/embargante, o que
repetiu em 15-01-2022.
7. O aqui
executado/embargante não liquidou a identificada factura.
8. Em 16-05-2022 o aqui
exequente/embargado procedeu à anulação da mesma junto da Autoridade Tributária
e Aduaneira, facto que esta comunicou ao executado/embargante naquela mesma
data.
9. No requerimento
executivo mencionado em 1 supra o exequente/embargado alegou o seguinte:
«1) Por Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido
em 30 de Junho de 2021, no âmbito de acção declarativa, sob a forma de processo
ordinário, movida contra o Executado AAA, que correu termos pelo Juízo Central
Cível de Santarém, J3, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, sob o n.º 1368/04.5TBBNV-B,
foi o identificado Executado condenado a pagar ao Exequente a quantia de €
7.900,00 (sete mil e novecentos euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor
à data (23%), perfazendo o valor global de € 9.717,00 (nove mil setecentos e
dezassete euros), contra a apresentação da competente factura, vencendo-se
juros a partir de então (…);
2) Na data de 07/01/2022 o Exequente emitiu a factura em causa e
remeteu-a ao mandatário do Executado, na referida data (…);
3) Não tendo recepcionado o pagamento, nem qualquer comprovativo
do mesmo ter sido ordenado, apesar de ter enviado dados da conta bancária para
tal desiderato, o Exequente enviou nova comunicação na data de 15/01/2022,
acompanhada da referida factura;
4) Até à presente data, não obstante a decisão que condenou o
Executado no pagamento da quantia, imposto e juros moratórios, nada pagou ao
Exequente (…).
5) Acresce que, o Executado deve ainda ao Exequente, a título de
juros entretanto vencidos, calculados à taxa legal em vigor, desde a data de
interpelação ao pagamento (07/01/2022) até à presente data, a quantia de €
279,00.
6) O Executado deve ainda os juros vincendos a contar da
presente data (28/09/2022), até efectivo e integral pagamento, que deverão ser
liquidados a final pelo Agente de Execução nomeado, nos termos do n.º 2 do
Artigo 716.º do CPC, à taxa de juro de mora anual em vigor e aplicável.
7) Além do valor de capital em que o Executado foi condenado e
os juros moratórios já vencidos e vincendos, o Exequente requer seja o Executado
sancionado com o pagamento de juros compulsórios, calculados à taxa legal de 5%
ao ano, desde a data de emissão da factura e interpelação ao pagamento, ao
abrigo do disposto no artigo 829.º - A, n.º 1 e 4 do Código Civil (…).
(…)».
10. Com o requerimento
executivo juntou cópia da factura identificada em 5.
*
Segundo o
recorrente, o crédito exequendo não é exigível porquanto:
- No acórdão que constitui
o título executivo, foi condenado a pagar, ao recorrido, a quantia de € 7.900,
contra a apresentação da competente factura, vencendo-se juros a partir de
então;
- Sem a emissão da
factura, a obrigação exequenda não é exigível;
- O recorrido emitiu uma
factura; porém, antes da instauração da execução, anulou-a;
- O tribunal a quo considerou a obrigação exigível
com fundamento no facto de o recorrido ter emitido a factura, não obstante a
anulação desta;
- Este entendimento é
errado, pois, por efeito daquela anulação, a factura deixou de o ser, não
titulando a prestação de serviços pelo recorrido, nos termos do artigo 4.º, n.º
2, da Portaria n.º 338/2015, de 08.10;
- A factura tornou-se
ineficaz enquanto documento comprovativo da aquisição de bens ou da prestação
de serviços e/ou do seu pagamento;
- Nos termos do artigo
715.º, n.º 1, do CPC[1], a
condição legal implícita que constitui a emissão da factura tem de se verificar
no momento da apresentação do requerimento executivo, no qual essa verificação
tem de ser demonstrada.
O recorrente
não tem razão.
O acórdão dado
à execução condenou o recorrente a pagar, ao recorrido, a quantia de € 7.900,
acrescida de IVA à taxa de 23%, perfazendo € 9.717, «contra a apresentação da competente factura, vencendo-se juros desde
então».
Da
fundamentação do mesmo acórdão consta, nomeadamente, o seguinte: «(…) o montante em dívida só se torna
exigível contra a apresentação da respectiva factura. (…) a emissão e
apresentação duma factura, respeitante a um serviço prestado, não constitui
apenas uma obrigação legal imposta pelos arts. 29.º/1/b) e 36.º/1 do CIVA;
acaba por funcionar também como uma condição de cuja verificação/preenchimento
depende a exigibilidade do pagamento em causa. (…) a emissão obrigatória de
factura funciona como uma “implícita” condição legal (cfr. art. 270.º do C.
Civil), que, enquanto não preenchida, determina não poder considerar-se vencida
e exigível a obrigação – toda ela, remuneração do serviço efectivo e imposto
IVA – aqui litigada, havendo, por isso, lugar à aplicação do art. 610.º/1 e
2/a) do CPC».
Resulta dos
excertos que acabamos de transcrever que o recorrente foi condenado a pagar a quantia
em causa contra a apresentação da factura. Por efeito dessa apresentação, a
dívida tornar-se-ia exigível.
Posteriormente
à prolação do acórdão, mais precisamente em 07.01.2022, o recorrido emitiu e
remeteu a factura ao mandatário do recorrente. Voltou a remetê-la em
15.01.2022. O recorrente não põe em causa que tenha recebido a factura.
Sendo assim, a
dívida tornou-se exigível. Não obstante, o recorrente não a pagou. Saliente-se
que a factura esteve a pagamento entre 07.01.2022 e 16.05.2022, data em que o
recorrido a anulou. Ou seja, o recorrente encontrava-se em mora quando a
factura foi anulada.
A anulação da
factura não fez cessar a mora, nem tornou a dívida inexigível. O acto de
apresentação da factura ao recorrente não deixou de existir e de produzir o
efeito que o acórdão dado à execução lhe associou, ou seja, a exigibilidade da
dívida. Daí que a exigência feita pelo artigo 715.º, n.º 1, do CPC, se encontre
satisfeita. O recorrente alegou e provou, documentalmente, no requerimento
executivo, que apresentou a factura.
Os efeitos que
o artigo 4.º, n.º 2, da Portaria n.º 338/2015, de 08.10, atribui à anulação de
uma factura, têm natureza estritamente jurídico-fiscal. Nem outro efeito
poderia ser atribuído a uma portaria do Ministério das Finanças. De forma
alguma poderia tal portaria estabelecer um regime derrogatório do Código Civil.
Os efeitos civis que o acórdão a que nos vimos reportando associa à
apresentação da factura produziram-se e persistem.
A conclusão a
que acabamos de chegar é corroborada pela ponderação do resultado a que
conduziria a tese que o recorrente sustenta. O recorrido anulou a factura
porque o recorrente não pagou a quantia nela mencionada. Dessa forma, o recorrido
evitou, legitimamente, entregar, ao Estado, IVA que não recebeu do recorrente. Associar,
àquela anulação, a repristinação da situação de inexibilidade da dívida que se
verificava antes da apresentação da factura, constituiria um óbvio benefício do
infractor. Este resultado não decorre da lei nem, seguramente, foi visado pelo
acórdão dado à execução.
Concluímos, assim,
como na sentença recorrida, que a dívida exequenda é exigível, carecendo os
embargos de fundamento.
Concluímos,
igualmente, que o tribunal a quo
decidiu correctamente quando, no despacho recorrido, indeferiu o pedido de
suspensão do prosseguimento da execução sem prestação de caução, formulado ao
abrigo do disposto no artigo 733.º, n.º 1, al. c), do CPC. Já então era
evidente que a dívida exequenda era exigível, pelo que não se justificava
aquela suspensão.
Finalmente, é
patente a ausência de fundamento para condenar o recorrido por litigância de
má-fé. Resulta do exposto que, através da instauração da execução, ele se
limitou a exercer judicialmente o seu direito de crédito em conformidade com o
decidido pelo acórdão dado à execução, atenta a mora em que o recorrente se
encontrava. Nos presentes embargos, o recorrido também se limitou a exercer, aliás
com inteira razão, o seu direito de defesa.
O recurso
improcede, pois, na totalidade.
*
Dispositivo:
Delibera-se,
pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o despacho e a
sentença recorridos.
Custas a cargo
do recorrente.
Notifique.
*
Évora,
23.04.2024
Vítor Sequinho dos Santos (relator)
(1.ª adjunta)
(2.º adjunto)